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MANUAL DE ABATE

HUMANITÁRIO DE PEIXES
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA
MANUAL DE ABATE
HUMANITÁRIO DE PEIXES

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA

Missão do Mapa:
Promover o desenvolvimento sustentável das cadeias produtivas
agropecuárias, em benefício da sociedade brasileira

Brasília
MAPA
2022
© 2022 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte e que
não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e
imagens desta obra é do autor.

1ª edição. Ano 2022

Elaboração, distribuição, informações:


Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação - SDI

Departamento de Desenvolvimento das Cadeias Produtivas


Coordenação de Boas Práticas e Bem-estar Animal
Endereço: Esplanada dos Ministérios, Bloco D – 1º andar, Sala 122
CEP: 70043-900 Brasília - DF
Tel.: (61) 3218-2541
E-mail: cbpa@agro.gov.br

Coordenação Editorial:
Equipe técnica:
Autor: Leonardo José Gil Barcellos
Design gráfico: Sirlete Regina da Silva

Coordenação:
Lizie Pereira Buss

Catalogação na Fonte
Biblioteca Nacional de Agricultura – BINAGRI
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................6

2 DESEMBARQUE E AVALIAÇÃO DOS ANIMAIS................................................ 9

3 MÉTODOS DE INSENSIBILIZAÇÃO E ABATE................................................. 13


3.1 Introdução......................................................................................................... 14
3.2 Métodos permitidos ......................................................................................... 14
3.3 Métodos não humanitários............................................................................... 26

4 MONITORAMENTO DA INSENSIBILIDADE (INDICADORES) ....................... 29

5 QUALIDADE DA SANGRIA E IMPACTOS NA CARNE.................................... 34


5.1 Sangria............................................................................................................. 35
5.2 Impactos do manejo pré-abate e do abate na qualidade de carne.................. 36

6 EQUIPAMENTOS E INSTALAÇÕES................................................................... 39
6.1 Equipamentos de insensibilização percussiva................................................. 40
6.2 Equipamentos de insensibilização elétrica....................................................... 40
6.3 Iniciativas brasileiras......................................................................................... 43
6.4 Tendências para equipamentos e instalações.................................................. 45

7 MONITORAMENTO DO ABATE HUMANITÁRIO EM ESPÉCIES


DE CULTIVO .........................................................................................................46

8 DESAFIOS, DIFICULDADES E PERSPECTIVAS............................................. 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................................. 52
1 INTRODUÇÃO
Introdução

É crescente a preocupação da so- para proteção dos peixes no momento


ciedade sobre a utilização dos animais do abate é necessário do ponto de vista
para a produção de alimentos. A maior científico, ético e moral.
preocupação recai no momento de ma- Considerando-se a captura e o
nipular os animais e provocar sua morte,
cultivo, os peixes são os animais mais
em sobre como é seu manejo pré-abate
abatidos no mundo, muito à frente
e abate.
do somatório de todas as outras ca-
É consenso científico que os peixes
deias produtivas animais (http://www.
são seres sencientes, ou seja, possuem
eurogroupforanimals.­org/fish-2). No Bra-
a capacidade de ter emoções associadas
sil, baseado nas estatísticas do Institu-
a prazer e sofrimento, com motivações
to Brasileiro de Geografia e Estatística
comportamentais de origem evolutiva.
(IBGE), e em dados científicos publica-
De fato, os peixes compartilham conos-
dos em 2022, mais de 350 mil toneladas
co boa parte das estruturas cerebrais as-
de tilápias são abatidas anualmente.
sociadas à essas emoções. Da mesma
Considerando-se um peso médio de 0,8
forma, os peixes têm comprovada capa-
Kg, isso implica no abate de mais de 435
cidade cognitiva, como memória e apren-
milhões de peixes, sem contar os de ou-
dizado, similares aos mamíferos.
tras espécies. Desse montante, mais de
Assim, apesar da normativa brasilei-
ra vigente que regula o abate de animais 80% são abatidos com métodos não con-
para açougue não contemplar peixes, siderados humanitários, especialmente
mesmo não sendo uma exigência legal, a a hipotermia em gelo ou água gelada e
realização de abate humanitário desses morte por asfixia (COELHO et al., 2022).
animais é uma exigência ética e moral. O termo “abate humanitário” é am-
De fato, mesmo que não existam regula- plo e envolve a adoção de práticas e
mentações legais a respeito, a aquicultu- procedimentos que reduzam o estresse
ra brasileira deve seguir princípios éticos ao mínimo e evitem sofrimento durante
que garantam a saúde e o bem-estar dos o pré-abate e abate. Isso significa mini-
peixes, incluindo o abate humanitário. mizar ou eliminar a ansiedade, a dor e a
Assim, o estabelecimento de legislações angústia associadas ao término da vida

7
Introdução

dos peixes. A técnica de sangria deve ser Por fim, é importante ter em mente
aplicada rapidamente após a insensibili- de a aceitação dos produtos da aquicul-
zação para provocar a morte do animal tura – e mesmo da pesca – pelos consu-
antes da recuperação da consciência. midores será cada vez mais influenciada
Sob essa perspectiva, os métodos pela medida em que a indústria é perce-
comumente utilizados são inaceitáveis. bida como preocupada e incentivadora
A asfixia por exposição ao ar, provoca a do bem-estar dos peixes, incluindo, ob-
perda da consciência em cerca de cinco viamente, o momento do abate. O de-
minutos, tempo similar ao da sangria. E safio para a piscicultura nesse contexto
a imersão no gelo, método mais usado será demonstrar, cada vez mais, que a
no país, pode demorar até cerca de 20 atividade é conduzida de forma ética e
minutos para a perda da consciência, in- humana.
clusive em tilápias, peixe mais cultivado
e abatido na aquacultura brasileira.

8
2 DESEMBARQUE
E AVALIAÇÃO
DOS ANIMAIS
Desembarque e avaliação dos animais

Na chegada ao frigorífico, temos a dessa canaleta/cano. Os peixes devem


fase de desembarque ou descarrega- ser descarregados o mais rápido possí-
mento. Os princípios do bom manuseio vel, mas de forma que o procedimento de
do pescado durante o carregamento se descarregamento não cause danos.
aplicam igualmente durante o descarre- No tanque de recepção/depuração,
gamento. devemos então avaliar os indicadores re-
A primeira medida a ser tomada é levantes para o bem-estar, como viabili-
verificar se os peixes estão com baixo dade, apetite, quantidade de perda de es-
grau de estresse após o transporte. Nes- cama, padrão de cardume e mortalidade,
se sentido, é importante avaliar as car- lembrando que o estresse do transporte
gas e priorizar o desembarque e abate afeta a fisiologia e o apetite por dias, após
a descarga. Assim, o monitoramento con-
de animais que estejam com sinais de
tínuo é necessário para identificar pro-
baixo grau de bem-estar ou sofrimento.
blemas causados pelo transporte, como
O descarregamento deve ser feito
ferimentos, ou o aumento da incidência
por meio de uma canaleta (ponte) ou cano
de doenças resultantes da redução da
móvel que permita o descarregamento
função imunológica, e/ou o aumento da
com o volume total de água no transpor-
exposição à infecções.
te. Assim, os peixes não são retirados de
Por fim, eventuais peixes moribun-
seu meio. Devemos prestar atenção para
dos ou gravemente feridos devem ser
que nenhum peixe se machuque ou caia
removidos e eutanasiados.
FIGURA 2.1 - Caminhão pronto para o descarregamento dos peixes, em tanque de recepção no frigorífico
FONTE: Aldi Feiden, Unioeste/GEMAq.

