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Abreu, Aurélio Medeiros Guimarães de. Introdução ao estudo das culturas indígenas do
Brasil; prefácio de Orlando & Cláudio Villas Boas. São Paulo, Nosso Brasil, 1977.
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ÍNDICE

Primeira Parte
FATOS CONHECIDOS E PROBLEMAS EM ABERTO

Cap. l Resenha Cultural do Continente......................21


Cap. 2 Pré-História dos Povos do Brasil....................27
Cap. 3 Prelúdio a Pedro Álvares Cabral.....................33
Cap. 4 Panorama da Alimentação Indígena....................37
Cap. 5 Vida Material......................................43
Cap. 6 Armas Envenenadas...................................51
Cap. 7 Adornos Corporais...................................57
Cap. 8 Guerreiros e Caçadores de Cabeças...................63
Cap. 9 Os Amuletos das Amazonas............................69
Cap. 10 Vida Espiritual e Religiões...........................75
Cap. 11 Matrimônio e Couvade..................................81
Cap. 12 Peabiru — A Grande Via Indígena.......................85
Cap. 13 Escrita Entre os Aborígenes...........................89

Segunda Parte

CULTURAS ENIGMÁTICAS DO BRASIL

Cap. 14 A Ilha de Marajó e Suas Fases Arqueológicas...........97


Cap. 15 O Jazimento de Miracanguera..........................101
Cap. 16 Maracá...............................................107
Cap. 17 Santarém.............................................111
Cap. 18 Cunani...............................................113

Terceira Parte O LEGADO LENDÁRIO

Cap. 19 Manoa................................................119
Cap. 20 O Grão Paititi.......................................125
BIBLIOGRAFIA.................................................129
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Prefácio
Foi com satisfação que acedemos ao convite do amigo e talentoso arqueólogo, Aurélio
Medeiros Guimarães de Abreu, para apresentar ao público este seu novo e interessante
trabalho, sobre as altas culturas indígenas que num longínquo passado floresceram no Brasil,
como também, algumas minuciosas referências aos aspectos mais importantes da cultura
material e espiritual das nossas populações índias atuais:
Primeiramente, cumpre-nos dizer que, por carência de uma formação científica, não nos
julgamos as pessoas melhor indicadas para jazer este preâmbulo. Contudo, parece-nos que esta
circunstância não nos impede totalmente de manifestar a nossa apreciação sobre este livro, tão
atraente, e cheio de ensinamentos e curiosas revelações, a respeito de uma matéria empolgante
e de interesse geral: o enigma das civilizações passadas, ou então o “mundo”dos ditos
primitivos, tão autêntico e diferente do nosso.
Em verdade, nada há mais fascinante dentro dos dilatados âmbitos da Antropologia, do
que a busca e o encontro de vestígios de verdadeiras e antiqüíssimas civilizações
misteriosamente desaparecidas, como também a possibilidade das atuais populações indígenas
do nosso Continente serem os remanescentes daquelas grandes nações do passado. Nada
impossível.
Ao se verificar a disparidade entre a complexidade e requinte da maioria das
organizações tribais do presente, com a sua relativa pobreza artesanal, (p. 8) ocorre a qualquer
um que tome consciência do fato a idéia, a hipótese de, por razões desconhecidas, ter havido
num passado distante, uma brusca e verdadeira diáspora dos povos detentores de altas culturas,
hoje reduzidas a ruínas e “cacos” soterrados.
p. 8 Só o tempo, e mais recursos para os pesquisadores, como comenta o autor deste
trabalho, “poderão dar respostas às indagações suscitadas por tais evidências”.
Se, no Velho Mundo, os arqueólogos e historiadores podem descobrir as causas
principais que levaram ao fim, ou a uma descaracterização total, as grandes civilizações da
antiguidade: a egípcia; a mesopotâmica; a egéia; a helênica; a etrusca; a romana e outras –
baseadas na decifração e tradução dos seus registros milenares – o mesmo não é possível no
Mundo Novo, para aclarar o nebuloso passado dos seus povoadores.
Com exceção dos Incas e Astecas e de outros povos menores, cujas tragédias já
constituem um extenso capítulo da História Universal – tudo mais que se refere às grandes
culturas que antecederam àquelas nações, ou civilizações sacrificadas – tem que ser
laboriosamente deduzido, intuído pelos arqueólogos. Os dados dos quais se valem, para os seus
estudos e conclusões, resumem-se apenas, em ruínas, restos de criações artísticas, e na nudez de
gigantescos monumentos espalhados na vastidão do Continente.
Essa ruinaria toda, desgastada pelo tempo e sem nenhuma significação para os leigos,
revela à luz da ciência e da perseverança do pesquisador, um mundo perdido, tragado por
fatalidade dialética do enigmático processo da evolução humana.
p. 9 Aurélio, numa linguagem fluente, vivificada pelo entusiasmo e pela curiosidade incontida
das verdadeiras vocações (sem fugir ao rigor das proposições e conclusões científicas), vem,
com os seus livros, oferecendo aos amigos do saber em geral, um acesso fácil a uma das mais
curiosas áreas das Ciências Humanas no Brasil, que é a decifração do mistério que envolve o
vestuto passado do Homem neste nosso País.
“Culturas Indígenas do Brasil”, é uma obra que estava faltando na estante, não só dos
seus colegas, mas também na de todos aqueles que desejam conhecer o Brasil pré-cabralino de
uma maneira integral – tanto o que está à vista, quanto o que oculto: as “Manoa”; “Os El-
Dorado”; os “Grão Paititi”; as “Peabiru”.
E tudo isto como uma realidade, e não simplesmente como algo imaginário ou fantástico,
pois o autor se baseia em pesquisas e documentos raros e de difícil acesso.
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Nesta altura queremos fazer um pequeno parêntese: (lembramos que a tônica de várias
das principais lendas dos índios do Brasil Central, é a referência implícita, e explícita às vezes,
de uma gente do grande passado, representadas ou simbolizadas por deuses os heróis, que eram
capazes das mais incríveis proezas).
Provas mais ponderáveis da existência passada de altas culturas no Brasil, são famosos
os sítios arqueológicos de Marajó, Santarém e Miracanguera.
Não é avançar demais dizer que, os detentores de qualquer uma dessas culturas, possam
ter edificado num (p. 10) recanto ainda não palmilhado da Amazônia, algo muito mais do que
uma simples aldeia. Talvez uma “Manoa”, “Grão Paititi” ou a sede do “El-Dorado”.
p. 10 Tudo é possível. O Brasil é muito grande, e ainda detêm, apesar da depredação e
devassamento por que atualmente está passando, extensíssimas áreas cobertas de densas
florestas ainda não penetradas.
Chegando ao fim da pálida apresentação do belo e curioso trabalho de Aurélio M.
G. de Abreu, que muito nos esclareceu e inspirou, queremos fazer uma pergunta, aparentemente
ingênua, mas, em verdade, oportuna:
Por que, apenas no Peru, Colômbia e Bolívia, se localizaram os núcleos das grandes
culturas pré-cabralinas, como a de Chavin de Huantar, San Agustini; Chibchas; Quimbaias;
Colimas; Tiahuanaco; Chimu e Inca?
Estranho privilégio!
Concluindo, deixamos aqui nossos parabéns ao autor, por ter com este seu novo
trabalho, enriquecido a Arqueologia Brasileira.

Orlando Villas Boas


Cláudio Villas Boas
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Introdução

No ano de 1500, no dia da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, o desfraldar
da bandeira real de Portugal era, ao mesmo tempo, a cortina de encerramento do formidável
drama que fora a história da terra do “pau brasil” até aquela data.
A carta de Paro Vaz de Caminha, em que eram descritas a terra e a gente que a habitava,
criava, com suas informações taxativas, uma impressão de atraso, que tornada certeza, ficaria
para todo o sempre como um estigma sobre os nossos silvícolas.
De fato, o aparente atraso demonstrado pelos nativos, que viviam nus e habitavam meras
palhoças, desprovida de comodidades, a ausência de edificações em material durável e a pobre
cerâmica em uso pelas tribos do litoral, pareciam demonstrar que es indígenas viviam num
estágio cultural muito primitivo e que ainda estavam ensaiando seus primeiros passos no
caminho da civilização.
Decorridos poucos anos, a descoberta das culturas superiores, como as dos Astecas e dos
Incas, bem como outras nações civilizadas, com verdadeiras cidades e um padrão de vida que
poderia ser comparado com o desfrutado pelos povos do Velho Mundo, criou a dúvida de se no
interior de nosso país não existiria uma urbe nativa, semelhante às descobertas em outros pontos
das Américas. Para corroborar tais especulações, várias tribos contaram aos brancos que numa
região localizada em algum ponto do interior, uma poderosa nação, o Reino do Grão Paititi, vivia
num estado quase edênico, liderado por governantes sábios c bondosos, e que as riquezas eram
tantas e o ouro abundava (p. 12) por tal forma que era utilizado para forrar as paredes dos
edifícios principais e dos templos.
p. 12 Diante de tão poderoso incentivo, não seria da estranhar que expedições se sucedessem
com o intuito de encontrar e conq uistar tais riquezas. Por outro lado, os sacerdotes cristãos
propugnavam pela evangelização dos gentios, levando-lhes a oportunidade de salvação de suas
almas pelo conhecimento da doutrina cristã.
Tais expedições sofreram decepcionantes fracassos e além das que jamais retornaram, os
sobreviventes que lo graram voltar aos seus lares, contavam em vívidas descrições os inúmeros
sofrimentos que esperavam todos os que ousavam penetrar os mistérios do jângal.
Porém, os derrotados sobreviventes das entradas no interior bravio continuavam a
descrever as informações dos silvícolas acerca dos fantásticos tesouros que a selva persistia em
esconder dos olhos ávidos dos europeus, e vez por outra, narrações como a da bandeira de 1753,
que informou em carta enviada às autoridades o achado de uma cidade de pedra, em ruínas, com
arcos, estátuas, inscrições estranhas e sinais de minérios preciosos, surgiam para acrescentar
mais lenha à fogueira dos buscadores de tesouros.
O imenso mar doce que é o rio Amazonas foi desde o início de nossa história apontado
como possível região de ricas cidades e as narrações de conhecidos exploradores como Francisco
de Orellana e Walther Raleigh inflamaram as imaginações dos que viam as tribos locais, e entre
elas a das mulheres guerreiras, que deram o nome ao grande rio, como nações organizadas e
possuidoras de cultura própria e singular. Mas, as provas palpáveis continuavam a faltar
sistematicamente e as lendas eram contraditadas pelo encontro de pobres malocas em que
centenas de indivíduos (p. 13) viviam em total promiscuidade e no mais absoluto desconforto.
p. 13 Certas lendas têm vida mais longa do que o fôlego dos gatos e a imaginação dos homens
continuou povoada por visões de grandeza até os dias atuais e não obstante a imensa gama de
sacrifícios que a exploração de tão vastos territórios exige, são inúmeros os que, arriscando a
própria vida, embrenharam-se pelo “hinterland ” na busca de autênticas miragens douradas.
Mas, as provas de que em alguma época o Brasil conheceu uma civilização respeitável
estão aí: basta visitar os museus e compulsar determinados livros para que evidências inegáveis
surjam claramente. Assim são os “muyrakitãs”, pequenos ídolos de nefrita, de origem
desconhecida, que surgiram do fundo das selvas sem que fossem descobertas as oficinas onde
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foram produzidos. A cerâmica de Marajó, Maracá e Miracanguera, encontradas em jazimentos


