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PoLÍtICas PÚBLICas:
ReFleXÕes acadêmicas sobRe o
desenvolvimento social e o combate à Fome
2. Transferência de Renda
5. Inclusão Produtiva
Presidenta da República Federativa do Brasil
Dilma Rousseff
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tereza Campello
Secretário Executivo
Marcelo Cardona
Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO
DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO:
Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de
Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.
Introdução e
temas transversaIs
© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na
experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.
ISBN: 978-85-60700-68-4
276p.
CDU 304(81)
Abril de 2014
Organizadores
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
Agradecimentos
Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-
cipar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos.
Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo
e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-
dos, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de
seu nome.
Pareceristas
Alberto Albino dos Santos Lucélia Luiz Pereira
Alcides Fernando Gussi Luciana Maria de Moura Ramos
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Aldaíza Sposati Luís Otávio Pires Farias
Alexandro Rodrigues Pinto Luiz Rafael Palmier
Ana Maria Segall Corrêa Marconi Fernandes de Sousa
Andrea Butto Marcos Costa Lima
Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra Mariana Helcias Côrtes
Bruno Barreto Mariana López Matias
Carla Cristina Enes Marina Pereira Novo
Crispim Moreira Marta Arretche
Daniela Sherring Siqueira Marta Battaglia Custódio
Dirce Koga Milena Bendazzoli Simões
Eduardo Cesar Leão Marques Neuma Figueiredo de Aguiar
Eduardo Salomão Condé Onaur Ruano
Elizabete Ana Bonavigo Paula Montanger
Elza Maria Franco Braga Paulo de Martino Jannuzzi
Fabio Veras Soares Pedro Antônio Bavaresco
Fátima Valéria Ferreira de Souza Pedro Israel Cabral de Lira
Fernanda Pereira de Paula Rafael Guerreiro Osorio
Frederico Luiz Barbosa de Melo Renata Mirandola Bichir
Haroldo Torres Renato Francisco dos Santos de Paula
Igor da Costa Arsky Rodrigo Constante Martins
Jeni Vaitsman Rômulo Paes de Sousa
Juliana Picoli Agatte Sergei Suarez Dillon Soares
Introdução e Temas transversais
Este livro é, nesse sentido, mais uma contribuição para Avaliação de Políticas e
Programas do MDS. Mais especificamente, trata-se de uma publicação, organiza-
da em cinco volumes temáticos, com estudos produzidos no âmbito de edital de
fomento à pesquisa – Edital nº 36/2010 – do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq) por um conjunto amplo de pesquisadores
de diversas instituições, de norte a sul do País.
Nesta definição, Avaliação não é entendida tão somente como uma investigação
com métodos validados cientificamente para analisar diferentes aspectos sobre
um programa – o que se constituiria em uma investigação de cunho acadêmico –,
mas um levantamento consistente, sistemático e replicável de dados, informações
e conhecimentos para aprimoramento da intervenção programática, versando so-
bre características essenciais do contexto de atuação, os públicos-alvo, o desenho,
os arranjos de implementação, os custos de operação, os resultados de curto pra-
zo, os impactos sociais e de mais longo prazo de um programa. Enfim, na definição
aqui advogada, Avaliação tem o objetivo de produzir evidências, compilar dados
e sistematizar estudos que contribuam para o aperfeiçoamento dos programas e
Introdução e Temas transversais
Avaliações que, de fato, têm uso efetivo na intervenção são desenhadas confor-
me as demandas de informação e conhecimento ao longo do ciclo de maturida-
de do programa ou projeto social. Podem ser de natureza diagnóstica – Avaliação
Diagnóstica –, apoiada em fontes de dados já existentes, produzidas pelo IBGE,
nos registros e cadastro públicos dos ministérios, para permitir um rápido dimen-
sionamento e caracterização da questão social a ser objeto de intervenção. Para
a formulação de programa ou projeto de mitigação ou equacionamento da pro-
blemática social identificada, em geral, são necessários novos esforços de levan-
tamentos de campo – para o aprofundamento do diagnóstico das condições de
vida, contexto econômico, restrições ambientais, capacidade de gestão e oferta
de serviços – e de compilação de estudos já realizados na temática, abordando
determinantes da problemática em questão e eventuais programas e projetos já
idealizados, que constituem o que se denomina Avaliação de Desenho. Definidos
os públicos a atender e os arranjos operacionais do programa ou projeto social, é
preciso colocá-lo em ação, realizando as atividades planejadas, acompanhando
sua execução mediante indicadores de gestão e de monitoramento, e identifican-
do problemas na oferta, na regularidade e na qualidade dos serviços por meio de
pesquisas de Avaliação da Implementação.
Reconhecidos e, tanto quanto possível, sanados os desafios da implementação, as
demandas de informação e conhecimento voltam-se para a Avaliação de Resulta-
dos e Impactos do programa ou projeto social. Trata-se de momento de investiga-
ção mais exaustiva sobre os diversos componentes de uma intervenção, abordan-
do não apenas o cumprimento dos seus objetivos, mas seu desenho, seus arranjos
operacionais, seus impactos sociais mais abrangentes – no tempo e no território
– e sobre a capacidade de inovação e redesenho frente ao contexto dinâmico em
que operam os programas e projetos. Cabe nesse momento avaliar se a interven-
ção programática formulada conseguiu provocar mudanças na realidade social
que a originou, considerando naturalmente a complexidade do seu desenho e dos
arranjos operacionais, além da criticidade da questão social enfrentada. Identificar
o momento adequado de avaliações dessa natureza é um misto de técnica, política
e arte: avaliações precoces podem colocar a perder a legitimidade de um progra-
ma e projeto meritório que ainda não teve tempo de se estruturar; avaliações tar-
dias podem comprometer recursos e esforços que poderiam ser usados de forma
mais eficiente e eficaz na mitigação da problemática social em questão. Enfim, se
o programa e projeto produzem resultados e impactos, é necessário analisar os
custos envolvidos na operacionalização de suas atividades, equipamento e pes-
soal – Avaliação Custo-Efetividade. O custo-efetividade das intervenções, isto é, o
valor gasto para produzir unidades de resultados e impactos em um período de
tempo e território específicos, é certamente uma informação fundamental para
avaliar a sustentabilidade dos programas e projetos no futuro e em outros con-
textos. Ademais tais avaliações, se bem realizadas – com contabilidade precisa de 11
custos e vetor abrangente de indicadores de resultados – fornecem parâmetros
cruciais para comparar diferentes intervenções sociais e informar gestores nas de-
cisões técnicas e políticas acerca da continuidade, descontinuidade e expansão
de programas e projetos.
Boa leitura!
SUMÁRIO
avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
INTRODUÇÃO
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS: UMA 16
COMPILAÇÃO CONCEITUAL E METODOLÓGICA PARA
ORIENTAR A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO APLICADO
PARA APRIMORAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA
1 ESTE TExTo é vERSão REvISADA DE ouTRo PRoDuzIDo CoMo MATERIAL DE REFERÊNCIA BÁSICA PARA
CuRSoS DE AvALIAção DE PRoGRAMAS SoCIAIS DA ESCoLA IBERoAMERICANA DE ADMINISTRAção E PoLÍTICAS PúBLICAS,
oFERECIDoS NA ESCoLA NACIoNAL DE PoLÍTICAS PúBLICAS DESDE 2009, PuBLICADo EM DuAS PARTES (JANNuzzI
2011A E 2011B). A REPRoDução DoS MESMoS DE FoRMA INTEGRADA E REvISADA NESSA CoLETâNEA JuSTIFICA-SE PELA
oPoRTuNIDADE DE DISSEMINAR uMA CoMPILAção úTIL DE ASPECToS HISTÓRICoS, CoNCEITuAIS E METoDoLÓGICoS
ACERCA DE MoNIToRAMENTo E AvALIAção DE PRoGRAMAS No PAÍS JuNTo À CoMuNIDADE ACADÊMICA BRASILEIRA,
INCITADA A PARTICIPAR MAIS DIRETAMENTE DA PRoDução DE CoNHECIMENTo PARA AS PoLÍTICAS E PRoGRAMAS Do
MINISTéRIo DE DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME, PELoS EDITAIS DE FoMENTo À PESQuISA Do CNPQ.
Há mesmo quem diga – nos círculos acadêmicos e nas diferentes esferas da admi-
nistração pública – que não é por falta de estudos, diagnósticos e indicadores que
os programas sociais não conseguem alcançar os resultados e impactos esperados
no Brasil. Afinal, é fato que centros de pesquisa, universidades, empresas de con-
sultoria e equipes de técnicos do setor público têm produzido, de forma sistemá-
tica ou por meio de projetos contratados, um amplo conjunto de trabalhos, artigos
e estudos sobre diferentes aspectos da realidade social, referidos direta ou indire-
tamente ao contexto de operação dos vários programas públicos. Entretanto tam- 17
bém é verdade que muitos desses trabalhos, mesmo os contratados para subsidiar
a formulação de programas específicos, acabam se revelando como diagnósticos
descritivos bastante gerais, aplicáveis a diferentes programas sociais, com contri-
buições certamente relevantes, mas desprovidas de informações mais particulares
e “customizadas” para formatação de ações públicas mais dirigidas, no grau que se
requer atualmente. Nos diagnósticos contratados pelo setor público, contribuem
para isso, sem dúvida, as imprecisões ou lacunas dos termos de referência – que
espelham, muitas vezes, a falta de clareza dos objetivos e natureza do programa
público a ser implementado, fato decorrente, por sua vez, das deficiências de for-
mação do gestor público – e a exiguidade de tempo e recursos para realização
de levantamentos de campo específicos. Nesse contexto, acabam se justificando
estudos diagnósticos mais gerais, baseados em trabalhos anteriores e em fontes
de dados e pesquisas já disponíveis.
Situação semelhante parece ter passado os Estados Unidos (EUA) nos anos 1970, a
julgar pelo relatório do General Accounting Office, que, mobilizado por demanda do
Senado americano em 1974, constatou que as informações das pesquisas sociais e
estudos avaliativos financiados com recursos públicos não contribuíam para o de-
senho das políticas públicas, pela dispersão e fragmentação de temas investigados,
Introdução e Temas transversais
5 GAO, 1977.
No entanto, nos anos 1960, o campo da avaliação de programas passa por uma alta
Introdução e Temas transversais
10 Vide, por exemplo, as publicações, eventos e sites das associações profissionais ou acadêmicas de
avaliação nesses países, entre os quais: American Evaluation Association (www.eval.org); Canadian Evaluation
dispersos pelas principais associações científicas disciplinares, tais como: Anpad (administração e administração
pública); Anpec (economia); Anpocs (ciências sociais); Anped (educação); Abep (estudos populacionais); Abet (estudos do
trabalho); Abrasco (saúde coletiva). Vale destacar alguns dos principais periódicos em que se pode encontrar estudos
avaliativos: Revista do Serviço Público; Revista Brasileira de Ciências Sociais; Revista de Administração Pública; Revista
São Paulo em Perspectiva; Textos de Discussão (Ipea); Planejamento e Políticas Públicas; Pesquisa de Planejamento
Econômico; Texto de Discussão Ence, entre outros (alguns desses periódicos estão disponíveis no portal www.scielo.
br. A partir dos anos 2000, foram criados espaços mais multidisciplinares para discussão e apresentação de estudos
de avaliação de políticas públicas, entre eles a Associação Brasileira de Avaliação Educacional (www.abave.org.br); a
Foco (www.boletim-fundap.cebrap.org.br), mantido pela Fundap e Cebrap; o sítio do Tribunal de Contas da União (www.
tcu.gov.br) e da Controladoria-geral da União (www.cgu.gov.br ), além dos fóruns criados pelos programas de pós-
graduação lato e stricto sensu, acadêmicos e profissionais, e das linhas de pesquisa nesse sentido em programas de
13 WEISS, 1972.
Inicia-se com uma exposição do Ciclo de Formulação e Avaliação de Políticas Pú-
blicas e Programas, para em seguida discutir como os sistemas de indicadores de
monitoramento e as pesquisas de avaliação podem e devem se integrar naquele.
Forçando um pouco o argumento para torná-lo mais claro – ainda que em prejuízo
do reconhecimento do esforço meritório e do trabalho competente observado em
diversos setores da administração pública brasileira –, o fato é que as lacunas de
formação e o pouco domínio de conceitos e técnicas no campo de monitoramento
e avaliação, na comunidade de gestores, acabam trazendo problemas na especifi-
cação dos instrumentos de monitoramento e avaliação das ações governamentais.
Isso leva às conhecidas frustrações com resultados tão ansiosamente esperados e
aos questionamentos sobre a utilidade dos estudos.
Explicitando melhor a motivação para elaboração desse texto – agora sob o risco
de simplificar demais a natureza e minimizar o alcance dos estudos avaliativos 23
conduzidos por colegas pesquisadores nas universidades e centros de pesquisa
no país –, a abordagem marcadamente disciplinar da pesquisa aplicada no campo,
a sobrevalorização de algumas abordagens e modelos específicos de avaliação, o
desconhecimento do contexto de operação da ação pública e da forma com que
os resultados dos estudos podem ser usados mais efetivamente pelos gestores
são elementos que também contribuem para conformação de tal quadro. Este tex-
to procura, assim, em uma perspectiva modesta em substância, mas comprometida
em seu sentido público, colaborar para a melhoria na especificação da demanda
de instrumentos de monitoramento e pesquisa de avaliação por parte da comuni-
dade de gestores públicos e na estruturação dos serviços a serem oferecidos pela
comunidade de pesquisadores acadêmicos e profissionais.
Antes de passar a uma explicação mais detalhada de cada etapa desse ciclo, vale
formalizar dois termos citados correntemente no texto – políticas públicas e pro-
gramas. Isso é importante para circunstanciar os limites do campo de diálogo es-
tabelecido neste texto, já que avaliação de políticas públicas e avaliação de pro-
gramas públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos muito
diferentes (em amplitude) da análise da intervenção estatal.
14 VILLANUEVA, 2006.
15 NASCIMENTO, 1991.
cia legal para deliberar em nome da coletividade – as instituições de Estado – vi-
sando à solução de um problema ou ao redirecionamento de uma tendência, com
a intenção de orientar sua evolução para um fim estabelecido como o desejável.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Como esclarece Saravia, em
17 VILLANUEVA, 2006.
19 OWEN, 2007.
O Ciclo de Políticas Públicas e Programas
Nos manuais clássicos de Ciência Política, o processo de formulação de políticas
públicas tem sido apresentado recorrentemente pelo ciclo de etapas sucessivas
(Policy Cycle), com mais ou menos estágios, como ilustrado no Diagrama 120. Em
que pesem as críticas de longa data quanto à forma simplificada com que esse
diagrama apresenta o processo político e sua própria veracidade empírica, a se-
paração em etapas se presta aos objetivos de evidenciar, ao longo do processo,
ênfases diferenciadas no planejamento, na operação ou avaliação dos programas.
Justifica-se ainda para fins didáticos e para orientar o recorte analítico na pesquisa
acadêmica na área.21
É oportuno registrar que a avaliação, como etapa do ciclo, realiza-se após a imple-
mentação. Trata-se de um momento de natureza mais reflexiva para continuidade
ou não do programa. Distingue-se, portanto, das atividades de monitoramento e
avaliação, que se realizam mediante os sistemas de indicadores e as pesquisas de
avaliação, instrumentos investigativos que podem ser empregados a qualquer mo-
mento do ciclo, conforme discutido mais adiante. Denominar essa etapa decisiva
do ciclo como avaliação somativa talvez ajudasse a evitar o duplo sentido que o
termo assume na área.
20 Como apresentado nos vários textos reunidos na valiosa coletânea sobre políticas públicas
organizada por Saravia e Ferrarezi (2006), publicada pela ENAP e disponibilizada em seu sítio eletrônico
(www.enap.gov.br), o Ciclo de Políticas Públicas pode ser descrito com um número maior ou menor
de etapas. De modo geral, distinguem-se pelo menos três macroetapas: formulação (na qual estaria a
formação da agenda), a implementação e a avaliação. Essa publicação, organizada segundo as etapas do
ciclo, traz artigos clássicos que aprofundam a vasta discussão envolvida em cada uma delas.
21 NASCIMENTO, 1991.
DIAGRAMA 1: O CICLO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS
Definição
de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome agenda
Percepção
e
definição
das
Formulação
questões
públicas.
Diagnóstico
e
desenho
de
programas.
Problemas
e
demandas
sociais
Tomada
de
decisão
Sobre
programas
e
públicos-‐alvo
Avaliação
Análise
de
Implementação
resultados
e
Produção
e
oferta
impactos.
dos
serviços.
Decisão
sobre
continuidade/
início
do
ciclo.
realidade ou com uma visão ousada, que garante imediatamente sua incorporação
na agenda formal de governo. Como coloca Parada, “no toda idea entra a la agen-
da. No todos temas de la agenda se convierten em programas”.23
Quando existe a convicção de que um problema social precisa ser dominado po-
lítica e administrativamente, é que ele se transforma em uma questão pública.24
Se parece haver solução técnica viável e factível para determinada questão social,
essa entra mais facilmente na agenda. Afinal, a estrutura do setor público, pelos
mecanismos institucionais existentes e operantes, é um ambiente que “digere”
inovações a seu próprio tempo e estilo.25
24 FREY, 1997.
27 RUA, 1998.
28 Idem, ibidem.
29 FREY, 1997.
30 CAREY, 2006.
Na etapa da formulação da política, os problemas, as propostas e demandas ex-
plicitadas na agenda transformam-se em leis, programas e propostas de ações.
Isto é, a formulação de política envolve a busca de possíveis soluções para as
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome questões priorizadas na agenda. Nesse momento, os elementos operacionais da
política em questão precisam ser evidenciados: diretrizes estratégicas, propos-
tas de leis, decretos normativos, programas e projetos. Em uma visão simpli-
ficada – e um tanto romântica e ingênua, como diria Charles Lindblom –, tais
programas e propostas seriam elaborados pelo emprego de técnicas gerais de
planejamento de projetos; conhecimentos setoriais específicos; análise de via-
bilidade política, de custo-benefício ou custo-efetividade das soluções; revisão
crítica de experiências anteriores e boas práticas identificadas. Essas tarefas são
conduzidas por técnicos do setor público, com maior ou menor participação de
consultores externos, seguindo orientações emanadas de gestores públicos no
topo da hierarquia.
Levantadas as diferentes alternativas para uma dada questão social, é preciso es-
colher qual deverá ser adotada. Enquanto que na definição da agenda política e
formulação de programas a participação de agentes não pertencentes ao governo
ou Estado desempenha papel central, a tomada de decisão envolve os gestores e
técnicos mais diretamente relacionados à política ou ao programa. Esse é o ônus
Introdução e Temas transversais
e o bônus do exercício da atividade pública. Isso não significa que outros agentes
e atores não estejam ativos no processo, de modo a influenciar a decisão em um
ou outro sentido, introduzindo – legitimamente em muitos casos – considerações
de ordem política em rotinas de cunho mais eminentemente técnico. Como bem
colocam Howlett & Ramesh:
Boa parte da crítica feita a esse modelo se refere ao fato de ele sugerir que a
administração pública, seus gestores, os atores políticos e os técnicos atuem de
forma bastante sistemática e cooperativa, como se estivessem todos envolvidos
na resolução de um problema consensualmente percebido, empregando métodos
34 NASCIMENTO, 1991
35 FREY, 1997.
37 LINDBLOM, 2006.
Jann & Wegrich42 acrescentam ainda que o sucesso e a “resiliência” desse mode-
lo clássico às críticas de pesquisadores acadêmicos é que ele parece como um
modelo prescritivo ideal a ser adotado, em que gestores eleitos governam com
corpos burocráticos dotados de grande capacidade de diagnóstico de problemas,
com posturas ativas e inovadoras na formulação de programas, operando com ra-
cionalidade técnica na tomada de decisões, com controle efetivo das atividades
na implementação dos programas públicos e objetividade na avaliação desses.
39 LINDBLOM, 2006.
45 Jannuzzi (2005), disponível para download na Revista do Serviço Público, v.56, n.2, em www.
enap.gov.br. Outra referência para aprofundamento nesse campo é Jannuzzi (2004).
46 Essa publicação do IBGE, assim como diversas outras da instituição, está disponível para
download em www.ibge.gov.br.
47 Uma discussão dos limites e potencialidades do IDH pode ser vista em Guimarães e Jannuzzi
(2005).
renda familiar, acesso a serviços de saúde, escolaridade dos pais, fatores esses que
certamente podem afetar ou potencializar as ações programáticas específicas.48
De qualquer forma, as informações estatísticas mais gerais são úteis para que se
possam disponibilizar alguns indicadores de contexto socioeconômico no âmbito
do sistema de monitoramento. Afinal, todo sistema aberto, como são os programas
públicos, está sujeito aos efeitos de fatores externos, que podem potencializar ou
atenuar resultados. Sistemas de indicadores de monitoramento de programas de
qualificação profissional, por exemplo, devem dispor de indicadores de mercado
de trabalho e de produção econômica como informações de contexto, pelos im-
pactos que uma conjuntura econômica menos ou mais favorável podem ocasionar
na operação do programa.
35
Como alternativa ou complemento às pesquisas estatísticas oficiais, é possível
construir indicadores de contexto ou mesmo de monitoramento de programas, a
partir dos registros administrativos de programas de grande cobertura populacio-
nal, como o Cadastro Único de Programas Sociais do Ministério de Desenvolvimen-
to Social e Combate à Fome; a Relação Anual de Informações Sociais e o Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho; e o Cadastro
Nacional de Informações Sociais do INSS/Ministério da Previdência. Naturalmen-
te, os registros de provimento e execução orçamentária do Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) também são importantes fon-
tes de informação para construção de indicadores de monitoramento (sobretudo
porque permitem computar indicadores de regularidade de repasse de recursos,
dimensão crucial para programas que envolvem diversas ações intermediárias
para viabilizar a consecução das atividades mais finalísticas). Vale registrar que
os ministérios responsáveis pela gestão desses cadastros têm feito esforços im-
portantes com o objetivo de disponibilizar as informações neles depositadas para
pesquisadores e público em geral.55
Para um e para outro gestor, os indicadores devem ser os pertinentes à sua esfera
de decisão, ajustados à referência temporal e territorial que lhes compete e inte-
ressa. As novas ferramentas de integração de dados permitem construir painéis
de indicadores de forma “customizada”, possibilitando, inclusive, acesso a infor- 37
mação mais detalhada se assim o gestor o desejar. Podem-se construir painéis em
camadas “explicativas”, isto é, organizando indicadores segundo uma estrutura
nodal, em que um primeiro conjunto reduzido de indicadores estratégicos seja
acompanhado de um segundo conjunto mais amplo de indicadores mais específi-
cos, que ajudem a entender o comportamento e a evolução dos primeiros, e assim
por diante. Na realidade, trata-se de um sistema de monitoramento que reúne
informações sintéticas – para análise de tendências gerais das atividades estraté-
gicas – e informações analíticas – para entendimento mais aprofundado das ten-
dências observadas. A proposta de acompanhamento das metas de inclusão social
nos países da Comunidade Europeia segue essa lógica de estruturação, dispondo
os indicadores em três painéis articulados:56
57 JANNUZZI, 2005.
61 MPO, 2009.
Com o avanço da informatização no setor público brasileiro, é possível também
obter informações referidas a unidades de prestação de serviços muito específi-
cas (em tese, escolas, hospitais, postos policiais etc.), com boa periodicidade de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome atualização (frequência escolar mensal, atendimentos ambulatoriais semanais
etc.), o que permitiria a construção de indicadores de monitoramento relaciona-
dos ao contexto de vivência dos beneficiários de programas e ao tempo adequado
de tomada de decisão. De fato, projetos sociais de alcance local têm recorrido à
busca periódica de informações nesses postos de prestação de serviços públi-
cos como estratégia de monitorar resultados e impactos de sua ação. Centros de
promoção de cursos de artesanato, atividades culturais e esportivas voltados à
reintegração social de jovens em comunidades muito violentas, projetos que vie-
ram a surgir com frequência nos últimos anos, pela ação direta de prefeituras ou
organizações filantrópicas, podem ter seus resultados e impactos inferidos pelo
eventual aumento das taxas de frequência à escola, diminuição dos atendimentos
ambulatoriais decorrentes de ferimentos ou das ocorrências policiais envolvendo
jovens, entre outras informações coletadas localmente.
Ou talvez ele não tenha qualquer pista adicional e busque uma explicação com o
dirigente da instituição ou gestor responsável pela área. É o que Worthern et al.
classificam como avaliação informal, que ocorre “sempre que uma pessoa opta por
uma entre várias alternativas existentes, sem antes ter coletado evidência formal
do mérito relativo dessas alternativas”. Embora não sejam pautadas em procedi-
mentos sistemáticos, tais avaliações nem sempre “ocorrem no vácuo”: “A experi-
41
ência, o instinto, a generalização e o raciocínio podem, todos eles, influenciar o
resultado das avaliações informais, e qualquer desses fatores, ou todos eles, pode
ser a base de bons julgamentos.”.65
63 Idem, ibidem.
68 CARVALHO, 2003.
74 MADEIRA, 2004.
DIAGRAMA 3: INDICADORES E AS PESQUISAS DE AVALIAÇÃO NO
CICLO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS
A hierarquia de focos avaliativos de Rossi et al.75 não implica que o gestor só possa
dispor de informações acerca da eficiência, da qualidade dos serviços, da cober-
tura de atendimento do público-alvo nas fases mais adiantadas do “ciclo de vida”
do programa. Pressupõe-se que há um sistema de indicadores de monitoramento
45
já estruturado que reúne informações indicativas nesse sentido. Pode até ser ne-
cessário encomendar pesquisas de avaliação de resultados e impactos ou estudos
mais aprofundados de avaliação da eficiência em estágios ainda incipientes da
implementação do programa, para responder a demandas externas de avaliação.
