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Revisão
Alfredo de Oliveira Jr.
Capa
Red Fox Studio
Imagem de Capa
Brody Etue
https://www.flickr.com/photos/ae2/5946127763/
Diagramação
Vicente Tavares
Flor do Campo
Lorraine era uma garota simples que morava com sua mãe, seus dois irmãos mais velhos
e seu pai, um homem pequeno que com muito custo mantinha o sustento da família com
uma mirrada plantação de trigo. Lorraine era a mais nova da casa e no seu aniversario de
quinze anos se casaria com um próspero comerciante viúvo que havia oferecido um
generoso dote pela mão da moça.
A oferta não era de surpreender já que Lorraine era o que podia se chamar de beleza
exótica. Não era exatamente bonita, mas havia algo que, definitivamente, chamava a
atenção. Os cabelos longos e loiros ela mantinha sempre presos e delicadamente enfeitados
com uma flor do campo, os olhos azuis, apesar de levemente esbugalhados e um tanto
opacos, combinavam perfeitamente com seu sorriso de dentes brancos que sempre trazia
estampado em seu rosto.
Sua morte havia sido numa manhã tranquila quando voltava do poço com a água para
iniciar a lida com a mãe nos afazeres domésticos enquanto o pai e os irmãos se preparavam
para ir para a roça. Lorraine sentiu apenas uma dor lancinante quando sua garganta foi
dilacerada por dentes fortes. Teve ainda forças para gritar de susto e de dor e sentiu o
sangue quente verter abundante do ferimento. Seu pai saiu correndo na direção do grito e
ficou horrorizado ao ver sua esposa Loren com um naco de carne ensanguentada na boca,
mastigando o pedaço que arrancara da garganta da própria filha que, a essa altura, se esvaía
em sangue no chão.
Num ato impensado, nascido do desespero, o pai empunhou o garfo de revirar feno que
trazia na mão e cravou-lhe no peito de sua esposa ou do monstro que ela havia se tornado.
Em prantos ele gritava e a empurrava até fincá-la no fundo de uma árvore próxima. Para
seu espanto, mesmo com o peito trespassado pelo longo garfo Loren continuava a esticar
os braços gemendo e grunhindo tentando alcançá-lo. Não podia dizer que estivesse viva,
mas definitivamente não estava morta.
O pai, sem compreender o que estava acontecendo voltou-se para a filha caída no chão,
mas então já era tarde demais, não havia nada que pudesse ser feito, pois a garota já estava
morta. Lembrando-se de seus dois filhos mais velhos o pai entrou correndo na casa
temendo que algo horrível tivesse acontecido.
Ao entrar ele viu uma figura estranha, era semelhante a um homem, mas a pele
ressequida estava grudada aos ossos dando-lhe uma aparência cadavérica.
– Quem é você? O que está fazendo na minha casa? – perguntou o pequeno fazendeiro.
Aquele estranho aproximou-se daquele banquete fúnebre com a calma que trezentos
anos de existência havia lhe ensinado a ter. Sabia que em breve o reino seria lançado à
escuridão. Havia planejado isso. Sabia que seria odiado, perseguido e caçado por todos. Já
havia passado por isso antes. Precisava garantir que ninguém seria capaz de matá-lo ou de
aprisionar seu espírito novamente. Tocou levemente no ombro da garota que devorava
com apetite o que provavelmente era o rim de seu pai.
De pé diante daquela figura cadavérica Lorraine não tinha qualquer consciência do que
fazia, sua mente vazia tentou identificar o que seus olhos azuis e opacos viam. Era vivo?
Poderia comê-lo? Sendo negativa a resposta para ambas as perguntas, perdeu qualquer
interesse por aquele estranho e seu cajado.
Aquele estranho, como o mais poderoso necromante que houve em Kallian, sabia que
Lorraine era a primeira vítima de sua inevitável praga de mortos vivos, a primeira que
voltou dos mortos transformada. Dessa forma a sua alma pertencia ao necromante.
Com um poderoso feitiço o necromante tomou-lhe a alma e a fundiu com o cajado que
ele carregava. Não havia nos doze reinos profanação maior que aquela. Privar a alma de
seguir para o mundo dos mortos era uma abominação, mas ao fundir a alma ao objeto
tornava aquele que é submetido ao ritual numa criatura que não pode ser ferida enquanto o
objeto com sua alma estiver intacto. Se estivesse viva no momento do ritual Lorraine seria
agora o que os Pesquisadores de Torkstone chamam de Lich.
Mas ao invés disso ela era apenas um zumbi sem vontade própria, indestrutível, mas
condenada a vagar sem objetivo, sem nunca se afastar da pequena fazenda onde vivera,
tendo por companhia apenas os restos carcomidos de seu pai e sua mãe tornada morta-viva
pela magia do necromante, presa numa árvore.