funerários, sem ligação aparente com nenhum sítio urbano, e outros problemas arqueológicos
sem resposta aparente, formando o intrigante enigma das culturas pré-cabralinas, que está muito
longe de ser desvendado.
Hoje, certos indícios parecem provar que em época muito recuada existiu no Brasil um
contexto cultural com bastante conhecimento, podendo mesmo ter praticado a arte da edificação
e alguma forma de escrita, como já fora previsto por vários estudiosos, causando estranheza o
completo abandono a que foram votados certos trabalhos do passado, os quais somente podem
ser consultadas em pouquíssimas bibliotecas, e ao custo de sensível perda de tempo, devida as
dificuldades impostas aos que procuram tais livros, quando estão acessíveis.
Nas bib liotecas que por acaso possuam as livros que enfocaremos, norma lmente eles se
escondem por trás da classificação de OBRAS RARAS, o que os torna de difícil (p. 14) acesso,
permanecendo desconhecidos do público, de ver que a consulta é difícil e depende de uma série
de fatores que podem desanimar aos menos persistentes. Dentro deste esquema estão os
seguintes trabalhos: Vasos brasileiros pré-colombianos, com inscrições do professor Alberto
Childe; Cidades Petrificadas e Inscrições Lapidares no Brasil, do Conselheiro Tristão de
Alencar Araripe; Escrita pré-histórica do Brasil, de Alfredo Brandão; e outras mais, que
desenvolvidas por estudiosos de nossa pré-história, não são divulgadas, e não mereceram a sorte
de edições modernas que os tornassem conhecidos das novas gerações, que poderiam aquilatar
seus erros e acertos.
p. 14 Quase esquecido, atualmente, encontra-se o ilustre desbravador João Barboza Rodrigues,
misto de historiador arqueólogo e botânico, a quem devemos trabalhos de inestimável valor,
além da descoberta, no fim do século passado, do importante jazimento arqueológico de
Miracanguera, que por falta de maiores cuidados das autoridades de então, desapareceu, numa
cheia catastrófica do rio em cujas margens se situava.
Inegavelmente, as condições do interior do Brasil mudaram bastante desde a partida do
Coronel Percy Fawcett em busca da mítica “Manoa” mas, ainda existe em nosso imenso País,
verdadeiro continente, muitas terras onde o homem branco nunca pisou, e mesmo os membros da
FUNAI sabem que existem tribos que ainda não tiveram contato com os civilizados e, não
obstante a abertura da transamazônica, a floresta permanece virgem em muitos de seus trechos.
A existência do fabuloso lago Parima, às margens do qual se situaria a Cidade Perdida
tem sido contestada por muitos anos mas, ainda recentemente pilotos que sobrevoavam um
trecho da floresta amazônica informaram ter avistado (p. 15) uma lagoa que não constava de
nenhum mapa. Evidentemente por estarem voando fora de rota e, devido à precariedade das
alternativas de pouso que a região oferece, tal observação ainda não pode ser comprovada ou
desmentida, uma vez que é sabido que certas cheias dos rios da região formam lagoas aparentes
que permanecem por toda a estação das chuvas, errando banhados e pântanos de duração
variável.
p. 15 No presente trabalho, nosso intuito foi dissecar algumas das mais persistentes lendas
acerca da existência de uma civilização pré-cabralina em território brasileiro, com um confronto
da vida tribal já conhecida, mantendo nosso espírito aberto a todas as possibilidades que não
descambassem para a fantasia ou ficção, o que tentamos realizar com o máximo de isenção e
honestidade.

p. 19 PRIMEIRA PARTE

FATOS CONHECIDOS E PROBLEMAS EM ABERTO


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p. 21

RESENHA CULTURAL DO CONTINENTE

1 FENÔMENO DE CONVERGÊNCIA CULTURAL — A MAIS ANTIGA CULTURA DE


LONGO RAIO DE AÇÃO NA AMÉRICA DO SUL — TÉCNICAS AVANÇADAS DE EDIFICAÇÃO
— CONSTRUÇÃO DE PONTES E ESTRADAS — IRRIGAÇÃO — UMA BEM ESTRUTURADA
MITOLOGIA — OS DEUSES DE ASPECTO FELINO — ESTARIA O CONGLOMERADO DE
NAÇÕES QUE POVOAVAM O BRASIL ANTES DA DESCOBERTA, INCLUÍDO EM TAL
PROCESSO?

Torna-se impossível estudar a pré-história brasileira sem uma observação acurada dos
grupos indígenas do resto do Continente que alcançaram um estágio cultural superior.
As possibilidades de inter-relacionamento entre os diversos povos das Américas são
cada vez mais acentuadas devido a similitudes que dificilmente teriam ocorrido por mero
acaso ou pelo assim chamado fenômeno de convergência cultural.
p. 22 Civilizações americanas superiores são as dos Astecas, no México; dos Maias, na
América Central e a dos Incas, na América do Sul, na região andina, que ocuparam territórios
que hoje correspondem às repúblicas do Peru, Bolívia. Equador, e trechos do Chile e da
Argentina, e, talvez mesmo, do Brasil, na região amazônica.
Existiram, no continente, outros grupos culturais que por diversos motivos
desapareceram, deixando, entretanto, marcas e vestígios nas culturas que se seguiram, de tal
forma que se pode traçar uma cronologia que remontaria ao segundo milênio antes de nossa era,
sendo que novas pesquisas tendem a aprofundar mais ainda esta estimativa.
A mais antiga cultura de longo raio de ação da América do Sul surgiu no interior do Peru,
às margens de um pequeno rio, sub-afluente do Amazonas ou Marañon, como é conhecido no
Peru e recebeu a denominação de Chavin de Huantar.
Vestígios dessa cultura surgem na orla do Oceano Pacífico e em diversos sítios do
interior do Peru, provando o grande impulso civilizador daquele povo.
As datações até agora obtidas para o grupo cultural em apreço, provam que se originou
cerca de mil anos antes de Cristo, tendo surgido plenamente constituído, visto já utilizar técnicas
avançadas de edificação, construção de pontes e estradas, irrigação e cerâmica, praticando ainda
uma razoável metalurgia e uma magistral confecção de estátuas. Tais conhecimentos obtidos de
uma só vez são considerados tecnicamente impossíveis, sendo óbvio que a cultura deveria ter
sido desenvolvida em algum outro ponto ainda não localizado.
O grande arqueólogo peruano Julio Tello, que dedicou (p. 23) sua vida ao estudo dos
sítios chavinóides, notadamente aquele onde se encontra uma das mais notáveis realizações
dentre as culturas pré-colombianas: — Chavin de Huantar, acreditava que a origem do grupo
deveria situarse em algum local da Amazô nia com o que concordamos plenamente, pois existem
indícios que apontam aquela região como o ponto de origem daquela enigmática civiliza•cão e
que serão apresentados no curso deste trabalho.
p. 23 Os elevados conhecimentos dos habitantes da cidade de Chavin não poderiam ter sido
alcançados senão no decorrer de muitos séculos, sendo que os arqueólogos foram tomados de
assombro com as técnicas empregadas no edifício principal de Chavin de Huantar, conhecido
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pela denominação de “El Castillo”, — visto ter sido aquela edificação dotada de um sistema de
renovação de ar tão perfeito, que permitia manter suas galerias subterrâneas constantemente
arejadas, a despeito de não existirem janelas em todo o edifício, sendo a aeração realizada
através de poços de ventilação cuidadosamente planejados.
Os monumentos, a estatuária, todos os objetos e especialmente os trabalhos líticos da
região pressupõem um continuado aperfeiçoamento através de séculos, realizado por uma nação
organizada, com vida planificada com forte amparo sacerdotal, que, por sua vez, possuísse uma
base teológica inquestionável, fator precípuo para a garantia da continuidade administrativa que
ensejou tão elevado grau de cultura àquele povo.
As divindades de Chavin apresentavam uma curiosa mescla de caracteres humanos e
felinos. A credibilidade num deus representado dessa forma deveria estar baseada em bem
estruturada mitologia, que difundida durante dilatado lapso de tempo, tenha resultado na difusão
(p. 24) de tal crença pela extensa região que dominou, sobrevivendo por muitos séculos,
derrotando as teologias de outros grupos culturais que possuíam divindades de cunho local.
A difusão de tais preceitos religiosos fez-se sentir até mesmo entre as tribos brasileiras,
existindo grupos que adotavam o jaguar como símbolo totêmico, por uma possível memória
atávica do deus felino de Chavin.
A ênfase dada aos trabalhos de irrigação, deixa bem claro o fato de que, no tempo de
fastígio daquele grupo, existiria uma população permanente, desmentindo a impressão errônea de
quantos tenham julgado ter sido Cha vin uma cidade santuário, ocupada, apenas, por sacerdotes e
visitada por peregrinos em determinadas datas consagradas à sua divindade.
Na Colômbia, entre as diversas culturas mais ou me nos expressivas, a que de mais perto
nos interessa é a de San Agustin, que consideramos ser extensão do Horizonte Cultural de
Chavin, visto que ali, também, eram adorados deuses de aspecto felino, como bem demonstram
as magníficas estátuas de pedra, descobertas naquela região.
Os templos de San Agustin não apresentam nenhum aspecto que se possa comparar à
grandiosidade dos seus congêneres existentes em Chavin de Huantar, e sua cerâmica pode ser
muito bem considerada decadente. Outro. tanto não ocorre na metalurgia que nos mostra seu
notável progresso por volta do século V a.C., com objetos de ouro e prata cuidadosamente
elaborados em fino lavor e o cobre aparece com funções utilitárias, deixando de ser mero objeto
de adorno.
São considerados, também, grupos de cultura avançada os seguintes povo s colombianos:
— Chibchas, Quimb aias e Colimas. (p. 25) Até o presente, não são conhecidas cidades
quimbaias, mas suas técnicas de ourivesaria nunca foram igualadas por nenhuma outra cultura
pré-colombiana.
p. 25 Na costa meridional do Peru, ainda sofrendo forte influência de Chavin, existiu o
adiantado grupo que conhecemos pela designação de Paracas, povo em cujas tumbas foram
encontrados belíssimos exemplares de tecidos, bem como uma cerâmica de ótima qualidade, que
possui como motivos principais representações de divindades fe linas.
A influência cultista de Chavin prossegue, ainda, nas culturas posteriores, tais como a
Mochica, Tiahuanaco, Chimu e, por fim, no Império Inça, que foi a maior orga nização sócio-
econômica e política de todo o continente americano.
A disseminação de uma teologia por tão largo espaço de tempo e por tão vastas regiões,
vem comprovar a sobrevivência de tradições que para nós se afiguram quase inconcebíveis, pois
elas subsistiram por séculos sem muitas modificações, tanto na forma quanto no conteúdo.
Quanto ao intercâmbio comercial, tal como a difusão de princípios religiosos, podemos
afiançar que foi bastante intenso, como o comprovam os achados de objetos manufaturados por
diversas culturas, que surgem em jazimentos de povos situados, distante daquelas nações
mencionadas, centenas de quilômetros. Desse modo, é conhecida a existência de artefatos de
ouro e de cobre, na maio ria das vezes originários de Tiahuanaco, encontrados junto a esqueletos
de silvícolas brasileiros, em suas igaçabas.
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p. 26 Já o explorador e etnólogo brasileiro Couto de Magalhães notara, no século passado, a


utilização de objetos de adorno feitos de ouro, nas cerimônias religiosas dos índios Ardes, de
Mato Grosso, os quais tinham origem no Império Inca, visto que outrora aquela tribo, bem como
outras daquela região, mantiveram comércio com os Quichuas.
Existiam diversas culturas disseminadas pelo continente, como tivemos oportunidade de
ver, havendo uma troca de informações permanentes no que concerne a técnicas industriais.
Estariam os povos nativos do Brasil incluídos em tal processo? Cremos que sim. Tentaremos
demonstrar como e de que maneira foi isto possível.

p. 27

PRÉ-HISTÓRIA DOS POVOS DO BRASIL

2 VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS — RITOS FUNERÁRIOS DOS INDÍGENAS —


FORMAS DE SEPULTAMENTO DOS MORTOS — SIMILITUDE ENTRE OS
FENÔMENOS DO COMEÇO E DO FIM DA VIDA — ADORNOS DE USO DIÁRIO — A
CAÇA E PESCA, COMPLEMENTO DA DIETA DOS SILVÍCOLAS — O INCOERCÍVEL
NOMADISMO DOS GENTIOS — ANTIGUIDADE DA OCUPAÇÃO HUMANA NO
TERRITÓRIO BRASILEIRO — DIVERSIDADE DE ORIGENS DAS POPULAÇÕES
INDÍGENAS — GUERRAS E “LUTAS ENTRE AS VÁRIAS NAÇÕES DO BRASIL PRÉ-
CABRALINO.