O que os autores defendem é que se organize um plano consistente de avaliação
em todas as etapas do “ciclo de vida” do programa, e que se resista à tentação
de “colocar a carroça antes dos bois”, encomendando pesquisas de avaliação de
forma precoce e desarticulada. É preciso ser diligente com o risco de produção de
resultados irrelevantes ou, pior, com a produção de resultados precipitados em
pretensa legitimidade científica.
77 CANO, 2002.
79 BABBIE, 1999.
81 Vide www.nadd.prp.usp.br/cis.
Não existe a priori um método universal, mais legítimo ou com maior “status cien-
tífico” para toda e qualquer pesquisa de avaliação, como não existe um único mé-
todo para as pesquisas acadêmicas. Como bem assinalado em um importante ma-
nual da Pesquisa Social Americana acerca da prática da pesquisa científica:
84 JANNUZZI 2011c.
87 VIEIRA, 2008.
1. It seems to us futile to argue whether or not a certain design is “scien-
tific” […] It is not a case of scientific or not scientific, but rather one of
good or less good design […]
É estranho, pois, que ainda persista, em certas comunidades, o mito de que os de-
lineamentos experimentais ou quasi-experimentais constituem-se nos métodos
mais adequados e legítimos cientificamente para avaliação de impactos.
Programa
O1 ----------------à O2
------------------------------------------------
C1 ----------------à C2
Medida Medida
Pré-programa Pós-programa
O: Grupo de tratamento (beneficiário do programa).
C: Grupo de controle (similar ao outro grupo, mas não é beneficiário).
Grupos de indivíduos O e C definidos por designação aleatória.
Se O2 – O1 > C2 – C1,
ou se O1 = C1 e O2 > C2, então o programa produz impacto.
Ainda assim, continuam os autores, alertando que o debate não está encerrado, na
medida em que:
93 Idem, ibidem.
Pluralismo metodológico, enfoques avaliativos mistos, triangulação de aborda-
gens investigativas,94 complementaridade de técnicas – são essas as perspectivas
da pesquisa de avaliação de programas partilhadas pelos autores das duas prin-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome cipais referências bibliográficas aqui citadas – Worthern et al. e Rossi et al. Rigor
metodológico, capacidade de improvisação e maleabilidade técnica diante da
complexidade do objeto de estudo, estas são as prescrições generalizáveis para
qualquer equipe – necessariamente multidisciplinar – que queira encarar respon-
savelmente a pesquisa aplicada na avaliação de programas.
Considerações finais
Este texto procurou mostrar que tais instrumentos precisam ser especificados, res-
pondendo às demandas de informação do gestor nas diferentes fases do “ciclo
de vida” do programa, de acordo com o estágio de maturidade desse. Não há uma
receita única, pronta e acabada para desenhar esses instrumentos. Existem expe-
riências, recomendações e boas práticas.
94 Triangular significa abordar o objeto de pesquisa com três (ou mais) técnicas diferentes de
investigação, como linhas não paralelas na forma de um triângulo cercando o objeto de pesquisa ao
centro.
ATKINSON, T. et al. Social Indicators: the EU and Social Inclusion. Oxford: Oxford Univ.
Press, 2005.
COHEN, E.; FRANCO, R. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
E contribuição para o debate. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 17, n. 3-4, p.
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4 DouToR EM SERvIço SoCIAL PELA PoNTIFÍCIA uNIvERSIDADE CATÓLICA DE São PAuLo (PuC-SP) E
CooRDENADoR Do CuRSo DE SERvIço SoCIAL DA uNIvERSIDADE FEDERAL DE GoIÁS (uFG). FoI CooRDENADoR-GERAL
DA ÁREA DE GESTão Do TRABALHo E EDuCAção PERMANENTE Do SISTEMA úNICo DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SuAS) ENTRE
2005 E 2009, ASSESSoR DA SECRETARIA NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (SNAS) Do MDS ENTRE 2009 E 2012 E vICE-
PRESIDENTE Do CoNSELHo NACIoNAL DE ASSISTÊNCIA SoCIAL (CNAS) ENTRE 2008 E 2012.
INTRODUÇÃO
Este artigo reflete sobre a construção da agenda de avaliação de políticas públicas
e, mais particularmente, sobre a experiência de definição conjunta de uma agenda
entre academia e governo materializada por uma seleção pública de propostas de
estudos e avaliação das ações do desenvolvimento social e combate à fome.
Com efeito, embora a avaliação de políticas públicas não tenha trajetória conso-
lidada no país, e nem acúmulo teórico suficiente, avolumam experiências de ava-
liação advindas de estudos de caso ou análises pontuais de políticas específicas.
Longe de estar adequadamente sistematizado, esse conhecimento produzido tem
fortalecido a formação de avaliadores no país e, também, incitado debates impor-
tantes, sobretudo quanto aos efeitos das políticas, programas, serviços e ações.
4. Inclusão Produtiva
Introdução e Temas transversais
5. Integração
5.1) Dinâmica demográfica e sua interrelação com políticas de desenvol-
vimento social e combate à fome;
O prazo de execução dos projetos selecionados deveria ser igual ou inferior a seis
meses, prorrogáveis mediante a apresentação de justificativa pelo coordenador
do projeto e aprovação pelo CNPq, não podendo exceder 12 meses. O valor má-
ximo de financiamento para cada projeto foi estipulado em R$ 60.000,00, dividi-
dos em custeio (até o limite máximo de 20% do total do financiamento) e bolsas
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome (modalidades “Iniciação Tecnológica e Industrial” - ITI nível A e “Desenvolvimento
Tecnológico e Industrial” - DTI níveis 1, 2 e 36). O montante de recursos de fato
executado foi de R$ 1.442.598,00, totalizando, portanto, o investimento médio de
R$36.989,70 por projeto.
projetos para os seus pares e para debatedores oriundos das diferentes unidades
da estrutura do MDS, de outros ministérios, e do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
6 À época da execução dos projetos, os valores das bolsas que poderiam ser contempladas
nos projetos variavam entre R$ 161,00 e R$ 3.169,37.
RESULTADOS DO EDITAL
Talvez devido ao caráter inovador de muitos dos programas de desenvolvimento so-
cial sob a responsabilidade do MDS, que têm consolidação recente na agenda brasi-
leira de políticas públicas, percebemos com este edital o grande interesse que temas
como transferência de renda, inclusão produtiva, segurança alimentar e nutricional e
assistência social suscitam entre os acadêmicos. Entretanto, considerando as formas
de abordagem e enquadramento desses temas, percebemos também a pertinência
da avaliação realizada por Arretche (2003) há mais de dez anos atrás: boa parte da
agenda de estudos da academia continua bastante associada à agenda do governo.
Por outro lado, foram percebidas também algumas dissonâncias entre certos te- 63
mas e questões considerados cruciais para o aprimoramento e desenvolvimento
dos programas, políticas e serviços, por parte do governo, que não encontraram lu-
gar entre as pesquisas propostas pelos pesquisadores. Em sentido inverso, alguns
questionamentos trazidos nas pesquisas às vezes tendiam a refletir dimensões
não mais consideradas prioritárias na agenda do governo. Pode-se pensar, nesse
sentido, que o dinamismo dos processos decisórios e das transformações institu-
cionais dos programas nem sempre anda no mesmo compasso da agenda das pes-
quisas acadêmicas, colocando desafios para uma agenda conjunta de avaliações.
8 Em setembro de 2013 a cooperação entre o MDS e o MCTI materializou-se em mais um edital para
a seleção de estudos por intermédio do CNPq. Foi lançada a Chamada MCTI-CNPq/MDS – SAGI Nº 24/2013 com
o objetivo de fomentar projetos de pesquisa relativos às políticas de proteção de populações vulneráveis,
assim como relativas ao desenvolvimento social e segurança alimentar e nutricional. O montante total
investido nessa Chamada foi de R$ 2.747.795,00, tendo sido recebido um total de 292 propostas, totalizando
uma demanda de recursos equivalente a R$ 21.460.730,10.
Entende-se, portanto, que o fomento temático à pesquisa acadêmica pode ser um
estímulo importante para que o estabelecimento de uma estratégica de avaliação
se concretize na academia e no governo. Nesse sentido, este livro é mais uma
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome contribuição a esse esforço.
Uma das contrapartidas ao financiamento foi a entrega de artigos com base nos
principais resultados das pesquisas realizadas. Uma vez entregues, cada artigo foi
submetido a dois pareceristas vinculados à temática pertinente sendo, necessa-
riamente, um deles vinculado ao MDS e outro externo. Os pareceristas externos
incluíam professores universitários, pesquisadores, ou especialistas. Um total de
60 pareceristas contribuiu com a revisão dos artigos. Após a revisão dos autores
com base nos pareceres, avaliou-se a pertinência da publicação de cada artigo,
eventualmente retornando os artigos para os pareceristas.
Os cinco volumes que integram esta publicação representam a entrega final dos
resultados do Edital n.º 36/2010. Os projetos de pesquisa financiados deram ori-
gem aos 34 artigos que são apresentados neste livro, organizado em cinco seções
temáticas, sempre antecedidas por artigos institucionais que visam apresentar a
visão do MDS a respeito de temas transversais como gênero, raça, povos e comuni-
dades tradicionais, transferência de renda, assistência social, segurança alimentar
e nutricional e inclusão produtiva.
Este primeiro volume do livro reúne artigos institucionais elaborados por repre-
sentantes do MDS ressaltando a relevância dessa aproximação entre a agenda de
pesquisas da academia e os temas afetos ao desenvolvimento social e combate à
fome. Em primeiro lugar, o Secretário de Avaliação e Gestão da Informação, Paulo
Jannuzzi, apresenta a publicação e, em artigo subsequente, discute aspectos te-
óricos e metodológicos do monitoramento e avaliação de políticas públicas. Em
seguida, no presente artigo, os organizadores do livro – Júnia Quiroga, Alexandro
Introdução e Temas transversais
Na segunda seção do livro são apresentados os artigos que abordam, sob diver-
sos ângulos e aspectos, os programas de transferência, em particular o Programa
Bolsa Família e suas múltiplas dimensões – processo de cadastramento, acompa-
nhamento de condicionalidades, formas de gestão local, entre outras. Na introdu-
ção desta seção, temos o artigo elaborado pelo Secretário Nacional de Renda de
Cidadania, Luis Henrique Paiva, em coautoria com a Secretaria Adjunta da Senarc,
Letícia Bartholo, discorrendo sobre a trajetória de dez anos de Programa Bolsa
Família, seus avanços e os desafios para o futuro, bem como sobre a perspectiva
adotada pelos autores que compõem essa seção temática. Esta segunda seção
reúne quatro artigos, que abordam a temática das condicionalidades – artigos de
Rogério Medeiros (UFPB) em coautoria com Nínive Machado (UFPB) e artigo de
Giselle Lavinas Monnerat (UERJ) com Juliana França Nogueira (UFF) –, as condicio-
nalidades e a gestão do Programa, por meio do Índice de Gestão Descentralizada
(IGD) – Maria Ozanira da Silva e Silva (UFMA) e Maria Virgínia Guilhon (UFMA) e
também o Cadastro Único – artigo de Renato Veloso (UERJ). 65
Temas relacionados à assistência social e às territorialidades são abordados na
terceira seção, a qual é introduzida por artigo elaborado pela Secretária Nacional
de Assistência Social, Denise Colin, em parceria com Juliana Fernandes e Renato
de Paula, discorrendo sobre os desafios atuais para a área. Na sequência, temos
dez artigos que abordam diversas dimensões das desigualdades sócio-territoriais
e da vulnerabilidade das famílias, além de abordarem distintas metodologias, polí-
ticas e estratégias no campo da assistência social. Novamente, estes artigos foram
elaborados por pesquisadores e professores oriundos de diferentes instituições:
Melazzo e Magaldi (UNESP); Vaz e Avritzer (UFMG); Bazzi, Gaviolli, De Paula, et al
(UTFPR); Dedecca, Belik, Trovão e Souza(UNICAMP); Oliveira e Kassouf (ESALQ/
USP); Magalhães, Ramos, Bodstein, et al (FIOCRUZ); Montali, Garcia, Lima, et al (UNI-
CAMP); Paiva, Rocha, Carraro, et al (UFSC); Souza, Paiva, Cavalcante, et al (UFRN).
Por fim, a quinta seção abarca os desafios da inclusão produtiva no Brasil, con-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
forme a discussão apresentada pelo Secretário Extraordinário para Superação da
Extrema Pobreza, Tiago Falcão, e o ex-chefe de gabinete da SESEP, Ricardo Karam.
Essa seção reúne artigos que discorrem sobre os desafios da qualificação profis-
sional e inclusão produtiva para a população de baixa renda – artigo de Eucidio
Pimenta Arruda (UFU) e Durcelina Ereni Pimenta Arruda –, os efeitos de programas
de capacitação na inclusão produtiva de jovens – Frida Marina Fischer (USP) e An-
dréa Aparecida da Luz (USP) – e uma avaliação de metodologias de capacitação
profissional associada a programas de transferência de renda – artigo elaborado
por Sibelle Diniz (UFMG), Elizabeth Filizzola (IASIN), Jacqueline E. Rutkowski (Ins-
tituto Sustentar), Thiago Araújo do Pinho (UFMG), Luisa F. Lima (UFMG), Patrícia
Vargas (UFMG) e Roberto L. M. Monte-Mór (UFMG).
Introdução e Temas transversais
REFERÊNCIAS
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de um campo em construção. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 42 (3):
529-50 maio/jun. 2008.
67
EDITAL nº 36/2010: O DESAFIO
Mariomar Almeida1
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Renata Gracioso Borges2
Marcelo Gonçalves valle3
Roberto Camargos Antunes
Josiane B. Santos4
Introdução e temas transversaIs
1 BACHAREL EM SECRETARIADo PELA uFPE, MESTRE EM ExTENSão RuRAL E DESENvoLvIMENTo LoCAL PELA
uFRPE. ASSISTENTE EM C&T DA FuNDAJ/CNPQ - MARIoMAR_TEIxEIRA@yAHoo.CoM.BR
Em 2008, dando continuidade à parceria CNPq e MDS, foi lançado o Edital nº 38/2008,
o qual teve por objetivo apoiar atividades de extensão, mediante a seleção de propos-
tas para projetos multidisciplinares que desenvolvam diagnósticos e planejamentos
territoriais por meio de ações de extensão universitária, visando à promoção de se-
gurança alimentar e desenvolvimento local em territórios prioritários no âmbito do
CONSAD – Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local.
Busca ainda realizar uma análise da parceria realizada entre CNPq e MDS, tendo
como instrumento um edital de seleção pública, numa perspectiva de identificar
os fatores relevantes e possibilidades de futuras parcerias.
EDITAL Nº 36/2010
O Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010 foi lançado em 23/09/2011, conforme
Diário Oficial da União. Teve como objetivo apoiar estudos com a finalidade de tra-
zer elementos de avaliação que pudessem auxiliar na condução ou indicar ajustes
aos programas sociais conduzidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, de acordo com cinco linhas temáticas (BRASIL e):
1. Assistência Social
5. Integração
Com relação aos objetivos específicos, o propósito do edital foi conhecer e fo-
mentar a produção acadêmica a respeito das iniciativas recentes de proteção e
Introdução e Temas transversais
O recurso global do edital foi de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil re-
ais), oriundos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
Programa de trabalho: 08.121.1006.4923.0001 - Gestão da Política de Desenvol-
vimento Social e Combate à Fome, Ação orçamentária 4923 - Avaliação da política
de desenvolvimento social e combate à fome.
Nesses casos, os gestores justificaram que com a nova demanda social solicitada
ao CNPq, outro tipo de necessidade emergia e diante disso, outros tipos de pro-
postas devem ser abarcadas, tal como o ocorrido em outros editais, entre eles:
36/2010 com o MDS, que teve por objetivo apoiar estudos com a finalidade de
trazer elementos de avaliação que possam auxiliar na condução ou indicar ajustes
aos programas sociais conduzidos pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Também, justificou que a titulação mínima exigida de mestre não
impedia a participação de doutores.
Após análise por parte das consultoria/procuradoria jurídicas das duas institui-
ções sobre os Planos de Trabalho, Termo de Cooperação e o Edital final os mesmos
foram encaminhados para assinatura os dois primeiros foram assinados no dia
15/09/2010 e o Edital foi publicado no dia 23/09/2010, o qual ficou aberto 45
dias para receber propostas das academias.
2. JULGAMENTO E RESULTADO
A seleção de membros para julgar esse Edital apresentou certas dificuldades, visto
que o período previsto para julgamento, de 30/11 a 03/12/2010, era concomi-
tante com o fechamento da avaliação das disciplinas universitárias e seleção de
candidatos para mestrado e doutorado.
No dia 09/11/2010, um dia após a data limite para submissão das propostas, foi reali-
zado um levantamento da demanda e foram detectadas 75 (setenta e cinco) propostas.
Fonte: Elaboração dos autores.
73
GRáFICO 2: PERCENTUAL DE PROPOSTAS APRESENTADAS POR
estado.
Fonte: Elaboração dos autores.
Fonte: Elaboração dos autores.
Fonte: Elaboração dos autores.
A tabela 2 descreve a distribuição temática segundo a região de origem dos pro-
jetos aprovados.
CONCLUSÃO
O prazo de elaboração dos editais é de no mínimo de quatro meses, em função de
diversos trâmites internos. Ademais, em editais de convênios, que dependem da
liberação das Assessorias Jurídicas dos órgãos envolvidos, podem sofrer dilação.
Editais voltados para demanda de políticas sociais, nos formatos aqui apresenta-
dos, foram frutos das políticas implementadas a partir de 2003 - Edital MCT/CNPq/
MESA/CT - Agro nº 01/2003 –Seleção Pública de Propostas para Apoio a Projetos
de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Segurança Alimentar no Agronegó-
cio, com o objetivo de:
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
expandir a produção do conhecimento básico e aplicado sobre
Segurança Alimentar no âmbito do Agronegócio, contribuindo
para a garantia do acesso ao alimento em quantidade, qualidade
e regularidade suficientes para nutrir e manter a saúde da
população, por intermédio do apoio a projetos de pesquisa,
desenvolvimento e inovação, executados por pesquisadores ou
grupos de pesquisa atuantes no tema (BRASIL g).
A falta de adequada leitura dos editais é um dos grandes problemas para constru-
ção do projeto. Dessa forma mais de 50% das propostas apresentadas não foram
enquadradas nos termos do Edital e foram desclassificadas.
Introdução e Temas transversais
Editas temáticos, tais como os aqui apresentados, não tem a avaliação de comitê
ad hoc, e são temas, na sua maioria, específicos, os quais necessitam da escolha
por comitê de especialistas.
Esse formato de edital contribuiu para analisar e avaliar as políticas públicas sob
um olhar nem sempre percebido pelos gestores dos Ministérios, contribuindo as-
sim para a melhoria e o aperfeiçoamento destes e para o desenvolvimento de
novos programas.
77
REFERÊNCIAS
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Científico e Tecnológico (CNPq). Apresentação. Disponível em: <http://www.cnpq.br/
cnpq/index.htm>. Acesso em: 03 mar. 2012. (a).
Rede SUAS - A Rede SUAS, responsável pela operacionalização dos sistemas de infor-
mação do SUAS, alinhada com as estratégias e objetivos do MDS, visa proporcionar as
melhores condições para o atendimento das metas da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/censo2011/auth/index.php?faq=1).
avaliação de políticas públicas: contribuições
REFLEXÕES acadêmicas
acadêmicas
sobre
sobre
o Desenvolvimento
o Desenvolvimento
Social
Social
e o Combate
e o Combate
à Fome
à Fome
TEMAS
TRANSVERSAIS
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: PERSPECTIVAS
A PARTIR DO OLHAR DE GÊNERO E DA
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
diveRsidade sociocUltURal de povos e
comUnidades tRadicionais
1 BACHAREL EM CIÊNCIAS CoNTÁBEIS PELA uNIvERSIDADE FEDERAL Do RIo GRANDE Do SuL (uFRGS) E
SECRETÁRIo ExECuTIvo Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE À FoME (MDS).
2 DouToRA EM CIÊNCIA PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE DE ESSEx – REINo uNIDo, ASSESSoRA DA SECRETARIA
ExECuTIvA Do MDS E PESQuISADoRA SÊNIoR Do NúCLEo DE PESQuISAS EM PoLITICAS PúBLICAS DA uNIvERSIDADE DE
São PAuLo (uSP).
A Busca Ativa é uma estratégia do Plano Brasil Sem Miséria4- BSM - cujo objetivo é
levar as políticas públicas àquelas famílias que se encontram em situação de gran-
4 O Plano Brasil Sem Miséria é uma iniciativa do Governo Federal coordenada pelo MDS que
por meio de parcerias com diferentes ministérios visa estender os benefícios de transferência de renda
do Programa Bolsa Família a todos os membros da população em situação de extrema pobreza (em torno
de dezesseis milhões de pessoas), enquanto ao mesmo tempo oferece oportunidade de superação desta
condição através de inclusão produtiva urbana e rural e acesso a serviços públicos.
de vulnerabilidade social e que possuem renda per capita de até R$ 70,00 (se-
tenta reais). Ela consiste na identificação e inserção pelo Estado de cidadãos que
ainda não acessam as políticas as quais têm direito, invertendo, desta forma, a
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome tradicional lógica de que os cidadãos procuram o Estado para serem atendidos.
Esta estratégia possibilita ao governo: a) Incluir as famílias pobres e extrema-
mente pobres no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(Cadastro Único); b) permitir o acesso de famílias elegíveis aos programas de
transferência de renda, como o PBF; c) propiciar acesso a serviços de assistên-
cia social, saúde, educação, dentre outros; d) orientar para inclusão produtiva,
por meio de capacitações, mediação de contratações, acesso aos instrumen-
tos de crédito, fomento para atividades produtivas e assistência técnica rural.
gualdades sociais.
Uma das principais críticas é que o foco nas mulheres tem por base uma visão
naturalizada e tradicional do papel social das mulheres, relacionado à sua con-
dição de mãe, mas que as condições necessárias para o seu desenvolvimento
humano e empoderamento pessoal, econômico e político tendem a ser secun-
darizadas (MOLYNEUX, 2009; JENSON, 2009). Este debate é central em estudos
sobre estes programas a partir de uma perspectiva de gênero, e está presente 85
na maioria dos artigos desta seção que tratam do tópico, tendo sido evidencia-
do no de Celso Antonio Favero e Stella Rodrigues dos Santos.
No que diz respeito à política de creches foi recentemente criada pelo governo
federal a Ação Brasil Carinhoso, que além de aumentar os benefícios das famí-
lias que recebem o PBF, cria incentivo para a ampliação do número de vagas em
creches, por intermédio de um aumento no repasse de recursos. O programa
aumenta em 50% o valor do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb) para creches públicas e conveniadas com as secretarias municipais
de Educação (creches confessionais, filantrópicas e comunitárias), por vaga am-
pliada para filhos de beneficiários do PBF em idade até 48 meses. Em 2012,
mais de 381 mil crianças com este perfil foram atendidas em 22,8mil creches.
Além das ações citadas acima o MDS tem buscado adotar um recorte transver-
sal de gênero em suas políticas públicas. Desde março de 2012, um Comitê de
Políticas para as Mulheres e de Gênero, coordenado pela Secretaria Executiva
87
do MDS, se reúne regularmente para discutir as políticas deste ministério a
partir de uma perspectiva que inclui as necessidades específicas das mulheres
e questões de gênero e para propor iniciativas no intuito de promover a cida-
dania das mulheres e a igualdade de gênero. Este comitê contribui também
para melhor articular políticas centrais e da Secretaria de Políticas para as Mu-
lheres às políticas do MDS.
A pesquisa realizada pela UEM constata que apesar das famílias beneficiárias do
PBF ainda se encontrarem em situação de vulnerabilidade social há um aumento
da possibilidade de aquisição de gêneros de primeira necessidade (como alimentos
e remédios), antes não acessados pela baixa renda das famílias ou até mesmo pela
inexistência de renda. Constata, ainda, que apesar de lentamente, há uma melhoria
do acesso destas populações a bens e políticas públicas, como saúde e educação.
O PBF propiciou aos beneficiários uma ampliação do seu acesso a alimentos que
antes não eram consumidos, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional
destes, bem como a compra de insumos como material escolar, remédios, etc., que
beneficiaram as crianças e a família como um todo, conforme grande parte dos
depoimentos apresentados nos estudos desta seção.
Estes são destaques apenas de um número de impactos positivos citados nos tex-
tos. A expectativa é que estes resultados somados a outros derivados de políticas
de inclusão produtiva urbana e rural e da iniciativa recente de ampliação da rede
de serviços públicos para a área de cuidado com as crianças irão fomentar uma
maior autonomia feminina.