10
Desembarque e avaliação dos animais

FIGURA 2.2 - Detalhe de um tanque de recepção/depuração no frigorífico

FONTE: Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

FIGURA 2.3 - Tanques de recepção/depuração no frigorífico com sopradores de ar

FONTE: Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

11
Desembarque e avaliação dos animais

FIGURA 2.4 - Tanques de recepção/depuração no frigorífico com aeradores

FONTE: Aldi Feiden, Unioeste/GEMAq.

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3 MÉTODOS DE
INSENSIBILIZAÇÃO
E ABATE
Métodos de insensibilização e abate

3.1 Introdução De fato, em termos de indústria, os


únicos métodos de insensibilização pro-
postos para atender ao requisito de insen-
Os métodos recomendados pela
sibilidade imediata quando usados ade-
Organização Mundial de Saúde Ani-
quadamente, são a insensibilização por
mal (OIE), e recomendados pela Hu-
percussão (não perfurante ou perfurante)
mam Slaugther Association (HSA), são
e por descarga elétrica (eletronarcose).
os métodos de baixo impacto negativo
no bem-estar dos peixes. Dentre estes
métodos permitidos, temos a morte por 3.2 Métodos permitidos
overdose anestésica, mais comum para
Ressalta-se que o termo “permiti-
peixes de laboratório. A insensibilização
dos” se refere ao fato de ser permitido e
por percussão não perfurante ou perfu-
recomendado pela OIE. Até o momento
rante (spiking) e por choque elétrico. Os
da publicação desse manual não havia
métodos de insensibilização requerem a
legislação brasileira em relação ao abate
morte imediata após a perda da consci-
de peixes.
ência por corte, com ou sem a retirada
das brânquias ou decapitação.
3.2.1 Insensibilização por percussão
De fato, as diretrizes de abate hu-
não perfurante
manitário afirmam que os peixes devem
ser mortos de forma que não passem por A insensibilização percussiva é um
medo ou dor (OIE, 2018). Isso, geralmen- método mecânico e, se bem realizado e
te, só é atingido quando os peixes forem garantindo o tempo máximo de 15 segun-
abatidos com método de insensibilização dos entre a retirada da água e a insensi-
seguido por sangria. Para que um méto- bilização, é aceitável pela perspectiva do
do de insensibilização seja considerado bem-estar animal.
aceitável, a perda de consciência ou sen- O objetivo da insensibilização per-
sibilidade deve ocorrer de forma imediata cussiva é induzir a insensibilidade ime-
e irreversível, para que os responsáveis diata, administrando um golpe severo
tenham tempo suficiente de finalizar o no crânio do peixe. O peixe deve então
abate sem que o animal recupere a cons- permanecer inconsciente até a morte. O
ciência. termo “percussivo” descreve o princípio
de golpear o crânio com um instrumen-

14
Métodos de insensibilização e abate

to sólido, ou seja, o golpe forçado de um ser rapidamente retirados da água, con-


corpo sólido contra outro. tidos, e receber um golpe rápido na ca-
O que ocorre quando a correta per- beça.
cussão é aplicada no crânio, é a rápida Em alguns sistemas de insensibili-
aceleração da cabeça, fazendo com que zação percussiva, os peixes são insen-
o cérebro colida contra o interior do crâ- sibilizados eletricamente antes de serem
nio. Isso causa a interrupção da atividade retirados da água, para que fiquem in-
elétrica normal resultante de um aumento conscientes e sejam mais fáceis de ma-
repentino e maciço da pressão intracra- nusear durante o processo que leva ao
niana, seguido por uma queda igualmen- abate por percussão.
te súbita da pressão, levando a perda de A eficácia da insensibilização deve
função e a consequente insensibilização. ser verificada, e devem haver planos de
A duração da insensibilidade depende da contingência, em possíveis ocasiões em
gravidade do dano ao tecido nervoso e que houver uma falha do equipamento
do grau em que o suprimento sanguíneo ou outra ocorrência inesperada, que pos-
é reduzido. sa resultar em peixes sendo deixados
A insensibilidade é imediata e acom- fora da água ou na máquina de insensi-
panhada de atividade “tônica”, ou seja, bilização. A percussão manual e o corte
o peixe torna-se rígido, sem movimento das guelras podem ser uma alternativa
opercular, permanecendo com a boca adequada nesses casos.
aberta e sem reflexos oculares. Quando Essa técnica é mais efetiva e fa-
um peixe é atingido com força suficiente cilmente realizada em peixes de maior
e na posição correta, a insensibilização é porte como as carpas e o tambaqui. O
normalmente irreversível. risco de erro e não insensibilização é
Na prática, os peixes devem ser co- bem maior em peixes de menor tamanho
locados no local onde será aplicada a como a tilápia-do-Nilo. Assim, a insen-
percussão, num ritmo que permita com sibilização mecânica manual (golpe na
que eles fiquem na mesa, fora da água, cabeça), pode ser usada em abate de
por no máximo alguns segundos antes emergência (backup), mas não em uma
de serem insensibilizados, de preferên- linha de produção, devido as grandes
cia menos de 15s. De fato, o golpe deve chances de erro para gerar inconsciência
ter força suficiente e ser aplicado acima no animal, como por exemplo, de loca-
ou adjacente ao cérebro, para causar in- lização e/ou força do golpe, e mesmo a
consciência imediata. Os peixes devem fadiga do operador.

15
Métodos de insensibilização e abate

De fato, embora possa parecer que a A percussão pode ser manual com
insensibilização percussiva seja um pro- uso de pistola pneumática (pistola de
cedimento simples, muito cuidado deve dardo cativo), ou de forma mecaniza-
ser tomado na operação, pois tanto o da (equipamentos específicos). A pis-
erro do operador quanto a falha do equi- tola pneumática, quando bem calibrada
pamento comprometerão gravemente o e posicionada (Fig. 3.1), garante que a
bem-estar animal e, consequentemente, energia do impacto seja suficiente para
afetarão a qualidade do produto. permitir a insensibilização.
FIGURA 3.1 - Posicionamento da pistola pneumática em tilápia-do-nilo

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF. Imagens de domínio público (Creative Commons).

Os equipamentos de insensibiliza- o guia para a abertura da máquina, ga-


ção automatizados, são geralmente ali- rantindo que o peixe esteja na vertical.
mentados por ar comprimido com pres- A entrada do próprio peixe é que ativa o
sões entre 90-120 p.s.i. (6-8 bar). Na sistema de gatilho, resultando no disparo
maioria das máquinas comercialmente do pistão que o atinge na cabeça, dei-
disponíveis, um operador segura suave- xando-o imediatamente inconsciente. Já
mente o peixe perto do meio do corpo e existem modelos onde não há a necessi-

16
Métodos de insensibilização e abate

dade do operador, pois o design promo- truta (acima de 1kg) e não são adequa-
ve o estímulo para que os peixes nadem dos para peixes com uma forma corporal
para os canais de entrada. Obviamente, significativamente diferente desses pei-
essas máquinas são configuradas espe- xes, como a tilápia-do-Nilo (mesmo as
cificamente para espécie específica e ta- maiores de 1Kg).
manho dos peixes. Seja qual for o sistema de aplicação,
Os sistemas automáticos atual- a Figura 3.2 apresenta os sinais de uma
mente disponíveis, são específicos para insensibilização percussiva eficaz.
grandes salmonídeos, como salmão e
FIGURA 3.2 – Sinais de insensibilização percussiva eficaz

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

Por fim, para a insensibilização e a morte por percussão não perfurante serem
considerados “humanitários”, alguns fatores são essenciais (Figura 3.3).

FIGURA 3.3 – Fatores necessários para a insensibilização ou abate por percussão não perfurante serem
considerados humanitários

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

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Métodos de insensibilização e abate

E, assim como todos os métodos, a te apresenta vantagens, desvantagens e


insensibilização percussiva não perfuran- desafios, conforme Tabela 3.1.