Contrapondo-se à idéia de que os habitantes primitivos do Brasil tivessem possuído


alguma cultura superior, apresenta-se-nos o fato de que os mais encontradiços vestígios
arqueológicos de nosso país são os sambaquis, onde não foram encontrados mais do que objetos
de pedra e uma cerâmica pobre, seja em acabamento, seja em decoração.
p. 28 Existem provas seguras de ritos funerários entre os indígenas brasileiros que utilizavam
os sambaquis para sepultar seus entes queridos, pois alguns esqueletos ali encontrados haviam
sido inumados em urnas de cerâmica, normalmente em posição fletida, que procurava imitar o
posicionamento dos fetos.
Muitos jazimentos continham, ainda, adornos de uso diário e eram, ademais,
complementados por oferendas, o que denota um culto funerário, divergindo do comportamento
das sociedades mais primitivas que se não dão a tais cuidados, limitando-se a abandonar os
corpos de seus semelhantes em locais mais ou menos distantes de suas habitações.
Ainda com relação ao material lítico dos sambaquis, composto principalmente por pontas
de flechas, machadinhas, raspadores, núcleos etc., podemos constatar em nossas pesquisas
pessoais uma maior incidência de pontas que dos demais implementos, o que vem comprovar
que essas comunidades eram constituídas, inequivocamente, por caçadores, ao contrário do
consenso de nossos contemporâneos que julgam terem vivido tais grupos da coleta de frutos e
raízes, complementando, desse modo, a dieta com frutos do mar. Destarte, a caça de animais
silvestres e a pesca com arpão, constituíam fator preponderante na economia tribal, sendo uma
prova do que afirmamos, a existência de grande quantidade de ossos e espinhas de peixes nos
jazimentos conchíferos.
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Os sambaquis têm sido alvo das mais diversas interpretações, não somente por parte dos
estudiosos nacionais, como por parte de pesquisadores estrangeiros, o que nos permite
apresentar uma série de cont radições sobre a matéria.
p. 29 Determinado grupo procura ver os sambaquis como tendo uma origem mista, ou seja: —
os nativos, aproveitando o acúmulo natural de conchas lançadas à praia pelas marés e ressacas,
passaram a utilizar o mound para seus despejos e, também, para os sepultamentos de familiares.
A partir de algum tempo, criaram a prática das oferendas aos mortos familiares.
Prosseguindo dentro desta sistemática, tais pensadores consideram que se acaso a tribo
mudasse para outras paragens, devido ao incoercível nomadismo dos gentios, pouco depois
outros grupos ocupariam a região, continuando a utilização do concheiro, o que daria ensejo ao
crescimento do sambaqui, ainda contando com a ajuda das marés, fazendo com que chegassem a
atingir, em alguns casos, a altura de 30 metros.
Já outros autores, como Simons e Luiz Amaral, destacam a possibilidade de terem sido os
sambaquis meros aterros de pantanais e ou areias movediças, pois que não era usual entre as
tribos do interior fazerem seus despejos em apenas um sítio e tal acúmulo de detritos somente
seria viável se várias tribos utilizassem simultaneamente um sambaqui, permitindo que o mesmo
alcançasse tamanhas dimensões.
Tais especulações não nos dão uma segurança acerca da real utilização dos depósitos em
questão. Podemos antes concluir que, a exemplo dos shell mounds do he misfério norte, nossos
concheiros constituem uma prova de que os habitantes das regiões onde foram encontrados, eram
mais coletores do que caçadores e que, na falta da carne, os moluscos, muito abundantes naquela
época em toda a orla marítima do Brasil, permitiam a existência de (p. 30) grupos numerosos que
encontravam no berbigão seu alimento principal. 1
p. 30 O achado de esqueletos humanos nos sambaquis, bem como outras matéria s orgânicas,
propiciou a oportunidade de serem realizadas algumas datações pelo método do carbono 14 que
apresentaram uma antiguidade superior a 8 mil anos para tais depósitos, o que veio comprovar a
ocupação de território brasileiro pelo homem em época muito recuada. Comprovou-se, ainda,
que o costume de acumular detritos nos concheiros permaneceu inalterado até cerca de 500 anos
depois de Cristo, época em que a região do Pacífico já havia conhecido diversas culturas,
importantes.
Também no interior de nosso país, outros tipos de cultura substituíram a mera coleta por
sociedades estacionárias de agricultores, que paulatinamente galgavam o caminho da civilização.
A modificação dos hábitos alimentares de nossos silvícolas parece sugerir a existência de
contatos, então, com os grupos mais adiantados do continente, pois em determinado momento
surgem as culturas do milho, da abóbora, da batata, da mandioca e de diversos cereais que foram
trazidos de outras regiões e aclimatadas pelos gentios em suas terras.
As frutas conhecidas então, eram em sua maioria, variedades silvestres e constituíam o
complemento do cardápio, que era suplementado pela caça e pela pesca, de vez que a ausência
de animais domesticados forçou os (p. 31) aborígenes do Brasil a manterem suas habilidades de
caçadores e pescadores como proteção contra o espectro da fome.
p. 31 É válido o pressuposto de que a fauna de então deveria conter alguns exemplares que já
se encontravam extintos em outras partes do Mundo, como por exemplo o mastodonte brasileiro
da região da Lagoa Santa, identificado por Peter Lund e que se acha designado pelos
paleontólogos como Cuvieronius Brasiliensis Lund, e o cavalo selvagem americano, cujos restos
tem sido encontrados em diversos pontos do território brasileiro — Equus CurvJdens Owen — e
que eram altamente caçados, de tal forma que devem ter-se extinguido por volta de 5 mil anos
a.C.
De toda forma, a vida dos primitivos habitantes desta terra não seria nada agradável,
segundo nosso ponto de vista. A precariedade das habitações, cavernas e palafitas e o sempre
presente problema de alimentação, forçaram nossos ancestrais a buscar soluções mais racionais,
1
Tipo de molusco mais comum nos sambaquis: — “Anomalocardia brasiliana”.
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que terminariam por criar uma certa melhoria de seus hábitos, como seja, a construção de
residências mais funcionais e o aperfeiçoamento da agricultura e, ainda, a invenção da cerâmica.
Os diversos grupos populacionais que habitavam esta parte do continente não possuíam
um tronco comum e as diversas nações costumavam manter uma guerra surda e total contra os
povos estrangeiros, muito embora levas de migrantes mais avançados culturalmente, como os
grupos de língua aruak, tivessem conseguido criar suas bases permanentes, expulsando os
belicosos tupi para o sul, visto que, por sua vez, tais grupos eram tangidos desde a América
Central, (p. 32) possivelmente por povos guerreiros vindos do México.
Temos, assim, uma ligeira visão de conjunto do que se conhece da pré- história brasileira.
Os episódicos eventos de grupos ceramistas avançados que habitaram ou perlustraram a
Amazônia e nos legaram as maravilhosas peças de cerâmica altamente elaboradas, que encheram
de pasmo os arqueólogos do mundo inteiro, serão amplamente discutidos adiante.
Nos próximos capítulos, tentaremos descrever o Brasil que a Europa, pela sede de
conquista e audácia de seus navegantes, descobriu e conquistou.

p. 33

PRELÚDIO A PEDRO ÁLVARES CABRAL

2 A DISCUTÍVEL DESCOBERTA CASUAL DO BRASIL — UM. CURIOSO


DOCUMENTO — O TRATADO DE TORDESILHAS — FRUTOS DE UMA BEM
CONDUZIDA PORFIA DIPLOMÁTICA. — A PRÉ-LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS DO
BRASIL EM MEADOS DO SÉCULO XV — O PANORAMA DA VIDA QUOTIDIANA DO
BRASIL E DE SEU POVO NOS SÉCULOS XVI E XVII.