FIALHO, P. J. F. O programa Bolsa Família em São Luís (MA) e Belém (PA): um estudo
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93
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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS SOCIODEMOGRÁFICOS E
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
das Rotinas de cRianças nos conteXtos
URBANO E RIBEIRINHO AMAZÔNICO
paço, objetos de jogo e o tempo disponível para tal devam ser reconsiderados de
acordo com as mudanças e razões de mobilidade de cada população, seja no meio
urbano, nas periferias ou nas zonas rurais.
Numa leitura ecológica, aquilo que a criança faz, os papéis desempenhados pelas
pessoas ao seu redor e as relações marcadas pelas trocas afetivas, estruturam seus
microssistemas experenciados (BRONFENBRENNER, 1996). Tais microssistemas
apontam de maneira indissociável para as características de ordem microssistê-
mica desses ambientes, ou seja, a composição familiar, características dos familia-
res, contextos que influenciam suas rotinas (escola, vizinhança, trabalho dos pais
dentre outros) e os aspectos de ordem macrossistêmica que se refere à educação,
pobreza, violência, oferta de trabalho, renda familiar e políticas públicas que vi-
sam garantir os direitos à alimentação, saúde, educação, moradia e trabalho aos
desfavorecidos economicamente.
Sobre o microssistema familiar, muito tem sido considerado pelas ciências sociais
e pela psicologia. Sabe-se que esse sistema vem sofrendo transformações impor-
tantes ao longo dos anos, no entanto, apresenta ainda uma rígida divisão sexual
dos papéis e atribuições a partir do isolamento da mulher no espaço doméstico-
-familiar e a socialização do trabalho dos homens. Nesse sentido, as mulheres
passam ingressar na produção social, mas continuam responsáveis pela esfera
doméstica (LAVINAS, 1996; SANCHES, 2001).
Dos programas governamentais das últimas décadas no Brasil tem se destacado, de-
vido sua abrangência, o PBF, instituído em 2004 pela Lei 10.836, de 09 de janeiro de
2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.209/04, de 17 de Setembro de 2004. Foi
organizado a partir da aglutinação de outros programas sociais como o Bolsa Escola
vinculado ao Ministério da Educação; o Auxilio Gás do Ministério de Minas e Energia;
e o Cartão Alimentação do Ministério da Saúde. O PBF, portanto, surgiu como o pro-
grama que propõe uma ação inovadora de redução da pobreza ao longo da história
brasileira, tendo como meta, além da redução da pobreza econômica, promover a
permanência da criança na escola e o acompanhamento sistemático na saúde.
anos e por fim, realize o pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes
na faixa etária de 14 a 44 anos. Nesse sentido, em longo prazo, espera-se que estas
famílias consigam romper com o ciclo de pobreza que se mantém por gerações.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 60 crianças (Participantes-Alvo), sendo 30 pertencen-
tes à população urbana (15 meninos e 15 meninas) e 30 pertencentes à Ilha do
Combu, região ribeirinha amazônica (16 meninas e 14 meninos).
Critérios de inclusão
A escolha das famílias se deu pelos seguintes critérios: as crianças deveriam estar
cursando entre a 1ª e a 4ª série do ensino fundamental; ser aluno (a) matriculado
(a) regularmente nas escolas municipais escolhidas e ser beneficiário do PBF.
Ambiente
rários de coleta, que ocorreram no intervalo entre os horários das aulas, nos turnos
da manhã, intermediário e tarde. As abordagens aos responsáveis aconteceram no
pátio da escola, no momento em que estes buscavam ou deixavam os filhos. O
período de coleta correspondeu os meses entre abril e novembro de 2011.
Sobre os instrumentos
Estrutura familiar
Entrevistou-se 26 famílias no contexto urbano e 24 na comunidade do Combu. As
famílias urbanas eram compostas por no mínimo 2 e no máximo 10 pessoas, quan-
tidade não equivalente ao número de filhos, dada a presença na mesma residência
de parentes como avós, tios, primos, sobrinha, cunhada e padrasto.
três mães. Dentre os que chegaram ao ensino médio, quatro pais e oito mães e três
pais e nove mães não concluíram.
Aspectos financeiros
O número expressivo de pessoas compartilhando um mesmo domicílio pode in-
fluenciar na qualidade de vida destas, já que a renda reunida passa a ser dividida
em um orçamento comum a todos, satisfazendo ou não as necessidades de cada
membro. Em ambos os contextos, as famílias viviam em situação de forte empo-
brecimento e relataram ganhos inferiores ao salário mínimo (R$ 545,00). Os valo-
res declarados pelos participantes incluíram o próprio benefício, aposentadorias e
os ganhos formais e informais.
No contexto urbano, 46% das famílias investigadas relataram ganhos que aponta-
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
ram renda per capita de até ¼ do salário mínimo; 24% relataram viver com renda
de até ½ salário mínimo; 15% em torno de um salário e 15% não responderam.
No contexto ribeirinho amazônico 71% das famílias sobreviviam com renda de
até ¼ do salário mínimo; 21% com renda de até ½ salário mínimo e 8% não
responderam.
40%
40%
19%
20%
20%
0%
0%
101
a
200
60
a
100
101
a
200
60
a
100
o valor em reais referente ao PBF recebido pelas famílias urbanas foi superior a R$
101,00 em 81% dos casos. Para 19% dos beneficiários, o valor pago pelo gover-
no variou entre R$ 60,00 e R$100,00. Para os ribeirinhos, os intervalos adotados
beneficiavam 50% das famílias respectivamente.
No contexto urbano, 50% das famílias que tinham dois filhos recebiam valores
referentes ao intervalo de R$ 101,00 a 200,00. Nesse mesmo intervalo de valores,
foram encontradas 23% de famílias com três filhos e 8% das famílias com um
filho. Em relação ao intervalo com menores valores pagos (R$ 60,00 a R$100,00)
surgiram 15% das famílias com um filho, no entanto, em 4% dos casos foram
encontradas famílias que apresentavam três filhos. o que demonstra o não cadas-
tramento de todos os filhos.
o mesmo ocorreu no contexto ribeirinho em que 4% das famílias com dois filhos
e 8% das famílias com três filhos recebiam os valores menores. As demais famílias
ribeirinhas apresentaram recebimentos com valores menores para famílias com
um filho e maiores com famílias com dois ou mais filhos. No entanto, não apenas
o número de filhos determina a quantia recebida, dependendo também da renda
familiar per capita, o número e a idade dos filhos.
Sabe-se que o controle da renda perpassa pela estrutura familiar, e nesse sentido,
no contexto urbano, a mãe surgiu como a principal figura no controle dos gastos,
já que em 38% dos casos (famílias monoparentais femininas) ela era a única ou
a principal responsável pelos filhos. Diante desse cenário, surgem como apoios
importantes, avós e tios que passam a dividir os cuidados com as crianças, o con-
vívio e até mesmo o domicílio. Fato que em parte explica o índice de 35% de pa-
rentes assumindo o controle da renda familiar. Em relação às famílias ribeirinhas,
observa-se o controle compartilhado da renda entre os pais, aspecto que condiz
com a estrutura nuclear apresentada em 75% das famílias.
e
p
o
l
rio
as
to
to
io
io
do
at
ar
ria
en
es
nt
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+m
st
+m
rio
al
ve
st
uá
st
Ve
Ve
st
ve
dados de Rotina
Introdução e temas transversaIs
meninas meninos
Deslocamento Evento
Evento 2,99%
religioso;
religioso; Alimentação; 1,04%
Alimentação;
Deslocamento
1,00%
6,60%
2,40% Outros; 0,30% 5,70% Outros;
0,42%
Higiene,
4%
Higiene,
5%
Educação,
Educação,
17,10%
16,50%
Descanso,
43%
Descanso,
45,40%
Lazer,
Lazer,
22%
26,50%
As meninas descansam 40,40% do tempo, seguida por lazer com 22%, educação
surgiu com 19,9%, alimentação 5,6%, higiene 4,4%, tarefa doméstica 3,6%, deslo-
camento 2,4%, evento religioso 0,6% e outros 0,3%. os meninos, entretanto, pas-
saram 43% e 21% de seu tempo nas categorias descanso e lazer, respectivamente.
Em relação à categoria educação, os meninos gastaram 16,6% do tempo. Na catego-
ria tarefa doméstica, o percentual encontrado foi de 3,8%, os demais índices apre-
sentados foram: 6,3% em alimentação, 4,8% com higiene, 3,3% em deslocamento,
0,7% em eventos religiosos e 0,4% com outras atividades (Gráfico 4).
meninas meninos
Introdução e temas transversaIs
Evento
religioso;
Evento 0,70%
Deslocamento Outros; Alimentação; Outros,
religioso; Alimentação;
0,60%
0,30%
5,60% Deslocamento; 0,40%
2,40% 3,30% 6,30%
Higiene,
Higiene,
4,40%
4,80%
Educação,
Educação,
Descanso,
19,90%
40,40%
16,60%
Descanso,
43%
Lazer,
Lazer,
21%
22,40%
Tarefa
Domés?ca
,
3,60%
Tarefa
Doméstica
3,80%
Fonte: Elaboração LEDH.
A principal companhia dos meninos foram os (as) irmãos (ãs), seguido por amigos,
e em terceiro, a mãe. Nesse sentido, o orçamento de tempo dos meninos quando
comparado ao das meninas evidencia maior disposição de compartilhamento das
109
atividades com outras crianças e jovens. PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
Outro aspecto relevante destaca o pouco tempo compartilhado com o pai, bem
DOS ASPECTOS
abaixo da categoria parentes próximos tanto para meninas, como meninos. Esse SOCIODEMOGRÁFICOS
dado mostra-se consonante a pesquisas que destacam que em poucas sociedades E DAS ROTINAS DE
os homens cuidam de suas crianças no dia-a-dia, e assim, continuam sendo consi- CRIANÇAS NOS
derados, na sua maioria, pelos papéis que exercem fora do âmbito das interações CONTEXTOS URBANO
E RIBEIRINHO
familiares (LEWIS & DESSEN,1999).
AMAZÔNICO
Outros elementos relevantes à compreensão das rotinas das crianças dizem res-
peito ainda aos arranjos familiares (famílias nucleares, monoparentais masculina
e feminina) e a escolaridade dos pais. No contexto urbano foram observadas famí-
lias nucleares e um número significativo de famílias monoparentais femininas, nú-
mero que corrobora com o IBGE (2010) que ressalta o crescente número de mães
assumindo sem a presença dos pais, os cuidados dos filhos, situação que requer
Introdução e Temas transversais
Falta muito a ser feito para que se possam obter dados concretos e amplos so-
bre as atividades diárias em contextos distintos, o que não reduz a necessidade
em estuda-los para que se possa garantir a efetividade dos direitos das crianças
amazônicas. Ressalta-se inclusive que a pesquisa foi feita em uma pequena co-
munidade ribeirinha, existindo uma grande população disposta em dezenas de
ilhas, vivendo às margens dos rios cuja rotina diária ainda é desconhecida e que,
portanto, precisa ser investigada.
CARVALHO, M. J. S.; MACHADO, J. Análise dos usos do tempo entre crianças acerca das
relações de gênero e de classe social. Currículo sem Fronteiras, v.6, n. 1, 2006.
HUSTON, A. C. et. al. How young children spend their time: television and other activi-
ties. Developmental Psychology, v. 35, n. 4, p. 912-925, 1999.
LARSON, R.W.; VERMA, S. How children and adolescents spend time across the world:
work, play, and developmental opportunities. Psychological Bulletin, n. 125, p.701-
736, 1999.
LEWIS, C.; DESSEN, M. A. (1999) O pai no contexto familiar. Psicologia: teoria e pesqui-
sa, v. 15, n. 1, p. 9-16, 1999. Acesso em: março 2012.
NETO, C. A. F. Tempo e espaço de jogo para a criança: rotinas e mudanças sociais. In:
NETO, C. A. F. (Org.). Jogo e desenvolvimento da criança. Lisboa: FMH, p.10-22, 1997.
SILVA, S. S. C.; PONTES, F. A. R.; LIMA, L. C. (2010) Rede Social e Papéis de Gênero de
Casais Ribeirinhos de uma Comunidade Amazônica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.
26, n. 4, p. 605-612, 2010. Acesso em: agosto de 2011.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
INVENTÁRIO BIOSÓCIODEMOGRÁFICO
II - COMPOSIÇÃO FAMILIAR
Você tem mais algum parente que more na comunidade? Quem? ________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quantas famílias moram na residência? _________________________________________
Cidade de origem:____________________________________________________________
Como você imagina que será a vida dos seus filhos daqui a dez anos? ______________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Por que você quer que seus filhos frequentem a escola? __________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
10. Qual?___________________________________________________________________
11. DESTINO DO LIXO DOMICILIAR: Coleta ( ) Via Pública/ Corrente de água Natural
( ) Queimado ( ) Enterrado ( ) Outro________________________________________
12. DESTINO DO ESGOTO DOMICILIAR: Rede Pública ( ) Céu aberto ( ) Fossa ( ) Ou-
tro _________________________________________________________________________
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ___________________________________________________________________________
IV – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS
5. Qual(s)? _________________________________________________________________
12. Quanto tempo demorou para você receber o benefício? (tempo entre o cadastro e
o recebimento) ______________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Observações:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Anexo 2. Protocolo de aplicação Inventário de Rotinas
HORA ATIVIDADE
DA H A D DC B TV R TD AP CO L FC ER OUTRO
MADRUGADA
00h-01h
01h-02h
02h-03h
03h-04h
04h-05h
05h-06h
MANHÃ
06h-07h
07h-08h
08h-09h
09h-10h
10h-11h
11h-12h
TARDE
12h-13h
13h-14h
14h-15h
15h-16h
119
16h-17h PROGRAMA BOLSA
17h-18h FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DOS ASPECTOS
NOITE
SOCIODEMOGRÁFICOS
18h-19h E DAS ROTINAS DE
19h-20h CRIANÇAS NOS
20h-21h CONTEXTOS URBANO
21h-22h E RIBEIRINHO
22h-23h AMAZÔNICO
LEGENDAS
DA dormir, descansar ou acordar R rádio/DVD
B brincar L Leitura
AP atividades programadas P pai
S - sozinho D Deslocamento
PP - parentes próximos TD tarefas domésticas
H higiene pessoal FC festa/comemoração
TV televisão AV avó/avô
CO Conversar E Escola
M - mãe DC dever de casa
AM - amigos ER evento religioso
A Alimentação I - irmãos
Atividades que a criança realiza normalmente, mas que não foram citadas:
Anexo 3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome crianças atendidas pelo Programa Bolsa Família (PBF)
Informo que apesar da possibilidade de risco nesta pesquisa ser quase inexistente,
caso haja danos provocados comprovadamente pela pesquisa, os participantes serão
amparados e/ ou reparados pela pesquisa.
Ressalto que os sujeitos envolvidos nesta investigação são livres para participar e/ ou
para retirar-se da pesquisa a qualquer momento, solicito apenas que seja avisada sua
desistência.
Endereço: Travessa Mariz e Barros, 2715, AP. 1301, Ed. Torre de Itaúna – Marco. Belém/
PA Fone: (91) 3032-9594
Declaro ainda que, por minha livre vontade, aceito participar desta pesquisa, bem
como aceito a participação das crianças que se encontram sob minha responsabili-
dade.
______________________________________________________________
121
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
do semiÁRido do noRdeste
Celso Antonio Favero - universidade do Estado da Bahia (uNEB)
Stella Rodrigues dos Santos - universidade do Estado da Bahia (uNEB)
Introdução e temas transversaIs
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o Semiárido do Nordeste do Brasil reapareceu no mapa como
“fronteira” ou lugar onde se revelam, de modos mais plenos, os encontros/desen-
contros entre a humanização e a desumanização, o interno e o externo, o ordinário
e o extraordinário (MARTINS, 2008, p. 9-10); é nesse Semiárido que o “homem
comum” (MARTINS, 2008), “simples” (IANNI, 1968), “ordinário” (CERTEAU, 1994) e
“sem qualidades” (MUSIL, 2006), na figura do agricultor familiar, ao mesmo tempo
em que se acomoda se rebela e produz efeitos sobre o “homem de qualidade”,
cuja expressão maior é, hoje, o Agente/Estado.
Neste trabalho, considerando esse contexto, a intenção é fazer um mapa dos en-
contros/desencontros entre esses personagens e, essencialmente, dos modos
como o agricultor familiar, apropriando-se e usando programas de políticas como
o Programa Bolsa Família (PBF), que o transformou de agricultor em “beneficiário”,
refaz as tramas do que constitui a sua vida ordinária, torna-se sujeito e produz
a “Convivência com o Semiárido”1. Destituído dessa sua qualidade, o agricultor/
beneficiário retorna como agricultor, afeta o “homem de qualidades”, tornando-
-se para ele “um perigo” e provocando a sua reação (MUSIL, 2006, p. 86). O Esta-
do, expressão do “homem de qualidades”, agente de transferência de dinheiros e
“sistema de peritos” (GIDDENS, 1991), e os agricultores familiares, “beneficiários”,
são, portanto, os sujeitos principais dessas tramas.
É, pois, pelas portas do PBF e da “Convivência com o Semiárido” que, neste traba-
lho, se faz a aproximação com o agricultor familiar e, através dele, com o Estado.
123
A “Convivência” constitui-se como uma fenda através da qual se encontram os OPROGRAMA
agricultores familiares envolvidos na produção do chão onde cultivam a sua vida; BOLSA FAMÍLIA E
a “Convivência” expressa, igualmente, as contradições entranhadas nas relações AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
do agricultor com outros personagens nos processos de produção desse chão;
NA AGRICULTURA
mas, contraditoriamente, hoje, em meio às perturbações do novo tempo, tem-se a
FAMILIAR DO
impressão que essa mesma “Convivência” tende a ser um “fio da meada” perdido. SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
1 Nas últimas décadas, a “Convivência com o Semiárido” tornou-se um lema ao redor do qual se
articulam atores e projetos acadêmicos, políticos, sociais, culturais e de produção de vida. No entanto,
ainda atualmente, três outras leituras do Semiárido competem com esta. Na primeira, tradicional, a região
emerge como uma espécie de caricatura, onde a dissimulação e a teatralização tomam o lugar da realidade,
transformando-a num símbolo que é fonte de uma profusão de sentimentos, visões e compreensões, tais
como medo, vergonha, espanto, intolerância, horror; essa visão é, ainda, fortemente vinculada à de
exclusão social, lugar de carência e de ausência de dinâmicas socioeconômicas relevantes, inibindo a
percepção de expressões como a revolta. Como reação das elites modernizantes contra essa visão que ela
considera “negativa”, nas últimas décadas, produziu-se outra, como uma espécie de contraponto “positivo”,
que abre o Semiárido para empreendimentos externos considerados portadores da modernidade, do bem
contra o mal, da racionalidade contra a irracionalidade; nessa perspectiva, para o desenvolvimento
da região, se requer uma consciência social e política empreendedora, que seria produzida pela via da
disseminação de projetos com caráter “quase” missionário e salvador e da inclusão das populações locais
ao espírito empreendedor pela via da “capacitação”. A terceira abordagem, mais recente, entende que o
empreendedorismo instituiu a competição não apenas entre atores sociais e econômicos, mas também entre
regiões, dando origem a regiões produtoras de riquezas e, ao mesmo tempo, a regiões consumidoras de
riquezas. Mas, dentro dessa visão, para enfrentar esse desequilíbrio regional produzido pela competição,
que seria “natural” ao capital, e em nome do próprio capital, o Estado assume o papel de distribuidor
de riquezas, gerando um mapa onde se combinam regiões produtoras de riquezas com regiões de
transferência de recursos, principalmente de renda. As Políticas Públicas de Transferência Condicionada
de Renda se enquadram perfeitamente nesse modelo de crescimento econômico.
O PBF, por sua vez, permite ingressar num sistema de produção de aparatos sim-
bólico-normativos que é, igualmente, um “sistema de peritos”, de modo que ele
é entendido, aqui, como “programa oficial” e, ao mesmo tempo, como mecanismo
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome de um sistema que só se realiza quando absorvido e refeito nas tramas da vida dos
seus “beneficiários”. Ele constitui-se, assim, do mesmo modo que a “Convivência”,
como espaço de produção de tensões e conflitos, como afirmação e negação, para
o que a transferência de dinheiro, as “condicionalidades” e os conselhos dos peri-
tos são os termos mais significativos.
Eric Sabourin, por exemplo, ao introduzir os seus estudos sobre o problema, re-
toma a distinção feita por Eme e Laville entre “a economia mercantil capitalista
(a troca), a economia pública (associada à redistribuição do Estado) e a economia
gratuita, não mercantil, ou não monetária, assimilada ao princípio da reciprocida-
de (SABOURIN, 2009, p. 258). Em seguida, como desdobramento dessas ideias,
o autor recupera o fio da discussão elaborada por Odile Castel, que distingue os
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome motivos que estruturam cada um desses três regimes de economia:
Considerando essa trajetória que coloca em evidência as tensões entre as três eco-
nomias e, desse modo, as tensões entre personagens situados em campos distintos,
convém destacar que, a partir dos anos 1980, quando o Estado (economia pública)
tornou-se o agente principal para a produção desses territórios, criando, inclusive,
as condições para a expansão da economia mercantil e para o encolhimento da
economia gratuita (e das relações sociais de reciprocidade que acompanham essa
economia), os modos de sua presença passaram por grandes mudanças até che-
Introdução e Temas transversais
2 O agricultor é coautor dessas políticas, o que o retira do campo dos beneficiários (passivos)
e o recoloca no dos agentes (ativos).
todos os conceitos com que representamos a realidade e à
volta dos quais construímos as diferentes ciências sociais
e suas aplicações, a sociedade e o Estado, o indivíduo e a
comunidade (...), todos estes conceitos têm uma contextura
espacial, física e simbólica, que nos tem escapado pelo fato
de nossos instrumentos analíticos estarem de costas viradas
para ela, mas que, vemos agora, é a chave da compreensão
das relações sociais de que se tece cada um destes conceitos
(SANTOS, B., 2000, p. 197).
Os mapas servem, portanto, como matrizes das referências que localizam os con-
ceitos nos espaços. Isso não significa, como alerta o autor, que os mapas existem,
mas que são modos de representar, apreender e organizar o real; são “distorções
reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões
credíveis de correspondência” (IBID, p. 197).
Figura 1:
127
OPROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
GÊNERO E GERAÇÃO
NA AGRICULTURA
FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
NORDESTE
Fonte: http://www.seagri.ba.gov.br/mapa_baciadojacuipe.pdf
Para a sua apresentação, o trabalho foi estruturado em duas partes, além desta in-
trodução, onde são apresentadas as linhas gerais das abordagens teórica e meto-
dológica que estruturaram o trabalho. Segue-se com a caracterização da agricultu-
ra familiar do TIBJ e dos “beneficiários” do PBF e, finalmente, com a apresentação
e análise dos resultados da pesquisa qualitativa.
4 José Eli da VEIGA (2004) propõe como modelo para o estabelecimento da distinção entre urbano
e rural a combinação de três variáveis principais: 1) o “grau de artificialização dos ecossistemas”, que seria
decorrente da ação da “espécie humana”; e que, para a América Latina, somadas as áreas artificializadas e
semi-artificializadas, não ultrapassa os 38% (Veiga, 2004: 39): 2) a densidade populacional, para o que ele
indica alguns parâmetros, como o da OCDE para a União Europeia, onde se considera rural uma área com
menos de 150 habitantes por Km²; 3) o grau de desenvolvimento rural.
5 Em dezembro de 2008, havia 35.698 famílias beneficiárias; em agosto de 2009, este número subiu
para 37.985 (o que provoca um impacto significativo nos índices relativos, certamente).
7 A área média desses estabelecimentos é de 19,2 hectares e 51,5% do total dos estabelecimentos
têm menos de 10 hectares.
1.101,81 (com valor médio mensal de R$ 91,81)8, ou seja, valores que indicam a
insustentabilidade das famílias quando pensada unicamente a partir da produção
no estabelecimento.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Essas informações permitem a elaboração de um perfil socioeconômico para a
agricultura familiar do Território, onde se conjugam: 1) consideráveis perdas de
populações; 2) amplo predomínio da agricultora familiar; 3) persistência de uma
produção agropecuária de baixa produtividade, relativamente pouco extensa, uti-
lizadora de tecnologias bastante simples e voltada essencialmente para a subsis-
tência; 4) situação generalizada de pobreza; 5) diversidade de situações vividas
pelas populações e, principalmente, diversidade de situações de pobreza, marca-
das por diferentes combinações de formas de carências materiais desdobradas em
uma multiplicidade de planos ou de âmbitos de vida.