TABELA 3.1 – Vantagens, desvantagens e desafios do método percussivo de insensibilização


ou abate
Vantagens Desvantagens
Método que induz imediata insensi- • Risco de falha do equipamento e de erro por falta
bilização, sendo eficaz tanto para in- de habilidade do operador em posicionar o local da
sensibilização quanto para provocar percussão.
a morte. • Se o golpe for aplicado com força insuficiente ou na
posição errada, o peixe poderá se recuperar antes
da sangria.
• O método percussivo manual só é praticável para
o abate de um número limitado de peixes de
tamanho similar.

Desafios
Manutenção e calibração adequada dos equipamentos e treinamento cuidadoso dos
operadores. Para ser factível na indústria da aquicultura, é necessário o desenvolvimento
de equipamentos específicos.
FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

3.2.2 Insensibilização por percussão produzir inconsciência imediata. Os pei-


perfurante xes devem ser rapidamente retirados da
água, contidos e a haste imediatamente
inserida no cérebro. Por não provocar a
A insensibilização por percussão
morte imediata, deve ser seguido de um
perfurante (também conhecido como “iki
método de sangria como a decapitação
jime”) pode ser feito usando uma faca
ou o corte de brânquias.
afiada, uma chave de fenda afiada ou
Como regra geral, para peixes com-
usando ferramentas “iki jime” especial-
primidos lateralmente (tilápia-do-Nilo por
mente projetadas, como a IkigunTM, que
exemplo) usa-se o acesso lateral; já para
permita que a haste perfurante (ponta)
peixes fusiformes (forma de torpedo, car-
possa ser apontada exatamente para o
pa-capim por exemplo) e peixes chatos
crânio em posição de penetrar no cére-
(bagres brasileiros), usa-se o acesso
bro do peixe. O impacto da ponta deve
dorsal, conforme Figura 3.4.

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Métodos de insensibilização e abate

FIGURA 3.4 – Acesso lateral (A) e acesso dorsal (B) para percussão perfurante

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

TABELA 3.2 – Vantagens, desvantagens e desafios do método de percussão perfurante de insensibilização/abate


Vantagens Desvantagens
• Perda imediata da consciência. • A aplicação imprecisa pode causar ferimentos.
• Adequado para peixes de tamanho médio • Difícil de aplicar se o peixe estiver agitado.
a grande. • Só é praticável para o abate de um número
limitado de peixes.
Desafios
Manutenção e calibração adequada dos equipamentos e treinamento cuidadoso dos
operadores. Para ser factível na indústria da aquicultura, é necessário o desenvolvimento de
equipamentos que permitam abate de múltiplos peixes.
FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

3.2.3 Insensibilização elétrica


(eletronarcose) ta em inconsciência imediata e insensibi-
lidade à dor. Ainda, se a corrente fluir por
A insensibilização elétrica consiste tempo suficiente (normalmente 30 s ou
na passagem de corrente elétrica atra- mais), o peixe morrerá de anoxia antes
vés do cérebro, com força suficiente para que o cérebro seja capaz de recuperar a
causar um “ataque epiléptico”, que resul- sensibilidade.

19
Métodos de insensibilização e abate

Entretanto, a corrente elétrica tam- Em recente estudo (COELHO et al.,


bém causa espasmos musculares que 2022), a insensibilização elétrica (ele-
podem, em algumas circunstâncias, cau- tronarcose) dos peixes foi reportada por
sar hemorragias e danos à carcaça. Por- 18% dos estabelecimentos de abate de
tanto, os parâmetros elétricos usados de- peixes cultivados, sem, entretanto, espe-
vem ser cuidadosamente ajustados para cificarem os devidos parâmetros elétri-
garantir que o processo não cause dor cos e, principalmente, garantirem que a
nem danos à carcaça. Da mesma forma, morte efetiva dos peixes era alcançada
a aplicação da corrente elétrica nos pa- em tempo suficientemente curto para evi-
râmetros estabelecidos deve causar in- tar que recobrassem a consciência.
consciência imediata (menos de 1 s após Em estudos conduzidos com várias
a aplicação) e essa inconsciência deve espécies, de água doce e salgada, e de
durar o tempo suficiente para garantir diferentes portes, mostrou-se a efetivida-
que o animal não recupere a consciência de da eletronarcose para rápida insen-
antes da morte (que pode ser provocada sibilização. A combinação de corrente
pela sangria, mesmo levando em conta o alternada com corrente contínua tem um
tempo para que ocorra a perda suficiente efeito positivo em evitar lesões e danos
de sangue e a morte). na carne desses peixes. O sucesso da
É importante diferenciar eletronarco- eletronarcose pode ser confirmado pela
se de eletrocussão. A eletronarcose é um avaliação das atividades cerebrais e
procedimento reversível que interrompe cardíacas, usando eletroencefalografia
imediatamente a função normal do cére- (EEG) e eletrocardiografia (ECG), com-
bro, mas apenas por um curto período. binadas com estudos comportamentais.
Já a eletrocussão leva à disfunção com- A eletronarcose por si só não é ade-
pleta do cérebro, o que impede o fun- quada para peixes que não são abatidos
cionamento do reflexo respiratório. Isso por percussão ou sangrados imediata-
significa que os peixes morreriam por mente após a insensibilização . Isso ocor-
falta de oxigênio enquanto ainda estão re porque eles se recuperam da insensi-
inconscientes. Atualmente, não há lite- bilização e ficam totalmente conscientes
ratura científica sobre o abate de peixes durante o processamento. A morte após a
por eletrocussão. insensibilização deve ser provocada pela

20
Métodos de insensibilização e abate

sangria, e realizada pela decapitação ou e provoque a esperada insensibilização,


corte das brânquias. No entanto, alguns ou ser realizada em tanques/câmaras
estudos mostram que a rápida queda da de eletronarcose em grupos (desde que
temperatura corporal leva a interrupção os detalhes do método, como número
da ventilação. Sem ventilação, o forneci- e peso dos peixes, tempo de choque e
mento de oxigênio ao cérebro é interrom- demais características elétricas, sejam
pido e, portanto, o resfriamento em água previamente descritos em literatura cien-
gelada pode ser um método eficaz para tífica).
provocar a morte após a insensibilização O segundo ponto é a questão da re-
elétrica. Entretanto, todo animal deve ser tirada do animal da água. Segundo a Hu-
sangrado, para a melhor qualidade da mane Slaughter Association (HSA), o ide-
carne (ver capítulo 5) e para garantir a al seria não retirar os peixes da água, ou
morte. fazê-lo por tempo máximo de 15 s entre
Mas essa insensibilização elétrica, a retirada e a total insensibilização. Além
além dos parâmetros elétricos de tensão, disso, tanto em sistemas de eletronarco-
frequência e duração da corrente, preci- se na água ou à seco, os peixes devem
sa levar em conta alguns pontos muito entrar de cabeça na máquina. Os opera-
importantes como: ser realizada individu- dores devem estar presentes para orien-
almente, peixe a peixe, para garantir que tar os peixes manualmente, e verificar se
a corrente calculada passe pelo animal todos estão alinhados corretamente.

Importante
É essencial que os peixes sejam classificados por tamanho (se houver variação
significativa de tamanho) antes da insensibilização, pois peixes muito pequenos
ou muito grandes, peixes deformados ou peixes sexualmente maduros poderão
ficar fora dos parâmetros calculados para a insensibilização elétrica eficaz.