Somente existe uma certeza: — Todo aquele que nasceu, deverá morrer! Também em
história, o certo é sempre discutível, como o caso do descobrimento do Brasil, que é aceito como
tendo sido efetuado pelo Almirante Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500 de nosso calendário.
Mas, teria sido, mesmo, aquele navegador o primeiro europeu a atingir as costas do
Brasil? Pairam muitas dúvidas, em parte decorrentes da existência de um curioso documento,
precisamente um mapa de 1448, bem como a assaz conhecida luta diplomática, travada nos
bastidores (p. 34) de algumas chancelarias européias e que resultou no famoso Tratado de
Tordesilhas, visto Portugal ter se batido por uma fórmula de divisão do mundo que lhe
possibilitaria uma fatia do continente sul-americano, antes mesmo de existir a certeza da
existência de terras onde se encontram as Américas.
p. 34 O mapa a que aludimos, encontra-se na Biblioteca Ambrosiana de Milão, está datado de
1448 e foi elaborado por um desenhista e navegador, natural de Veneza, de nome André Bianco.
Notável circunstânc ia é encontrar-se, no mapa, claramente visível, uma ilha, ali chamada
Ilha Autêntica, situada a oeste de Cabo Verde, e por baixo da denominação existem varias
palavras que se tornaram de difícil leitura devido à ação do tempo e de manchas resultante de
descuidado manuseio, por parte de quantos tiveram ensejo de consultá- lo.
As fontes históricas portuguesas, principalmente a narrativa do cronista do século XVI,
António Galvão, autor do Tratado dos Descobrimentos, dão- nos conta de que, em 1447, partiu
do Tejo uma nave sob o comando de Nuno Tristão, tendo atingido uma ilha que se acharia
situada a mais de 1.500 milhas náuticas, em pleno Oceano Atlântico, além de Cabo Verde.
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Esta curiosa matéria permaneceu encerrada nos arquivos portugueses até o final do século
passado, quando foi travada uma autêntica batalha entre estudiosos das origens do Brasil,
alinhando de um lado o historiador inglês Yule Oldham e seu colega português, Jaime Batalha
Reis, ambos concordes que a ilha em apreço deveria ser uma parte do litoral brasileiro.
Historiadores de renome, tais como Sir Clemens Markham, conhecido americanista e (p. 35)
autor de diversos trabalhos sobre a civilização incaica, Raymond Beasley e o historiador italiano
Cario Errera, não admitiam a indicação de 1.500 milhas, reduzindo-as para 500, apenas.
p. 35 Em se admitindo a tese de 1.500 milhas, encontraríamos o Cabo de São Roque, que,
efetivamente, dista 1.520 de Cabo Verde.
Tal coincidência depõe a favor da autenticidade da informação contida no mapa de André
Bianco e viria de encontro dos que admitem que o Brasil não foi alcançado pela frota de Cabral
por mero acaso. Os elementos de convicção, entretanto, são bastante incompletos e podem ser
atingidos pela dúvida quanto ao que estaria escrito, na realidade, por baixo da indicação de
distância e pelo fato de que, no século XV, os portugueses ainda não sabiam assinalar a
longitude, sendo, pois, quase impossível a determinação do ponto mencionado com apenas 20
milhas de diferença.
No caso em apreço, não se discute a possibilidade de um barco, por mero acaso, ter
atingido as costas do Brasil, antes mesmo do descobrimento da América. Mas, se tal fato
houvesse acontecido, admitindo-se que os descobridores tivessem retornado a seu ponto de
origem, seria quase impossível assegurar àquela altura, o ponto exato por eles alcançado.
Bastante mais plausível é a opinião de certos historiadores portugueses segundo os quais
o navegador Duarte Pacheco teria realizado uma viagem secreta por ordem do rei D. Manuel,
visitando o continente americano e dando ciência do que vira ao soberano, sendo, destarte, pouco
depois nomeado Capitão-Mor das índias, onde se cobriu de glória ao derrotar o Samorim de
Calecut.
p. 36 Outras correntes, porém, não aceitam ter havido tal viagem, negando, inclusive, que ele
tivesse feito parte da frota de Cabral, como tem sido repetidamente asseverado nos últimos anos
por alguns historiadores.
Seja lá como for, com a chegada de Pedro Álvares Cabral às terras de Vera Cruz, estava
esta em mãos lusitanas e caberia àquele povo a hercúlea tarefa de ocupar e colonizar terras com
uma superfície muitas vezes superior às da metrópole lusitana e que se encontravam habitadas
por uma população superior em número a de todos os portugueses espalhados pelos quatro
cantos do globo. E, para complicar mais o problema, outras nações civilizadas estavam
interessadas em pegar sua fatia do bolo.
Aos lusos, pareceu, à primeira vista, que utilizando a mão de obra local, seria possível
dominar a terra, o que deveria ser feito de qualquer maneira.
Uma observação preliminar sobre o comportamento das diversas nações indígenas seria a
providênc ia inicial. E, assim sendo, os invasores procuraram aprender tudo o que lhes fosse
possível acerca da maneira de pensar e proceder dos novos súditos, embora a contra-gosto da
coroa portuguesa.
Os rivais de Portugal, povos sequiosos de conquistas de novas terras e, mais que tudo, de
suas riquezas, adotaram plano idêntico. Reunindo-se as crônicas e narrativas de viagens escritas
por cidadãos de diferentes países e outros idiomas, professando credos religiosos dive rsos,
podemos traçar um panorama da vida quotidiana do Brasil, os usos e costumes nos séculos XVI
e XVII, como veremos a seguir:

p. 37

PANORAMA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA


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4 ALIMENTAÇÃO DOS ABORÍGENES DO BRASIL — EXISTÊNCIA NO BRASIL


PRÉ-HISTÓRICO DE DIVERSAS NAÇÕES COM USOS E COSTUMES DIFERENCIADOS
— A INFLUÊNCIA DO MILHO EM CONFRONTO COM AS CIVILIZAÇÕES EXISTENTES
NO CONTINENTE AMERICANO — A RAIZ DE UMA PLANTA NATIVA DÁ O PÃO DO
DIA A DIA DAS NAÇÕES EXISTENTES NO BRASIL PRIMITIVO — A BATATA DOCE E
A PIMENTA NO CARDÁPIO DOS SILVÍCOLAS — ANTROPOFAGIA: PRÁTICA DE
CUNHO NITIDAMENTE RITUAL — A ABÓBORA, UM ANTIQÜÍSSIMO ESPÉCIMEN
VEGETAL EM NOSSO CONTINENTE — ALIMENTOS EXÓTICOS.

A simples ocupação do litoral já constituía uma tarefa bastante difícil para os


portugueses, devido aos acidentes geográficos que pareciam barrar a entrada dos brancos rumo
ao interior do país.
p. 38 As populações litorâneas mostraram-se bastante dóceis aos conquistadores, salvo
eventuais incidentes de menor importância. E, com o começo do aprendizado dos idiomas locais,
verificaram os brancos que existiam diversas nações com usos e costumes bastante
diferenciados, sendo que a maioria dos aspectos que vamos ressaltar neste capítulo, constituem
uma generalização, em que foram tomados por modelos os grupos maiores e melhor conhecidos,
formando uma regra geral e, como soe acontecer, repontam algumas exceções.
As tribos do litoral viviam principalmente da caça e da pesca, existindo plantações
regulares, cujos produtos complementavam suas necessidades alimentares. No Brasil, ao
contrário dos centros de alto nível cultural, tais como o México e o Peru, não era o milho o
elemento mais importante do cardápio diário dos nativos, embora fosse essa extraordinária
gramínea amplamente utilizada, principalmente, na preparação da beberagem inebriante,
denominada cauim. Destarte, o (Zea Mays L.) não se cons tituiu no poderoso catalisador cultural
que, na civilização Maia, chegou a ser adorado como uma divindade.
Para os silvícolas brasileiros, oferecia muito maior importância uma planta que produzia,
com sua raiz, o pão do dia a dia e que por sua abundância, propiciava a segurança alimentar de
todas as tribos: — A mandioca.
Entre os aborígenes era utilizada a variedade Manihot Esculenta Crantz, para produção
da farinha e do pão, que complementavam todos os pratos de sua culinária, tanto os de carne
quanto os de produtos do mar.
Também, tornou-se bastante apreciada a raiz de uma espécie vegetal, de sabor adocicado,
que ficou definitivamente apelidado de aipim, (Manfhot Dulcis Pax) e que até (p. 39) os dias
atuais constitui um dos mais valiosos alimentos das populações do norte e nordeste do Brasil.
p. 39 O cauim era, também, na maioria das vezes, obtido com a fermentação da mandioca e,
mesmo quando produzido com milho, também utilizavam o álcool de mandioca, criando, assim,
uma mistura mais elaborada, um autêntico blend para maior satisfação dos apreciadores daquela
época.
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Cerâmica de Santarém, com decoração pintada.


Um belo exemplar da arte Tapajoara.

Embora não fosse tão difundido o emprego do palmito na alimentação dos gentios (Euterpe
Edulis Mart ), constituía um acepipe bastante apreciado, principalmente (p. 40) complementando
pratos de carnes e muitas vezes em conjunto com a batata doce (Ipomoea Batatas L.).
p. 40 Nenhum pescado era jamais servido, sem que tivesse sido generosamente apimentado
com a variedade denominada Malagueta (Capsicum Frutescens Willd) ou com a variedade
Cumari (Capsicum Baccatum L.).
A antropofagia, como complemento alimentar, nunca foi regra entre os ameríndios e os
nossos silvícolas não cus teavam do padrão geral dos povos do continente americano Os casos
conhecidos de ingestão de carne humana são de cunho nitidamente ritual, de vez que existia a
crença generalizada de que as virtudes de um homem poderiam ser transmitidas a quem comesse
sua carne. Assim, somente os bravos mereciam tal “honraria” o que, aliás, era raro e ocorria em
alguns grupos tribais, apenas.
Pela mesma razão, alguns parentes eram comidos após a morte e isto representava um
preito de amor e respeito pelo finado. De tais banquetes, somente participavam os parentes mais
chegados, que, para conseguirem realizar tão estranho repasto, necessitavam de ingerir grande
quantidade de bebidas alcoólicas. Quando todos se encontravam completamente embriagados é
que dispunham a dar início ao macabro festim.
O alemão Hans Staden, que foi prisioneiro dos Tupinambás na primeira metade do século
XVI, informa em seu livro: “Os indígenas devoram seus inimigos, porém não o fazem tangidos
pela fome” e, nesse mesmo livro notável que foi Duas Viagens ao Brasil, em outro capítulo
reproduz o seguinte diálogo travado entre um chefe tribal e seu prisioneiro: — “Sim, estou aqui
para matar-te, porque os teus também mataram muitos dos meus amigos e os (p. 41) comeram”.
E o prisioneiro responde: — “Depois de morto, ficam meus amigos para me vingarem” e, como
comple mento, nosso herói se confessa muito grato aos seus captores por ter escapado de suas
panelas.
p. 41 Cremos, entretanto, que o ter sido poupado, não é algo que possa depor em favor do
beneficiado, isto pelo ponto de vista dos indígenas, já que em sua descrição de casos de
antropofagia por ele presenciado, fica patente que somente os brancos que demonstraram valor
na luta contra os indígenas é que eram devorados pelos guerreiros, que, assim, buscavam
assimilar a bravura do inimigo,
É, ainda, sintomático o trecho em que Staden descreve a cena em que um dos caciques
insistiu para que ele comesse uma perna de um branco capturado após muita luta, possivelmente
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com a esperança de que o prisioneiro adquirisse alguma virtude, que, a seu ver, talvez lhe
faltasse ou não possuísse bastante, pois, segundo sua própria confissão, muito havia chorado ao
ser capturado pelo silvícolas.
Como ficou ressaltado, a antropofagia era rara entre os índios brasileiros e seu hábito não
foi, nunca, generalizado. Admite-se, ainda, que em todo o mundo esta é uma prática insular,
oriunda do excesso de população e ocorre, apenas, quando a crise de alimentos atinge um ponto
crítico em que seja necessário, de par com a sobrevivência, deter o impulso demográfico,
cessando sempre quando restabelecido o equilíbrio entre população e produção de alimentos,
afora a antropofagia ritual, que não implica, em absoluto, na inclusão da carne humana como
parte do cardápio da comunidade.
Juntamente com o pescado e a carne de caça abatida, muitas tribos apreciavam alimentos
exóticos, tais como (p. 42) certas formigas, lagartas e cobras, que eram considerados como sendo
capazes de aumentar o vigor dos guerreiros para as lutas, existindo, entre eles, a crença de que a
ingestão daqueles acepipes criavam defesas contra a mordida de certos espécimens venenosos.
p. 42 Não poderíamos concluir este breve relato sobre a alimentação indígena, sem incluirmos
a abóbora, cultivada no Novo Mundo por mais de 9 mil anos 2 e que forneceu aos nativos o
vasilhame principal nos períodos pré-cerâmicos. As espécies mais utilizadas, comumente, eram
conhecidas em quase todo o mundo e todos os cronistas são unânimes em descrever a
importância das curcubitáceas na integração do cardápio dos ameríndios.
Nenhuma tribo deixava de utilizar, em suas refeições, as abóboras que surgiam nos pratos
mais inesperados e em todas as ocasiõ es.
Verifica-se, pelo exposto, quão frugais eram os silvícolas brasileiros, sobrevivendo
razoavelmente bem, embora não contassem com o gado que proporcionava os principais meios
de subsistência aos povos do Velho Mundo. No Brasil, terra de fartura e abundância de espécies
animais e vegetais, nunca existiu o espectro da fome.

p. 43

VIDA MATERIAL

5
AS HABITAÇÕES DOS GENTIOS — DIVERSAS MANEIRAS DE CONSTRUIR AS
MORADIAS INDÍGENAS — A GENERALIZAÇÃO DA REDE EM TODOS OS GRUPOS
TRIBAIS — A CERÂMICA UTILITÁRIA — DECORAÇÃO, PINTURA E ACABAMENTO
— METALURGIA — DESCONHECIMENTO DO USO DOS METAIS POR PARTE DOS
SILVÍCOLAS BRASILEIROS AO TEMPO DA DESCOBERTA — AS LENDAS DO “EL
DORADO ” — OURO DE ALUVIÃO — A SERRA DOS MARTÍRIOS — A COBIÇA DOS
HOMENS BRANCOS E A ESCRAVIDÃO DOS INDÍGENAS.

