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11/4/2019 Empobrecimento tecnológico na indústria dificulta retomada | Eu & | Valor Econômico

Eu &
Empobrecimento tecnológico na indústria
dificulta retomada
O grande drama do setor entre as mil maiores empresas retratadas no ranking anual
do ‘Valor’ está no seu empobrecimento tecnológico, um desafio a mais para a
retomada

Por Denise Neumann — Para o Valor, de São Paulo


01/11/2019 05h01 · Atualizado há 2 dias

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Para o economista Paulo César Morceiro, políticas industriais falharam porque não focalizaram na inovação, não
apostaram na exportação e criaram campeões errados — Foto: Silvia Costanti/Valor

No ano 2001, a Cristália foi o destaque setorial na indústria farmacêutica, na primeira


edição do anuário “Valor 1000”. Naquele ano, a indústria que nasceu dentro do setor
de serviços - foi fundada por um grupo de médicos donos de um hospital em Itapira, a
200km de São Paulo - ocupou a 663ª posição entre as mil maiores empresas do Brasil.
Enquanto frequentou a lista das melhores em 15 das 19 edições do anuário, a empresa
cresceu e entrou também no restrito grupo dos dez maiores fabricantes de
medicamentos do país.

O caminho traçado pela Cristália, no entanto, foi como andar na contramão do setor e
da indústria brasileira. A empresa investe em média 4% do seu faturamento líquido em
inovação, tem 107 patentes registradas (mas mais de 300 depositadas), 54% da sua
receita vem de matérias-primas feitas no Brasil e, enquanto grandes farmacêuticas
anunciam o fechamento de suas plantas no país, ela acabou de inaugurar mais uma
fábrica.

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A Calçados Beira Rio também foi o destaque do setor Têxtil, Couro e Vestuário há 18
anos. Desde então, passou de 8 para 12 fábricas, todas no Rio Grande do Sul, e de 5 mil
para 11 mil funcionários, período em que ampliou o peso das exportações para 17% do
faturamento.

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Também em rota contrária a do setor em que atua, que encolheu pressionado pelas
importações e pela falta de competitividade na exportação, a Beira Rio hoje mantém
uma equipe exclusiva para pesquisar o que os consumidores e os influenciadores
estão dizendo nas redes. Com base nesse acompanhamento e ancorada na agilidade
de produção que montou nos últimos anos, faz lançamentos quinzenais para entregar
aquilo com que o consumidor apenas começou a sonhar.

As duas empresas não só se mantiveram no grupo das melhores indústrias em


operação no Brasil como galgaram mais de 300 posições no ranking das mil maiores
entre 2001 e 2019 (respectivamente, resultados de 2000 e 2018). São estratégias que se
destacam em tempos de forte desindustrialização. Atualmente, apenas R$ 11 de cada
R$ 100 gerados no país todos os anos vêm da indústria de transformação.

Entre as mil maiores empresas em operação no país, retratadas anualmente no


ranking do Valor, o maior drama da indústria não está na perda de tamanho, mas no
seu empobrecimento tecnológico. Entre as mil maiores de todos os setores, o peso da
indústria (sem Petrobras) passou de 48,1% em 2000 para 45,7% no ano passado
(edição 2019 do ranking).

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Ogari Pacheco, da Cristália, atribui crescimento ao fato de 54% do faturamento ser ancorado em produção de matérias-
primas feitas no Brasil — Foto: Luis Ushirobira/Valor

Mas, olhando para dentro da indústria, hoje, nada menos que 36,8% da receita vem de
alimentos, bebidas e fumo, peso que era de 20,2% no ano 2000, enquanto a
contribuição do setor eletroeletrônico encolheu quase 5 pontos, caindo de 8,3% para
apenas 3,8% ao longo desse período, sem falar no quase sumiço da indústria de
informática. Também perderam espaço a indústria de veículos e peças e setores
tradicionais como têxtil, vestuário e calçados, enquanto a indústria relacionada à
exploração de commodities avançou.