21
Métodos de insensibilização e abate

Quando os peixes são insensibili- água doce, normalmente a força requeri-


zados eletricamente enquanto perma- da é de 3V/cm, enquanto na água do mar
necem na água, a corrente elétrica pode pode ser três vezes menor.
passar tanto ao redor dos peixes quanto O efeito da eletricidade nos peixes
através deles, portanto, é mais útil definir é influenciado pela frequência. Frequên­
o campo elétrico necessário na água em cias próximas a 50Hz, têm um efeito
vez da corrente elétrica. Se o tanque de maior no cérebro e no músculo do pei-
água onde ocorre a aplicação da corrente xe, resultando em uma insensibiização
elétrica for retangular e os eletrodos co- eficaz. No entanto, devido ao efeito no
brirem duas paredes opostas do tanque, músculo, uma frequência de 50Hz pode
o campo elétrico em um tanque pode ser causar danos inaceitáveis na carcaça.
calculado como a diferença de tensão Uma frequência mais alta, com uma for-
entre os eletrodos, dividida pela distância ça de campo elétrica um pouco mais alta,
entre eles. Isso é especificado em unida- ainda pode alcançar insensibilidade ime-
des de volts por centímetro. A força do diata, ao mesmo tempo em que minimiza
campo elétrico necessário para atordoar os danos à carcaça.
os peixes é afetada até certo ponto pela Os sinais de uma insensibilização elé-
condutividade da água. Para peixes de trica eficaz são mostrados na Figura 3.5.

FIGURA 3.5 – Sinais de insensibilização elétrica eficaz

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

Além de conhecer os sinais de in- cer os parâmetros elétricos necessários


sensibilização efetiva e diferenciá-la da para a insensibilização eficaz da espécie
insensibilização ineficaz, todas as pesso- em questão, para que se obtenha a dura-
as que atuam diretamente na etapa de ção correta da insensibilização.
insensibilização elétrica, devem conhe-

22
Métodos de insensibilização e abate

TABELA 3.3 – Parâmetros de insensibilização elétrica de alguns peixes criados no Brasil


Parâmetros da
Espécie Tamanho Referência
insensibilização elétrica
Tilápia-do-Nilo Silva, 2016
200-300 g CA de 3 a 6 A por 30s
(Oreochromis niloticus)
Tilápia-do-Nilo 50Hz, 1 A no tanque / 0,4 A no Lamboij et al., 2008a
400-800 g
(Oreochromis niloticus) peixe por 1s
Tilápia-do-Nilo Bordignon et al., 2017
600-800 g 100V por 60s
(Oreochromis niloticus)
Tilápia-do-Nilo Venturini et al., 2018
500-600 g 1200 Hz, 203V, por 15s
(Oreochromis niloticus)
Tilápia-do-Nilo Rucinque et al., 2021
600 g 173V, 60Hz, 9,7 A por 15s
(Oreochromis niloticus)
Bagre africano (Clarias gariepinus) 1 – 1,6 Kg 1,6 A/dm2, 300V, 50Hz por 30s Lamboij et al., 2006
Bagre africano (Clarias gariepinus) 1,3 Kg 0,6 A por 5s Sattari et al., 2010
Jundiá (Rhamdia quelen) 120 g 400V, 30Hz, 0,9 A por 30s Rucinque et al, 2021
Jundiá (Rhamdia quelen) 256V, 100-300Hz por 5s Veit et al., 2016
Pacu (Piaractus mesopotamicus) 0,8 – 1,2 Kg 250V, 50Hz, 1,3 A por 45s Rucinque et al., 2018
Carpa comum (Cyprinus carpio) 0,24 A, 160V, 50hz ou 0,14 A/dm2 Lamboij et al., 2008b
1,1 – 1,8 Kg
na água
FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos.

Conforme representado na Tabela que não é compatível com a definição de


3.3, a maioria dos tempos de liberação “inconsciência instantânea”, preconizada
da carga elétrica variam de 10 a 60 s, o pela OIE e HSA.

Importante
Para determinação dos parâmetros ideais para uma espécie, em condições de
pesquisa laboratorial, o protocolo recomendado é a aplicação dos diferentes
parâmetros testados (frequência, voltagem, amperagem) por 1 s e a verificação
da latência para a perda de consciência e da duração dessa inconsciência. A
partir daí, aumenta-se a carga elétrica, o suficiente para atingir um tempo de
inconsciência para abater os peixes sem que tenham a possibilidade de recobrar
a consciência. Esse tempo ideal de insensibilização deve ser por volta de 60 s.

23
Métodos de insensibilização e abate

Especial atenção deve ser dada ao gancho metálico e pontiagudo e, muitas


correto uso da insensibilização elétrica, vezes, já com as brânquias sangrando.
desde o tanque adequado, dos parâme- Algo totalmente incompatível com o aba-
tros de eletricidade utilizados, do local te humanitário. 
onde a tensão atinge os peixes e, muito Outra situação de uso inadequado,
importante, o intervalo de tempo entre a é a insensibilização elétrica seguida de
insensibilização elétrica e a sangria. Al- descamação em descamador giratório. O
guns estabelecimentos de abate e pro- animal recobra a consciência ainda den-
cessamento de peixes cultivados, utili- tro do equipamento e depois segue para
zam a insensibilização elétrica de forma a mesa já consciente, onde é abatido por
totalmente inadequada. De fato, qualquer decapitação. Nesse estabelecimento, os
aplicação de corrente elétrica que não funcionários inclusive reclamam da difi-
provoque a perda de consciência até a culdade de proceder a decapitação com
morte é um sofrimento adicional aos ani- o animal já se debatendo novamente.
mais, é cruel e não deve ser usada. Uma situação muito distante de um abate
Um exemplo disso é o uso de dois humanitário.  
momentos de aplicação de corrente elé- Enfim, de nada adianta usar a insen-
trica. A primeira, visando apenas a imo- sibilização elétrica, se essa não for rea-
bilidade do peixe, e facilitando sua pen- lizada adequadamente. Choque elétrico
dura na nória. A segunda, é sequencial não é sinônimo de eletronarcose efetiva,
e ocorre então cerca de 3 minutos após nem garante que o abate atenda os pre-
a primeira, esse sim, imediatamente an- ceitos de um abate humanitário.
tes da sangria por corte das brânquias. Assim, a Figura 3.6 mostra os prin-
O tempo de 3 minutos é mais do que su- cipais pontos a serem levados em conta
ficiente para o animal recobrar a consci- para que se tenha uma insensibilização
ência enquanto está pendurado por um elétrica eficaz.

24
Métodos de insensibilização e abate

FIGURA 3.6 – Pontos a serem considerados para uma insensibilização elétrica eficaz

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

TABELA 3.4 – Vantagens, desvantagens e desafios do método insensibilização elétrica


Vantagens Desvantagens
• Perda imediata da consciência. • Dificuldade de padronização para diferentes espé-
• Adequado para peixes de pequeno e médio cies.
porte. • Parâmetros ótimos de controle são desconhecidos
• Método adequado para um grande número para algumas espécies.
de peixes, e os peixes não precisam ser re- • Pode ser perigoso para os operadores.
movidos da água. • Em sistemas secos ou semi-secos, o posiciona-
• Sistemas secos ou semi-secos, oferecem mento incorreto do peixe pode resultar em insen-
possibilidade de bom controle visual da in- sibilização inadequada.
sensibilização e capacidade de insensibiliza- • Parâmetros ótimos de controle são desconhecidos
ção de peixes individuais. para algumas espécies.
• Não é adequado para tamanhos mistos de peixes.
Desafios
Para ser factível na indústria da aquicultura, é necessário o desenvolvimento de equipamentos
ajustados para as espécies mais criadas como tilápias e tambaquis.
FONTE: Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

25
Métodos de insensibilização e abate

3.3 Métodos não humanitários A Organização Mundial de Saúde


Animal (OIE) e a Human Slaugther Asso-
ciation (HSA), não recomendam os méto-
São métodos não recomendados
dos de insensibilização e abate, conforme
pelo conhecimento científico vigente e Figura 3.7, pois não são considerados hu-
pela OIE, pois provocam dor e sofrimento manitários e, portanto, inaceitáveis sob a
adicionais aos animais. perspectiva do bem-estar animal.
FIGURA 3.7 – Métodos de abate não recomendados pela OIE e HSA