2
Lagenaria Vulgaris, na espécie cabaça.
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Em matéria de construção de moradias, os indígenas brasileiros foram sempre muito


rudimentares e nenhuma tribo chegou a edificar casas de pedra ou de adobe, como o fizeram os
aborígenes das culturas maiores do continente americano.
A despeito da existênc ia de lendas acerca de cidades de pedra, ocultas pela floresta
virgem, somente foram (p. 44) encontrados, até o presente, aldeamentos toscos, nos quais as
casas eram levantadas sobre um terreno aplainado cuidadosamente, sendo as mesmas edificadas
em madeira ou colmo, com os tetos cônicos.
p. 44 Certas tribos Aruak levantavam, por vezes, construções de nítida influência inca,
chamadas Taperi, que, na realidade, nada mais eram do que cumieiras, visto serem abertas dos
lados.
As tribos indígenas do Amazonas, sempre temerosos das cheias do grande rio e de seus
afluentes, procuravam regiões elevadas para a construção de suas malocas de forma circular. Na
falta de elevações, existia a solução que recebeu a denominação de palafita e que consiste na
edificação de casas sobre estacas, sendo que tais residências comunais chegavam, cada uma, a
abrigar até cem indivíduos.
Em certas regiões lacustres, os índios Paumarí, que são originários da região do lago
Titicaca, realizavam seu problema de moradia sobre balsas, não ultrapassando, cada cabana, de
10 moradores, sendo regra que a comunidade se constituísse de apenas três construções. Tratava-
se, pois, de comunidades muito reduzidas e, por isso mesmo, extremamente vulneráveis.
A rede era comum a todos os grupos tribais. Fabricada de algodão, algumas de penas,
sempre se constituiu, como até o presente, no objeto principal do mobiliário indígena. Quanto ao
uso de esteiras, sempre foi uma prerrogativa dos grupos Aruak ou de tribos que tenham ma ntido
comércio com aque la grande nação, adquirindo, assim, o hábito de uso e mais raramente, o de
fabrico.

p. 45
CERÂMICA UTILITÁRIA

Ao nos referirmos à cerâmica utilitária, queremos, apenas, descrever a que continua sendo
utilizada pelas diversas tribos ainda existentes no País. As peças arqueológicas serão tratadas,
posteriormente, em conexão com as culturas que as criaram e desapareceram há muitos séculos.

Cerâmica marajoara (maracá). Em uma de suas faces apresenta a


figura de um jaguar estilizado, talvez uma influência de culturas peruanas.
17

As cerâmicas dos grupos Tupi são geralmente desprovidas de adornos, salvo uma faixa
pintada à volta do gargalo ou da borda. No entanto, certos grupos, ao realizarem seus
sepultamentos, faziam com que os dedos do defunto ficassem impressos em suas urnas
funerárias, (p. 46) quando a argila ainda permanecia crua, marcando as impressões digitais do
morto o seu próprio esquife.
Quanto à cerâmica Aruak, a mesma mantém bastante cuidado na decoração que consiste
em desenhos geométricos e algumas vezes apresentam-se com incisões e relevos. Tais
decorações constituem-se de linhas pintadas ou escavadas, formando ângulos, retângulos e
losangos, quase que uma marca registrada daquela nação, sempre rematadas por um verniz
brilhante.
Atualmente, são os grupos Aruak os realizadores de cerâmica na região do Xingu,
comerciando com os demais grupos ali localizados, muitos dos quais foram bons ceramistas, mas
que vieram a abandonar aquela arte, preferindo a produção dos Aruak.

p. 46
METALURGIA

O consenso geral é de que os índios brasileiros não haviam ultrapassado a idade da pedra,
quando da descoberta do país, o que constituiu um profundo desgosto para os portugueses que
sonhavam com o achado de uma cultura nativa do porte dos Incas do Peru, onde o ouro e a prata
abundavam, dado que os seus ídolos eram fundidos em metais nobres e para os quais o ouro era
considerado o suor do sol.
As lendas acerca da existência de um “El-dorado” em algum ponto do interior da terra
brasileira, muito contribuíram para a formação das entradas e bandeiras e, não obstante, o fato de
não ter sido possível encontrar aquele local maravilhoso, o achado de ouro de aluvião veio
recompensar muitos dos exploradores, que se tornaram ricos às margens de regatos esquecidos e
anônimos.
p. 47 Dentre tais expedições, achamos particularmente interessante citar um grupo de arrojados
aventureiros que partindo da então vila de Piratininga, em 1673 viria a se tornar um exemplo
clássico do que afirmamos.
A bandeira comandada por Bartolomeu Bueno da Silva, dirigia-se para uma região que
fora assinalada como localidade onde abundava o ouro, sendo habitada por uma poderosa nação
indígena chamada Coroa.
A origem de tais conhecimentos teria sido uma pequena entrada que, chefiada por
Manoel Correia, pudera obter ouro bastante para enriquecer seus membros, que, agradecidos,
doaram mais de 5 quilos do metal para a capela de Nossa Senhora do Pilar, na pequena vila de
Sorocaba.
Naquele ano de 1673, as noções acerca do interior do país eram bastante confusas e,
ademais, o repositório de lendas colocava, freqüentemente, nos mapas da época, uma série de
acidentes geográficos que apenas existiam na imaginação dos negros escravos, ou nas narrativas
dos bugres amansados à força.
Ainda retumbavam os ecos das conquistas espanholas do Peru e da Colômbia, cujos
imensos tesouros vinham atormentando a imaginação dos paulistas, que largavam seus lares,
abandonando suas famílias, para correrem em busca de quiméricas fortunas e, com isso,
consumindo seus haveres e contraindo febres malignas, o que, não raro, lhes custava a própria
vida.
Paralelamente à bandeira de Bartolomeu Bueno, saía da aludida vila uma outra sob o
comando do Mestre de Campo, Manuel Bicudo, que seguiria por caminhos diferentes, (p. 48)
mas com o mesmo objetivo, qual seja: A busca de ouro e a captura de escravos entre os
indígenas.
18

p. 48 Por uma curiosa coincidência, as duas expedições iriam se encontrar, após meses de
árduos trabalhos, nos contrafortes de uma cadeia de montanhas, batizada de Serra dos Martírios,
devido ao fato de os supersticiosos bandeirantes julgarem reconhecer os instrumentos de tortura
usados em Jesus Cris to, nas figurações que se encontravam gravadas em pedras e que
lembrariam a coroa de espinhos, cravos e os martelos usados para fixá- los quando da
crucificação.
Aos dois rios da região foram dados os nomes de Paranatinga e Paraupava, e, devido ao
começo da estação chuvosa, que inclusive aumentava a força das águas daqueles rios, resolveram
estabelecer um acampamento uno, até poderem prosseguir em busca de seus objetivos.
Diariamente eram enviadas patrulhas que deveriam explorar as cercanias do
acampamento e caçar animais silvestres para a mesa geral.
Uma dessas patrulhas, por sinal comandada pelo mestre Bicudo, capturou alguns índios,
constatando que muitos dentre eles estavam adornados com objetos de ouro. As novas correram,
logo, por todo o acampamento e os homens das duas bandeiras, provisoriamente unidas,
cuidaram de obter dos silvícolas informações acerca do local onde obtinham o cobiçado metal.
Diante da sofreguidão dos brancos e de seus métodos de persuasão muito pouco cordiais,
os indígenas não tiveram outro remédio que o de informar- lhes que o ouro era encontrado para
além das montanhas, numa região (p. 49) alagadiça, sendo trazido àquele local por alguns
riachos, após as chuvas. ,
p. 49 Desconhecemos os motivos por que os dois grupos se separaram, mas o certo é que o de
Manuel Campos Bicudo retornou em seguida, levando algumas centenas de índios prisioneiros,
enquanto Bartolomeu Bueno da Silva e sua gente prosseguiam até a região dos índios Goiás,
onde tornariam a encontrar nativos adornados com jóias de ouro, o que fez com que os
aventureiros persistissem na busca das jazidas.
A fabulosa narrativa que nos dá como significado do apelido de Anhanguera seja Diabo
Velho, e teria sido dado a Bartolomeu Bueno, pelo fato de ter ele ateado fogo a uma vasilha que
continha álcool, ameaçando fazer o mesmo aos rios e lagos, é por demais conhecida e
demasiadamente inconsistente para tecermos maiores considerações em torno do episódio.
Seja lá como for. A bandeira obteve algum ouro e, com a captura de silvícolas que seriam
escravizados, seus integrantes resolveram retornar a Piratininga.
Tudo mais que se seguiu, faz parte da história de São Paulo. Várias vezes, em busca da
Serra dos Martírios, expedições embrenharam-se nas matas virgens, sempre debalde. O segredo
do roteiro morreu com o Anhanguera e seu filho que o acompanhara naquela oportunidade, não
foi capaz de reencontrar o caminho.
Quanto às denominações dadas aos rios da mencionada região, não chegam a nos
propiciar nenhuma solução, estando a localização dos mesmos sujeita a conjecturas e buscas até
os dias atuais.
p. 50 Mas, o grande mistério dos Martírios, a nosso ver, não consiste no fato de existir naquela
região ouro de aluvião. A grande indagação persiste: Quem fabricou os objetos de ourivesaria
que os nativos usavam àquele tempo?
É sabido por todos quantos conhecem a história da descoberta e colonização do Brasil,
que nenhuma tribo indígena de todo seu território, jamais trabalhou qualquer metal.
Seriam artigos de troca, oriundos de culturas perua nas? Ou tratar-se-ia de objetos
fabricados por uma tribo ainda não detectada pela arqueologia? Muitas vezes os nativos
informaram aos brancos que conheciam povos que se adornavam com objetos de metal.
Estariam, talvez, se referindo aos povos do Peru, Bolívia ou Colômbia, ou existiria uma
incipiente ourivesaria local, com conhecimentos adquiridos em contatos com grupos
culturalmente avançados?
O certo é que, se algum grupo tribal brasileiro tivesse-possuído objetos elaborados em
metais preciosos, ou os esconderam, ou tiveram o destino de todos os povos ameríndios que
19

incorreram na má sorte de despertar a cobiça dos homens brancos, em qualquer parte das
Américas.

p. 51

ARMAS ENVENENADAS (CURARE)

6
ESPANHÓIS, OS PRIMEIROS A TRAVAR CONHECIMENTO COM O
FULMINANTE VENENO DOS ÍNDIOS AMAZONENSES — A AVIDEZ DO OURO E AS
FAMOSAS EXPEDIÇÕES COM VISTAS À DESCOBERTA DE LENDÁRIOS TESOUROS
— PESADELOS EXPERIMENTADOS NO CURSO DO RIO AMAZONAS — AS FLECHAS
ENVENENADAS — O CURARE, VENENO DOS SELVAGENS DA AMAZÔNIA —
ORIGEM, PREPARO E ATIVIDADE.