Uma das maiores fontes de transferência de dinheiro para o TIBJ são as aposenta-
dorias. Em 2008 havia 38.971 benefícios previdenciários (aposentadorias e pen-
sões) no TIBJ; desse total, mais de 81% eram rurais. O total de recursos transfe-
ridos pela previdência nesse ano, para o Território foi de R$ 200.396.411,00, ou
seja, mais que o total das transferências municipais. Alguns casos aparecem como
singulares. Por exemplo, o município de Serra Preta, que tinha 15.039 habitantes
Introdução e Temas transversais
9 Uma das explicações para essa singularidade é que os beneficiários de aposentadoria rural
nem sempre são habitantes de espaços rurais.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) é o prin-
cipal instrumento de Política de Desenvolvimento para a agricultura familiar brasi-
leira. No TIBJ, em 2008, ele injetou em torno de R$ 8.316.000,00 para 2.715 con-
tratos (média de R$ 3.063,00 por contrato); menos de 10% dos estabelecimentos
familiares do Território foram inseridos no programa. Isso significa, entre outras
coisas, que, considerando o número de contratos e a média de valor alocado por
contrato, do ponto de vista do Estado, a política pública de incentivo à agricultu-
ra familiar, pelo menos neste Território, não é uma política potencializadora do
crescimento econômico ou do desenvolvimento rural10. A maior parte (em torno
de 90%) das famílias de agricultores do Território não é reconhecida por este
instrumento de política.
Ainda nos anos 1980, a agricultura familiar do Semiárido foi incluída numa gran-
de diversidade de programas de “desenvolvimento rural” e “combate à pobreza”.
Desde o final dos anos 1980, num processo de descentralização, os estados nor-
destinos emergiram como os principais propositores/gestores desses programas.
Na Bahia, a gama de programas que se situam nesse campo é relativamente larga
e envolve, entre outros, os seguintes: Sertão Produtivo, Garantia Safra, Produzir,
Semeando, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e Água Para Todos11.
10 Considerando os dados de uma pesquisa de campo, de 450 famílias entrevistadas, 20,8 afirmaram
que, em algum momento, fizeram financiamento via PRONAF, e apenas 4 famílias receberam financiamento via
outros programas. Das 450 famílias, apenas 11% receberam assistência técnica em algum momento.
11 Embora sejam geridos pelo estado/Bahia, grande parte dos recursos alocados é federal.
desce para 6.051 em 2009 e sobe novamente para 6.338 em 2010. Finalmente, de
todos os que se declararam “trabalhadores”, mais de 90% são rurais, o que indica,
pelo menos, o caráter distinto do trabalho rural12.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
No que tange à situação da casa dos beneficiários do PBF, considerando o período
2007-2010 verifica-se, primeiro, a diminuição do número de declarantes que mo-
ram em domicílio próprio e, na mesma proporção, inversamente, o crescimento do
número dos que moram em domicílios não próprios; segundo, cresce o número de
casas de tijolo/alvenaria e, nas mesmas proporções, diminui o número de casas de
taipa e adobe; terceiro, cresce significativamente o número de casas cujo tipo de
construção é situado entre “outros” (cresce em quase 236%).
12 Se cada domicílio tem, em média, 4,5 moradores, o número de famílias “beneficiárias” do PBF
no TIBJ é de cerca de 10.000. O número dos beneficiários inseridos no mercado de trabalho variou entre
5.457, em 2007, e 6.703, em 2008. Pode-se deduzir, portanto, que 3/5 das famílias têm pelo menos um membro
inserido no mercado de trabalho e 2/5 das famílias estão fora desse mercado (não trabalham). Esses dados
remetem, certamente, ao que se define, no TIBJ, como “trabalho”.
13 Dispor de abastecimento de água via rede pública não significa, sempre, que a água chega até a
casa; em muitos casos, ela se encontra disponível em chafarizes coletivos.
15 . Convém lembrar que, numa perspectiva histórica, o significado da não disponibilidade de água
para o consumo animal tem uma dimensão muito mais agressiva hoje do que, digamos, trinta anos atrás.
O deslocamento ou a circulação de animais para aguadas, por exemplo, era algo comum, o que hoje não é
mais (impedimentos sanitários, fechamento de aguadas, a disponibilidade da “ajuda” ou da mão de obra da
criança, etc.).
Em 2010, de acordo com os dados do CadÚnico, mais de 70% dos beneficiários
do PBF tinham acesso à rede pública de energia elétrica (em contrapartida, cerca
de 30% das residências continuam excluídas). Mas, se cresceu o acesso à rede
de energia elétrica, o mesmo não se verifica com relação à rede de saneamento
básico, principalmente no que se refere aos sistemas de esgotamento sanitário16.
Nos quatro anos (2007-2010) permaneceu relativamente estável e muito baixo o
número das moradias que dispunham de acesso a redes públicas de esgotamento
sanitário: em 2010, atingia apenas 27,5% (esse número se refere, provavelmente,
aos moradores de cidades). Pior ainda, mais de 45% não dispunham de qualquer
sistema de esgotamento ou se situavam em “outros”; enquanto isso, 23,5% dispu-
nham unicamente de fossa rudimentar.
Trabalho e Previdência são os instrumentos que mais injetam dinheiros nas famí-
lias. A importância da Assistência Social, particularmente do PBF, para a agricultura
familiar do Território tem origem menos na quantidade de dinheiro transferido
para cada família e mais na sua qualidade e no grau da sua universalidade: o di-
nheiro chega como “uma benção”, carrega consigo um sistema de crenças (o que
remete ao “sistema de peritos”) e condições, privilegia o vínculo com a mulher e as 133
crianças, insere a família (principalmente a mulher e as crianças) em novas redes
de sociabilidade e de controle político (principalmente as Secretarias Municipais OPROGRAMA
de Assistência Social). O dinheiro do PBF é um dinheiro diferente, produz novos BOLSA FAMÍLIA E
AS RELAÇÕES DE
circuitos e afeta as estruturas de posições e de disposições dos membros da casa.
GÊNERO E GERAÇÃO
O PBF não atua como saneador de precariedades, mas, essencialmente, como me- NA AGRICULTURA
canismo para o deslocamento do centro do sistema de precariedades, que vai da FAMILIAR DO
SEMIÁRIDO DO
comida para as condições de humanidade. Por um lado, efetivamente, coloca-se
NORDESTE
mais quantidade e variedade de comida na mesa das famílias; por outro, no en-
tanto, as situações estruturantes (acesso à terra, à água, ao saneamento básico, às
tecnologias para a produção agropecuária, ao financiamento...) não foram altera-
das. No dia-a-dia, as famílias precisam continuar inventando modos de produzir a
sua vida (buscar diárias em fazendas vizinhas, migrar para terras distantes, fazer
coleta e artesanato, adquirir sementes e plantar na parca terra cuja titularidade é,
muitas vezes, de outros...). Nos períodos de estiagem, cada vez mais frequentes (a
natureza parece mais desequilibrada) e longos, essa precariedade manifesta-se
ainda mais evidente, principalmente quando se tem que buscar, em lugares não
muito próximos, a água para beber; ou quando se tem que esperar a chegada do
carro pipa da prefeitura, com as suas condições.
16 O acesso à energia elétrica contribui de forma mais significativa para a inclusão nos mercados
como consumidores, o que se adequa mais claramente aos interesses embutidos nos novos sistemas de
políticas.
As condicionalidades embutidas no PBF escondem, além disso, por trás da comida,
a necessidade de ajustamento à regulação de quem domina, desumaniza. A pro-
dução da “Convivência com o Semiárido”, pelo menos na perspectiva do Estado,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome torna-se mito, coisa do passado, substituída pela ideia da necessidade de convi-
vência com o mercado (como consumidor e não como produtor).
Quatro portas permitem a imersão dos pesquisadores nessa realidade: a das estra-
tégias/ações de produção da vida, a da distribuição das tarefas entre os membros
da casa, a das redes de sociabilidade e a dos cardápios/hábitos alimentares. É
importante relembrar, ainda, que nesta parte do trabalho se lida com informações
qualitativas produzidas no contato com 50 famílias de agricultores familiares “be-
neficiárias” do PBF. Além disso, considerando essas famílias como unidades pri-
meiras da investigação, o foco se dirigiu para as relações entre os seus membros e,
Introdução e Temas transversais
Mas, ao mesmo tempo, salta aos olhos a naturalização que vem se estruturando
nos modos de cumprimento das condicionalidades do PBF, sob a responsabili-
dade da mulher. Quase sempre sozinhas, as mulheres respondem pelas decisões
de levar os filhos ao posto de saúde, pelo acompanhamento do calendário de
vacinação, pelo controle do cartão de vacina e da matricula escolar, mesmo nos
casos em que contam com a presença do marido/companheiro na casa. Apenas
em um dos casos, entre os cinquenta estudados, se afirmou que o homem divide
essas tarefas. A responsabilização da mulher é acrescida, ainda, em decorrência,
por exemplo, da ausência de um cônjuge (marido ou companheiro), cujos motivos
envolvem desde a busca, por este, de trabalho em outras regiões do país, passan-
do por separações conjugais de fato, ou pela inexistência de vínculos conjugais
(mães solteiras).
No que diz respeito à divisão sexual do trabalho no âmbito das unidades familia-
res, aos homens cabe, ainda hoje, a responsabilidade pelas atividades ditas “pro-
dutivas”: trabalhar, vender, trocar, comprar, decidir sobre o que produzir e o que
comprar; à mulher cabe cuidar da casa, dos filhos, dos pequenos animais, da horta,
do artesanato feito “nas horas vagas”, buscar ajuda de parentes e vizinhos, provi-
denciar água para o consumo; aos filhos cabe estudar; aos jovens cabe preparar-se
para o casamento (emancipação). Ou seja, as tarefas da mulher são vinculadas aos
usos e ao consumo da família. Essa divisão de tarefas é portadora de um caráter
valorativo, que repercute, por exemplo, pelo menos no plano da representação,
em maior ou menor autoestima. Esta continuidade na divisão sexual das tarefas
legitima o homem no exercício do controle e da gestão dos recursos financeiros
Essa assimetria nas relações de gênero nos sistemas de distribuição das tarefas
nas unidades familiares se reproduz nas relações entre gerações. Na distribuição
das tarefas nas unidades familiares referentes aos filhos e filhas, se reproduz o
mesmo padrão verificado na relação entre o pai e a mãe. Se, por um lado, a ajuda
das crianças e dos adolescentes foi transformada em trabalho e substituída pela
escola (condicionalidade), por outro, as expectativas que se tem com relação ao
menino e à menina diferem. Na convivência diária com muitas famílias percebeu-
-se que as meninas dividem o seu tempo ajudando a mãe nos afazeres domésticos
e na dedicação aos estudos; enquanto isso, alguns dos filhos mais velhos acom-
panham o pai em atividades da roça. Mas, em geral, eles não vão para a roça para
não perderem aula: “eles gostam de estudar, não perdem aula e querem continuar
estudando pra mudar de vida”. Curiosa é a fala dos meninos com relação às cole-
gas na Escola Família Agrícola de Jabuticaba: “há disciplinas como zootecnia, que
as meninas não têm jeito para laçar um garrote”; um deles acrescenta: “só conheci
na escola uma única menina que sabia ordenhar”; e outro: “as meninas preferem
arrumar os quartos e limpar a escola”. A inscrição da ordem masculina nos dis-
cursos interdita tacitamente a inserção das meninas em determinadas atividades
destinadas para os homens. Enfim, durante a pesquisa foi possível perceber a for-
ça expressiva com que as famílias projetam o futuro dos filhos a partir da crença
na escola e no ganhar dinheiro. É com base nessas crenças que, muitas vezes, os
filhos são poupados do envolvimento com afazeres domésticos ou de trabalho na
roça. Pais e mães justificam o esforço que fazem para que os filhos estudem: “(...)
quero que eles tenham um futuro que infelizmente não consegui conquistar”.
Mas, a despeito desses deslocamentos nas rotinas e nos trajetos que tornam as
mulheres visíveis no comércio, nas filas das casas lotéricas e em estações que
se tornaram obrigatórias para os beneficiários do Programa, e apesar de se ter
instituído e legitimado a ideia de que o recebimento do beneficio deve ser feito
“preferencialmente” por mulheres, na pesquisa ficou nítida a impressão de que
tudo isso é ainda insuficiente para produzir deslocamentos mais profundos nas
relações hierárquicas de subordinação homem-mulher e, sobretudo, quando se re-
fere à participação na esfera pública. Ficou visível que se reforça com o Programa, na
prática e nas representações, o lugar/papel tradicional da mulher de cuidar da casa.
Produz-se uma espécie de desencontro entre o alargamento “físico” dos trajetos e
a manutenção da ideia de que o lugar da mulher é a casa. Se, por um lado, é quase
nula a presença de mulheres em organização sociais tradicionais (associações co-
munitárias, sindicatos, cooperativas) e que se situam para além dos trajetos “obriga-
tórios”, por outro, elas criam e ingressam em novas redes, e se encontram com mais
frequência com pessoas que antes não faziam parte das suas redes.
Esses novos trajetos e paragens complexificam o seu território, abrindo o leque das
sociabilidades advindas dos conteúdos novos de informações que são obrigadas a
adquirir para atender às novas demandas do ser mulher, como a de ser responsável
pela administração do cartão do PBF. Acompanhando mulheres nos seus trajetos,
foi possível observar, por exemplo, para além das relações de mercado, o estabele-
cimento “espontâneo” de uma rede de “entre ajuda” e solidariedade que funciona,
por exemplo, quando convém esclarecer dúvidas sobre os locais próprios para tirar
Introdução e Temas transversais
Nas comunidades locais, o PBF estabeleceu-se como espaço de apoio mútuo, rom-
pendo com a sua formalidade, que exclui relações de horizontalidade18. Os encon-
tros se refazem em lugares tradicionais, como nas rodas de “cata/quebra de licuri”,
ou em lugares novos, como postos de saúde.
Certeza e medo – medo por que não é um direito, é uma espécie de dádiva e é
incerta – se misturam refazendo a vida da mulher. Se, por um lado, o dinheiro do
Programa é certo (quantidade certa), contraditoriamente, é produtor de medo (a
sua chegada é incerta). “Todo final de mês o medo bate”; por quê? “Medo de botar
o cartão e não sair dinheiro; com que vou pagar as dívidas?” Os relatos expressam
o caráter dessa vida precária, dessa nova precariedade, não mais necessariamente
da falta de comida, mas de uma vida sujeita a determinações incontroláveis, cada
Com relação aos hábitos alimentares, chamou a atenção, nas pesquisas, o pequeno
peso relativo do consumo de aves e porco. Há não muito tempo, criar e consumir
galinha, e também porco, era algo quase inerente ao ser agricultor familiar na re-
gião. Além de diminuir a produção desses animais, no mercado, a preferência recai
sobre outras carnes, consideradas mais nobres, inclusive embutidos. Nas rodas de
conversas ouviu-se muito falar do pão e do macarrão, dando a impressão de que
são alimentos de todos os dias. Durante uma visita, perguntou-se a um grupo de
crianças: “se chegasse alguém na escola e dissesse: hoje vocês poderão escolher
entre feijão e macarrão, o que vocês escolheriam?” A resposta veio na forma de um
grito: “macarrão!”. Com relação ao feijão e ao arroz, que se acreditava estarem em
todas as mesas da população do Território, mais de 30% das respostas a um ques-
tionário (foram entrevistadas 450 famílias) mencionaram estes produtos entre os
de pouco ou nenhum consumo. Estaria em marcha na região, ao que parece, um
processo de produção de novos padrões alimentares, formador de novos palada-
res, que exclui o que é da roça, principalmente por ser da roça.
Introdução e Temas transversais
CONCLUSÃO
No TIBJ, a relação dos agricultores familiares com o Estado tornou-se estruturante
nos modos de produção de sua vida. Não se trata, no entanto, de qualquer Esta-
do, mas do Estado do PBF, um Estado que controla, pela via deste programa, dois
poderosos mecanismos de “desencaixe”: as “fichas simbólicas”, particularmente o
dinheiro, e o “sistema de peritos”, ou seja, a capacidade de produzir crenças pela
disseminação de aparatos simbólicos e normativos.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome CAZELLA, A.; BONNAL, P.; MALUF, R. (Org.). Agricultura familiar: multifuncionalidade e
desenvolvimento territorial no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2009.
MUSIL, R. O homem sem qualidades. Trad. Lya Luft e Carlos Abbenseth. 1. ed. Especial.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
7 QUEST25ITA
8 QUEST87SJ; QUEST85SJ
9 QUEST95SER;
10 QUEST36TEJU
11 QUEST75IGA
12 QUEST67CARNE
13 QUEST60CARNE
14 QUEST72CARNE; QUEST61CARNE
15 QUEST41TEJU
Estes relatos impactantes são ainda muito mais contundentes do que a informa-
ção que nos influenciou a trabalhar nesta temática e nos candidatarmos ao edi-
tal. A sensibilização para ouvir as pescadoras sobre a política de transferência de
renda aconteceu a partir de conversa informal na sede da Colônia Z-10 com uma
pescadora de Itapissuma que nos confidenciou que utilizaria os recursos do PBF
para pagar as mensalidades do curso de flauta para a filha que havia sido aprovada
no Conservatório Pernambucano de Música. Esta primeira narrativa nos motivou
a conhecer este Programa de transferência de renda a partir da narrativa das pes-
cadoras.
A partir desta introdução, informamos que neste texto sobre o Programa Bolsa Fa-
mília, resultado da pesquisa, “Relações de Gênero e Políticas de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome: Diagnóstico e avaliação na pesca artesanal do litoral de
Pernambuco”, nossa atenção estará focada em alguns subtemas que se destacam
no discurso das pescadoras, anteriormente citado. Em síntese, nos 10 enunciados
acima mencionados são relevantes as questões que envolvem: 1) acessibilidade
ao recurso financeiro e a segurança do recebimento mensal de um benefício eco-
nômico; 2) a presença e evidência do fomento à segurança alimentar destas famí-
lias; 3) as questões que identificam as representações sociais sobre as relações de
gênero, a partir da entrega do beneficio diretamente as mulheres.
MÉTODO
151
As atividades foram iniciadas com o debate sobre a elaboração do instrumento de
pesquisa coletivamente construído e a coleta no Banco de Teses da Capes, sobre O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
teses e dissertações relacionadas ao Programa Bolsa Família.
NA VOZ DAS
Na coleta de dados no Banco de Teses/Dissertações da CAPES, foram encontra- PESCADORAS
das 09 teses e 99 dissertações. Foram encontrados os dados quantitativos nas ARTESANAIS
DO LITORAL DE
seguintes áreas: 14 trabalhos nas Ciências Sociais; 27 no Serviço Social; 45 nas
PERNAMBUCO.
Ciências Sociais Aplicadas; 11 na Saúde; 2 em Demografia e 9 em outras áreas. As
dissertações e teses foram elaboradas em Instituições de Ensino Superior, contan-
do 79 nas Públicas e 29 nas privadas. No que se refere à produção bibliográfica na
Pós-Graduação por Região tem-se: 3 na Região Norte; 28 na Região Nordeste; 47
na Região Nordeste; 21 na Região Sul e 9 na Região Centro-Oeste. Quanto a abran-
gência territorial das pesquisas 43 abordam o Programa numa dimensão nacional,
os outros estudos 65 realizam estudos de casos, deste segundo grupo 04 sobre
Pernambuco e metade, 02, sobre Recife. (LEITÃO e GOMES, 2011).
O conjunto das respostas nos possibilitará escrever diversos artigos sobre os te-
mas abordados nas entrevistas realizadas com pescadoras residentes no litoral
pernambucano, considerando que são 32 questões sobre: 1) utilização dos recur-
Introdução e Temas transversais
A realização das entrevistas nas 11 comunidades acima citadas foi efetuada pela
equipe de colaboradores/as que atuam no Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e
Sociedade CNPq/UFRPE. A equipe é composta principalmente por mestres, mes-
trandos/as e graduandos/as, nestas visitas as Colônias de Pescadores/as contou 153
com a participação de líderes do movimento social Articulação de Mulheres Pes-
cadoras de Pernambuco17, elas indicaram e contribuíram no agendamento com as O PROGRAMA
comunidades a serem visitadas. Considerou-se necessária esta mediação para que BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
a relação entre os diferentes atores sociais envolvidos, pesquisadores e pesquisa-
PESCADORAS
das, apresentasse um clima de confiança que possibilitasse respostas significati- ARTESANAIS
vas a algumas questões tão pessoais. DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
Para isso, faz-se importante ressaltar qual o conceito de mediação/moderação es-
tabelecido nesta prática:
Renda e Cidadania
155
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
Figura 1. Fotojornalista Juliana Leitão. Itapissuma/PE
DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
As afirmações “agora tenho um dinheiro certo todo mês”; “antes nem pegava em
dinheiro...”,“melhorou muita coisa...”, são algumas das respostas à pergunta sobre
“qual a principal diferença encontrada na vida da pescadora antes e depois de
receber o beneficio do Programa Bolsa Família?”.
Sobre o Programa Bolsa Família (CUNHA, 2009, p. 324) chama a atenção para o
debate internacional relacionado à redução da miséria e da fome, discussão que
identifica como parâmetros fundamentais no processo de erradicação da pobreza
e da redução da desigualdade as políticas sociais de transferência de renda.
19 Importante considerar que muitas vendem a atravessadores ou trocam por outros produtos
necessários ao beneficiamento, por exemplo, sal e carvão. Também é importante mencionar que o produto
mesmo produto (siri, caranguejo, aratu) obtêm preços mais competitivos no litoral sul, considerando que
no litoral Norte e Região Metropolitana do Município de Recife seus preços são achatados pela presença
de maior poluição ambiental.
21 Para ter uma ideia concreta da defasagem entre preços de mercado e os por elas praticados,
em situação de distanciamento entre a pescadora e o consumidor final, vamos relatar uma situação vivida
pela equipe de trabalho em abril de 2009, quando na primeira visita a comunidade de Brasília Teimosa para
iniciar um projeto da SPM/BR, as pescadoras ofereceram 6 quilos de siri beneficiado, por um total de R$18,00
dezoito reais, vale ressaltar que o preço de um quilo nos supermercados era de aproximadamente R$15,00.
Outra situação vivenciada em Fortaleza na praia do Mucuripe, um pescador estava com um peixe fresco
grande e queria vender por R$ 60,00 sessenta reais, os feirantes só queriam pagar R$ 43,00 quarenta e três
reais, no restaurante em frente a feira do peixe nós havíamos consumido naquela semana uma peixada com
apenas uma posta de peixe por este valor. Vale ressaltar que o produto perecível os/as tornam muito mais
vulneráveis a estes atravessadores.
Segurança Alimentar
A fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos
mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis do Recife -
Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite.
Esta foi a minha Sorbonne.
Josué de Castro (2007)
157
O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
Figura 2 e 3. Fotojornalista Juliana Leitão DO LITORAL DE
I Feira de Economia Solidária da Pesca Artesanal PERNAMBUCO.
As narrativas por elas relatadas indicam problemas, considerados por elas como
relevantes, consiste no caráter “incerto” e “inseguro” dos rendimentos no trabalho
na pesca, por isso os impactos do PBF são tão visibilizados no discurso das traba-
lhadoras da cadeia produtiva da pesca no litoral pernambucano.
Apesar do Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA, ter propiciado o fortaleci-
mento da agricultura familiar e contribuído na segurança alimentar de milhares de
agricultores no país, direcionando os produtos comprados pelo governo federal para
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome as creches e escolas municipais e estaduais, além de hospitais e demais instituições
públicas que oferecem alimentos aos usuários, sendo considerado um dos mais exi-
tosos programas de consolidação do desenvolvimento social brasileiro, importante
ressaltar que os produtos da pesca são parcialmente excluídos deste Programa.
Outro entrave ao ingresso das pescadoras no PAA, consiste na forma em que elas
geralmente realizam o beneficiamento do pescado, a maioria não tem acesso a
áreas impermeabilizadas por azulejos, balcão e cubas de inox, não atendendo as
condições de manuseio estabelecidas pela vigilância sanitária. Esta situação gera
as indagações: como resolver este impasse entre condições das pescadoras e as
exigências sanitárias da segurança alimentar? Quais serão os encaminhamentos
para solucionar estas questões estruturais?
José Graziano Silva relaciona a solução para a fome à gestão participativa e equi-
líbrio ambiental, portanto, há importância em definir a questão social como ele-
mento estruturador do governo. O autor também destaca que se faz necessária a
multiplicação de mecanismos de compras e vendas diretas para reduzir custos e
que é necessário se debruçar sobre os pressupostos relacionados ao de desenvol-
vimento local. (SILVA, 2004, p. 13-15).
Introdução e Temas transversais
Estas questões acima suscitadas, embora não possa ser aprofundada neste artigo,
o será em outras publicações. Tema relacionado à cooperação, ao comércio justo e
a Economia Solidária que podem ser resumidas na letra da música PRESERVANDO
A VIDA23, cujas compositoras são as pescadoras Maria das Neves, Glorinha, Ana
Lúcia e Carminha:
23 Oficina realizada no projeto Gênero, Raça e Pesca: Produção e Articulação das Pescadoras de
Pernambuco/ MDA/FADURPE/UFRPE. Letra e música elaborada na oficina sobre meio ambiente na Colônia de
Pescadores Z – 13, Jatobá, em 27de janeiro 2011.
As pescadoras classificaram a participação na feira como boa e ótima. Nas suas nar-
rativas o evento trouxe conhecimento e experiências para novos trabalhos e novos
projetos, em alguns casos, retorno financeiro significativo, o que fica evidente na
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome fala de Natércia Mignac -“Ótima! Por que trocamos conhecimentos, lidamos direto
com o consumidor, provamos e conhecemos os produtos das companheiras”.