Se em 2000 o terceiro maior faturamento entre todas as empresas brasileiras era da


Volkswagen, a maior montadora de automóveis do país hoje ocupa apenas a 34ª
posição nesse ranking. Antes dela, desfilam alguns “campeões nacionais”, como a JBS,
segundo maior faturamento em 2018, mas que detinha a 382ª posição em 2000, ainda
como a modesta Friboi, e a Braskem, 7ª no ano passado e que foi formada em 2002
com a fusão de seis empresas que estavam, individualmente, entre as mil maiores no
primeiro anuário, a começar pela Copene, naquele ano ainda uma estatal, mas que no
ano seguinte foi comprada pela Odebrecht.

Como resultado do movimento de consolidação no setor industrial - uma entre várias


estratégias de sobrevivência e de aumento de eficiência e produtividade adotadas nas
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últimas duas décadas -, o peso das cinco maiores indústrias de transformação no


ranking das mil maiores passou de 8,4% da receita líquida do setor industrial para 23%
entre 2000 e 2018.

Para o professor David Kupfer, da UFRJ, há uma doença industrial no Brasil: “A indústria não consegue evoluir nem no ritmo
da economia brasileira, que está estagnada” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Parte dessa mudança também reflete a nova metodologia no ranking do “Valor 1000”,
pois em 2000 as informações apresentadas eram oriundas dos balanços individuais
das empresas e em 2018, preferencialmente de balanços consolidados, quando
existentes. Mas não foi só o tamanho das empresas que mudou, pois o perfil também
é completamente diferente e de novo reflete a comoditização da indústria brasileira.

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Entre as maiores, saíram as montadoras e a Embraer, e entraram empresas de


alimentos, bebidas e processadores de commodities. Os economistas chamam esse
movimento de “especialização regressiva” da indústria brasileira e ele é geral e ainda
mais pronunciado no conjunto do setor do que entre as mil maiores empresas do país.

Se o movimento de consolidação no setor industrial impediu uma queda pronunciada


do peso do setor entre as maiores empresas, no conjunto do Produto Interno Bruto a
perda é muito mais pronunciada. Em 2018, a participação da indústria de
transformação foi de apenas 11,3%, o menor patamar desde que o PIB começou a ser
medido de forma regular e abrangente.

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Segundo Nelson Marconi, da FGV, 50% das vendas industriais são intraindústria: “O Brasil está no caminho de uma
indústria mexicana, de apenas montar produtos” — Foto: Nilani Goettems/Valor

A perda de densidade da indústria começou no fim dos anos 80. Em meados dessa
década, a participação bateu nos 35%, depois caiu fortemente e quase sem parar até a
virada dos anos 90 e 2000, quando atingiu a marca de 14%. Aí se recuperou um pouco,
voltou a quase 18% em 2004, para voltar a cair.

Dois economistas do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São


Paulo (Nereus-USP) compararam essa trajetória de desindustrialização local com a de
outros 30 países, que juntos representam cerca de 90% da indústria mundial e
concluíram que o Brasil é o caso mais grave desse grupo. Não foi o único país onde a
indústria perdeu espaço, mas em nenhum dos outros a perda de valor foi tão intensa
quanto aqui, concluíram Paulo César Morceiro e Milene Tessarin.

Em 1980, o Brasil era o sexto maior produtor de bens industriais do mundo e


respondia por 4,1% da produção dos maiores fabricantes mundiais. Na ocasião, a
China estava bem atrás do país, com apenas 1,65% dessa produção. No ano passado, a
China estava no topo da lista, concentrando 24,2% da produção dos 30 maiores países,
e o Brasil já detinha apenas 1,86% do total.

Perspectivas sobre a indústria brasileira e desenv…


desenv…

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Morceiro aponta algumas situações que ajudam a explicar a brutal desindustrialização


brasileira: primeiro, a saída do Estado como indutor e investidor em alguns setores
industriais e em infraestrutura (ele lembra que já nos anos 80 a economia foi marcada
por uma forte queda dos investimentos públicos), uma abertura comercial malfeita
(sem estratégia) nos anos 90 e depois o fracasso das tentativas de política industrial (já
nos anos 2000).