A primeira menção de flechas envenenadas que surge na História do Brasil, deve-se aos
espanhóis, visto terem eles singrado o Amazonas bem antes dos portugueses, gozando do
desagradável privilégio de conhecer aqueles artefatos mortíferos em primeira mão.
Conquistado o Império dos Incas, os aventureiros que levaram a cabo aquela façanha,
passaram a buscar novos Estados que pudessem dominar para seu rei, bem como ouro para saciar
sua avidez de riquezas.
p. 52 As persistentes lendas acerca de uma cidade repleta de tesouros incalculáveis, situada em
plena selva amazô nica, denominada Manoa, fez com que Gonzalo Pizarro montasse uma
expedição superior à que tivera seu irmão para a conquista do Peru, pois ele dispunha de
duzentos e vinte espanhóis armados de mosquetes e bestas, além de um contingente de
carregadores nativos, composto de cerca de quatro mil índios, que deveriam transportar as
munições de boca e de guerra necessárias à expedição.
Como lugar-tenente, foi contratado Francisco de Orellana, que se destacara na conquista
de Santiago de Gua iaquil, em que tivera que enfrentar a feroz resistência imposta pelos
indígenas.
O aprovisionamento seria garantido por varas de porcos, num total de quatro mil cabeças,
composto de animais selecionados pelo próprio Francisco Pizarro, conhecedor da matéria, já que
antes de se fazer conquistador do Império Inca fora tratador daqueles animais, profissão muito
mais digna do que a que ostentava ao final de seus dias: ladrão e assassino!
Faltava a Gonzalo o estofo e a coragem de seu irmão, razão porque ao cabo de setenta
dias abandona Orellana — ou foi por este abandonado — com cinqüenta e sete companheiros e
retornou a Cuzco, com os demais, maldizendo a cidade de ouro e tendo, por fim, o merecido
destino.
Orellana e seus companheiros que haviam construído uma embarcação, seguiram
navegando por mais de duzentas léguas, sem que lhes fosse possível encontrar qualquer vestígio
de cidade, e, a certa altura, constataram que era de todo impossível retornar, visto que a
correnteza (p. 53) do rio não o permitiria. Inexistindo outra solução, restava- lhes apenas seguir
até o fim, ou perecer na tentativa.
20

Por vários dias, o surdo rumor de tambores, que eram respondidos por outros mais, no
fundo da selva, numa verdadeira sinfonia de instrumentos percusivos, prenunciava o encontro de
alguma aldeia, o que de fato ocorreu (p. 54) nos primeiros dias do ano de 1542, sendo os
aventureiros recebidos por silvícolas amáveis, que lhes forneceram os víveres necessários ao
prosseguimento da viagem.

Zarabatana, carcaz com setas envenenadas e o pote de curare.


Com este arsenal, os silvícolas amazonenses tornavam a vida dos
exploradores um autêntico inferno.

p. 54 Os espanhóis viram, em uma das aldeias situadas à margem do rio- mar, índios muito
claros que eram tratados respeitosamente e que se encontravam adornados com objetos de ouro,
os primeiros vistos desde a partida de Cuzco, o que fez com que os exploradores pressentissem
estarem próximos de Manoa, visto terem- lhes dito que os índios brancos eram embaixadores
daquela enigmática cidade. Entretanto, segundo ressaltou o cronista da expedição, frei Gaspar de
Carvajal, tais personagens sumiram durante a noite e nunca mais foram avistados pelos homens
de Orellana.
As narrativas acerca da viagem continuam repletas de novidades e descrevem suas
privações. Surge, então, pela primeira vez a citação das Amazonas, mulheres guerreiras, de que
voltaremos a falar, bem como a descrição de povoados em que teriam existido construções que
não foram encontradas até os dias atuais.
Mas, a partir de certo trecho do percurso, os viajantes passaram a sofrer um novo
pesadelo, pois, durante a noite, flechas se abatiam sobre a coberta da embarcação, e os homens
que eram atingidos por esses primitivos artefatos, morriam ao cabo de alguns minutos,
apresentando o aspecto de um terrível sofrimento, embora não emitissem um gemido sequer. Era
o Curare, o veneno implacável. 3

3
O curare é empregado não só nas flechas lançadas por arcos, como, também, em setas desferidas por zarabatanas ,
dependendo da tribo e destino a ser dado ao animal abatido com tais armas.
21

p. 55 A embarcação chegou, por fim, à foz do Amazonas, rio que levaria tal nome em honra
das mulheres guerreiras, descritas por tantos exploradores e cronistas.
Mas, o terrível veneno ficaria, desde então, conhecido como um dos mais insidiosos
meios, já descobertos pelos homens, para levar a morte a seus semelhantes.
Extraído de ervas nativas da Amazô nia, preparado segundo rituais e técnicas centenárias
que passam de pais para filhos, o curare permanece ativo por séculos, sendo conhecido o caso de
um conservador de certo museu da Europa que se feriu numa ponta de flecha que se encontrava
no estabelecimento por mais de trezentos anos e teve morte idêntica à dos exploradores
flechados em plena selva.

p. 57

ADORNOS CORPORAIS – TATUAGENS

7 FINALIDADE DOS ADORNOS E TATUAGENS ENTRE OS GENTIOS DO BRASIL


— ADORNOS FEMININOS — DISTINÇÃO ENTRE MULHERES CASADAS E
SOLTEIRAS — PINTURA CORPORAL — PLANTAS CORANTES USADAS PELOS
NATIVOS — TATUAGENS COM FINS ATERRORIZANTES — ADORNOS DE PENAS —
DIFERENÇAS ENTRE ADORNOS USADOS POR SILVÍCOLAS DO BRASIL E OS
NORTE-AMERICANOS — ADORNOS LABIAIS — CONCEITOS DE BELEZA.

O uso de adornos e tatuagens, destas, com especialidade, sempre foi bastante disseminado
entre os aborígenes brasileiros. Grupos Tupi, bem como os Tapirapé, utilizavam-se das tatuagens
até os dias presentes, notadamente entre os indivíduos do sexo feminino, para estabelecerem a
distinção entre as mulheres casadas e as virgens, consistindo, geralmente, em uma incisão em
ambos os cantos dos lábios. É utilizada, ainda, a pintura (p. 58) corporal, realizada com o suco
do genipapo (Genipa Americana L.) e a polpa do urucu (Bixa Orellana L.), com o que
conseguem as cores preta e vermelha. A combinação das cores é deetrminada, não só pelo sexo,
como, ainda, pela idade.
p. 58 Também os índios Kadiuéu, remanescentes dos grupos Guaiacuru, fazem idêntico uso das
tatuagens, mas já houve quem assinalasse que muitas de suas pinturas, corporais ou não,
guardam uma origem que se poderia situar na cultura de Chavin de Huantar, do Peru, embora
não surjam como motivos que não os geométricos.
Os terríveis Mundurucu, hoje em plena decadência física e moral, tatuavam seus ferozes
guerreiros, colocando sobre as incisões feitas na pele o suco de jenipapo, que os deixava com
cicatrizes negras, destinadas a apavo rar seus inimigos.
Usada, comumente, por todas as nações indígenas do Brasil, a tatuagem já tinha sido
assinalada, como capaz de enfear os que a utilizavam, pelo Padre Abeville, que viveu entre os
Tupinambá do Maranhão, no começo do século XVII; acentuando serem as mulheres quem mais
gostavam de tão estranhos adornos.
Hoje, em contato com os civilizados, os silvícolas têm abandonado tais hábitos que,
pouco a pouco, vão caindo em desuso ou sendo substituídos por pinturas, como se pode notar no
Parque Nacional do Xingu.
22

ADORNOS DE PENAS

Diferentemente dos selvagens do Hemisfério Norte, que preferiam o uso de penas de uma
só cor, os silvícolas (p. 59) do Brasil sempre deram preferência à variedade de tipo e cores de
seus enfeites de plumas.
p. 59 Além dos cocares, faziam uso de pulseiras, colares e mantos. Entre os pássaros preferidos
por suas belas plumagens, eram o Acauã (Herpefo Theres Cachinnans), o Gavião-Real (Harpia-
Harpyja), o Mutum (Crax Migra) e, evidentemente, os Papagaios e as Araras (Anodrhynchus),
especialmente apreciados pela variedade de cores e padrões de suas penas.

Caritá ou cocar de indígenas brasileiros. Seu uso


sempre foi vedado às mulheres (Índios Carajá).

As diferentes combinações chegavam a constituir um como que estandarte de certas tribos


mas, normalmente, cada índio enfeitava-se como melhor lhe aprouvesse, sendo (p. 60) que, no
caso presente, eram os homens que mais apreciavam tais adornos.

p. 60
ADORNO LABIAL (TEMBETÁ)

As primeiras referências aos tembetás, embora omitindo tal designação, surgem logo na
primeira carta do escrivão da frota de Cabral e continuam pontilhando as narrativas dos
primeiros cronistas que ressaltavam a fealdade dos que os utilizavam.
Seu uso continua presente em diversas tribos atuais, sendo um símbolo de valentia que
identifica o autêntico guerreiro.
Variando de forma e material, conforme a região e a tribo que o utiliza, vamos procurar
descrever os tipos mais encontradiços em todas as narrativas que abordam este assunto:
Tipos circulares, de madeira ou de jadeíta, preferidos, geralmente, por tribos Tupi.
Tipos cilíndricos, quase sempre um simples pedaço de pau ou osso, raramente
trabalhados, sendo que no interior da Bahia, por vezes, eram utilizados minerais com uma
saliência superior para evitar que escorregassem, devendo ser retirados por cima.
23

Tipos Tabulares, geralmente fabricados de taquara, com uma ponta bastante aguda para
permitir a introdução (p. 60) no lábio, sendo fixado com cera. Esta modalidade era usada
principalmente pelos Bororo.
p. 60 As crianças do sexo masculino eram preparadas para utilizarem o Tembetá, quando
atingiam a idade de 5 ou 6 anos. A perfuração labial era praticada com um peque no osso
pontiagudo, sendo depois colocado um pedaço de pau a fim de evitar que o orifício se fechasse.
Cada ano aumentavam o diâmetro da peça até que, por fim, fosse colocado o enfeite definitivo,
com a finalidade de estabelecer distinção entre sexos, visto que seu uso é vedado às mulheres.
Serve, também, para indicar a tribo ou nação a que pertence o guerreiro.

p. 63

GUERREIROS E CAÇADORES DE CABEÇAS

8
LUTAS E GUERRAS PERMANENTES ENTRE AS DIVERSAS NAÇÕES QUE
POVOARAM O TERRITÓRIO ONDE HOJE SE ENCONTRA SITUADO O BRASIL —
IMPEDIMENTO DO GENTIO EM FIXAR-SE, ANTES E DURANTE A COLONIZAÇÃO
LUSA NA AMÉRICA — PROBABILIDADE DA EXISTÊNCIA DE CENTROS SAGRADOS
DOS INDÍGENAS — A TRIBO DOS CAÇADORES DE CABEÇAS — MÉTODOS DE
ENCOLHIMENTO E CONSERVAÇÃO DAS CABEÇAS DOS INIMIGOS —
CONSIDERAÇÕES ETNOLÓGICAS.