OIE – Organização Mundial de Saúde Animal


HSA – Humam Slaugther Association
FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

Infelizmente, os métodos de abate eles são simples e baratos de aplicar. A


que não causam perda imediata de cons- adição de agentes sedativos como óleo
ciência (gelo, água com gelo), são os de cravo ou outros óleos essenciais ao
mais usados no Brasil (mais de 80% dos resfriamento pré-abate, seria um passo
estabelecimentos). Isso ocorre porque adiante na ampliação da eficácia da in-

26
Métodos de insensibilização e abate

sensibilização dos peixes, e na redução como indicadores de bem-estar, pois o


da dor, embora não esteja claro se esse gelo pode ter um efeito imobilizador nos
método seria aceitável para os consumi- peixes. Nessas circunstâncias, os peixes
dores, tanto em termos de apelo senso- ficarão relativamente parados, exceto por
rial, quanto na segurança alimentar. saltos esporádicos. O longo período para
Na hipotermia e abate no gelo, o início da inconsciência pode resultar na
os peixes são deixados no gelo (ou sangria e evisceração dos peixes ainda
água gelada) até morrerem por falta conscientes, mas imóveis. Se os peixes
de oxigênio. O tempo necessário para não forem deixados por tempo suficiente
detectar o estado de inconsciência, usan- na pasta de gelo, ou não forem sangra-
do gelo, varia de 10 a 20 min. dos de forma eficaz, é provável que eles
Nesse método, é praticamente im- se recuperem e recuperem o movimento
possível usar as reações comportamen- muscular e a função cerebral à medida
tais normais (fuga ou natação vigorosa), que se aquecem.
FIGURA 3.8 – Tanque de indução de hipotermia em água gelada, em frigorífico, método não recomendado por não
provocar perda imediata de consciência.
FONTE: Aldi Feiden, Unioeste/GEMAq.

A sangria por corte das brânquias sem insensibilização prévia, consiste em


retirar os peixes da água e, em seguida, cortar as brânquias. Ao serem retirados da
água, os peixes mostram comportamento de fuga e agitam as caudas. Uma vez que
o corte nas brânquias é feito, essas reações são dramaticamente aumentadas e agi-
tações vigorosas de cabeça e abas de cauda são vistas por pelo menos 30 segundos,
provavelmente indicadores de dor e angústia. Esse movimento diminui lentamente e,

27
Métodos de insensibilização e abate

após vários minutos, a maioria dos pei- O movimento vai diminuindo até que o
xes para de se mover; tempo necessário peixe fica parado (após aproximadamen-
para o escoamento do sangue em volu- te 5 min), mais por exaustão do que por
me suficiente para a perda de consciên- real insensibilidade. A menos que os pei-
cia. Nessa linha, a evisceração e fileta- xes sejam mantidos por cerca de 10 min
gem sem insensibilização e sangria, no CO2, a recuperação inicia logo após a
com animais conscientes, é inaceitável, remoção, ou seja, na mesa de sangria.
seria o mesmo que esquartejar um bo-
vino, suíno ou frango com os animais
conscientes, sentindo dor, vocalizando e
tentando fugir.
Já na narcose por dióxido de car-
bono, se busca a perda de consciência
dos peixes quando imersos em água sa-
turada de CO2 (nível de pH 4,5), que é
altamente aversivo e pode demorar mais
de 7 a 8 min para induzir ao estado de
narcose. De fato, os peixes normalmen-
te apresentam agitação vigorosa por até
dois minutos após a imersão na solução.

28
4 MONITORAMENTO
DA INSENSIBILIDADE
(INDICADORES)
Monitoramento da insensibilidade (indicadores)

Independentemente do tipo de in- ção e, assim, permanecer até a morte.


sensibilização, os animais devem ser Os sinais de recuperação devem ser
monitorados regularmente durante a observados quando os peixes estão na
operação. Todos os peixes devem estar área/mesa de sangria.
inconscientes na saída da insensibiliza-

Importante
O monitoramento regular dos resultados de bem-estar na planta de
abate, permite a detecção rápida de problemas, à implementação de
ações corretivas e a melhoria contínua. Algumas avaliações devem ser
registradas continuamente, outras em amostra representativa de um
mínimo de 50 peixes por lote, segundo as normas de abate humanitário
para salmão da organização Compassion in World Farming. A definição
de metas deve ser usada para todas as medidas, para impulsionar a
melhoria do sistema de abate.

Além de usarmos métodos aceitá- mais terrestres incluem: ausência de re-


veis pela perspectiva do bem-estar ani- flexo palpebral; ausência de reflexo cor-
mal, é essencial que todos os passos neal; ausência de vocalização; ausência
envolvidos em tais procedimentos sejam de resposta de ameaça; ausência de res-
de fácil monitoração e controle. Preci- posta à luz e olhar perdido. Entretanto,
samos nos assegurar, por meio de indi- uma vez que os peixes não têm pálpe-
cadores diversos, que o método utiliza- bras; não vocalizam, pelo menos não em
do realmente provocou rápida perda de frequência audível; possuem movimen-
consciên­cia, e que a morte foi alcançada tação ocular limitada e ausência contra-
antes do animal recobrar a consciência. ção/dilatação pupilar, esses indicadores
Se houver alguma dúvida sobre se um de animais terrestres são inviáveis de se
peixe está inconsciente, não hesite em utilizar.
repetir a insensibilização ou usar um mé- Em peixes, os comportamentos pos-
todo alternativo de repasse. síveis de serem observados em avali-
Os indicadores comportamentais ções de bem-estar estão representados
para avaliação de inconsciência em ani- na Figura 4.1.

30
Monitoramento da insensibilidade (indicadores)

FIGURA 4.1 – Indicadores comportamentais de inconsciência em peixes

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos (UPF), baseado em Kestin et al. (2002).

A sequência mais factível de ob- posição normal; ausência de qualquer


servação desses sinais é a seguinte: resposta ao manejo, à picada e ao ele-
comportamento natatório  equilíbrio trochoque; olhos fixos e ausência de mo-
 resposta ao manejo  respiração  vimentos operculares. Obviamente, um
resposta à picada  resposta ao choque adequado protocolo de insensibilização
 RVO. deveria propiciar exatamente esse perfil
A observação desses indicadores de observação dos peixes. Com base no
gera escores que variam de 0 a 2, sen- exposto acima, fica nítida a importância
do o 0 a inconsciência completa, o 1 a de termos todos os pontos da cadeia de
consciência parcial e o 2 a completa insensibilização e o abate humanitário de
consciên­cia. fácil monitoramento.
O escore zero, de completa incons- De forma resumida, o uso desses
ciência corresponderia a: ausência de sinais para verificar consciência/incons-
nado, total incapacidade de retomar à ciência, é representado na Tabela 4.1:

31
Monitoramento da insensibilidade (indicadores)

TABELA 4.1 – Indicadores de insensibilização bem-sucedida


Reflexo Consciente Inconsciente
Rolar os olhos Os olhos permanecem na posição Os olhos acompanham o
vertical enquanto o peixe é movimento da cabeça enquanto o
girado. peixe é girado.
Respiração Movimento regular do opérculo. Nenhum movimento ou
movimento aleatório do opérculo.
Natação Peixes constantemente nadando. Nenhum movimento ou tentativa
de nadar.
Equilíbrio O peixe se endireitará quando for Os peixes permanecerão de
girado. cabeça para baixo.
Beliscão Os peixes podem se afastar do Os peixes não se afastarão do
estímulo. estímulo.
Corrente elétrica Os peixes podem se afastar do Os peixes não vão nadar para
estímulo. longe do estímulo.
FONTE: adaptada do documento da Human Slaugther Association (HSA).