Elas falharam porque não foram focalizadas na inovação, não apostaram na


exportação e criaram os campeões nacionais “errados” porque a maioria das apostas
foi em setores de pouca densidade tecnológica, como alimentos e petroquímica,
resume o economista. A Coreia do Sul, pondera, também teve uma política industrial
que apostou na formação de grandes empresas, mas o projeto resultou em
companhias como Samsung e Hyundai. Além disso, desde os anos 80 o país asiático
conseguiu aumentar de 1% para 4% do PIB o investimento em pesquisa e
desenvolvimento, percentual que no Brasil mal se mantém em 1,2% ao ano.

Depois de ter ensaiado uma recuperação no começo dos anos 2000, a indústria
retomou a trajetória de encolhimento em 2005. Ao longo dos últimos 14 anos, o
câmbio apreciado foi uma realidade constante. Olhando por trimestres, desde o fim de
2005, em mais de 75% do tempo o dólar esteve mais de 10% acima daquele que
poderia ser considerado de equilíbrio para a indústria, segundo metodologia
desenvolvida pelo Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da Fundação Getulio
Vargas (CND-FGV). No decorrer desse longo período de apreciação cambial, a indústria
acabou por aumentar muito a importação de matérias-primas e componentes.

Desa os da Economia | Nelson Marconi - USP Tal…


Tal…

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Nelson Marconi, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo


(Eaesp) da FGV, pondera que do ponto de vista da estratégia individual das empresas,
dá para entender o aumento da importação de insumos como uma reação aos efeitos
do câmbio apreciado por um longo tempo, mas o resultado é uma bola de neve
negativa.

Ele observa que 50% das vendas industriais são intraindústria, então o próprio setor
compra menos do fabricante nacional e contribui para seu enfraquecimento. “Como
estratégia micro dá para entender, mas isso tem um efeito macro muito ruim, e acabou
se tornando uma armadilha. Eu espero que não, mas o Brasil está no caminho de uma
indústria mexicana, de apenas montar produtos”, diz.

Com mais três economistas, Marconi começou uma pesquisa a partir da hipótese de
que a margem de lucro industrial cairia quando o câmbio estivesse apreciado e
aumentaria com o câmbio depreciado, mas os dados mostraram que ocorreu o
contrário e indústrias de diferentes setores lucraram mais apesar do câmbio fora do
lugar. “Um dos fatores que explica esse resultado foi justamente essa mudança na
composição dos insumos”, diz Marconi.

Hoje, a série histórica da taxa de câmbio mostra que desde meados do ano passado
ela já está em uma situação de maior equilíbrio do ponto de vista industrial. Mas agora
os empresários já estão tão dependentes da importação “que preferem a redução das
tarifas sobre bens importados e a própria abertura”, acrescenta Marconi. O trabalho
concluiu que a troca do fornecedor local pelo do exterior foi mais intensa nos setores
de alta tecnologia. “Então, o problema não é só de redução da demanda, mas de perda
de conteúdo tecnológico, de densidade da produção local.”
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Projeto de Inovação em Cadeias Produtivas - Crist…


Crist…

A balança comercial brasileira mostra a deterioração entre exportação e importação de


bens manufaturados. Em 2000, a balança comercial dos bens de alta e média
tecnologia foi negativa em US$ 15 bilhões, valor que subiu recorrentemente até virar
um déficit de US$ 93 bilhões em 2014 e recuar na esteira da recessão brasileira, mas já
voltou a crescer e foi de US$ 57 bilhões no ano passado.

O problema, diz Marconi, não é importar, mas não exportar, pois a indústria no mundo
se organiza em cadeias globais de valor, e o Brasil não deveria ficar só na ponta que
importa, sem agregar valor e sem exportar. Um dos setores mais deficitários é o
farmacêutico, com importações de US$ 8,4 bilhões e exportações de apenas US$ 1,4
bilhão em 2018. No setor, mais de 90% dos insumos são importados.