Relações de gênero
No que se refere à participação das mulheres nos movimentos sociais da pesca ar-
A fragilidade social das mulheres profissionais desta cadeia produtiva tem influen-
ciado nas decisões das pescadoras em se organizarem em movimentos sociais de
resistência. O que representa uma mudança de paradigma em relação à imagem
criada historicamente das pescadoras, que geralmente é compartilhada inclusive
por elas mesmas, como “ajudantes” ou “dependentes”, atribuindo-lhes menor va-
lor. Elas atuam em regime de economia familiar, realizando, na maioria das vezes,
as atividades de tecer redes, beneficiar o pescado, catar mariscos, coletar e culti-
var algas, pescar nos mangues e algumas vezes comercializar o produto nas praias.
Pese a esta intensa participação laboral, este trabalho muitas vezes é caracteriza-
do na condição de “ajuda”.
Pensar, refletir, debater sobre o lugar das mulheres como sujeitos sociais na pesca
artesanal brasileira, nos conduz a reflexões teóricas que dialoga com a imagem
socialmente construída e a possibilidade de discurso legitimado numa sociedade
que cristaliza as desigualdades sociais. Moscovici afirma que:
Nesta música, cuja letra está adaptada, é relevante a concepção de que a pescado-
ra conseguirá se projetar na sociedade, que elas têm valor e que a conquista dos 163
direitos não é uma dádiva. O texto relaciona a mudança de acessibilidade das mu-
lheres aos direitos sociais ao exercício da cidadania, à participação e à construção O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
da igualdade de gênero.
NA VOZ DAS
PESCADORAS
ARTESANAIS
CONCLUSÃO DO LITORAL DE
PERNAMBUCO.
26 A letra da música cantada pelas pescadoras nos momentos de exaltação da luta das
mulheres pelos direitos sociais inicia a partir de analogia a composição de: Benito Di PaulaMulher
Brasileira.
Agora chegou a vez, vou cantar
Mulher brasileira em primeiro lugar
Agora chegou a vez, vou cantar
Mulher brasileira em primeiro lugar
Norte a sul do meu Brasil
Caminha sambando quem não viu
Mulher de verdade, sim, senhor
Mulher brasileira é feita de amor
Nas suas narrativas ficou evidenciada a condição de exclusão social deste grupo so-
cial, habitantes, muitas vezes, em localidades sem infraestrutura, com dificuldades
na rentabilidade do trabalho da pesca. No entanto, ao ouvir as pescadoras sobre o
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome recebimento do benefício, com condicionalidades, são evidenciados alguns traços
de como o impacto do recebimento do benefício é marcante e importante para as
comunidades e famílias das pescadoras beneficiárias, principalmente na alimenta-
ção, na vida escolar das crianças e na saúde de gestantes e recém-nascidos.
As pescadoras insistiram que existe uma demanda por creches, o que é eviden-
ciado na presença das crianças muitas vezes com as mães nas atividades laborais,
nos turnos em que não estão na escola. Também foi sinalizado pelas pescadoras
que não existe onde deixá-las com segurança e ainda foi apontada que muitas
contam com o beneficio para pagar reforço escolar.
No que se refere ao conjunto dos dados, percebemos que apesar das três dife-
rentes sub-regiões do litoral ter características bem específicas, ou seja, maior
incidência de atividade turística no sul, maior possibilidades de comercialização
do pescado na região metropolitana e maior caráter de subsistência no norte, as
famílias pescadoras apresentam problemas, demandas e um perfil bem semelhan-
te quanto ao recebimento e usos do benefício, cujo valor médio de recebimento
está situado ao redor de R$ 90,00 (noventa reais).
27 Por exemplo, na localidade “Carne de Vaca” ir e voltar para o centro de Goiana custa R$ 8,00
(oito reais), ou cerca de 10% do valor médio de recebimento do benefício.
Quanto à habitação, na sistematização dos dados do perfil das beneficiárias, a
grande maioria das entrevistadas não paga aluguel, embora as condições de mui-
tas moradias sejam bastante precárias e não tenham o acesso à água tratada e ao
saneamento.
O que nos conduz a reflexões sobre as relações de gênero, são muitas controver-
165
sas, e opiniões sobre o Programa Bolsa Família no que diz respeito ao lugar da O PROGRAMA
mulher a partir do deslocamento da sua situação de coadjuvante para a posição BOLSA FAMÍLIA
de titular do beneficio. Esta mudança vem a empoderar ou cristalizar ainda mais NA VOZ DAS
os papeis femininos que a resumem ao espaço socialmente construído e naturali- PESCADORAS
ARTESANAIS
zado de cuidadora da família?
DO LITORAL DE
Sobre o tema, é relevante o posicionamento de SUÁREZ e LIBARDONI ao indicar que: PERNAMBUCO.
De modo geral, vale ressaltar que as entrevistadas referiram-se aos custos com os
filhos como principais responsáveis pelo gasto do benefício.
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169
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE GÊNERO: O COTIDIANO DAS
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU DA REGIÃO
dos cocais- ma
O questionário foi formado por perguntas fechadas que abrangeram questões fun-
damentais como perfil pessoal e familiar (idade, estado civil, religião, casamentos,
quantidade de filhos, idade dos filhos, residência); trajetória de trabalho (tempo na
“quebra de coco”, outras atividades laborais paralelas, experiências de trabalho an-
teriores, envolvimento geracional na atividade da quebra de coco); participação na
associação (tempo de participação, cargos desempenhados, participação em grupo
semelhante anteriormente); participação em programas governamentais (de quais
programas participaram, participação no Programa Bolsa Família, participação em
Introdução e Temas transversais
4 A escolha das doze mulheres a serem acompanhadas se deu através da indicação das
presidentes das associações. Pedimos para que as presidentes considerassem, além do recebimento do PBF,
que as mulheres indicadas tivessem as seguintes características: incluissem mulheres casadas, solteiras,
divorciadas, viúvas; com composição familiar variada (tanto as que morassem com seus companheiros
e filhos, como as que tivessem outros arranjos familiares); tanto tivessem a quebra de coco como única
atividade geradora de renda como quebrassem coco e tivessem outra atividade geradora de renda e, que
fossem de idades diversificadas.
em seu cotidiano doméstico, laboral e associativo, e com as duas presidentes das
AQCB´s da cidade. Para tal, dois roteiros compostos por um esquema pré-definido
de perguntas não fechadas5 foram elaborados para cada um destes grupos6.
Marco teórico-conceitual
Para entender os cotidianos e as relações nas quais se envolvem as quebradeiras
de coco de babaçu da cidade de Codó, sujeitas desta pesquisa, foi considerada a
articulação entre as categorias de gênero e classe.
Para Aguiar (2007, p.83), a noção de classe vincula-se a posse do capital, quando
a detenção o
u ausência do c apital define o p
ertencimento do indivíduo a uma de-
terminada classe. É neste sentido que o autor considera que “as classes sociais são
realidades objetivas decorrentes de posições que os sujeitos ocupam na esfera
produtiva.” Segundo Thompson (1987, p.9), as classes são “um fenômeno históri-
co, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconec-
tados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência.”
173
Já para Bourdieu (1996, p.26-27) “classes sociais não existem. [...]. O que existe é um
ESTRATÉGIAS DE
espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo
ENFRENTAMENTO
em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de
DA FOME E
fazer.” Todavia, para o sociólogo francês as classes são objetivamente relacionadas CONSTRUÇÕES DE
à posição social segundo o conjunto dos recursos econômicos, sociais, culturais e GÊNERO:
simbólicos utilizados pelos agentes para conservar sua posição, a própria estrutura O cotidiano das
do capital e a trajetória social do agente indicada ao longo dos eixos espaciais. quebradeiras
de coco babaçu
O conceito de raça7, sociologicamente, é uma construção social que opera na vida da região dos
social, pois, os seres humanos se pensam e se classificam enquanto diferentes. cocais MA
Logo, a cor de uma pessoa está associada a um significado simbólico. Deste modo,
5 A opção pelo roteiro de perguntas não fechadas tem como vantagem obter informações
enunciadas de forma mais livre, uma vez que, possui caráter situacional, na forma de diálogo livre quando
as respostas não são condicionadas a uma padronização de alternativas. O roteiro de perguntas não
fechadas permite ao entrevistador adequar o script a uma linguagem mais inteligível para o entrevistado
facilitando o tom de coloquialidade. Deste modo, procurou-se abrir espaço para o entrevistado sentir-se
respeitado, qualquer que seja o seu “capital cultural”, inibindo tanto quanto possível o “monopólio da
palavra” por parte do entrevistador (BOURDIEU, 1999).
No Brasil, a fronteira entre raça e classe é muito tênue. Pode-se, portanto, afirmar
que no país a pobreza tem cor. A “raça” ou “cor” é uma entre as muitas represen-
tações do universo social que orientam os critérios empregados para enfatizar e
legitimar outras divisões da sociedade que nutrem as relações de poder de muitos
e contraditórios modos. Logo, raça e classe se relacionam e são conceitos essen-
ciais para se pensar as hierarquias sociais (MELO, 2005).
Gênero é a organização social da diferença sexual. Mas isso não significa que o
Introdução e Temas transversais
gênero reflita ou produza diferenças físicas fixas e naturais entre mulheres e ho-
mens; mais propriamente, o gênero é o conhecimento que estabelece significados
para diferenças corporais. [...] Não podemos ver as diferenças sexuais a não ser
como uma função de nosso conhecimento sobre o corpo, e esse conhecimento
não é puro, não pode ser isolado de sua implicação num amplo espectro de con-
textos discursivos (NICHOLSON, 2000, p. 2).
Nesse mesmo sentido, para Grossi (s/d, p.4), o conceito gênero (gender) tem como
origem social “as identidades subjetivas” versus a determinação biológica dife-
rencial dos sexos. A autora diz que o gênero considera o indivíduo na relação, logo,
Ora, classe, raça e gênero são categorias que devem ser pensadas em relação e
não como uma soma de discriminações/desigualdades/assimetrias que perpas-
sam a vida das quebradeiras de coco babaçu da região de Codó/MA. Se gênero,
classe e raça acionam hierarquias de poder e signos “naturalizados”, são também
categorias úteis para analisar identidades e relações entre os agentes sociais. Esta
perspectiva ora adotada considera que atributos morais e sociológicos (por exem-
plo, ser mulher e pobre) são representações por meio das quais os indivíduos
são classificados nos espaços sociais, segundo critérios culturais. Contudo, vale
destacar que a questão racial ultrapassa a questão da classe e que, apesar de se
reforçarem mutuamente, estas possuem dinâmicas independentes.
Em relação ao local de origem, das referidas mulheres, podemos verificar que hou-
ve um deslocamento significativo (48%) do local de nascimento, interior de Codó,
para a cidade. Este deslocamento pode estar associado à procura por acesso de
alguns serviços básicos como saúde, educação e trabalho. Vale ressaltar que as
mulheres, apesar de terem migrado do interior, zona rural, para residirem na zona
urbana da cidade, ainda mantém uma ligação intensa com o campo, haja vista,
deslocar-se para a zona rural “mato”, em sua grande maioria, diuturnamente para
a coleta do coco babaçu.
Diante dos dados coletados sobre trabalho e renda obtivemos o seguinte perfil
das quebradeiras de coco babaçu associadas: cerca de 80% das mulheres exer-
cem atualmente a atividade de quebra. Para as que não estão exercendo tal ativi-
dade, merecem destaque as citações para os motivos do afastamento desta ativi-
dade relacionadas, em sua maioria, a doenças e acidentes oriundos da atividade
da quebra de coco. Vale ressaltar que, cerca de 60% das mulheres mencionam
estar há mais de trinta anos na atividade de quebra de coco babaçu.
Dos 76% das mulheres que afirmam quebrar coco atualmente, 37(trinta e sete)
delas disseram ter como única fonte de renda esta atividade e 39(trinta e nove)
dizem também tirar o sustento da família de outras atividades, em especial da
atividade de roça/lavoura. A atividade da roça/lavoura, por sua vez, é realizada por
todos os membros da família. Este trabalho ocorre em territórios ocupados por ter-
ceiros, em sua grande maioria, cabendo uma divisão na produção para pagamento
do uso das terras para o plantio, seja de feijão, legumes, frutas, verdura ou arroz,
o chamado arrendamento. Sendo o arroz e o feijão os plantios mais comuns. O
trabalho na roça/lavoura se caracteriza como uma atividade de subsistência con-
tribuindo para a alimentação da família durante o ano.
Muitas quebradeiras relataram que se deslocaram, ainda criança, para a zona ur-
bana como forma de enfrentamento à pobreza e à fome e que foi por volta dos
oito anos de idade que tiveram suas primeiras experiências com a quebra do coco
atividade que passou a acompanhá-las durante quase toda a vida.
As doze quebradeiras de coco8, acompanhadas durante a pesquisa, referenciam
a aprendizagem da técnica de quebrar coco às suas mães, avós e irmãs. Trata-se,
pois, de um conhecimento tradicional que é transmitido de geração em geração,
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome frequentemente, entre mulheres. Todavia, muitos homens no universo desta pes-
quisa falaram que também quebram coco e que seus pais também quebravam. O
conhecimento da quebra de coco é transmitido de pais para filhos a despeito de
muitas filhas de quebradeiras não saberem quebrar coco.
Neste sentido, Gorete afirma que as jovens de sua idade que moram na cidade
de Codó, filhas de quebradeiras de coco, não sabem quebrar ou não “sobem no
caminhão”, pois “tem vergonha” e “preferem ter vida fácil”. Segundo Gorete, estas
jovens apenas se vinculam às associações para “garantir os direitos da aposenta-
doria” como trabalhadoras rurais. Ela diz que só futuro dirá sobre a continuidade
da tradição da quebra de coco na região, já que, nos dias atuais as jovens preferem
exercer outras atividades laborais.
Neste mesmo sentido, Efigênia falou que tem “muitas moças” na associação que não
sabem quebrar coco, não tem a quebra como trabalho, mas se associam. As mulhe-
res que “quebram mesmo” são bem poucas e, geralmente, são mais velhas. Segundo
Efigênia, poucas jovens são “quebradeiras mesmo”. Ela expressava em suas palavras
que ser quebradeira de coco requer ter a quebra como trabalho diário e não ape-
nas como meio de obter benefícios (Diário de campo 31, 18/05/2011). Dona Ana
relatou que “muitos filhos de quebradeiras têm vergonha delas e que muitas vezes
nem dizem que a mãe quebra coco” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011).
Outra questão que se relaciona com a falta de jovens na quebra de coco pode ser
explicada pelo exemplo de Gorete que apesar de afirmar de “gostar do mato” e
de quebrar coco, pretende “se formar” para ter futuro melhor, pois, o dinheiro que
ganha com a quebra de coco não supre as necessidades básicas de sua família.
Introdução e Temas transversais
Deste modo, o futuro que Gorete vislumbra – ter uma vida melhor – não será, se-
gundo ela, através da atividade da quebra de coco. Talvez por isso, a despeito das
doze quebradeiras de coco (bem como as demais) dizer que também ensinaram
a seus filhos (homens e mulheres) a técnica da quebra de coco (exceto Gorete,
Socorro e Marta, pois, têm filhos ainda pequenos) os filhos destas mulheres prefe-
rem ter outra atividade laboral. Os filhos de Rosa, Rita e Efigênia, por exemplo, vão
quebrar coco e fazer roça, mas não realizam estas atividades com exclusividade.
Já os filhos de Rosalina, Nazaré, Teodora, Generosa, Delfina não quebram coco. Os
filhos de Jesus sabem quebrar coco, mas trabalham em “firma” [empresa] com isso,
somente as mulheres quebram coco.
Do mesmo modo, elas ressaltam a importância dos estudos como meio de “ser
alguém”, “ter um futuro diferente” a fim de não passar privações, não ter que en-
frentar a fome. Por isso mesmo, compreendem o seu lugar social: de mulheres e
pobres. Como ressaltado por Roseli numa reunião na AQCB do Poraquer: “eu quero
8 Gorete, Efigênia, Rosa, Rita, Nazaré, Teodora, Generosa, Delfina, Rosalina, Marta, Socorro,
Jesus são os nomes fictícios das doze quebradeiras acompanhadas durante a pesquisa. Os outros nomes
referem-se às presidentes das associações, maridos/companheiros ou filhos (as) das quebradeiras.
que meus filhos estudem pra ser alguém na vida que eu não fui”. Dona Ana retru-
ca: “e você não é alguém na vida?”. Roseli responde: “sou sim, mas hoje em dia só
é alguém quem tem estudo” (Extrato de diário de campo 05, 11/04/2011). Ora, a
quebradeira de coco, mulher, mãe, pobre e sem estudo “não é ninguém” (Diário de
campo 05, 11/04/2011). Por isso, Roseli quer que seus filhos estudem para “ser
alguém” o que significa ter melhores condições de vida, não passar fome e ter um
trabalho digno e valorizado.
De todo modo, elas valorizam a quebra de coco, pois sempre falam do orgulho
e de como gostam de ser quebradeira de coco e de estar no mato, pois, foi este
aprendizado que tiveram. Durante a quebra de coco com Rita, o local de quebra foi
referenciado como o “escritório” deles: “tô aqui limpando nosso escritório” (Extra-
to do diário de campo 74, 17/08/2011)
Em uma visita a casa de Rita, Desidério já havia feito esta comparação com a equi-
pe. Segundo ele, as ferramentas de roçar eram a sua lapiseira. Ou seja, valorizam
o aprendizado tradicional que obtém, mas, consideram que “ter estudo” possibili-
taria que seus filhos não passassem pelos mesmos “aperreios” que elas passaram.
Por isso mesmo, estas mulheres se mudaram para a cidade a fim de que os filhos
continuassem a estudar. Todavia, este entendimento de que a escolaridade permi-
te acessar um futuro melhor não se constituiu num “projeto de ascensão” como
vislumbrado pelas classes médias. Entende-se, portanto, que no contexto desta
pesquisa, “ter estudo” possibilita que indivíduos cujas famílias são marcadas pela
pobreza tenham mais oportunidade na vida. Percebemos que em algumas falas, 179
mais oportunidade na vida é não quebrar coco. Para as quebradeiras de coco,
como não tiveram estudo, “o jeito foi ir pra quebra”, Então, é por meio do estudo ESTRATÉGIAS DE
que seus filhos podem “ser alguém”. ENFRENTAMENTO
DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
O trabalho das quebradeiras de coco GÊNERO:
O cotidiano das
A dinâmica da atividade entre as quebradeiras de coco babaçu consiste numa roti- quebradeiras
na diária de ida para a “mata”, onde existem as palmeiras, e de retorno para a casa de coco babaçu
onde, empreendem as atividades rotineiras do lar – cuidar dos filhos e de se pre- da região dos
pararem novamente para o outro dia na quebra. Também nos tempos de plantio e cocais MA
Nas áreas de coleta preparam sua alimentação9, quebram o coco e fazem o carvão
com as cascas, separadas minuciosamente em montes. Conseguem separar, ao fim
do dia, cerca de cinco a oito quilos de amêndoa que são vendidos na volta para a
cidade por cerca de R$1,20, abaixo do preço estabelecido pelo governo (R$1,46).
Algumas vezes, fabricam o azeite, que demanda mais trabalho, contudo vendem
por um “preço melhor” e utilizam, em sua maioria o carvão para cozinharem em
suas casas, o que ajuda a economizar com as despesas com o gás de cozinha.
O trabalho dispensado com a quebra de coco é expresso por Efigênia como uma
obrigação, logo que ingressa como atividade imprescindível para a manutenção da
casa, embora esta não a considere como uma profissão como as demais. Embora
de pouca rentabilidade, as mulheres a mantêm como a atividade principal na vida
diária, haja vista que, se apropriam do babaçual seja em seu uso direto para a ali-
mentação ou sua preparação, no caso do azeite e carvão, seja indiretamente, com
a venda dos produtos gerando dinheiro (moeda) que será também utilizado, em
sua maior parte, para compra de alimentos.
Introdução e Temas transversais
A quebra do coco não se configura para elas um fardo pesado. Segundo as que-
bradeiras as conversas realizadas durante a quebra e as descontrações coletivas
amenizam os esforços despendidos por elas durante a realização de seu ofício.
Ressaltam, sobretudo, a disponibilidade de tempo e a liberdade que ganham para
realizarem outras tarefas cotidianas.
Nazaré apontou que “quem não tem homem ganha ajuda”, pois, no contexto cul-
tural no qual vive o homem deve provir o “local do consumo”. Rosa conta que
após ser largada com dois filhos, “foi arranjar outro para ajudar a criar os filhos”.
Como ressaltou Nazaré se o homem não trabalha, não ajuda e atrapalha a mulher.
Nesse sentido, Jesus contou que, depois que seu marido a “largou” ficou sozinha
com seis filhos para criar. Ela fala que para sustentar seus filhos ela já passou por
muito sofrimento, inclusive de ter que ficar com homens para que estes a ajudasse
no sustento de sua família. Assim, Jesus afirmou: “ou eu fazia isso ou meus filho
morria de fome” (Extrato do diário de campo 54, 02/07/2011). Ela considera que 181
“foi errada”, mas que nunca “fez pouco” da cara das esposas dos homens com os
ESTRATÉGIAS DE
quais ficava, pois essas sequer sabiam que ela era amante deles (Extrato do diário
ENFRENTAMENTO
de campo 54, 02/07/2011). DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
Ainda sobre as relações entre afins vale dizer que estas mulheres se casaram jo-
GÊNERO:
vens, em média, antes dos 18 anos. Todavia, é expressivo o número de relações
O cotidiano das
amorosas que elas possuem ao longo da vida, pois, “ter um homem” significa tanto quebradeiras
ter um marido para provir a casa quanto ter um parceiro sexual. Por isso, como de coco babaçu
disse Ana, após o falecimento de seu primeiro marido não “esperou muito” para da região dos
arranjar outro companheiro, pois, não “espero nem os vivos imagine o que tinha cocais MA
Outra questão é que para elas casar requer “ter papel” e não apenas assumir pu-
blicamente uma relação conjugal e iniciar uma fase de co-residência (FONSECA,
2005, p. 40). Deste modo, as mulheres que são “junta” não se consideram casadas
(Socorro, Rosa). Algumas falam que não são solteiras, mas não são casadas (Naza-
ré). Jesus, por exemplo, mora com um companheiro, mas se diz solteira. Fato é que,
ao longo da pesquisa, pode-se perceber que algumas quebradeiras de coco falam
Introdução e Temas transversais
Ou seja, para elas ser solteira possibilita ter acesso a programas do governo, obter
crédito e, no futuro, obter a aposentadoria rural. Todavia, há uma razão simbólica
contida nesta razão prática: como o casamento só é válido “no papel”, elas se
dizem solteiras, pois, trata-se de uma categoria que possibilita quando “largadas”
não ser separadas ou desquitadas. Suspeita-se, neste sentido, que estas mulheres
se importam com o estado civil de desquitada ou separada (legalmente no papel),
a despeito de narrarem como seus companheiros a “largaram” e como elas arran-
jaram logo outro companheiro.
Destaca-se ainda que as mulheres (Rosa, Jesus, Efigênia, Socorro, Generosa, Rosa-
lina, Nazaré, Gorete) explicitaram as infidelidades masculinas bem como relações
violentas, possessivas e ciumentas (Nazaré, Generosa). E que há homens que agri-
dem suas companheiras (Rosalina, Marta). A despeito dos relatos sobre violência
doméstica (Jesus, Rosalina, Marta, Nazaré) elas se manifestaram e se posicionaram
contrariamente à dominação masculina (especialmente Marta em relação ao seu
pai). Estas mulheres que relataram casos de violência doméstica romperam com
seus companheiros agressores, a despeito da violência física, psicológica e simbó-
lica que sofreram durante o casamento.
Deste modo, a figura do homem provedor e da autoridade e a dominação mascu-
lina podem ser lidas como ideais extremamente poderosos, mas não são vividas
de maneira absoluta ou estável na vida cotidiana destas mulheres. Se tais ideias
existem enquanto modelos, na realidade podem ser negociados, abrindo espaço,
portanto, para a agência feminina. Por isso mesmo, considerou-se analisar as rela-
ções entre homens e mulheres no universo desta pesquisa na relação e não ape-
nas a partir da concepção de que homens subordinam as mulheres. Os dados aqui
apresentados apontam que há um contexto cultural de dominação masculina, mas
que estas mulheres não respondem “apaticamente a uma dominação masculina”.
(AHLERT, 2008, p. 23), pois, ao passo que há reforço das hierarquias de gênero, há
espaço para a agência feminina.
Como se vêem/sentem
06/08/2011). Delfina disse que é bom ser mulher, mas que “mulher passa cada
uma”, mas, “só na hora de ter um filho”, por que segundo ela, “é ruim demais” parir
(Entrevista, 18/08/2011). Nazaré diz que é bom ser mulher por que a mulher sem-
pre é ajudada e o homem não “porque é home” (Entrevista, 19/08/2011). Gorete
diz que “as oportunidades pras mulheres são bem melhores agora né”, além disso,
“ta bom ser mulher agora alguns anos atrás não era bom não, a mulher depen-
dia muito do homem, hoje não hoje a mulher é mais independente dela própria”
(Entrevista, 23/08/2011). Teodora diz que “ser mulher é ótimo”, mas que “só ter
mulher e não ter homem nada feito. Então tem que ser os dois homem e mulher”
(Entrevista, 05/09/2011). Jesus diz que é bom ser mulher por que tem serviço,
mas “viver sozinha” trabalhando para sustentar os filhos é a parte ruim. Todavia,
para um homem viver sozinho é mais difícil, segundo ela. Dona Marta diz que não
sabe por quê ser mulher é bom.