Existem outros métodos para avaliar todo de insensibilização e validação de


o estado de inconsciência, como o eletro- linha. Nessa linha, atualmente, na União
encefalograma (EEG), que pode ser usa- Europeia, para propor um novo método
do para a validação de linhas de abate. de insensibilização ou abate de peixes,
Assim, quando uma indústria instala um é obrigatória a comprovação por EEG da
equipamento, ela usa o EEG para che- real indução de inconsciência.
car se os parâmetros em uso estão de De fato, o EEG como análise confir-
fato provocando ondas epileptiformes e matória de insensibilização é essencial,
os sinais clínicos esperados. Depois de pois muitos autores verificaram discre-
validados, ela monitora apenas por es- pâncias entre as respostas eletrofisio-
ses parâmetros elétricos e pelos sinais lógicas e comportamentais, quando os
clínicos. De fato, a validação por meio de peixes recebem estímulos nocivos, tor-
estudo, usando o EEG, dado incontestá- nando difícil determinar a partir apenas
vel, sendo que deveria ser o procedimen- de análises do comportamento, quando
to correto para “aprovar” qualquer mé- um animal está certamente inconscien-

32
Monitoramento da insensibilidade (indicadores)

te. Assim, fica claro que o EEG é muito do apenas indicadores visuais são usa-
mais confiável para mostrar a indução à dos, os peixes correm o risco de serem
inconsciência; e isso deve ser levado em julgados erroneamente como insensí-
consideração, quando apenas observa- veis, antes que a sensibilidade seja real-
ções comportamentais são usadas para mente perdida. Temperaturas mais frias
determinar se o peixe está consciente ou prolongam o tempo que leva para que os
inconsciente. Isso justifica plenamente indicadores visuais de consciência sejam
que a aprovação de um método de insen- perdidos e agravam o problema de deter-
sibilização, seja atrelada a apresentação minar quando um peixe perde a função
de estudos de EEG. cerebral e a sensibilidade. Assim, méto-
Confirmando, alguns autores rela- dos de insensibilização que dependem
tam que há uma fraca correlação entre da observação humana para determinar
a perda de reflexos oculares estimulados quando um peixe perde a sensibilidade,
pela luz, e a perda de indicadores visuais são riscos de bem-estar na aquicultura.
de consciência, o que sugere que, quan-

33
5 QUALIDADE DA
SANGRIA E
IMPACTOS NA CARNE

34
Qualidade da sangria e impactos na carne

5.1 Sangria

A sangria é uma etapa de grande im-


vem ser insensibilizados (ou mortos) an-
portância tanto para garantir a qualidade
tes que seus arcos branquiais sejam cor-
da carne do pescado no final do proces-
tados. Isso pode ser feito manualmente
so, quanto para evitar o sofrimento dos
ou por cortadores automáticos de guel-
animais. É necessário que se remova a
ras, ou seja, uma lâmina rotativa como
maior quantidade possível de sangue da
parte da máquina de insensibilização,
carcaça, pois o sangue além de causar
realizando o corte logo após a insensi-
aparência desagradável, é meio de mul-
bilização. Na maioria dos casos, o san-
tiplicação de microrganismos deterioran-
gramento é feito cortando todos os arcos
tes e/ou patogênicos. Como já vimos, a
branquiais de um lado do peixe.
sangria deve ser realizada imediatamen-
Outro método de sangria é a deca-
te após a insensibilização.
pitação após a insensibilização elétrica
Matar um peixe por sangramento
eficaz. A cabeça do peixe é removida
pode ser realizado por qualquer um dos
rapidamente, com uma lâmina manual
dois processos principais: cortar as brân-
ou uma lâmina rotativa automatizada.
quias ou decapitar. Os peixes devem ser
Os peixes devem ser efetivamente in-
insensibilizados, por eletronarcose ou
sensibilizados antes de serem decapi-
percussão, antes da sangria. Os peixes
tados e, independentemente do método
morrem de anoxia e a insensibilização
de sangria utilizado (corte de brânquias
adequada deve evitar qualquer sofrimen-
ou decapitação), o importante é que o
to ou luta dos peixes.
tempo de inconsciência provocada pela
O corte das brânquias para sangria,
insensibilização seja suficiente para que
é um método comum para provocar a
o peixe morra, conforme podemos ver na
morte e faz parte da preparação para o
Figura 5.1.
processamento do peixe. Os peixes de-

35
Qualidade da sangria e impactos na carne

FIGURA 5.1 – Relação do tempo de inconsciência, sangria e morte

1 Corte das brânquias ou decapitação.


Fonte: Adaptado de Nielsen et al. 2020 (EFSA) por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

5.2 Impactos do manejo mento do pH da carne, importante para


retardar o crescimento bacteriano na car-
pré-abate e do abate na ne e prolongar a vida de prateleira do filé.
qualidade de carne Como a carne dos peixes tem menos gli-
cogênio que a dos mamíferos e aves, a
Com a sangria o peixe morre, pois queda post-mortem no pH é menos pro-
cessa o fluxo de oxigênio para os tecidos nunciada, não chegando a pHs inferiores
e órgãos. Assim, a produção aeróbica de a 6,0-6,2 na maioria das espécies.
ATP (trifosfato de adenosina) é bloquea- Logo após, a geração anaeróbia de
da e, a glicólise anaeróbica passa a ser a ATP também cessa, pois acaba o subs-
principal via para a geração de ATP. Nes- trato glicogênio e as enzimas glicolíticas
se processo, a quebra do glicogênio mus- param de atuar, principalmente devido ao
cular provoca a formação de ácido lático declínio do pH.
que, na impossibilidade de ser removido O ATP fornece a energia necessária
do músculo (por ausência de sangue e para a contração muscular, que começa
circulação), se acumula e leva ao abaixa-

36
Qualidade da sangria e impactos na carne

com a liberação de íons Ca2+ no sarco- aumento. Assim, acontece o início rápido
plasma. Como resultado da diminuição do rigor mortis, seguido de sua resolução
post-mortem de ATP, a energia neces- precoce, impossibilitando de processar
sária para o funcionamento normal das o pescado durante o período pré-rigor, o
bombas de íons é esgotada, a concen- que seria o ideal, levando à redução do
tração de cálcio liberado no sarcoplasma rendimento (filetagem durante o rigor), o
não pode ser reduzida, e o músculo per- aumento na incidência de “gaping” (rup-
manece contraído, instalando-se o cha- tura do tecido conjuntivo), e a diminuição
mado rigor mortis. da capacidade de retenção de água.
A resolução do rigor mortis, ou seja, a De fato, um rigor mortis encurtado
transição para um estágio de relaxamen- acarreta mudanças indesejáveis como
to muscular, está principalmente relacio- flacidez muscular precoce e facilita-
nada ao início de processos proteolíticos ção de proliferação de microrganismos,
e amaciamento da carne, ou a chamada o que reduz o tempo de prateleira do
maturação da carne. É importante ressal- produto. Geralmente, o rigor mortis nos
tar que esses processos ocorrem muito peixes dura de 2 a 18 horas, com pico
mais rápido na carne de peixe, devido em 6 horas após o abate e, é também
ao menor nível de glicogênio muscular. influenciado pela espécie e pela tempe-
Assim, o rigor mortis consiste na mudan- ratura de estocagem. Durante o rigor, a
ça da textura da carne do pescado, que atividade bacteriana é limitada, devido ao
passa de macia e flexível para rígida e pH mais ácido que freia sua proliferação,
inflexível (rigor completo), e novamente bem como a ação enzimática endógena.
macia, porém não tão flexível (pós-rigor). O processo de deterioração da carne co-
O estresse pré-abate afeta direta- meça de forma mais intensa após a o fi-
mente esse metabolismo muscular post- nal do período de rigor mortis.
-mortem devido à depleção pré-morte de Além do estresse crônico no período
uma grande quantidade de reservas de pré-abate, o procedimento de abate pode
energia, resultando em metabolismo pos- induzir ao estresse agudo em peixes.
t-mortem acelerado. Isso acarreta menor Esse estresse de abate provoca aumen-
pH muscular inicial, seguido de rápido to da atividade muscular, e influencia nas
mudanças post mortem, como o início e