A Cristália se orgulha de ser “diferente” nesse setor. Ogari Pacheco, presidente do


conselho de administração da farmacêutica, diz que não gosta de ditar regras, nem
pretende ensinar ninguém, mas atribui o crescimento constante da empresa nas
últimas décadas ao fato de 54% do faturamento ser ancorado em produção de
matérias-primas feitas no Brasil.

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Desindustrialização do Brasil é a mais grave entre 30 países


que representam 90% da indústria mundial, segundo estudo
de núcleo da USP

“Esse é certamente um diferencial que nos protegeu das oscilações do dólar”, diz ele,
listando também a decisão “desde sempre” de distribuir apenas 10% do lucro aos
acionistas como outra regra que fez diferença na estratégia da empresa. Como o
restante do lucro fica no caixa, ele foi usado para bancar investimentos, ampliações,
aquisições ao longo dos anos. “Do BNDES só pegamos R$ 13 milhões para uma fábrica
que custava R$ 200 milhões”, diz Pacheco, reforçando que nunca deveu dinheiro para
banco algum.

A Cristália investe em torno de 4% do faturamento líquido em inovação. A empresa já


tem 107 patentes registradas e mais de 300 depositadas (a aprovação é uma longa
espera). Diferentemente das outras grandes farmacêuticas de capital nacional, cuja
produção é ancorada em genéricos, a companhia apostou em desenvolver seus
próprios insumos. Na fábrica inaugurada em agosto, a companhia vai produzir seis
insumos para tratamento do câncer - no Brasil, até hoje, 100% da matéria-prima
necessária para a oncologia era importada.

Infelizmente, a aposta da Cristália em agregar valor à sua produção não é regra entre a
indústria brasileira. O professor David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), recorda que o movimento de desindustrialização não é deste século. O
processo de industrialização do Brasil foi interrompido no fim da década de 70 e piorou
com a crise dos anos 80. “E o Brasil nunca mais conseguiu se recuperar e retomar o
processo de desenvolvimento dos ramos industriais de maior valor adicionado e que
dão sustentação ao crescimento”, avalia.

Desde a década de 90, com a rodada de liberalização comercial, “o que se observa é o


que na literatura se convencionou chamar de especialização regressiva, em que os
setores mais graduados foram ou vêm aos poucos desaparecendo, com o retorno aos
produtos mais básicos, aos produtos iniciais das cadeias produtivas, baseados em
commodities”. Kupfer vem insistindo na ideia de que há uma doença industrial no

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Brasil. “A indústria não consegue evoluir nem no ritmo da economia brasileira, que está
estagnada. A indústria está involuindo”, resume.

Cenário Industrial no Brasil com David Kupfer

O professor da UFRJ aponta que entre os setores que o Brasil perdeu densidade estão
o segmento automotivo (que chegou a ser um quinto da produção brasileira,
considerando matéria-prima, autopeças e as montadoras), a mecânica (especialmente
bens de capital sob encomenda) e o químico, enquanto o setor eletroeletrônico,
também ausente, nunca existiu de fato no país. O Brasil, diz ele, ainda mantém uma
indústria tradicional bastante grande, com problemas de competitividade diversos,
especialmente porque é a que mais enfrenta a competição asiática - setores têxtil, de
vestuário e calçados.

A Calçados Beira Rio é um representante desse segmento, mas apostou em uma


estratégia de consolidação de marca junto aos consumidores (consumidoras,
principalmente) para diferenciar seu produto. “Aliamos design, moda, conforto e preço
competitivo”, explica a diretora comercial e de marketing, Maribel Silva.

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A empresa foi destaque no setor no primeiro ranking das melhores do segmento têxtil,
couro e vestuário, em 2001, e ficou na segunda posição no anuário de 2019. Ela conta
que a empresa tem um amplo mix de produtos e que já não trabalha na tradicional
sazonalidade de inverno e verão, sapato fechado e sapato aberto, mas oferece um
leque amplo, capaz de atender às demandas de diferentes públicos e culturas. “Com
isso, hoje, 17% da produção é destinada ao mercado externo, Antes, era 5%”, lembra.