Ser mulher neste contexto também se inscreve nos corpos destas quebradeiras
que vão para o mato trabalhar na quebra de coco, atividade vinculada ao feminino.
Logo, as marcas físicas que este trabalho inscreve em seus corpos denotam o dia-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome -a-dia “difícil” que estas mulheres enfrentam. Todas possuem cicatrizes pelo cor-
po, especialmente nas mãos ressaltando como a quebra de coco marca seus cor-
pos. Outra questão relacionada aos corpos destas mulheres quebradeiras de coco
são as linhas de expressão, as peles enrugadas, as mãos ásperas, os pés rachados,
o aspecto de maior idade do que possuem. Marcas que também expressam o “tra-
balho duro” que possuem. Em sua maioria, são mulheres que aos 50 anos se consi-
deram “véa” [velha] (Generosa, Efigênia, Rosalina), não mais atraentes e dispostas
a relacionamentos afetivos e sexuais.
Ainda sobre como o trabalho da quebra de coco marca os corpos destas mulheres,
vamos a um relato de Gorete. Ela diz que as pessoas não acreditam que ela é que-
bradeira de coco babaçu. Gorete conta que quando estudava no IFMA – Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -, um dos motoristas não
acreditava que ela era quebradeira de coco. Somente acreditou nela no dia que a
viu em cima do caminhão juntamente com as demais quebradeiras de coco. Para
ela, “acho que é bem pela minha aparência” (Entrevista, 23/08/2011), pois, as
pessoas pensam que as quebradeiras são velhas, com a pele enrugada, maltrata-
das pelo trabalho no sol. Gorete concorda que “tem, muitas quebradeiras de coco
não cuida, não se cuida entendeu? Pelo fato de quebrar coco acha que deve se
desleixar, e eu não apesar de quebrar coco eu sempre me mantive bem cuidada”
(Entrevista, 23/08/2011).
Vale dizer que, no universo desta pesquisa, as mulheres gostam de conversar sobre
sexualidade, sexo e os parceiros que tiveram. A jocosidade e as conversas “salientes”
são freqüentes nos espaços e no cotidiano destas mulheres. Fonseca (s/d) ressalta
que o humor, as brincadeiras e os comentários sobre as relações conjugais e sexuais
Introdução e Temas transversais
estão presentes no cotidiano das classes populares. Segundo Fonseca (s/d, p. 16)
10 Como afirma Bourdieu, a concepção moderna de família faz com que se entenda que “a unidade
doméstica é concebida como um agente ativo, dotado de vontade, capaz de pensamento, de sentimento e
de ação e apoiado em um conjunto de pressupostos cognitivos e de prescrições normativas que dizem
respeito à verdadeira maneira de viver as relações domésticas: universo no qual estão suspensas as leis
corriqueiras do mundo econômico, a família é o lugar da confiança e da doação” (BOURDIEU, 1997, p. 126)
Nas falas das quebradeiras de coco é possível perceber algumas características
muito similares aquilo que Bourdieu (1997) denominou como características das
famílias modernas. Neste sentido, o uso que as quebradeiras de coco babaçu de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Codó fazem do benefício do Bolsa Família remete exatamente ao âmbito da casa
(o autor destaca a moradia conjunta como traço da família moderna) e também à
importância do cuidado com os filhos. Esta semelhança, contudo, como destacou
Fonseca (2004; 2006) pesquisando famílias de baixa renda no Brasil, não pode
sugerir que se compartilhe de apenas uma noção correta de família. A autora mos-
tra como os modelos de família podem se desviar da noção de família nuclear
(pai-mãe e filhos) e demonstra como, no seu universo de pesquisa, apareciam ca-
racterísticas importantes de outras possibilidades de família. Entre elas a autora
destaca a força do laço de sangue, de forma que as relações entre consangüíneos
se sobrepõem em importância àquelas de aliança por intermédio de casamento.
Além disso, mostra que o cuidado com as crianças pode ser socializado entre dife-
rentes casas, dependendo do momento da vida das pessoas.
A prática da criação de filhos (não biológicos) e netos, assim como uma maior fra-
gilidade dos laços de consangüinidade (a pensar pelo número de casamentos e
uniões) (FONSECA, 2002; 2004) faz com que sejam as mulheres, seja na posição
de mães ou de avós, as pessoas que arcam com os maiores cuidados com as crian-
ças e adolescentes. Estas características refletem na forma com que se configura
o cenário da distribuição do benefício do PBF entre as quebradeiras de coco en-
Introdução e Temas transversais
trevistadas:
11 “circulação de crianças, ou seja, o grande número de crianças que passa parte da infância e
juventude em casas que não a de seus genitores” (FONSECA, 2006, p.14).
anos de idade. A menina é filha de uma filha de Delfina, que mora em Brasília.
Delfina diz que a menina está com ela desde “molinha”, ou seja, desde pequena,
porque nasceu em Codó e passou a viver com a avó quando tinha três anos de
idade. Delfina ainda diz que não recebe nenhuma ajuda financeira da filha para
cuidar da neta, apenas a renda do Bolsa Família (cujo cartão está no nome da avó).
Delfina explica que a filha não consegue lhe ajudar porque tem uma nova família
na cidade de Brasília.
Rita fez o cadastro para receber o Bolsa Família em um momento em que tinha um
filho menor de dezoito anos e também um neto que residia com ela, ou seja, que ela
criava. O neto voltou a residir com a mãe depois de um tempo. Contudo, para não
alterar o cadastro, as duas mulheres acordaram com a permanência do menino no
cadastro e, portanto no cartão da avó. O filho de Rita fez dezoito anos e ela ficou re-
cebendo apenas pelo neto e o benefício básico. Ela e a filha dividem o valor do be-
nefício que Rita recebe, ficando cerca de 70% para ela e cerca de 30% para a filha. 187
Sobre a divisão do dinheiro, outra situação interessante apareceu em campo. No
ESTRATÉGIAS DE
pátio da casa de Dona Jesus residem diversas pessoas, entre elas sua filha Go-
ENFRENTAMENTO
rete, com seu próprio filho (que recebe o benefício), mas também Micaela, sua DA FOME E
filha mais velha. Um dos filhos de Micaela é criado por dona Jesus desde que CONSTRUÇÕES DE
nasceu e outro criado pela própria Micaela. O cartão do PBF em nome de dona GÊNERO:
Jesus contempla estes dois netos. Como recebe o benefício dos dois, ela divide o O cotidiano das
quebradeiras
valor, ficando com a metade e dando a outra parte para Micaela. O cartão está no
de coco babaçu
nome de dona Jesus porque quando fez o cadastro para o Programa, Micaela tinha da região dos
migrado para trabalhar, junto com o marido, no estado de Minas Gerais e os netos cocais MA
estavam com dona Jesus.
utilização (podem usar para o que estiverem precisando mais naquele momento).
Diante das dificuldades financeiras que marcam o cotidiano das interlocutoras,
contudo, a possibilidade de manipulação deste dinheiro contempla normalmente
as mesmas finalidades.
12 Retomando a fala de Nazaré: “[...] se os pais num tiver incentivando eles, não é todos que se
interessa pra estudar não. E aí eu sempre to ali pra eles estudar e nunca levei assim pro interior [...] se eles
faltasse na escola, uns dez dia, quinze dia, aí já, aí ia sair do programa, aí veio essa ajuda pra gente, aí já dá
pra ajudar, ajudava eles, né, no material, na farda” (NAZARÉ, entrevista, 19/08/2011).
Gênero, casa, criança e o Bolsa Família
O Programa Bolsa Família, na sua estrutura, toma as mulheres como prioritárias no
que concerne ao repasse do benefício. Neste sentido, na maioria dos casos, são os
nomes das mães ou avós que figuram nos cartões do Programa. Pensando neste
elemento cabe explanar sobre como as quebradeiras percebem esta vinculação
entre as mulheres e o benefício do PBF. Esta discussão é amplamente arraigada,
já que em torno da mesma surgem diversas opiniões e afirmações, tanto no senso
comum, quanto no meio acadêmico.
13 Em outro espaço, Dagmar Meyer e Carin Klein apontam para outro enfoque instigante dos
programas de transferência de renda na área da educação e saúde que possuem as mulheres como
“agentes prioritárias de sua implementação” (KLEIN, 2005, p. 31). As autoras remetem à constituição de um
determinado tipo de maternidade que associa “mulher” ao status de “mãe”, reforçando as hierarquias de
gênero que postulam seu espaço como o da casa (não oferecendo acesso ao mercado de trabalho) e o do
cuidado dos filhos
indiferente porque seu marido sempre sabia “fazer a feira” ou pagar as contas que
chegavam a casa. O restante das quebradeiras disse que é melhor que o cartão es-
teja no nome da mãe/mulher. Para Socorro, é a mulher quem sabe quais são as prio-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ridades da casa, e, por isso, cabe a ela receber e administrar o dinheiro do benefício:
Socorro: Não, não iria ter porque ele sabe da necessidade dos
filhos, né? Ele sabe, até quando ele tá aqui que ele faz algum
bico, a metade, 60%, 70 é pra dentro de casa, pros meninos.
Aí, nos sempre assim, colocamos os meninos na prioridade,
pra nós, adultos, já fica em segundo plano entendeu? Assim,
criança que eles gostam muito de sair, assim, pro os lugar,
festinha, algum lugar ai. Tem que mais roupa para sair do que
nos. Ai nós se preocupa mais com eles do que com a gente
(Entrevista, 26/07/2011).
Generosa: Sabe não, você vê, você compra direito, eles não
compra as coisas direito pra casa, e sendo a mulher é melhor,
é muito melhor ser pago pra mãe do que pro pai.
[...]
Introdução e Temas transversais
da mulher, quem retira o dinheiro do benefício pode ser outro membro da família.
Dona Marta menciona que teve uma situação em que não se sentia bem e seu
marido teve que buscar o benéfico para ela: “Ele recebeu, só que do jeito que eu
faço ele faz certinho. Ele trouxe o dinheiro, do jeito que ele pegou lá ele trouxe pra
mim, não gastou não. Quando ele vendia meus cocos ele não gastava um centavo
ele trazia tudinho” (MARTA, entrevista, 16/08/2011). Marta ressaltou o fato de ser
esporádico, já que, se fosse todos os meses, “não ia dar certo não”. Em um sentido
semelhante, quando perguntada sobre o nome da pessoa que deveria constar no
cartão, dona Rosa disse que, apesar de estar no seu nome, quem retirava o dinhei-
ro e trazia para casa era o seu marido:
14 Em diversas entrevistas as quebradeiras não estiveram sozinhas com a equipe da pesquisa. Isso
aconteceu porque havia mais pessoas nas casas e elas costumavam conversar e participar, inclusive, das
entrevistas.
Dona Rosa identifica o benefício do Bolsa Família como uma contribuição feminina
dentro do orçamento familiar. Isto fica evidente ao comparar com a principal ocu-
pação masculina, a roça. Como afirmou, para ela o homem tem a roça e a mulher
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome também precisa de uma renda.
Equipe: Ah é.
Introdução e Temas transversais
Por que a mãe ou a que seje, assim porque tem muitos pais
irresponsáveis, tem muitos pais irresponsáveis, mas também
tem muitas mães que são irresponsáveis, então a gente tem
que caça uma vó que tem responsabilidade, entrega pra elas,
como velha entendi mais. Tem muitas mãe miserável, eu
conheço muie ai que recebe e tora na cana. Pai, isso ai é pros
fie (filhos) se alimentar, pras crianças, porque nós, na idade
que eu to, vocês não por que é essa dali, nos temos que olha
pra esses ai num é não? (ROSALINA, entrevista, 06/08/2011).
A fala de dona Rosalina tem bastante reflexo no universo pesquisado, já que mui-
tas avós quebradeiras de coco são as pessoas que criam seus netos. Das doze 193
interlocutoras entrevistadas, 05 delas recebem o benefício porque são as respon-
ESTRATÉGIAS DE
sáveis por seus netos. Receber o PBF por crianças que são filhos “de criação” é
ENFRENTAMENTO
uma constante. As avós, no processo do envelhecimento, com a possibilidade de DA FOME E
melhoria de vida por causa do ganho da aposentadoria (que algumas recebem CONSTRUÇÕES DE
como trabalhadoras rurais) e porque ficam mais circunscritas à cidade (já que as GÊNERO:
gerações mais novas migram para outros Estados), se apresentam como alternati- O cotidiano das
quebradeiras
va para o cuidado das crianças.
de coco babaçu
Quando se analisa estas ponderações sobre gênero, pensando-as de forma relacio- da região dos
nada ao uso do benefício e aos arranjos e dinâmicas familiares, pode-se perceber cocais MA
que a dicotomia entre público e privado não se sustenta. Em primeiro lugar porque,
apesar de se orgulharem de serem as conhecedoras e administradoras de suas ca-
sas e de colocarem os filhos e netos como prioridade, as interlocutoras de pesquisa
são sujeitos determinados por várias facetas: além de serem mães e donas de casa,
são quebradeiras de coco, tem um envolvimento político a partir das associações,
correm atrás de melhorar suas condições fazendo o cadastro do PBF. Constituem
suas casas como um ambiente privado, mas não como oposto do público, já que a
casa é um espaço de fluxo constante de pessoas, especialmente de crianças. Além
disso, a casa é a unidade básica a partir da qual se colocam diante da relação com o
Estado. É possível concluir, portanto, que as quebradeiras, enquanto mulheres vêem
como positiva a vinculação entre o benefício e a prioridade das mulheres para seu
recebimento. Questionam a associação entre o status de mãe e a casa como papéis
tradicionais que as aprisionam (pura e simplesmente), mostrando, a partir de suas
experiências de vida, que não cabem em pólos opostos e dicotômicos.
Dito isso, cabe pensar ainda como as quebradeiras, na sua relação com o benefício
do Programa Bolsa Família, questionam outra dicotomia, a que busca classificar esta
experiência como assistencialismo ou direito (AHLERT, 2008b). Para isto, serão apre-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome sentadas algumas questões sobre impactos que as quebradeiras identificam que o
PBF causou nas suas trajetórias, assim como suas representações sobre o Programa.
CONCLUSÃO
Existem diferentes formas de medir ou tentar perceber o impacto de um progra-
ma social nas experiências de vida do público ao qual o programa se destina. Em
primeiro lugar buscar-se-á tratar de como as interlocutoras percebem, ou não
percebem, uma mudança na melhoria das suas condições de vida por causa do
recebimento do benefício. Quando questionadas sobre esta melhoria, algumas
delas falavam do passado para confirmar uma mudança no presente. Dona So-
corro ressaltou a importância no benefício no pagamento das despesas da casa e
disse “lembro quando era criança, minha mãe tinha que quebrar não sei quantos
quilos de coco babaçu pra comprar alguma coisa pra gente” (Extrato de diário de
campo 34, 24/05/11). Em consonância com o que afirmou Dona Socorro, Nazaré e
Generosa disseram que
Equipe: É?
Alguns pedidos das crianças, que ‘agora’ podem ser contemplados, diante das di- 195
ficuldades financeiras das condições de vida de suas próprias infâncias, podem
até ser considerados uma espécie de luxo. “Hoje eles já dizem assim ‘mamãe eu ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
quero roupa assim tal’, eu já compro. Hoje já tem assim praticamente um luxo pra
DA FOME E
eles, porque antes, quando eu era criança não tinha esse luxo assim, hoje eles já
CONSTRUÇÕES DE
têm. Aí, eu sempre falo a gente tem que dar valor no que a gente tem (SOCORRO, GÊNERO:
entrevista, 26/07/11). O cotidiano das
quebradeiras
A partir destas considerações pode-se concluir que o benefício do Programa Bolsa
de coco babaçu
Família é percebido pelas quebradeiras de coco como tendo um impacto positivo, da região dos
no sentido de que reconhecem a melhoria de suas condições de vida quando pen- cocais MA
sam em relação às suas próprias trajetórias (sua infância) e também quando falam
sobre sua vida como mães e avós antes do PBF. Neste sentido e em consonância
com suas falas sobre as finalidades nas quais empregam o uso do dinheiro, uma
grande vantagem deste período (em que recebem o benefício) é poder comprar
utilidades que seus filhos necessitam, assim como dar-lhes um pouco de “luxo” ou
mesmo uma comida diferente daquela que é a comum em épocas de maior aperto
econômico. Dar aos filhos algumas “regalias” que não possuíram em suas infâncias
aparece como algo que as deixa satisfeitas como mães e como avós.
Além disso, outros elementos foram destacados como positivos e tem relação com
o formato do Programa Bolsa Família. Neste sentido, foram mencionadas qualida-
des do Programa que remetem à constância e ao fato do benefício ser em dinheiro.
Rosalina: Era ruim porque eu tinha que quebrar o coco todo dia
pra dar comida pros fie (filhos). Todo dia eu levantava quatro
hora da madrugada, ajeitava a comida pros menino, lavava
roupa, ajeitava tudo Quando era seis hora eu ia pro carro, aí ia
quebra coco. Quando era de tarde, de noite, eu chegava aí, pra
eles come. Aí deixava a comidinha pra eles almoçar. Quando
eu chegava ia comprar pra jantar e deixar pros outros dias pra
deixar pra eles, pra mim ir pro serviço. Era assim.
Nos trechos das entrevistas acima citadas é possível notar que a categoria mais
usada pelas interlocutoras para se referir ao benefício do Programa Bolsa Família
é a categoria “ajuda”. Enquanto categoria ‘nativa’, a “ajuda” é dada pelo governo
aos mais pobres e isto é visto, pelas quebradeiras de coco, como uma responsa-
bilidade do Estado. Utilizar a categoria “ajuda” para descrever um programa social
pode ser uma faca de dois gumes, afinal, muitos não considerariam, como papel
do Estado, “ajudar” as pessoas, mas, oportunizar que tenham seus direitos garanti-
dos. Neste cenário mais amplo, o Bolsa Família enquanto “ajuda” seria visto como
meramente ‘assistencialista’, numa oposição clara em relação a o que poderia ser
considerada uma efetivação dos direitos.
Do ponto de vista de perceber a “ajuda” como uma categoria êmica, outros pes-
quisadores já apontavam que a perspectiva de separação entre ajuda e direito não
costuma encontrar muito reflexo na experiência de vida dos sujeitos (SARTI, 1996).
Analisando a fala de diferentes lideranças envolvidas no Programa Fome Zero na
cidade de Porto Alegre, Ahlert (2008a, 2008b) destaca como a categoria “ajuda”
era utilizada pra descrever atividades que estavam ligadas à política institucional.
Utilizar-se da categoria “ajuda”, portanto, não excluiria a possibilidade de ver esta
“ajuda” também enquanto uma efetivação de direitos.
O que é interessante ressaltar é que, se por um lado, se podia ouvir que “o Bolsa
Família todo mundo tem”, com maior conhecimento do universo de pesquisa é
possível dizer que existe toda uma categorização das pessoas. Esta categorização
as classifica de acordo com terem ou não o benefício e sobre as formas que se
utilizaram para acessá-lo. As quebradeiras que são beneficias mostram nas suas
narrativas que elas não são como aquelas que não sabem, não são como as que
recebem e não merecem e também não são como aquelas que esperam sem bus-
car seus direitos. Pelo contrário, destacam um papel de agência, uma “luta” para a
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome conquista do mesmo.
não tem o acesso às informações que elas possuem. Assim, a forma com que elas
se relacionam com o Programa – lutando para melhorar suas vidas – é a forma com
que elas também lidam com o seu cotidiano – buscando variadas iniciativas para
melhorar as condições de vida em suas casas.
Desta forma, na análise do encontro do Programa Bolsa Família com suas vidas, pu-
deram ser percebidas algumas recorrências. Para as quebradeiras de coco da cida-
de de Codó, o Programa Bolsa Família deve ser pensado na perspectiva das outras
relações políticas da cidade. Não porque as mulheres não o reconheçam como um
Programa Federal, mas, porque com o atendimento sendo de responsabilidade do
município, é nele que elas “lutam” para conseguir seu cadastro e seu benefício.
Assim, o que o benefício permitiu foi uma redução em sua jornada excessiva de
trabalho tendo mais tempo para se dedicaram a outras atividades rotineiras. Tam-
bém, como possibilidade de comprar material escolar, produtos de higiene e al-
gum “luxo” para os filhos. A constância do Programa as afastou do medo de ficar
sem nenhum recurso para comprar comida, por exemplo. 199
Importante constatar que estas conclusões estão todas condicionadas a leituras ESTRATÉGIAS DE
de diferentes temporalidades. O impacto do benefício é pensando analisando ENFRENTAMENTO
suas próprias trajetórias de vida, assim como os momentos anteriores ao recebi- DA FOME E
CONSTRUÇÕES DE
mento do benefício. Dentre os impactos ou as mudanças que o PBF traz, uma delas
GÊNERO:
é a possibilidade de mudar a rotina da quebra – quando se quebra coco em um dia
O cotidiano das
para ter dinheiro para comer no próximo. O benefício sendo em dinheiro, permi- quebradeiras
tem que elas lidem com as necessidades que surgem nos diferentes momentos do de coco babaçu
mês, de acordo com a “precisão” mais imediata da família. A relação com tempo e o da região dos
trabalho é pensada de maneira diferenciada a partir do recebimento do benefício. cocais MA
As quebradeiras de coco - nas formas com que acessam o Programa recebem o be-
nefício e o utilizam -, mostram a importância de um olhar cuidadoso para a relação
entre o Programa Social e o público-alvo deste Programa.
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SEGURANÇA ALIMENTAR E ACESSO AOS
PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
e combate à Fome de comUnidades
QUILOMBOLAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL.
Esta pesquisa tem como objetivo avaliar o acesso aos programas de desenvolvimento
social e combate à fome e a prevalência de insegurança alimentar e nutricional das
famílias residentes em comunidades quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul.
MÉTODO
Foi realizado um estudo transversal de base populacional, incluindo uma amostra
representativa de famílias quilombolas do estado do Rio Grande do Sul. A popula-
ção de estudo foi composta por famílias localizadas em 22 comunidades quilom-
Introdução e Temas transversais
7.Turuçu Mutuca 21 14
8. Taquara Paredão 54 36
RESULTADO
Foram entrevistadas 588 famílias, a taxa de perdas e recusas foi de aproximada-
mente 7%, não excedendo o valor estipulado aceitável (10%). A maioria dos en-
trevistados era do sexo feminino (65,1%), estado civil casada ou em união estável
Introdução e Temas transversais
(57,8%) e da raça/cor negra (89,2%). O desemprego foi relatado por 13,7% dos
participantes.
Variável N %
Sexo
Idade
Solteiros 62 10,6
Cor da pele
Branca 56 9,5
Trabalhando
Desempregado 80 13,7
Aposentado/pensionista 96 16,4
Variável N %
Classe socioeconômica
A 0 0
B 24 4,1
C 283 48,2
D 209 35,6
E 71 12,1
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Insegurança alimentar moderada 135 24,5
Variável N %
Tipo de casa
Mista 63 10,7
Energia Elétrica
Não 18 3,1
Abastecimento de água
Outros 28 4,8
Tratamento de água
Filtração 11 1,9
Fervura 46 7,8
Cloração 09 1,5
Lixo
Variável N %
Não 12 2,0
Recebe PBF
Sexo 0,061
Idade 0,376
Trabalhando 0,116
DISCUSSÃO
Um aspecto a ser destacado nesse estudo é que a amostra pode ser considerada
representativa das comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul,
tendo em vista o cuidado metodológico na seleção da amostra, o alto percentual
de indivíduos entrevistados e o baixo índice de perdas e recusas. Outro aspecto 211
positivo foi à padronização dos métodos de coleta de dados, incluindo o rigoroso
SEGURANÇA
treinamento dos entrevistadores e o controle de qualidade durante todo o perí- ALIMENTAR E
odo do trabalho de campo. Ressalta-se que esta investigação é inédita no estado ACESSO AOS
do Rio Grande do Sul, uma vez que ainda não havia sido realizada nenhuma pes- PROGRAMAS DE
quisa de base populacional que contemplasse a caracterização sócio-demográfica, DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE
segurança alimentar, acesso a programas de combate a fome e estado nutricional
À FOME DE
dos responsáveis pelos domicílios de famílias pertencentes a comunidades rema-
COMUNIDADES
nescentes de quilombos. QUILOMBOLAS DO
Algumas limitações também precisam ser consideradas. As diferenças entre os ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL.
métodos para avaliar segurança/insegurança alimentar podem ter prejudicado a
comparação com outros estudos sobre o assunto. Estudos internacionais (Ramsey,
2011; Willows, 2011), não utilizaram a EBIA para avaliar segurança alimentar e
sim outros instrumentos desenvolvidos especificamente para seus países. Existe
também a possibilidade do viés de causalidade reversa: por se tratar de um estu-
do transversal não é possível estabelecer relações de causalidade entre acesso a
programas de combate a fome, segurança alimentar e avaliação nutricional. En-
tretanto este tipo de estudo é possível para verificar associação entre as variáveis
independentes e desfecho.