37
Qualidade da sangria e impactos na carne

resolução do rigor mortis, queda do pH Assim, pode-se concluir que, tanto a


muscular imediatamente após a morte, e ocorrência de estresse crônico nos mo-
a diminuição das reservas de ATP. O es- mentos pré-abate (por exemplo, tempo
tresse provocado pelo método de abate de jejum prolongado e estresse de des-
afeta a qualidade e frescor da carne de pesca), quanto o usual método de aba-
peixe, bem como sua “vida de prateleira”. te em gelo, são causadores de impactos
Entretanto, em várias espécies como a
negativos na qualidade da carne, o que
tilápia, a carpa comum e o cóbia, diferen-
provoca o aceleramento da deterioração
tes métodos de insensibilização e abate
do produto final. O efeito é mais pronun-
não provocaram alterações da qualida-
ciado quando ambas as situações ocor-
de da carne dos peixes, exceto métodos
que demorem para induzir a inconsciên- rem conjuntamente.
cia, como a hipotermia por gelo.

38
6 EQUIPAMENTOS
E INSTALAÇÕES

39
Equipamentos e instalações

6.1 Equipamentos de ar e à luz, e reduz a probabilidade de


danos mecânicos à pele. No entanto, os
insensibilização percussiva sistemas de insensibilização “secos” ou
“semi‐secos”, têm um efeito mais consis-
Não existem equipamentos para a tente nos peixes, e podem resultar em
insensibilização/abate percussiva (perfu- menores danos elétricos na carcaça.
rante ou não) no Brasil. Na salmonicultu- O dispositivo de insensibilização
ra, existem equipamentos que recebem elétrica deve ser construído e usado
os peixes diretamente depois da insen- para as espécies específicas de peixes.
sibilização elétrica, e realizam o abate A eletronarcose na água e em grupos de
percussivo. Nesses equipamentos, os peixes é uma alternativa possível para a
peixes caem por gravidade do insensibi- tilapicultura, que trabalha com grandes
lizador elétrico e os operadores os posi- volumes em lotes muito padronizados,
cionam em nichos projetados e regulados em termos de peso e tamanho. Tanques
para que o golpe percussivo seja aplica- de 50 L para grupos de 20-24 peixes (20
do exatamente no ponto adequado. Kg) são factíveis, mas acabam por tornar
o processo lento (200-400 Kg/h), inviável
6.2 Equipamentos de para o volume processado diariamente
pelos grandes frigoríficos, que chegam a
insensibilização elétrica abater 130 ton/dia (cerca de 140 mil pei-
xes). A solução seria o uso de tanques
Existem sistemas de eletronarco- maiores para maior volume de peixes,
se que insensibilizam os peixes dentro mas acabaria por encarecer o processo
d’água, e outros que insensibilizam os devido às necessidades de energia. De
peixes fora d’água, usando eletrodos qualquer forma, apesar de já existirem
que fazem contato direto com os peixes alguns sistemas/equipamentos de eletro-
(sistemas “seco” e “semi-seco”). Ambos narcose disponíveis no Brasil, estes ain-
os métodos têm pontos positivos e ne- da necessitam de testes cientificamente
gativos. A insensibilização de peixes na conduzidos, sendo essa uma necessida-
água reduz o estresse da exposição ao de urgente de pesquisa.

40
Equipamentos e instalações

FIGURA 6.1 – Tanques de


insensibilização elétrica como
eletrodos laterais

FONTE: Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

41
Equipamentos e instalações

De fato, para grandes quantidades, eletronarcose peixe após peixe, de forma


o ideal seria o desenvolvimento de siste- individualizada.
mas contínuos de eletronarcose em tubo. É importante assegurar que todos
Esses sistemas têm capacidade para 5 os peixes entrem de cabeça na máquina.
ou mais ton/h, podendo ser adaptados Os operadores devem estar presentes
para a realidade dos grandes frigoríficos para orientar os peixes manualmente, e
que abatem mais de 100 ton/dia. Esses verificar se todos os estão alinhados cor-
sistemas são realidade na salmonicultu- retamente.
ra europeia, entretanto sem nenhum si- Regulam-se os parâmetros elétricos
milar possível de uso na atual realidade especificamente para a espécie e tama-
brasileira. Contudo, tanto no sistema em nho dos peixes, garantindo que quando
tanques quanto no sistema de tubo contí- os peixes saírem do tubo estejam vivos,
nuo, o abate humanitário só é alcançado mas totalmente inconscientes, permi-
se os peixes forem imediatamente mor- tindo que os responsáveis pela sangria
tos e sangrados, sem a possibilidade de realizem-na de forma imediata.Seja qual
retomada da consciência. for o tipo de equipamento de insensibi-
Os equipamentos usados na salmo- lização, este deve exibir os parâmetros
nicultura europeia consistem em tubos, de insensibilização aplicados ao peixe de
por onde os peixes são conduzidos a en- forma clara e visível para o operador. O
trar. O tubo vai diminuindo de calibre até equipamento deve ser projetado para for-
o tamanho ideal para garantir a passa- necer um aviso visível ou audível se os
gem de um peixe por vez e, nessa passa- parâmetros corretos não estiverem sen-
gem, uma série e eletrodos provocam a do fornecidos.

42
Equipamentos e instalações

Importante
Para garantir que os peixes sejam abatidos de forma humanitária, é
essencial que todos os equipamentos sejam mantidos (e reparados
conforme necessário), de acordo com as recomendações do fabricante. A
falta de manutenção do equipamento reduzirá sua eficácia. Especialmente
para sistemas de insensibilização na água, é importante limpar e
manter os eletrodos diariamente, pois a corrosão pode se acumular
rapidamente, especialmente em sistemas de água salgada, o que pode
afetar a quantidade de corrente fornecida ao peixe e resultar em uma
insensibilização ineficaz.

6.3 Iniciativas brasileiras


corrente elétrica ser individualmente apli-
No Brasil, por iniciativa de algumas
cado peixe a peixe, a corrente comece a
indústrias, o sistema de pendura em nó-
passar pelo corpo do peixe pela cabeça
ria, passagem por tanque de insensibili-
e não pela nadadeira caudal, como o sis-
zação elétrica, seguido de sangria ime-
tema mencionado propicia.
diata vem sendo implantado.
Apesar de se constituir numa impor-
Essas adaptações se constituem em
tante iniciativa da indústria para abando-
um avanço em relação à quase totalida-
nar os métodos tradicionais de asfixia,
de dos abatedouros brasileiros que re-
hipotermia e sangria, sem insensibiliza-
cebem peixes vivos. Nesses estabeleci-
ção prévia, completamente inaceitáveis
mentos, o método usual é a imobilização
pela perspectiva do bem-estar animal, o
em gelo e sangria por punção mecânica
sistema de pendura em nória apresenta
manual em esteira.
uma série de problemas sintetizados na
Entretanto, mesmo sendo uma evo-
Figura 6.2.
lução do atual sistema, para efetivamente
atingir um padrão que possa ser conside-
rado abate humanitário, seria importante
que o aparato para a insensibilização por
eletronarcose garantisse que, além da