A falta de unidade entre os diversos grupos nativos existentes à época da colonização do


Brasil, era uma constante, face à eterna luta que as diversas nações indígenas mantinham entre si.
Divergências existiam, ainda, dentro das próprias tribos, não permitindo a fixação
permanente das populações (p. 64) impedindo, destarte, que fossem edificados estabelecimentos
duradouros. As aldeias eram evacuadas ao primeiro sinal de perigo, sem que os utensílios
abandonados constituíssem perda irreparável, pois o índio, além de frugal, era carente de
vestimentas e de utensílios domésticos, geralmente constituídos por uma rede e um punhado de
vasilhas de barro e armas do uso diário, de fácil fabrico em qualquer ponto em que o indivíduo se
encontrasse.
p. 64 Esta circunstância não exclui a possibilidade da existência de centros sagrados, onde a
luta fosse proibida por tabus e pactos referendados pelos feiticeiros, que mantinham seu poder
graças ao temor que infundiam nas mentes supersticiosas da grande maioria daquelas
populações.
Certas lendas, colhidas ao longo dos séculos, parecem, mesmo, comprovar a existência de
tais lugares sagrados, que deveriam ser situados em pontos remotos de difícil acesso, somente
visitados por iniciados, que, a despeito das lutas entre as tribos, manteriam, assim, uma confraria
cujo respeito transcendia o ódio e as divergências entre os diversos clãs.

CAÇADORES DE CABEÇAS
24

Costuma ser, geralmente, aceita, por uma boa parte do público menos informado, a
existência de diversas tribos de caçadores de cabeças em terras brasileiras. Efetivamente, tal
prática existia em alguns grupos selvagens, apenas, sendo que o mais conhecido é dos
Mundurucu, habitantes da alta Amazônia.
Ainda a propósito da origem desses silvícolas de comportamento incomum, diversos
escritores, entre os quais distinguimos Marcus Cláudio Aquaviva, autor de (p. 65) um
admirável trabalho sobre caçadores de cabeças, consideram a possibilidade de uma emigração do
Peru, filiando-os à nação Antis, que devem ser, como o próprio nome indica, originários dos
Andes peruanos, tendo inicialmente se estabelecido no atual Estado de Mato Grosso, dali partido
até atingirem a região dos rios Tapajós, Madeira e Amazonas.
p. 65 Normalmente os Mundurucu são de estatura bem superior à da maioria dos indígenas sul-
americanos, e o hábito que possuíam de cobrir todo o corpo com tatuagens quase negras, fe z com
que fossem particularmente temidos, já pelo aspecto ameaçador, já pelo hábito de degolarem
seus inimigos com o fito de se apropriarem de suas cabeças.
O sistema empregado na caça de cabeças pelos Mundurucu, diferia do método usado
pelos Jivaro do Equador, que buscavam aumentar suas coleções macabras à custa de qualquer
viandante que passasse inadvertidamente pela orla de seus domínios.
Os silvícolas brasileiros cortavam, apenas, as cabeças de seus inimigos vencidos em
combate, após o que enfiavam um pau pela boca da vítima, o qual saindo pela garganta,
facilitava o transporte do troféu recém-obtido.
Chegando ao local previamente designado para a operação de encolhimento, iniciavam-
na, extraindo todos os dentes, os olhos, os ossos do crânio e da face, revirando, em seguida, a
pele pelo avesso, com o fito de seccionarem todos os músculos, o que faziam com uma faca de
taquara para, finalmente, embeber toda a cabeça, assim tratada, em poções especiais.
p. 66 Após todas essas operações, empalhavam a cabeça, novamente revirada, o que permitia
que as feições permanecessem tais como eram em vida. A redução era obtida graças a um
fumeiro brando, sendo que à medida em que se ia processando a contração da pele, o enchimento
ia sendo retirado até que, por fim, a mesma ficava reduzida ao tamanho de uma laranja. Os lábios
e as pálpebras eram, geralmente, cosidos, permanecendo os fios pendurados até o comprimento
de aproximadamente um metro.
Um dos componentes utilizados na mencionada operação era, segundo Lima Figueiredo, 4
o óleo de andiroba. O embalsamento praticado por aqueles indígenas não era tão perfeito quanto
o realizado pelos Jivaro, motivo porque muitas daquelas cabeças-troféu, vinham a se decompor,
passado algum tempo.
Práticos, por excelência, us ualmente os Mundurucu enterravam seus mortos por baixo da
rede até então ocupada pelo defunto. Para tanto, abriam uma sepultura, onde acomodavam o
corpo em posição semi- fetal, cercado por suas armas e ornamentos pessoais e, em seguida, pura
e simplesmente, tratavam, de esquecer o morto, visto que, não importando como tivesse vivido,
todos iriam para uma espécie de limbo privado da tribo, segundo suas crenças.
Hábitos e costumes tão diferentes dos demais índios brasileiros, parece comp rovar a
origem andina ou equatoriana dos Mundurucu e somente um estudo acurado poderia oferecer a
resposta a tais especulações.
Por outro lado, sua cerâmica pobre e imperfeita, não parece filiá- los a nenhum grupo
culturalmente avançado, (p. 67) restando, apenas, a questão de como conseguiram aperfeiçoar
seu método de mumificação reservado às cabeças, apenas, mas de toda a forma constitui
autêntico embalsamento. Trata-se, destarte, de problema de difícil solução.

4
Índios do Brasil — José Olímpio Editora — Rio de Janeiro — 1949.
25

Cabeça-troféu dos índios Mundurucu. Recebem a designação


de “Pariná” e são bastante inferiores às cabeças encolhidas pelos Ji varo.

p. 68 Os possuidores de muitas cabeças eram encarados pelos demais membros da tribo com
muito respeito, pois, cada uma representava um inimigo morto em combate, sendo, desta forma,
um, troféu de guerra.
Pode-se comparar essa prática com a eterna busca dos soldados modernos por peças dos
uniformes dos inimigos ou de suas armas, que servirão de troféus, destinados a enfeitar as
paredes de suas casas em tempos de paz, pelo que se pode concluir de tais fatos que: a sabedoria
salomônica ainda é válida: “Não existe nada de novo sob o sol!”
O panorama da maioria das tribos brasileiras, embora não generalizemos, era bastante
mais tranqüilo pois, ainda que a guerra fizesse parte do cotidiano de todas as nações do Novo
Mundo, nem todas viviam, apenas, para as atividades bélicas, sendo que muitas praticavam suas
artes e buscavam um maior refinamento, dentro das estreitas possibilidades que o meio hostil
lhes permitia.

p. 69

OS AMULETOS DAS AMAZONAS


26

9 AS LEGENDÁRIAS MULHERES GUERREIRAS — OS PEQUENOS ÍDOLOS DE


JADE — AMULETOS A QUE OS INDÍGENAS ATRIBUÍAM PODER MÁGICO —
PRESUNÇÃO DE ORIGEM ASIÁTICA DOS ÍDOLOS DAS AMAZONAS — IGNORADA,
ATÉ NOSSOS DIAS A LOCALIZAÇÃO DE SUA PROCEDÊNCIA. — OUTROS TIPOS DE
ESCULTURAS DE PEDRA, REVESTINDO A FORMA DO JAGUAR, DIVINDADE
ANDINA. — A LENDA DAS AMAZONAS — OPINIÕES DE ESTUDIOSOS — O
IMARICUMÁ, A FESTA DAS MULHERES SELVAGENS.

Poucos artefatos indígenas têm conseguido exaltar a imaginação dos estudiosos e, até,
dos leigos, como os amuletos de pedra verde, cujo tamanho varia de 4 a 6 centímetros e que são
designados pelos nomes de Muiraquitãs ou Baraquitãs, devido à notória associação com as
legendárias Amazonas, as mulheres guerreiras, descritas pelo padre cronista da expedição de
Orellana, D. Gaspar de Carvajal.
p. 70 Os muiraquitãs são, geralmente, pequenos ídolos, talhados em certa pedra verde, a
nefrita, também conhecida como amazonita ou jadeíta e costumam apresentar a forma de
animais, principalmente batráquios. São furados e muitos apresentam sinais de uso prolongado,
possivelmente deveriam ser conduzidos pendurados ao pescoço, à guisa de amuleto, ou, ainda,
amarrados à cabeça, no centro da testa, como símbolo de autoridade e de mando (Esta hipótese
que não havia sido aventada até então, foi apresentada por Iris Koehller-Asseburg em seu
excelente trabalho O problema do Muiraquitã. Após a leitura do mesmo, passamos a endossar
seu ponto de vista).
Segundo lendas amazônicas, as Icamiabas, ou seja, as guerreiras sem marido, retiravam a
pedra bruta de um lago sagrado, o Jaciuaruá, o Espelho da Lua, sendo os pequenos ídolos
talhados em noites de lua cheia, o que aumentaria o poder mágico dos objetos, transformando-os
em amuletos de grande valor, principalmente medicinal, razão porque seus possuidores sempre
relutaram em vendê- los.
Não existe concordância entre os estudiosos acerca da localização do lago lendário,
embora seja geralmente aceita a possibilidade de se achar situado no vale do Jamundá.
Barboza Rodrigues acreditava que o muiraquitã era uma prova inquestionável da origem
asiática dos indíge nas sul-americanos, pois não eram conhecidas jazidas de nefrita em território
brasileiro e, assim sendo, os amuletos teriam sua origem na China ou em alguma outra região do
Extremo-Oriente.
p. 71 Tal teoria não pode mais ser sustentada, devido ao achado de pedreiras daquele material,
principalmente na Serra da Preguiça, território do Rio Branco, bem como em algumas regiões
dos Estados de Mato Grosso e Bahia.
De qualquer modo, pertence à autoria daquele grande estudioso patrício, o mais completo
trabalho realizado acerca daquelas esculturas indígenas.
27

Muiraquitã em forma
de sapo. Segundo a
lenda, um presente
das Amazonas para
seus amantes fortuitos.

Por outro lado, nem todos os muiraquitãs são de jadeíta. Existem peças produzidas com
outros tipos de pedra e, muitas vezes, o ídolo não representa um batráquio, como é o caso de um
exemplar por nós examinado, que retraía a cabeça de um felino, talvez um jaguar, o que vem
demonstrar, possive lmente, uma influência andina, dada a constante adoração dos felinos pelas
antigas culturas do Peru e da Colômbia.
p. 72 Causa estranheza aos estudiosos o fato de os indígenas brasileiros possuírem uma técnica
tão avançada para o trabalho lítico, já que podiam talhar pedras de grande dureza, conseguindo
realizar as figurações pretendidas com tamanha graça, beleza e perfeição.
Embora alguns dos amuletos amazônicos sejam um tanto toscos, existem outros que
surpreendem pela finura do talho e suavidade de suas linhas, cuidadosamente traçadas,
evidenciando uma técnica apurada ao longo de muitas centenas de anos.
Quanto às Amazonas, não se conhece, até nossos dias, uma prova concludente da
existência de tal tribo, muito embora elas sejam uma constante no folclore dos povos
amazônicos.
Acredita-se que as descrições iniciais sobre a existência das mulheres guerreiras, deveu-
se a uma confusão de certos observadores, pelo fato de que muitas tribos da amazônia lutavam
com as mulheres em pé de igualdade com os homens, o que constituiria algo totalmente insólito
aos olhos dos europeus dos séculos XVI e XVII, acostumados a ver na mulher um ser frágil e
totalmente infenso às: artes marciais.
Esta não é, porém, a conclusão do nosso ilustre amigo, professor Fernando G. Sampaio,
que estudou durante anos o problema em tela, tendo lançado, recentemente, um trabalho em que
demonstra, com todos os seus elementos probantes terem, tais mulheres guerreiras, existido de
fato, como uma ordem matriarcal, que pontificou durante alguns séculos no interior do país. (As
Amazonas, São Paulo, Editora Aquarius, 1976)
Ainda dentro de tal linha de pesquisas, temos algo mais a acrescentar:

p. 73
A FESTA DO IAMARICUMÁ

Dentre as cerimônias menos conhecidas dos índios do Brasil Central, o Iamaricumá,


também chamado Iamuricumá, ocorre somente em ocasiões muito especiais, em tribos de origem
Aruak no Xingu e dura, apenas três dias.
Durante esse curto lapso de tempo, povos de cultura: nitidamente patriarcal, consentem
que suas mulheres tomem uma posição de mando e assumam posturas que, normalmente, são
privativas dos homens.
28