Nosso estudo mostrou que cerca de metade (47,7%) dos entrevistados residen-
tes em comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul pertencia a
classes sociais de menores níveis socioeconômicos (classes D+E), eram do sexo
feminino (65,1%) e de cor de pele preta e parda (89,2%). Resultados similares
foram verificados no inquérito denominado “Chamada Nutricional Quilombola”
(BRASIL, 2007), que entrevistou famílias de 2941 crianças quilombolas menores
de cinco anos de idade em 22 unidades da federação. Apesar das condições de
vida precárias das famílias quilombolas avaliadas neste estudo, observa-se que as
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome condições de moradia são superiores as encontradas no estudo Chamada Nutri-
cional Quilombola em 2006, onde a cobertura de luz elétrica era de 79,73% e o
esgotamento sanitário de vala ou a céu aberto era de (45,9%). O abastecimento
de água em poço ou nascente foi semelhante nos dois estudos (BRASIL, 2007).
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gramas analisados é indiscutível. Seus impactos sobre pobreza e desigualdade são
visíveis”. (PIRES 2009; MEDEIROS et al 2007; LAVINAS e BARBOSA 2000).
Embora houvesse por parte da academia, no início de sua implantação, uma rea-
ção à exigência de condicionalidades que parecem ferir os direitos humanos (ZIM-
MERMAM 2006; SILVA 2007; DINIZ 2007); frente aos resultados positivos parece-
-nos que hoje o debate em torno do PBF volta-se para o seu aperfeiçoamento e as
estratégias para lidar com o objetivo último do programa: a quebra do círculo in-
tergeracional da pobreza e criação de uma cultura cidadã, que parecem ainda estar
1 Embora a ideia de captar o ponto de vista nativo seja controversa para Favret-Saada (2005),
Geertz (2002) afirma sua validade.
2 Ideia parecida ao “a partir de” de Otávio Velho pode ser encontrada em Feitosa (2010), quando
lança mão do pensamento de Gregory Bateson: “Ou ainda, no dizer de Gregory Bateson (apud STAR; RUHLEDER,
1995, p.4), “o que pode ser estudado é sempre a relação de um infinito regresso de relacionamentos, nunca
uma ‘coisa’”. Em outras palavras, o que se deve estudar não são as coisas “em si”, mas as coisas “entre si”.
Mais importante que as coisas “nelas mesmas”, são suas relações, suas associações.” (FEITOSA, 2010, p.13).
distantes de serem alcançadas. Por isso, vemos crescer os estudos sobre: avaliação3;
o empoderamento feminino e a conseqüente reestruturação do poder e status dos
membros familiares (REGO 2008, SUÁREZ et AL 2006; PIRES 2009); a escola e os
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome entraves para uma escolarização de qualidade (MONNERAT et AL 2007); a precária
rede de assistência à saúde (SILVA 2007); o trabalho infantil, dentre outros.
Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados do projeto de
pesquisa “Do Ponto De Vista Das Crianças: o acesso, a implementação e os efeitos
do Programa Bolsa Família no semiárido nordestino” desenvolvido em breves seis
meses durante o ano de 2011 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob
coordenação da professora Flávia Ferreira Pires, com a equipe de pesquisadores
composta por Patrícia Oliveira Santana dos Santos, Fernando Antonio Dornelas
Belmont Neri, Edilma Nascimento Sousa, Christina Glayds Nogueira Mingarelli, Da-
niela Oliveira Silveira, Christiane Rocha Falcão. Aqui nos deteremos a realizar uma
avaliação do PBF, levando em conta a opinião e a voz das crianças catingueirenses.
No entanto, a pesquisa sobre os efeitos no PBF na região do semiárido está sen-
do realizada desde o ano de 2009 e, por isso, esse artigo beneficia-se de dados
produzidos em outros momentos através de outros recortes de pesquisa que, por
exemplo, privilegiaram a voz das mulheres, normalmente mães, através do uso de
entrevistas como técnica de pesquisa (PIRES, 2009). Embora, para esse artigo res-
tringiremos o foco para alguns efeitos não esperados do PBF observados durante
a pesquisa de campo.
Nesse sentido, o texto aqui apresentado tem como objetivo cental realizar uma
avaliação do PBF na cidade de Catingueira, Paraíba, a partir das crianças. Para
isso, lançaremos mão de alguns dados empíricos considerados relevantes pelos
MÉTODO
Usamos como técnica de pesquisa a observação participante, na medida em que
cada pesquisador ficou “hospedado” na casa de uma família beneficiada, ali re-
alizando suas refeições, as pernoites e, mesmo com as limitações impostas pelo
tempo rápido da pesquisa (5 dias), vivenciando o cotidiano familiar. Além disso,
a equipe realizou “Oficinas de Pesquisa” que funcionaram por dois dias, em dois
turnos e aconteceram em uma das escolas da cidade, em duas salas de aula ade-
quadamente preparadas, durante as férias escolares. As Oficinas de Pesquisa con-
sistiram em 6 grupos focais de aproximadamente 1 hora e 30 minutos, com crian-
ças de 06 a 08 anos (2 grupos), 09 a 10 anos (2 grupos), e 11 a 12 anos (2 grupos),
e desenhos e redações temáticas. Foi solicitado às crianças que desenhassem ou
escrevessem sobre o Programa Bolsa Família e uma vez terminada a atividade, as
crianças apresentaram suas obras para os colegas e os pesquisadores4. As ativida-
des nas “Oficinas de Pesquisa” eram estruturadas da seguinte forma: boas vindas;
solicitação do consentimento das crianças em participar da pesquisa, pedido de
autorização para uso dos desenhos, redações e depoimentos; apresentação de
221
cada participante através de uma brincadeira; rodada de perguntas (grupo focal DO PONTO
propriamente dito); pausa para lanche; produção de desenhos e redações; socia- DE VISTA DAS
lização dos desenhos e redações; e finalmente a despedida com uma brincadeira. CRIANÇAS:
Uma avaliação
As perguntas versavam sobre o entendimento e avaliação do PBF, acesso ou não
do Programa
a bens de consumo e serviços infantis e familiares, empoderamento feminino e
Bolsa Família
infantil, percepções de classe social, trabalho e escola.
4 Recorra a Pires (20011a: 31-62) para uma discussão sobre o uso da técnica do desenho e da
redação, sempre aliado a uma conversação sobre os mesmos com seus autores, de forma que o desenho
sirva como mote para o diálogo entre o pesquisador e as crianças e as crianças entre si. É preciso esclarecer
que as redações das crianças foram editadas e corrigidas a fim de facilitar a compreensão do leitor.
ausente. As negociações entre pesquisadores e nativos foram constantes e objeto
de intensas discussões no grupo de pesquisa; e poderiam ser objeto de um artigo,
tamanha a fecundidade desses debates, no entanto, apresento apenas dois rá-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome pidos episódios. Alguns catingueirenses ficaram receosos com a nossa presença,
associando-nos aos “fiscais de governo” que vinham destituí-los de seu direito ao
benefício. Esse medo nos fala da precariedade histórica da garantia dos direitos
sociais, que são entendidos como se pudessem, ao sabor de qualquer evento, se-
rem revogados. Outro evento diz respeito a ajuda de custo que os pesquisadores
deram às famílias, como forma de recompensá-los pela gentileza em nos receber.
No entanto, o dinheiro foi rapidamente isento de seu teor mercantilista na medi-
da em que foi usado para comprar “gentilezas” para o próprio pesquisador, como
bolo, refrigerante, presentes, etc., num estonteamente exemplo do segundo movi-
mento exigido pela dádiva, segundo Marcel Mauss (1974) .
5 Calculado a partir da Média de Pessoas por Domicílio (Censo IBGE 2010) (3,68), do número de
habitantes e de famílias beneficiadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Concentramos nosso foco na questão do consumo e da escola, na medida em que
são temas relevantes do ponto de vista das crianças quando o assunto em pauta
é o PBF. Se de um lado é o Programa que garante o acesso a bens de consumo, de
outro, é a escola que garante a sua continuidade.
223
DO PONTO
DE VISTA DAS
CRIANÇAS:
Uma avaliação
Imagem 3: Eu indo para lotérica tirar o dinheiro, de Denilson, 9 anos de idade do Programa
Bolsa Família
Embora o dinheiro seja endereçado pelo governo às mães, foi observado que elas
priorizam as crianças no momento das compras, como veremos com maiores deta-
lhes a seguir, mas, também transferem diretamente parte do dinheiro às crianças.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Não é incomum que a criança tenha a senha de acesso ao recurso e esteja habi-
litada pela mãe a retirá-lo, como mostra a Imagem 2, na qual lê-se: “Eu desenhei
eu indo para lotérica tirar o dinheiro”. Quanto aos valores, as mães geralmente
repassam de R$0,25 a R$2,00/R$5,00 para as crianças pequenas e até R$15,00/
R$20,00 para os adolescentes. Isto funciona como incentivo à escolarização e é
uma forma de fazer justiça para com aquela criança que vem se esforçando nos
estudos. As crianças, por sua vez, entendem que esse dinheiro pertence à mãe ou
à família, embora reivindiquem parte dele, como escreve Silvana (12 anos) na sua
redação:
Chama a atenção o fato de que é esse dinheiro que garante a alimentação familiar,
6 Os dados são relativos à pesquisa de campo realizada pela Universidade Federal de Pernambuco
em 2005, com 838 famílias de agricultores familiares de 32 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará e
Sergipe (DUARTE, SAMPAIO & SAMPAIO, 2009).
a compra dos alimentos básicos, chamados de “o grosso”, no caso das famílias
extremamente pobres; enfatizando sua importância para a garantia da segurança
alimentar dos beneficiados. Sem dúvida, Paloma (11 anos) está certa quando es-
creve que: O Programa Bolsa Família serve para aqueles que não têm o que comer.
No grupo focal, Nildo (11 anos), apregoa:
Em se tratando de famílias pobres, ou seja, que contam com outra fonte de ren-
da além do PBF, o dinheiro é empregado de formas variadíssimas. No que diz
respeito à alimentação, enquanto as famílias extremamente pobres compram o
“grosso”, as famílias pobres podem, com o benefício, diversificar sua dieta, com-
prando mais carne, ovos, verduras, legumes, frutas. Na sua redação, Jordânia (9
anos), exemplifica:
Na sua redação, Emanuela (11 anos) discorre sobre esses empregos variados do
benefício:
programas sociais no Brasil, como o Vale-Gás, o Fome-Zero etc. -, o PBF parece ter
sido assimilado a partir da prioridade às crianças, parcialmente explicado pela sua
semelhança com o Programa Bolsa Escola (PBE). Parece-nos então que, do ponto
de vista nativo, o PBF é entendido como uma continuidade do seu antecessor, o
PBE, e nesse sentido, é importante lembrar que o PBE constituía-se em um recurso
destinado exclusivamente às crianças. Além disso, o PBF utiliza-se da condiciona-
lidade escolar como forma de garantia do benefício, o que acaba por enfatizar o
7 Que além de meio de transporte familiar muito valorizado na região, são usadas com meios de
geração de renda, através, por exemplo, do escoamento de produção agrícola, vendas de porta a porta,
dentre outros.
8 Mas que não se engane o leitor com a ilusão de que o benefício é maior que as necessidades das
famílias; as poucas famílias que poupam chamam a atenção pela planificação otimizada das suas despesas.
Aliás, as crianças avaliaram positivamente o PBF, mas sugeriram o aumento dos valores recebidos, como
forma de aperfeiçoamento da política, assunto ao qual nos deteremos em momento oportuno.
9 Geralmente, é na festa do padroeiro da cidade que a criança quebra o “porquinho” para gastar
o dinheiro com diversões e alimentos que só estão disponíveis na cidade neste período, como algodão
doce e o parque de diversões.
papel das crianças e dos adolescentes no recebimento do dinheiro10. É sobre isso
que discorremos agora.
10 Vale a pena pensar também sobre a mudança de status dos membros familiares como um
processo mais abrangente, em que parece pesar uma crescente importância dadas às crianças em detrimento
da prioridade masculina, que era endereçada ao marido/ pai. Isso é observável nas refeições familiares, em
que outrora o marido era o primeiro a ser servido pela esposa, o que parece estar se invertendo nos dias
de hoje, em função da priorização das crianças.
quando na idade adulta; assim replicando a ideia de que lugar de criança é na es-
cola para as próximas gerações, e rompendo, por fim, o círculo vicioso da pobreza
que vem afetando várias gerações de famílias pobres, que pode ser pensada a
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome partir da formulação:
(elaboração da autora)
dades ligadas à saúde são mais entendidas como direito, na medida em que não
resultam em punição (suspensões ou cortes). O controle da freqüência escolar é
bastante rígido e, de fato, leva à suspensão e ao corte do benefício, ao passo que
no município ninguém tem conhecimento de benefícios suspensos em função do
não cumprimento das condicionalidades da saúde. Entretanto, crianças e adultos
conhecem pessoas que tiveram seu benefício suspenso ou cortado em função do
não comparecimento ao colégio ou por erro no envio dos dados municipais esco-
lares (PIRES 2011b).
Na cidade pesquisada, a relação do PBF com a escola é tão evidente que uma
criança (Demerson, 10 anos) chegou a dizer que o dinheiro do PBF passava pela
professora: o governo tira o dinheiro do banco, o banco manda para professora.
Uma menina de 10 anos de idade, Fabiola, quando solicitada que desenhasse so-
bre o PBF desenhou de fato a escola do Bolsa Família, como podemos apreciar:
Imagem 5: Escola do Bolsa Família, de Fabiola, 10 anos
11 Embora não seja o tema do artigo, foram interessantíssimas as conceitualizações das crianças
sobre riqueza e pobreza, os pobres sendo caracterizados como aqueles que não tem onde tomar banho,
têm que implorar por comida ou pegar no lixo, não têm casa (moram na rua) ou família. Os ricos, são os
comerciantes na sua maioria, que podem consumir tudo o que quiserem.
Como foi dito, mesmo não sendo a elas claramente direcionado, as crianças re-
querem parte do benefício da família, em um claro exercício político. Os membros
familiares, notadamente a mãe, reconhecem a legitimidade nesse pleito, uma vez
que estudar é entendido como trabalho pesado, cansativo. Na verdade, parece-nos
14 No contexto estudado, a escola pode ter apenas tomado o lugar do trabalho, na medida em
que a atitude da criança frente a sua responsabilidade com a freqüência escolar é da mesma natureza
da sua responsabilidade com o trabalho propriamente dito. Já que mesmo completamente desapontadas
e desinteressadas pelos estudos, as crianças continuam frequentando o colégio. Tememos que a escola
seja entendida pelas crianças como uma nova forma de trabalho e, o que é pior, trabalho forçado. Mas
essa é mais uma hipótese de pesquisa a qual planejamos nos dedicar (PIRES, 2011b).
15 Ao mesmo tempo, a negociação em torno da ida à escola também revela padrões de dependência
da geração mais velha em relação às gerações mais novas, o que parece ser largamente negligenciado nos
estudos socio-antropológicos que tendem a enfatizar justamente o contrário, mas foi ressaltado por
alguns autores como Fortes (1938) e Schildkrout (1978).
que é justamente por que a escola é entendida como trabalho pelos membros
familiares que, por isso, está sujeito à recompensa. Dessa forma, a elas parecem
ser reconhecidos direitos individuais à riqueza familiar porque entende-se que as
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome crianças são essenciais para a sua produção; reverberando as ideias do economista
norueguês Jens Qvrotrup (2008) quando afirma que o Estado e a sociedade devem
reconhecer que estudar é a forma de participação das crianças na divisão social
do trabalho nas economias nacionais das sociedades contemporâneas e, portanto,
elas têm direito legítimo a gozar da riqueza da nação, por exemplo, exigindo boas
escolas, adaptação das cidades às suas necessidades, que sejam ouvidas sobre
políticas públicas que as afetam diretamente e naquelas que dizem respeito à
sociedade de modo geral, etc. Nesse sentido, esse exercício político das crian-
ças refere-se, no curto prazo, ao atendimento de demandas imediatas, advindas
da possibilidade de aquisição de novos bens de consumo pelas famílias e pelas
crianças mesmas. Entretanto, não temos condições ainda de vislumbrar a quebra
no círculo vicioso da pobreza em função de um reposicionamento do lugar da
escola para as crianças e os adultos. Embora seja verdadeiro que as crianças estão
na escola, o que as estatísticas mostram, isso não garante que elas estejam sendo
educadas ou que conseguirão realmente quebrar o círculo vicioso da pobreza. Na
verdade, tememos pelo estado precário das escolas e da educação públicas.
Muitos são os campos de investigação abertos por essa pesquisa, apontamos al-
guns ao longo deste texto, como a necessidade de aprofundar o debate em torno
da educação como dever e do acesso à saúde como direito; as consequências da
punição das condicionalidades incidir apenas sobre famílias com crianças em ida-
de escolar; a escola como nova forma de trabalho forçado, dentre outros. Ademais,
esperamos ter mostrado com esse texto a importância de incluir as crianças nas
nossas pesquisas, como sujeitos e interlocutores legítimos. O conhecimento que
Introdução e Temas transversais
as crianças têm do PBF é acurado e crítico. Se elas são afetadas pelas políticas
sociais, nada mais coerente que ouvi-las.
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O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O ACESSO
à edUcação escolaR em comUnidades
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
INDÍGENAS KAINGANG E GUARANI NO PARANÁ
A população indígena no Estado está estimada em mais de 25.000 (vinte e cinco mil
pessoas) sendo que destas, cerca de 15.000 (quinze mil, vive em Terras Indígenas e
os demais nas cidades (BRASIL, 2011; ISA, 2008). O Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), no documento Tendências Demográficas: uma análise dos indí-
genas, informa serem 32.000 os indígenas do estado. Tal divergência possivelmente
seja oriunda de categorizações, pois a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) trabalha
com dados dos indígenas residentes nas TIs, enquanto o ISA e o IBGE contabilizam
indígenas autodeclarados, incluindo os que não residem permanentemente nas TIs.
O povo Kaingang pertence ao tronco linguístico Jê2, sendo referido também como
Jê do Sul, e é o mais numeroso povo indígena do Brasil Meridional, incluindo-se
entre as cinco etnias com maior contingente populacional no Brasil na atualidade
e sendo também um dos maiores grupos falantes da língua indígena no Brasil.
1 A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), entidade privada sem fins
lucrativos, executa ações complementares, gozando da condição de Certificado de Entidade Beneficente
de Assistência Social (CEBAS), vencedora de chamamento público, EDITAL Nº 01/2011, proposto pelo Ministério
Público Federal em face de Ministério da Saúde – Secretaria Especial de Saúde Indígena. Disponível em
<http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil-publiva/docs_classificacao_tematica/acao-civil-
publica-pr-df-de-05-de-outubro-de-2011> Acesso: 05 de Dezembro de 2012.
2 Conforme quadro de Ayron Rodrigues fazem parte do grupo Macro-Jê os grupos Xavante,
Kayapó, Timbira, Panará Xakriabá, Xerente, Kaingang, Panará, Karajá, Kariri, Maxacali .
Os Kaigang vivem em áreas demarcadas, as Terras Indígenas (TIs), distribuídas
nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, havendo
ainda aqueles que vivem fora das terras, nas periferias de centros urbanos ou
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome em zonas rurais destes estados. No Paraná há aldeias urbanas sendo criadas por
grupos antes dispersos, que agora, com os direitos adquiridos a partir da Consti-
tuição de 1988, buscam uma reorganização sociocultural e espacial.
Os Guarani Nhandewa pertencem aos grupos Tupi-Guarani, do tronco linguísti-
co Tupi3. Foram praticamente dizimados, devido à expropriação e ocupação das
terras da região do Norte do Paraná por companhias exploradoras de capital pri-
vado. Nesse processo perderam a língua indígena como língua materna. Apenas
alguns poucos velhos são falantes da língua guarani e os professores indígenas
trabalham em sua revitalização via escola. Atualmente, os Guarani que habitam o
Norte do Paraná ocupam duas terras já demarcados, a TI Laranjinha, localizada
no município de Santa Amélia-PR e a TI Pinhalzinho, localizada no município de
Tomazina - PR, lutam para recuperar uma parte (TI Iwy Porã), antiga extensão da
TI Laranjinha da qual foram expulsos nos de 1960 por fazendeiros da região. Os
grupos habitantes das TIs Laranjinha e Pinhalzinho somam aproximadamente 388
(trezentos e oitenta e oito) pessoas, que vivem de pequenas roças familiares, pro-
dução de artesanato e empregos temporários. Do ponto de vista da cultura, vários
grupos familiares lutam pela revitalização das práticas religiosas e linguísticas.
De forma geral, as terras que lhes foram determinadas, além de não ser suficiente
para prover o sustento de todos por meio de roças familiares, tem o solo desgas-
tado, apresentando baixa produtividade. O artesanato, importante fonte de renda
das famílias, encontra-se em condição reduzida, devido ao desflorestamento que
destruiu as matérias-primas (taquara, sementes, penas, cipós, fibras). Os municí-
pios nos quais estão inseridas as TIs oferecem poucas oportunidades de trabalho.
Manoel Ribas possui um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,729, o IDH
Introdução e Temas transversais
3 De acordo com o lingüista Aryon Dall’Igna Rodrigues, os Nhandewa, Kaiowa e Mbya falam
dialetos do idioma guarani, família lingüística Tupi-Guarani, tronco lingüístico Tupi. Neste rol se
incluiriam também os povos chiriguano, guarani-ñandeva (Chaco paraguaio), ache, guarayos e izozeños,
habitantes da Bolívia e Paraguai. Uma variante do guarani é falada pela população (provavelmente 90%)
não indígena do Paraguai, país bilíngüe guarani/espanhol (ALMEIDA & MURA, 2003).
discutir a situação das comunidades indígenas e apresentar dados coletados ao
longo do desenvolvimento do projeto.
MÉTODO
Após seleção e nivelamento da equipe de pesquisa foram realizados levantamen-
tos, estudos teóricos e documentais sobre a questão indígena no Paraná e sobre o
Programa Bolsa Família (PBF). Na sequência foram realizadas visitas às TIs e reuni-
ões comunitárias para explicação dos objetivos da pesquisa e solicitação de Termo
de Anuência dos caciques e lideranças comunitárias.
Foram feitas visitas ao posto da Funai para apresentação do projeto aos técnicos
responsáveis pelas TIs envolvidas e comunicação sobre o pedido de autorização
da pesquisa. Em visitas às unidades de saúde e escolas situadas nas TIs, enfer-
meiros, equipes pedagógicas, professores, agentes indígenas de saúde e demais
servidores que atuam nas instituições foi informado sobre a pesquisa a ser desen-
volvida e solicitado o apoio dos entes governamentais.
Famílias
Faxinal 156 22
Ivaí 308 274 251
Laranjinha 51 61 40
Pinhalzinho 57 29 20
Fonte: Dados coletados no site do MDS (fev. de 2011) e Funasa (fev. de 2011).
O trabalho de campo realizou também um levantamento documental em livros de
matrícula das unidades escolares situadas nas TIs, abrangendo entrevista com a
equipe pedagógica e direção das escolas. A pesquisa de campo extrapolou o âm-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome bito das TIs e estendeu-se aos principais locais de comércio frequentados pelos
indígenas nos municípios do entorno, para um levantamento dos produtos consu-
midos pelas famílias beneficiárias do Programa.
Famílias
Dados coletados no site do MDS (Nov. 2011) e dados da pesquisa de campo (2011).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Mota (2009) assim descreve o processo migratório ocorrido nos séculos XIX e XX,
de mineiros, nordestinos e paulistas para o Estado do Paraná, como uma clara ex-
pansão capitalista com o intuito de explorar as terras férteis do Norte e Oeste
paranaense:
Essa demarcação deu origem às TIs Ivaí e Faxinal, localizadas na região central do
Estado do Paraná, mais precisamente, nos municípios de Manoel Ribas e Cândido
de Abreu, respectivamente. A primeira, com uma área de 7.306 hectares e uma
população estimada de 1.420 (um mil quatrocentos e vinte) pessoas, composta
por 308 (trezentas e oito) famílias (FUNASA, 2010), teve a sua homologação e re-
gularização em 1991; e a TI Faxinal, que possui uma área de 2.043 hectares e um
população estimada de 619 pessoas, divididas em 156 famílias (FUNASA, 2010),
também teve sua homologação e regularização em 1991.
mais (pacas, catetos, tatus, codornas, jaús, nambus, jacus e outros), que eram ca-
çados em armadilhas por eles elaboradas. Com o aldeamento esses processos de
trabalho coletivo repleto de regras sociais, se perderam em grande parte, devido à
restrição da terra e destruição da fauna circundante.
Com relação aos indígenas da TI Laranjinha (cerca de 234 pessoas), que vivem em
uma área restrita de 284 (duzentos e oitenta e quatro) hectares – a cidade mais
próxima é Santa Amélia, um pequeno município de quatro mil habitantes, com
um dos piores IDHs do estado, oferecendo, assim, reduzidas oportunidades de tra-
balho e renda a seus habitantes. Já a TI Pinhalzinho tem uma população de habitan-
tes e 57 famílias, com uma área demarcada de 593 (quinhentos e noventa e três)
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome ha, nas proximidades da cidade de Tomazina – PR, que também tem um baixo IDH.