Junto ao trabalho de marca para fidelizar o cliente - além da própria Beira Rio, a
empresa produz os calçados Vizzano e Moleka, entre outros -, a empresa tem feito
investimentos para reduzir o custo de produção e também tornar sua produção “mais
verde”, com reutilização da água da chuva, reaproveitamento de materiais (ela usa
resíduos para palmilhas e solados novos) e telhas translúcidas em todas as fábricas
para poupar energia, entre outras medidas que ao longo dos anos foram permitindo
reduzir custos e manter os calçados em um preço competitivo, sem perda de conforto
e sem abrir mão do design, diz Maribel.

Paulo Morceiro, Nelson Marconi e David Kupfer não descartam a possibilidade de que
a indústria de transformação venha a representar menos de 10% do PIB, mas acham
que é possível recuperar uma parte da densidade perdida na última década e meia,
embora também não tenham muitas ilusões de que o futuro seja “pujante”. Os três
defendem que mecanismos de política industrial são necessários, apesar do desgaste
que programas mal desenhados nos últimos anos ocasionaram.

“Houve um desvirtuamento dos instrumentos de política industrial para objetivos que


não deveriam ser dela. À medida em que a macroeconomia começou a piorar, muitas
medidas de política industrial foram colocadas a serviço de um efeito anticíclico para
tentar preservar um certo dinamismo econômico A política industrial não tem, nem
pode ter essa função. Isso desgastou os instrumentos, que deveriam ser focados na
reestruturação da indústria”, diz Kupfer. “A política de conteúdo local foi sendo posta a
serviço de geração de demanda. Não é para isso que ela serve. Ela é uma política de
oferta, e não de demanda.”

Paulo Morceiro diz que o longo tempo de desmonte da indústria hoje joga contra sua
recuperação. “Ficou mais difícil, a escala de investimentos necessários é muito grande.
Não dá para pôr uma pazinha onde os países têm colocado caminhões de dinheiro. O
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caminho é focar em poucos segmentos, na inovação, procurar nichos dentro de média


e alta tecnologia, em setores de serviços empresariais. Software é o cérebro da nova
revolução, especialmente junto a máquinas e equipamentos.”

Morceiro e Kupfer concordam que setores onde o Brasil já tem vantagens


comparativas - como a abundância de matéria-prima ou que demandam energia, um
insumo que ainda tem no país e que pode ter um preço menor que o atual - podem
dar um impulso à retomada. “Em química, petroquímica, setor automotivo, materiais
elétricos, por exemplo, a barreira é mais baixa pela história, mas é preciso mapear
nichos”, diz Morceiro. Por outro lado, adverte, setores como alimentos, bebidas, têxteis
e calçados tendem a perder participação no orçamento das famílias e é preciso ficar
atento para essas mudanças.

Marconi também vê falhas nas políticas industriais nos anos 2000. Para ele, faltou foco
na inovação e na exportação, e esse deveria ser o caminho agora. Ele não vê o atual
governo, contudo, fazendo qualquer movimento nesse sentido, embora veja alguns
elementos que podem ajudar a indústria, como câmbio mais competitivo e juros
básicos mais baixos.

Outra ajuda pode vir da reforma tributária. Se ela caminhar no sentido de um imposto
sobre valor agregado que desonere a produção, vai ajudar a competitividade do setor,
pondera o professor da FGV. Mesmo com uma macroeconomia na direção correta, diz,
é preciso ver se o país volta a crescer (há outros elementos jogando contra) e adotar
medidas que incentivem os setores corretos. “Mas agora, ao contrário do passado, o
governo não tem essa crença [da necessidade de uma política industrial].”