43
Equipamentos e instalações

FIGURA 6.2 – Problemas do sistema de pendura de peixes em nória

FONTE: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

De fato, toda a sequência desde a to automatizado para a insensibilização


chegada dos peixes, colocação nos tan- por eletronarcose. A responsável por sua
ques, captura, pendura, eletronarcose e produção garante que o equipamento
sangria, precisam ser de fácil monitora- “atende o padrão de abate humanitário,
mento para a garantia de sua real efeti- com o mínimo sofrimento para o peixe”
vidade. (provavelmente se refere ao padrão da
Já existem na indústria nacional de OIE), e que possui painel de controle que
equipamentos para abatedouros, equipa- permite diversos ajustes de acordo com
mentos que permitem atingir os padrões cada espécie de pescado e seu tama-
considerados para abate humanitário de nho. Esse equipamento, por ser seguido
peixes. Por exemplo, um equipamen- de outro produzido pela mesma empre-

44
Equipamentos e instalações

sa, possui o sangrador automático de 6.4 Tendências para


pescado que posiciona os peixes de for-
ma que um disco de corte realize a sec- equipamentos e instalações
ção entre a cabeça e o corpo, facilitando
a sangria. A partir desse momento, os Em termos de equipamentos, uma
peixes podem ser armazenados em ou- tendência já verificada em outras cadeias
tro equipamento, que é um tanque com de produção de proteína de origem ani-
rosca helicoidal com controle de veloci- mal, é a pesquisa e o desenvolvimento
dade, projetado para garantir que todos de abatedouros móveis. Isso evita todo o
os peixes cumpram o mesmo tempo de estresse e os custos da etapa de trans-
sangria no sistema, antes de entrarem porte. Na realidade dos peixes cultiva-
para a área de processamento. dos, seriam caminhões com uma área de
insensibilização elétrica, seguida de uma
área de sangria por punção/corte das
brânquias ou decapitação. Após, devi-
damente mortos, e com a sangria efetiva
realizada, os peixes poderiam ser trans-
feridos para um segundo módulo móvel
de processamento (para filetagem por
exemplo), ou transportados acondicio-
nados em gelo para posterior processa-
mento em frigoríficos convencionais.

45
7 MONITORAMENTO
DO ABATE
HUMANITÁRIO EM
ESPÉCIES DE CULTIVO

46
Monitoramento do abate humanitário em espécies de cultivo

O abate humanitário compreende ência −, de forma correta (corte de brân-


todos os passos desde a despesca na quias ou decapitação). É imprescindível
propriedade, passando pelo transporte, assegurar-se de que os peixes sejam
até o abate dos peixes, e deve ser mo- efetivamente mortos antes de recobra-
nitorado em sua plenitude. Em relação rem a consciência, e que ao chegarem
à despesca e transporte, as boas práti- nas próximas etapas de processamento
cas constam no Manual de Boas Práti- − descamagem, filetagem, cortes −, es-
cas de Transporte de Peixes Vivos, pu- tejam mortos.
blicado pelo MAPA. De forma breve, os De fato, todos os peixes devem ser
peixes devem ser despescados de forma observados tanto após a insensibilização
planejada, rápida e eficiente, garantindo quanto após a técnica empregada para
todos os protocolos de preparo para a provocar a morte, por operador treinado
despesca como por exemplo, o prévio je- (e as instalações serem projetadas para
jum. Da mesma forma, os peixes devem permitir isso!). Se algum peixe mostrar
ser transportados em veículos e tanques sinais de recuperação, como movimento
adequados de forma rápida e que garan- opercular ou revirar os olhos, ou no caso
ta o menor estresse possível. de falha do equipamento de insensibili-
A partir da chegada do peixe vivo no zação, deve haver um plano de contin-
abatedouro, todo o protocolo de insen- gência para re-insensibilizar e matar ime-
sibilização e abate deve ser monitorado diatamente o peixe, por exemplo, com
para garantir sua eficácia, garantindo o percussão manual (perfurante ou não),
menor sofrimento dos peixes, e permitin- e posterior corte de guelras ou decapi-
do o aprimoramento dos métodos atuais. tação. Esse sistema de insensibilização
Nesse sentido, conforme Capítulo 4, Mo- de “backup”, é necessário para que qual-
nitoramento da insensibilização, as res- quer peixe que não ficou insensibilizado,
postas dos peixes a estímulos e reflexos ou que recupere a consciência antes
parecem ser capazes de distinguir com da morte, seja insensibilizado e morto o
razoável certeza o estado de consciên- mais rápido possível.
cia de uma variedade de espécies. O As pessoas envolvidas em todas as
próximo passo é monitorar e garantir que etapas do processo (manuseio, insen-
os peixes sejam imediatamente mortos sibilização e sangria), devem ser expe-
sem a chance de recuperação de consci- rientes e competentes no manuseio dos

47
Monitoramento do abate humanitário em espécies de cultivo

peixes, e compreender os seus padrões


de comportamento, bem como os indica-
dores de bem-estar. Alguns métodos de
insensibilização e sangria podem repre-
sentar um risco para o profissional; por-
tanto, o treinamento deve abranger as
implicações de segurança e saúde ocu-
pacional de quaisquer métodos usados.
Um relevante ponto que deve ser
abordado nesse capítulo é o de que o
monitoramento deve seguir uma norma-
tiva ou um conjunto de boas práticas. Na
situação atual brasileira, a única possibi-
lidade de monitoramento efetivo é a que
se baseia em normativas e recomenda-
ções de órgãos internacionais como a
OIE e a HSA. Isso reforça e destaca a
necessidade de urgente reformulação da
legislação brasileira, incluindo os peixes
na normativa de abate humanitário de
animais de açougue, ou criando norma-
tivas específicas para os peixes.

48
8 DESAFIOS,
DIFICULDADES E
PERSPECTIVAS

49
Desafios, dificuldades e perspectivas

Com base no exposto nesse ma­nual, do sistema de abate, com prazos estipu-
fica nítida a necessidade de melhorias lados para a implementação do sistema
no sistema de abate de peixes no Brasil. de abate humanitário de peixes.
No contexto atual, tanto pelo aspecto do Ainda, teremos outros desafios além
bem-estar animal quanto pelo aspecto do legal e do econômico/financeiro, es-
do atendimento dos anseios da socieda- pecialmente o desafio de gerar dados es-
de e do comércio exterior, é inaceitável pecificamente voltados para a realidade
abater peixes por hipotermia e/ou asfi- brasileira. De fato, precisamos de mui-
xia ou mesmo abater, eviscerar ou file- to investimento (público e privado) em
tar sem a devida prévia insensibilização. pesquisa. Uma pesquisa multidisciplinar
Assim, tornam-se urgentes as mudanças para desenvolver métodos e protocolos,
de legislação com a inclusão do peixe na bem como equipamentos adequados à
instrução normativa referente ao abate realidade da aquicultura e da indústria
humanitário dos animais de açougue ou aquícola nacional.
criação de legislação específica para os Como forma de contribuir com o
peixes oriundos do cultivo. processo de modernização e adequação
De fato, essa nova abordagem legal da aquicultura brasileira aos preceitos
deverá proibir o sistema atual mais usual do bem-estar animal e do abate huma-
de abate por asfixia no gelo (hipotermia), nitário, apresentamos uma sequência
indicando claramente que os peixes pre- do que seria o fluxograma ideal de aba-
cisam ser corretamente insensibilizados te humanitário para peixes cultivados
e abatidos sem sofrimento, preservando (Figura 8.1).
o seu bem-estar até o momento derradei-
ro de seu efetivo abate.
Considerando as dificuldades ope-
racionais e financeiras para implantação
de uma política de abate humanitário em
peixes no Brasil, e considerando que
muitos produtores e frigoríficos poderão
ter dificuldades de adequação às norma-
tivas, devemos buscar o oferecimento de
linhas de crédito vinculadas à melhoria

50
Desafios, dificuldades e perspectivas

FIGURA 8.1 – Fluxograma da sequência ideal para abate humanitário de peixes cultivados

Fonte: elaborada por Leonardo José Gil Barcellos, UPF.

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