Desta forma, os indígenas Guarani vivem muitas dificuldades, que geram tensões
constantes, causadas principalmente pela disputa dos poucos empregos existentes
na área e pelo acesso às roças, que não são suficientes para todas as famílias.
Nestas TIs, cerca de 50% das famílias (aquelas cujos membros têm um emprego com
remuneração fixa ou aposentadoria) têm alimentação diária e melhores condições
de vida; mas as famílias que dependem exclusivamente dos recursos oferecidos pela
terra enfrentam uma situação de muita pobreza e privações, pois ainda que consigam
produzir os alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, abóboras), quando recebem
as sementes a tempo de fazer o plantio nas devidas estações, não têm como comprar
os demais produtos que precisam (óleo, café, açúcar, sabão, roupas, calçados, etc.).
É drástica a devastação ambiental produziu grande desgaste do solo e não exis-
tem no entorno dessas terras áreas de matas nativas preservadas, com exceção
de alguns poucos hectares preservados dentro da própria aldeia. Com a floresta
destruída, as espécies da flora utilizadas para artesanato e medicamento desa-
pareceram. Na pequena mata (cerca de dez alqueires) preservada na TI vivem
alguns animais, como tatu, porco-do-mato, capivara e jaguatirica, alguns pássa-
ros, cuja caça é regulamentada e cada vez mais escassa, porém suas carnes são
as fontes de proteína de algumas famílias.
A devastação ambiental do entorno acabou com os animais sagrados com os
quais os antigos rezadores se comunicavam nos sonhos para receber informa-
ções, avisos e ensinamentos. Com a perda da língua, ocorrida gradativamente
desde meados de 1940 (FAUSTINO 2006), os valores sagrados, transmitidos por
Introdução e Temas transversais
meio da palavra foram sendo substituídos por novos valores, veiculados pela lín-
gua portuguesa, pelos meios de comunicação de massa (rádio e televisão), alte-
rando sobremaneira sua forma de ver e entender o mundo.
Estes elementos, somados às dificuldades de subsistência, cada vez mais têm le-
vado, principalmente os jovens, a sofrerem pela falta de perspectivas de futuro,
que para eles se apresenta muito incerto. Conforme demonstra um estudo reali-
zado sobre os jovens indígenas,
O forte desejo de consumo de produtos industrializados,
estimulado pela mídia que chega cada vez mais aos jovens
indígenas por meio de rádios e televisão; disputas internas,
adultérios, brigas por motivos torpes, espancamentos,
agressões e outras manifestações de violências crônicas
geradas pela falta de perspectivas, pelo alcoolismo, grassam
as aldeias em seu cotidiano, tornando as pessoas, os jovens
particularmente, vulneráveis às alternativas “fáceis” e ilícitas
para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos
que, por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso
a informações, aceitarem condições de trabalho desumanas
beirando à escravidão (CIMI, 2007, p. 25).
As dificuldades de sobrevivência enfrentadas pelos grupos, além de ter-lhes cau-
sado, em muitas situações, a perda da língua, têm promovido o rompimento dos
laços familiares e grupais, afetando as formas nativas de transmissão dos conhe-
cimentos da cultura. Neste sentido, considera-se de suma importância o apoio
institucional do governo e das universidades para o fortalecimento das lutas indí-
genas. Assim, consideramos fundamentais, entre as políticas públicas, as políticas
de transferência de renda, como o PBF, objeto da análise subsequente.
4 O Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), baseado nas ideias de John Maynard Keynes
(1883-1946), constituiu-se de uma série de medidas tomadas para a revitalização do capitalismo. Para
isto foi necessário um forte investimento estatal na economia, incentivando as indústrias de base e de
transformação, o desenvolvimento de políticas públicas, a permissão da sindicalização, o atendimento
às reivindicações trabalhistas por meio da elaboração de legislações protetoras do trabalho livre.
Acreditavam os pensadores defensores dessa intervenção que com o incentivo ao consumo se estimula a
produção. (Faustino, 2006; Netto e Braz, 2007).
bres do mundo. Esta conclusão também está presente em alguns documentos da
política educacional dos anos de 1990, voltada à educação intercultural e às estra-
tégias do Banco Mundial, da Organização das Nações Unidas, da Organização das
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco) e outros, para justificar
a necessidade de intervenção e investimentos (decorrentes de empréstimos) que
visam atacar e aliviar a pobreza extrema no contexto atual. Nesse momento foram
estimulados projetos de desenvolvimento destinados aos grupos vulneráveis e
inclusão desses grupos nas demais políticas públicas.
Conforme Silva (2007), a origem do Bolsa Família ocorreu antes de 2004, ano de
sua oficialização. No estudo desta política pode-se destacar, em 1991, o início dos
debates sobre as dificuldades das famílias que vivem em extrema pobreza para
manter as crianças nas escolas, buscando, por meio de uma política compensató-
ria (remuneração direta), uma política estruturante (manutenção da escolaridade
infantil) diretamente ligada à educação. De acordo com SILVA (2007, p. 1.434),
247
O PROGRAMA BOLSA
As famílias extremamente pobres, com renda per capita
FAMÍLIA E O ACESSO À
mensal de até R$ 60,00, independentemente de sua EDUCAÇÃO ESCOLAR
composição, e as famílias consideradas pobres, com renda EM COMUNIDADES
per capita mensal de entre R$ 50,01 e R$ 120,00, desde que INDÍGENAS KAINGANG
possuam gestantes, ou nutrizes, ou crianças e adolescentes E GUARANI NO
entre zero a quinze anos. O primeiro grupo de famílias recebe PARANÁ
Originando-se nestas iniciativas, a Lei 10.836, de 2004, instituiiu o PBF como uma
ação unificada de distribuição de renda. Sobre este assunto, Kerstnetzky (2009,
p.73) evidencia que o complemento de renda representado pelos benefícios é
essencial para o alívio das várias privações, das quais a mais crítica é a subnutri-
ção infantil, sobretudo porque pode atingir as capacidades intelectuais da criança,
apresentando-se, ao longo do ciclo da vida, como baixo desempenho escolar e
baixa capacidade para o exercício de muitas outras potencialidades humanas.
Com uma maior cobertura e maiores investimentos, o programa Bolsa Família tor-
nou-se o “carro chefe” da política de proteção social do Governo Lula, incluindo a
população mais pobre e vulnerável ao sistema de proteção e ao mercado de consu-
mo popular e acirrando o debate público (principalmente pela imprensa e partidos
conservadores) sobre o caráter assistencialista e eleitoreiro dessa política; mas o
enfoque no combate à pobreza e inclusão dos mais pobres em uma política de pro-
teção social, de certo modo, de acordo com Vaintsman et al. (2009), deixou em se-
gundo plano as disputas ideológicas envolvendo “focalização versus universalismo”
dando espaço para a ampliação e sucesso do programa governamental. É necessário
acrescentar, de acordo com os pesquisadores, que a atuação de órgãos multilaterais,
principalmente a do Banco Mundial, teve influência tanto no financiamento como
na difusão de experiências em eventos internacionais sobre as políticas adotadas.
Sobre o impacto dessa nova política de assistência social, um de seus efeitos foi:
5 O levantamento foi realizado nos periódicos indexados à base de dados do Portal WebQualis,
disponível no endereço virtual <http://qualis.capes.gov.br/webqualis/consulta/periodicos>. Os dados
retornados foram organizados e sistematizados um banco de dados que compõe o atual acervo do LAEE.
No Paraná, coforme a situação apresentada nesse texto, as populações indígenas
vivenciam inúmeras dificuldades. Entre os Kaingang, um dos problemas são as
grandes distâncas percorridas pelas famílias em busca da matéria prima e, poste-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome riormente na viagem aos municípios maiores, para sua comercialização acarretan-
do longos períodos de ausência que levava a muitas faltas na escola. Não obstante,
a pesquisa evidenciou que, embora a situação permaneça – pois, como o artesana-
to é uma das principais fontes de renda das famílias e a matéria-prima (Bambusa
vulgaris) está cada vez mais difícil de ser encontrada no entorno, as famílas se
ausentam da TI em busca do produto – porém, a condicionalidade do Programa
tem proporcionado maior conscientização das mães e busca de novas estratégias
para conciliar o trabalho no artesanato e a permanência das crianças na escola
indígena. Outras questões que interferem na codicionalidade da permanência das
crianças na escola indígena são as saídas da família em busca de alguma atividade
remunerada nas cidades, os conflitos internos das facções, as expulsões, a falta de
terra para as roças familiares e de insumos (sementes, ferramentas) e insentivos
para que todos possam trabalhar na própria TI, a desestruturação familiar e o alco-
olismo. Estes são alguns dos problemas identificados que podem interferir direta-
mente nas condicionalidades para participação das famílias indígenas na política
de transferência de renda proposta pelo Programa Bolsa Família no Paraná.
Apresentando dados de 2008, Carvalho et al. (2008, p. 62) apontam que o total
de famílias indígenas cadastradas no CadÚnico e no Bolsa Família no Brasil é de
62.178, as famílias que são efetivamente beneficiárias são em número de 53.513
e o valor em reais que é repassado a estas famílias é R$ 4.678.163,00. Sobre o
estado do Paraná os autores mostram que existiam, até aquele momento, 2.479
famílias indígenas cadastradas, das quais 1.875 eram beneficiárias do Programa,
sendo o valor em reais repassado de R$ 162.218,00.
O gráfico abaixo revela que, nas quatro TIs pesquisadas, a grande maioria dos be-
neficiários recebe o recurso regularmente. Isto pode estar relacionado ao fato de
o Programa garantir uma renda mínima e assim ter possibilitado uma nova organi-
zação das atividades de trabalho no artesanato. Na TI Ivaí identificou-se que mes-
mo antes do Bolsa Família existia uma organização de mães Kaingang do mesmo
grupo familiar em um sistema semelhante ao mutirão, para a produção do arte-
sanato (FAUSTINO 2006), porém, atualmente, algumas mulheres têm se reunido
em grupos de quinze ou vinte, sendo que umas ficam responsáveis pela busca
da matéria-prima, outras pela confecção e outras pela venda do artesanato, o que
acarreta menos tempo de ausência à escola dos filhos, os quais as acompanham.
Se este sistema pode parecer muito simples para os não índios, é muito complexo
em um grupo de mulheres Kaingang do Ivaí e demandou muito emprenho pois
exige profundas mudanças na organização sociocultural nativa no que se refere à
forma de trabalho, divisão e apropriação de seus resultados.
Tem sido cumprida a condicionalidade de frequência escolar, uma vez que o regis-
tro da presença nas escolas é feito diariamente pelos professores e acompanhado
pela equipe pedagógica, pela direção escolar, pelos caciques das Tis, pelos téc-
nicos da FUNAI, pelos Núcleos Regionais de Educação e Secretaria de Estado da
Educação.
251
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).
Fonte: Banco de dados sistematizado a partir dos dados coletados na pesquisa de campo (2011).
Com a redução dos territórios de manejo, houve mudanças nas tradições, no tra-
balho e na forma das moradias. Atualmente as casas indígenas são feitas de al-
venaria, financiadas por programas governamentais. Devido à falta de madeiras
e sapé, raramente se vê uma casa tradicional nas Terras Indígenas no Paraná. Há
também uma proibição da FUNASA em relação às construções de madeira com o 253
argumento de que favorecem a maior proliferação de parasitos e doenças respira-
O PROGRAMA BOLSA
tórias. Além de a lenha ser escassa, nas casas de alvenaria não se pode mais fazer FAMÍLIA E O ACESSO À
o fogo no interior, e assim os Kaingang vão perdendo sua forma tradicional de EDUCAÇÃO ESCOLAR
aquecimento e passam a necessitar de gás, agasalhos e cobertores. EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
Com a criação de animais domésticos (porcos, galinhas, cavalos) na Terra Indígena, E GUARANI NO
sem o manejo adequado, houve a proliferação de parasitoses, o que gerou a ne- PARANÁ
cessidade de usarem calçados e fármacos que nem sempre estão disponíveis nas
unidades de saúde (MOTA, et al, 2003)
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
255
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
1989 16 80
Introdução e Temas transversais
1998 11 88
Fonte: Dados coletados na Escola da TI Secretaria Municipal de Manoel Ribas PR e dados da Funasa (2010) e ISA (2008).
Fonte: Dados coletados na Secretaria Municipal de Manoel Ribas-PR e dados da Funasa (2010).
257
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
CONCLUSÃO EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
Procurou-se neste trabalho evidenciar que, em períodos anteriores à expropriação INDÍGENAS KAINGANG
das TIs, os Kaingang e Guarani, assim como as demais etnias existentes no Brasil, E GUARANI NO
PARANÁ
tinham nas suas organizações socioculturais a garantia da sobrevivência com abun-
dância de alimentos e saúde, sem dependência. Tais organizações se alteraram dras-
ticamente com a colonização exploratória e a venda de suas terras, pela destruição
do meio ambiente, poluição dos rios e do solo e redução dos territórios tradicionais,
passando os indígenas a viver, em grande parte, na dependência do Poder Público.
As atuais políticas públicas, como o PBF, embora não os tenham tirado da depen-
dência, têm possibilitado o acesso aos gêneros de primeiras necessidades, como
alimentos, e uma maior permanência e aprendizagem das crianças na escola, pois
77,27% delas, como se evidenciou na TI Faxinal, e 63,89, como se observou na
TI Ivaí, cumprem a condicionalidade da frequência escolar e por isso continuam a
receber o benefício. Esses dados demonstram diminuição da ausência escolar de
crianças que acompanhavam os pais na coleta de matérias-primas, na confecção e
venda de artesanato por longos períodos no ano.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Pôde-se também evidenciar algumas relações contidas no próprio interesse do
comércio das cidades do entorno em valorizar mais a presença indígena na cida-
de, uma vez que esta representa incremento nas vendas. Em pesquisas anterio-
res (FAUSTINO, 2006) ficou demonstrado que os indígenas perambulavam pelas
cidades vendendo ou trocando seu artesanato por alimentos, com pouquíssimas
possibilidades de adquirir roupas e calçados, tendo os grupos de viver de doa-
ções e auxílios particulares raros devido o baixo IDH dos municípios do entorno.
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261
O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA E O ACESSO À
EDUCAÇÃO ESCOLAR
EM COMUNIDADES
INDÍGENAS KAINGANG
E GUARANI NO
PARANÁ
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Embora o PBF não seja direcionado para a integração das mulheres ao mercado de
trabalho, essa análise é possível na medida em que, suas ações têm a mulher como
principal beneficiária.
O estudo compara essas categorias analíticas em uma das capitais daquela que é
a maior região brasileira em termos territoriais e, ao mesmo tempo, a mais escassa
quanto aos índices populacionais. Em uma relação inversa a extensão territorial, o
último Censo Demográfico (2010) aponta a região Norte como a segunda menos
povoada (15.864.454), à frente apenas da Região Centro-oeste (14.058.094).
Acrescento a esses dois aspectos um terceiro: embora o PBF não seja um programa
direcionado às mulheres, ele acaba por assumir esse papel. Segundo Lima e Silva
(2010) no ano de 2009, a quase totalidade das famílias atendidas (92,0%) dos
responsáveis legais pelo programa eram mulheres, portanto, não se pode analisar
o programa sem perceber a peculiaridade de gênero e a importância que a mulher
assume na família. A opção por priorizar as mulheres como beneficiarias do PBF
encontra respaldo em estudos que afirmam que elas tendem a investir o benefi-
cio na família e nos filhos, enquanto os homens tendem a destinar parte desses
recursos para si próprios (FIALHO, 2007; MARIANO & CARLOTO, 2009, 2011). Tais
análises reafirmam a maternidade como sendo um dos pilares da identidade femi-
nina, enaltecendo a capacidade de “altruísmo” das mães. Impressiona o fato dessa
relação entre essa visão maternal e as políticas públicas de combate à pobreza
terem gerado pouco debate em âmbito acadêmico, visto que, as mulheres cada
vez mais estão sendo orientadas para o mercado de trabalho.
Não é novidade afirmar que mesmo diante da nova conjuntura no mundo do tra-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
balho, as mulheres continuam ganhando menos que os homens, e, por sua vez, as
mulheres negras recebem menos que as pardas e estas menos que as brancas, re-
velando a interseccionalidade entre as categorias gênero, raça e classe. O relatório
Igualdade no trabalho: enfrentando os Desafios lançado pela Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT, 2007) apresenta os principais aspectos da discriminação
no mercado de trabalho em contexto brasileiro nos últimos dez anos e pondera:
Ainda segundo a OIT (2007) desde 1995, ocorre o aumento da ocupação feminina
em 2,1% ao ano em comparação à masculina. Contudo, o aparente progresso ocul-
ta uma situação de discriminação, pois as mulheres permanecem voltadas para
as atividades consideradas de âmbito feminino, tais como, os serviços sociais e o
trabalho doméstico.
Assim é o lócus deste estudo, a Vila da Barca, uma das maiores áreas palafíticas
da Região Metropolitana de Belém, as proximidades do centro da cidade. Trata-se
de um bairro periférico, localizado em uma área nobre, com uma área territorial de
2.317 km², segundo dados da prefeitura (PMB, 2003).
Em 2003, a Vila da Barca possuía mais de 4 mil pessoas residindo em sua maioria
em área de estivas1. O levantamento sócio econômico realizado pela PMB, por
meio da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), no período de julho a agosto
de 2003, verificou que a maioria da população que aí reside possui baixo poder
aquisitivo em decorrência de uma série de fatores como: a baixa escolaridade e,
1 Denominação utilizada para caracterizar as principais vias de circulação dos moradores das
áreas de baixadas, onde o acesso é efetivado por meio de pontes (estivas) construídas em madeira sobre as
áreas alagadas.
por conseguinte, a precariedade no acesso ao mercado de trabalho formal. A prin-
cipal fonte de renda dos moradores da área está quase que em sua maioria vincu-
lada ao setor informal de trabalho. Grande parte dos moradores está desemprega-
da; outros vivem de trabalhos esporádicos, o que intensifica a vulnerabilidade da
maioria das famílias.
Outros estudos apontam que 80% dos responsáveis legais pelo PBF não possuem
ensino fundamental completo, sendo que as regiões Sul e Sudeste possuem o
menor número de analfabetos, enquanto as regiões Norte e Nordeste apresentam
os piores índices de escolarização (CONSTANZI & FAGUNDES, 2010).
Neste estudo, o percentual de mulheres beneficiárias pelo programa que não con-
cluíram o ensino fundamental é bastante significativo ao representar mais da me-
tade das mulheres pesquisadas nessa situação. Uma visão geral do quadro sugere
que as mulheres que recebem o benefício são aquelas que tiveram menos acesso
e oportunidades de estudo, pois quase dois terços dessas mulheres (71,4%) pos-
suem no máximo o ensino fundamental.
A raça/etnia foi outro elemento presente nos questionários. Optou-se pela auto-
-classificação e as respostas foram: predominantemente a raça/etnia parda, com
vinte e três entre as beneficiárias e dezenove entre as não beneficiárias, em se-
guida vem a branca: três entre as beneficiárias e uma entre as que não recebem o
benefício. Entre as que responderam negra duas estão as beneficiárias do PBF e,
igualmente, duas entre as não beneficiárias. Destaque-se que, a categoria “parda”
apresenta outras subcategorias, como por exemplo, a morena, a morena clara e a
cor de jambo.
Outro elemento considerado revelador do modo de vida dessas mulheres diz res-
peito aos filhos. Os dados mostram que doze mulheres tem entre 2 a 3 filhos entre
as que recebem o PBF, e entre as que não recebem, esse número sofre um acrés-
cimo alcançando quatorze mulheres. Entre as beneficiárias o número de mulheres
que tem acima de 4 filhos chega a treze, no grupo das não beneficiárias esse dado
está bem abaixo com quatro mulheres. E, entre as mulheres que possuem somente
um filho, entre as beneficiárias representa apenas uma mulher e as não benefici-
árias somam duas mulheres. A média de filhos por mulher está em 3,1 filho para
cada mulher pesquisada na Vila da Barca.
Contudo, afirmar que essas mulheres não trabalham em função do benefício que
recebem constitui uma análise superficial do fenômeno. Igualmente, não se con-
corda com a análise empreendida por Sorj e Fontes em estudo comparativo nas
Regiões Nordeste e Sudeste sobre a articulação entre trabalho e família, as autoras
consideram que:
Embora nosso estudo seja na Região Norte é possível traçar alguns paralelos entre
a pesquisa supracitada, tendo em vista que, a Região Norte e Nordeste apresentam
os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, aproximando-se em
relação a alguns aspectos sociais e econômicos. Nota-se que, ambas as regiões há
falta de políticas públicas direcionadas para essas mulheres no que compete ao
Introdução e Temas transversais
Há que se considerar também, a ausência de creches para atender aos filhos des-
sas mulheres, pois na condição de mães, a creche e pré-escola constituem condi-
ção si ne qua non para que essas mulheres possam trabalhar e ter onde deixar sua
prole em segurança. Contudo, dados do MEC (2010) apontam que somente 5,4%
das crianças de zero a três anos estão matriculadas em creche públicas no municí-
pio de Belém, que contabilizam 56 creches.
Como o mercado formal exige tempo e dedicação maior, não somente para en-
trada, mas, sobretudo, para permanência neste setor, é pouco provável que as
mulheres nessas condições tenham dificultado seu acesso ao mercado formal.
Comumente, essas mulheres estão situadas em atividades exercidas em âmbito
doméstico (lavadeira, cozinheira, vendedora de gêneros alimentícios, pequenos
comerciantes, etc..).
O serviço doméstico foi igualmente citado tanto pelas quatro beneficiárias quanto
pelas quatro não beneficiárias, considerado a porta de entrada no mercado de tra-
balho urbano para mulheres migrantes de pouca ou nenhuma escolaridade. Para a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2005), o trabalho doméstico
em 2005 abrangia cerca de 6,7 milhões de pessoas, entre as quais, 93,2% eram
mulheres, representando cerca de 16,9% do total do emprego feminino.
De acordo com Sanches 2009, o trabalho doméstico constitui uma das ocupações
mais marcadas pela precariedade dos vínculos e pelo não cumprimento da legis-
lação do trabalho:
O fato de o trabalho doméstico acontecer em âmbito privado e por ser uma prática
naturalizada, isto é, aceita cultural e socialmente, dificulta a percepção da mesma
como um problema social.
Não raro, nas camadas sociais menos favorecidas o ingresso das mulheres no mer-
cado de trabalho ocorre desde a infância. Nessa fase inicial da vida, o trabalho
consiste em uma “ajuda” ao grupo doméstico caracterizando uma situação de
trabalho infantil. Os dados ratificam a situação de trabalho infanto-juvenil onde
quase a metade das mulheres, isto é, 46,4% das mulheres beneficiárias do PBF
iniciaram suas atividades laborais antes dos 18 anos de idade, enquanto que para
as mulheres não beneficiárias esse percentual se eleva para 72,7%, sendo que
dessas, 13,6% afirmaram ter começado a trabalhar antes dos 10 anos de idade. O
exercício de uma ocupação em idade escolar compromete a escolaridade dessas
mulheres e colocam em risco toda a trajetória desses sujeitos que tendem a re-
produzir o modelo de exclusão vivenciado por suas famílias, com o agravante aos
aspectos de gênero, raça/etnia e classe.
CONCLUSÃO
Sob a ótica de gênero, considera-se que o Programa Bolsa Família possui caráter
paradoxal. Se um lado confere certa autonomia às mulheres beneficiárias na me-
dida em que elas passam a assumir o poder de compra e consumo; por outro lado,
o programa navega no sentido contrário da politização da naturalização do vínculo
existente entre o sexo feminino e as atividades de âmbito doméstico.
Para que o Programa Bolsa Família alcance seus propósitos, isto é, minimizar os
efeitos e romper o círculo vicioso da pobreza seria importante que paralelo a essas
ações houvesse uma política de formação e qualificação direcionadas às mulhe-
res para inserção ao mercado de trabalho e, não somente, de transferência de
renda como é corrente nos programas governamentais. Contudo, o estilo de vida
urbano-ribeirinho precisa ser reconhecido e respeitado como um modo de vida
peculiar que busca a harmonia entre ambos os espaços. Acredita-se que as políti-
cas devem ser pensadas para e a partir dessas mulheres, contemplando suas reais
necessidades, daí a importância de estudos que venham compreender o modo de
vida dessas comunidades. O estudo ora apresentado revela que as mulheres têm
os pequenos comércios como principal atividade, pois permite ao mesmo tempo,
a conciliação entre as atividades de reprodução e de produção. Nesse sentido,
cursos como: empreendedorismo, manipulação de alimentos e técnicas de venda
pode auxiliar para que elas aprimorem suas atividades laborais, contribuindo para 275
que as mesmas se projetem enquanto mulheres produtivas. MULHER E
Reitera-se a importância do Programa Bolsa Família para a maior autonomia das TRABALHO NO
PROGRAMA
mulheres no que diz respeito a aquisição e administração do benefício. Contudo,
BOLSA FAMÍLIA
a maneira como o programa está implementado no município de Belém confere à
mulher o estatuto de esposa e mãe, reforçando as funções maternais e de cuidado;
em oposição à mulher trabalhadora. Assim, o PBF reproduz o dualismo clássico que
associa o espaço doméstico e privado à figura feminina, privando-a da conquista
de sua cidadania, pensada enquanto ser de direitos e deveres.
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