Além de não ter a crença, acredita no contrário, lamenta Kupfer. “É preocupante que,
além de não definir boas políticas há muito tempo, o país já não consegue preservar as
instituições necessárias. Estamos passando por um preocupante momento de
desconstrução da política científico-tecnológica brasileira, por desfinanciamento, por
mudança de atribuição de órgãos. Sem alguma capacidade própria de absorção de
tecnologia, de conhecimento, não vamos conseguir dar o salto necessário”, argumenta.
Morceiro lembra que na Coreia, junto a política industrial, o país fez um forte
investimento em educação.

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Os três economistas concordam que uma indústria com mais serviços embutidos é a
base das mudanças que precisam ser incentivadas. A carreira de Paulo Cunha, o PaCu,
executivo que atua no setor de tecnologia da informação há mais de três décadas no
país, é um exemplo dessa transformação necessária, pois o próprio setor de TI é o
retrato do fim da diferença entre o que tradicionalmente se chama de indústria e o
setor de serviços. PaCu trabalhou em empresas como Intel, Motorola e Microsoft e hoje
é o diretor de vendas da Amazon Web Services.

As últimas três décadas, lembra ele, foram de grandes transformações na área de TI e


telecomunicações, que começaram em meados da década de 90, quando a internet
passa a ser uma rede comercial, indo além do ambiente acadêmico. Ela permite a
primeira mudança, que é a saída do data center de dentro das empresas para fora das
empresas, e também é a base da segunda grande transformação, a computação na
nuvem.

“Com ela, invertemos o jogo, transformando a tecnologia de informação adquirida em


consumida”, observa o executivo. E no caso da Amazon, a empresa que atuava no
varejo se transforma em uma empresa de tecnologia com o braço da AWS, que
permite aos seus clientes, inclusive da indústria tradicional, fazer a transformação
digital a um custo muito menor e com mais agilidade.

Se por um lado essa transformação da qual a AWS é um exemplo reduz a necessidade


de máquinas (hardwares), por outro lado provoca uma transformação da própria
economia. No ranking do “Valor 1000” do ano 2000, a Nortel Networks e a Intel
figuravam, respectivamente, na segunda e terceira posição do segmento de
informática. Sem fábricas no Brasil, elas saíram da lista das mil maiores em 2018, mas o
ranking também mudou para refletir essa maior conexão entre manufatura e serviços.
Os antigos setores de informática e telecomunicações deram lugar ao setor de TI &
Telecom. Além das empresas de telefonia, integram a lista das dez maiores receitas
líquidas duas companhias que, na formação atual, não existiam há 18 anos, a Allied
Tecnologia e a Totvs.

PaCu não vê a história da indústria de tecnologia da informação e de telecomunicações


no Brasil como um relato de perdas. Primeiro, diz ele, a abertura do mercado no início
da década de 90 atraiu grandes fabricantes para cá, como Motorola, Dell e HP; depois,
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com a privatização das teles, criou um mercado altamente competitivo que permite o
acesso de grande parcela da população - além das próprias empresas - aos serviços
digitais, e há um mercado imenso para ser explorado.

Pelo potencial, explica, o Brasil foi a sexta região do mundo a receber um centro de
computação na nuvem da AWS - hoje são 22 no mundo. “A indústria tradicional pode
ter perdido espaço no PIB, mas há outras indústrias crescendo ancoradas nessa
transformação digital, e talvez a forma como eles se complementam [os setores
tradicionais e os novos] ainda não estejam sendo corretamente medidos”, acrescenta.

Essa é a transformação que dirige a economia e a indústria no mundo e está no cerne


da “indústria 4.0” - ou a Quarta Revolução Industrial. Para Marconi, Morceiro e Kupfer, o
Brasil andou atrás na terceira revolução (de desenvolvimento da eletrônica, dos
sistemas computadorizados e da robótica) e, apesar do otimismo de PaCu, temem que
o mesmo aconteça agora, pois até do discurso oficial essa preocupação desapareceu.
Que dirá da agenda.

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Balança comercial tem superávit de


US$ 1,206 bilhão em outubro
Saldo é resultado de US$ US$ 18,231 bilhões em
exportações e importações no valor de US$ 17,025
bilhões
01/11/2019 15:24 — Em Brasil

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