Em tais culturas, é vedado às mulheres o uso de armas e, até mesmo, o simples empunhar
de um arco cons titui uma quebra da rígida disciplina tribal. Quanto ao adorno de penas para a
cabeça, o caritá, um dos principais símbolos de autoridade, nem por brincadeira uma mulher
ousaria colocá- lo em sua fronte. Todavia, durante o cerimonial do Iamaricumá, as mulheres
usam o caritá, dançam com arco e flecha e, em dado momento, o representante dos homens
solicita à líder feminina que devolva as armas para que os homens possam caçar e não haja
descontinuidade no fornecimento de carne, necessária à vida da tribo.
Mas, a devolução dos arcos não significa o fim da festa. As danças prosseguem, seguidas
de lutas corpo a corpo no estilo clássico xinguano, só que nessa oportunidade encontram-se,
apenas, mulheres como participantes. E, para finalizar, as mulheres presenteiam os visitantes
com grandes panelas, coisas normalmente inconcebíveis, pois a propriedade dos bens tribais
cabe somente aos homens, bem como a disposição dos mesmos.
Orlando Villas Boas, dentre os civilizados, quem primeiro assinalou a festa do
Iamaricumá, mencionada, afirmou- nos que os homens das selvas aceitam a situação criada
durante as festas com absoluta tranqüilidade e que após a realização das mesmas, não praticam
nenhuma represália pelas liberdades ostentadas pelas mulheres durante o Iamaricumá.
Tão inusitados eventos devem repousar numa forte tradição que não pode ser
desobedecida, de vez que as tribos Aruak constituem um tipo de sociedade que não admite o
matriarcado. É de se supor que o costume da festa repouse em algum outro grupo, tendo sido
adquirido por absorção cultural, talvez de uma nação mais avançada, vencida durante uma
guerra, mas que nos termos do armistício existisse a cláus ula que lhes permitisse retornar a seus
velhos costumes em determinadas ocasiões, o que nos conduz, novamente, às Amazonas, talvez
vencidas após muitas lutas.
Barboza Rodrigues, que recolheu inúmeras lendas indígenas, bem como seus restos
materiais, tendo encontrado nas proximidades do rio Jamundá diversos muiraquitãs, acreditava
que as Icamiabas deveriam ter habitado aquela região.
Sendo o Jamundá um dos tributários do Xingu, verifica-se a possibilidade de existir, de
fato, alguma relação entre aquelas citações acerca das mulheres sem marido e a festa do
Iamaricumá.
No entanto, somente pesquisas realizadas por especia listas poderão dar- nos resposta às
indagações suscitadas por tais evidências.

p. 75

VIDA ESPIRITUAL – RELIGIÕES

10
POLITEÍSMO DOS INDÍGENAS DO BRASIL — SINCRETISMO RELIGIOSO —
PRESUMÍVEL EVANGELIZAÇÃO DOS NATIVOS DA AMÉRICA ANTES DO ADVENTO
DE COLOMBO — A CATEQUESE. — O RESPEITO POR UM DEUS PAGÃO COM A
FINALIDADE DE DIFUNDIR O EVANGELHO CRISTÃO — CRENÇA DOS INDÍGENAS
EM DIVINDADES BRANCAS — DIVERSAS TEORIAS DE CIVILIZAÇÕES
AVANÇADAS NA AMÉRICA, INTEGRADAS POR SERES DE ASPECTO EUROPEU.
29

O aspecto religioso dos grupamentos indígenas brasileiros, não pode ser explicado
sucintamente e nem generalizado, pois, usos e costumes variavam em função das regiões
percorridas pelas tribos, contingencialmente nô mades.
Se Tupã era, para muitos grupos, a suprema divindade, outros adoravam um estranho
taumaturgo de singulares poderes, conhecido de norte a sul, conforme a (p. 76) região, pelos
nomes de Sumé, Tumé ou Zumé e que ge ralmente, era descrito como um homem de pele clara e
longas barbas, que a exemplo dos deuses mexicanos Kukulkan e Quetzalcoatl e, ainda, do deus
peruano Viracocha, partiu um dia, prometendo que voltaria para restaurar o primado da razão e
da não violência, já que se tratava de uma divindade que sentia repugnância pelas torturas e
sacrifícios humanos.
Muito se tem escrito acerca da existência desses estranhos personagens, sem que surgisse
uma explicação definitiva para seus milagres, a tez clara e sua partida após; concluída uma
missão civilizadora.
Acreditaram os padres católicos da época da colonização, que missionários cristãos,
talvez monges irlandeses, teriam atingido as Américas entre os séculos VI e X quando tentaram
evangelizar os nativos, dando- lhes uma noção dos sacramentos e das escrituras sacras, o que
explicaria certas semelhanças descobertas nos ritos religiosos dos ameríndios, pois em terras
brasileiras já eram praticados o batismo, a confissão e outras formalidades litúrgicas que
lembravam as do cristianismo.
A fonética do nome Sumé, comparável a São Tomé, foi, por sua vez, de grande utilidade,
pois eram correntes as lendas que diziam ter aquele apóstolo partido para as Índias, onde passou
alguns anos disseminando a palavra de Jesus Cristo.
Tornou-se, destarte, de grande valia para os missionários, principalmente para os jesuítas,
a crença dos nativos em Sumé, pois afirmavam os padres que o taumaturgo dos índios era São
Tomé, que veio para as índias, isto é, para o Brasil, a fim de desenvo lver sua missão apostólica.
p. 77 Tal sincretismo contribuiu eficazmente para a catequese de várias tribos, que dariam a
própria vida em defesa das capelas erigidas em louvor a Sumé, no caso, São Tomé.
A existência de marcas de pés descalços, impressos em plena rocha, que eram apontados
pelos tuxauas como locais da passagem de Tumé e que constituíam locais sagrados, foram
aceitos pelos padres católicos e, assim, numa curiosa simbiose as duas religiões uniram-se no
respeito aos locais assinalados pela passagem do deus pagão tornado santo milagroso pelo bem
da disseminação do evangelho cristão.
Hodiernamente, formou-se uma corrente que procura situar as divindades brancas dos
indígenas dentro de um ciclo de navegantes megalíticos, portadores de cultura avançada que
disseminaram seus conhecimentos pelo continente americano, partido pelo Pacífico e atingindo o
Japão, onde o grupo branco conhecido por Aino, representaria seus últimos descendentes.
Pontificando como deuses nas Américas, eles teriam se dirigido, a seguir, para a
Polinésia, onde ocuparam, ainda, a ilha da Páscoa.
Seriam marcas de sua passagem as culturas mais antigas da América que eram
basicamente neolíticas, as estranhas estátuas da ilha da Páscoa e as ruínas inexplicáveis de Nam-
Madol, na Ilha de Ponape.
O navegador norueguês Thor Heyerdahl, procurou reproduzir o périplo daqueles
navegantes mas, embora bem sucedido em sua derrota, não conseguiu apresentar provas
indiscutíveis que corroborassem tais conjecturas, tendo demonstrado, entretanto, que certas
estátuas da ilha (p. 78) da Páscoa, por sinal as mais antigas, eram semelhantes às divindades de
Tiahuanaco.
p. 78 Nós mesmos não discutimos a possibilidade de ter havido contatos desse gê nero mas o
tipo de cultura pascoana e sua escrita não se assemelham aos horizontes peruanos, já explorados.
Não terminam aí as possibilidades de semelhanças, pois o falecido professor José Anthero
Pereira Jr., uma das maiores autoridades em arqueologia do Brasil, destacou, em muitos de seus
30

trabalhos, o achado de sinais da escrita pascoana, denominada rongo-rongo, no estranho


monumento megalítico existente na Paraíba, a Pedra La vrada do Ingá.
Em cuidadoso levantamento das inscrições existentes no aludido local, os membros do
Centro Brasileiro de Arqueologia, professores Francisco Otávio Bezerra e Alfredo de Medeiros
Falcão, encontraram os símbolos citados pelo sábio brasileiro e, de certa maneira, ratificaram sua
assertiva. 5
Consubstanciada tal descoberta, estaríamos diante de uma prova da ligação dos
marinheiros megalíticos com as lendas indígenas acerca dos deuses brancos que partiram rumo
ao mar.
Existe, ainda, diversas correntes que tentam explicar os deuses brancos da América como
oriundos de uma civilização que teria existido em algum ponto da floresta amazônica, de onde
ter-se-iam espalhado pelo resto do continente, levando seus conhecimentos e caindo em lenta (p.
79) degenerescência, sendo que sua cidade de origem seria a mítica Manoa, que as lendas de
várias tribos daquela região apresentam como tendo sido habitada por uma raça diferente dos
demais indígenas, pois eles seriam de grande estatura e teriam a pele clara devido ao fato de
evitarem a luz do sol, somente efetuando suas caçadas durante a noite, e, por isso mesmo, eram
chamados de morcegos.
p. 79 Não falaremos, aqui, das outras hipóteses, que envolvem remanescentes da “Atlântida”,
ou “Deuses Astronautas” em visita a nosso planeta com intuitos meio inconfessáveis, tal como
obtenção de metais raros ou seja lá o que for.
O importante é que o fato de povos distantes entre si a milhares de quilômetros,
possuírem tradições e lendas tão semelhantes, serve para provar que o contato entre as três
Américas teria existido numa dimensão bem maior do que poderíamos supor e que as barreiras
naturais foram transpostas pelos silvícolas muitas vezes, não obstante as imensas dificuldades de
uma geografia hostil e acidentada. Entrementes, só muitos e acurados estudos poderão nos dar a
resposta final a estas interrogações.

p. 81

MATRIMÔNIO E COUVADE

11
MONOGAMIA E POLIGAMIA ENTRE OS INDÍGENAS DO BRASIL — DIVÓRCIO
SUMÁRIO — A MULHER NA MITOLOGIA DOS SILVÍCOLAS — A LENDA DA
CULTURA DO MILHO — DIVISÃO DO TRABALHO ENTRE HOMENS E MULHERES —
COUVADE OU O RES GUARDO MASCULINO APÓS O PARTO DAS ESPOSAS.

O que tange ao relacionamento entre sexos, pode-se afirmar que os indígenas brasileiros
eram basicamente monógamos, não obstante o fato de que, em alguns casos, podia o chefe da
tribo manter pequenos haréns, embora a primeira esposa conservasse sua prevalência sobre as
subseqüentes.

5
Revista Brasileira de Arqueologia — Julho de 1964, páginas 42 a 61.
31

Normalmente, e ciúme não constituía problema de vulto e na maioria das tribos o


adultério feminino era resolvido pacificamente graças a uma espécie de divórcio sumário, o que
fez com que o padre Anchieta informasse (p. 82) a seus superiores que os selvagens casavam e
descasavam com incrível facilidade.
p. 82 Nos mitos de diversas tribos brasileiras existem figuras femininas de importância tão
grande quanto à dos heróis masculinos. Assim, entre os Timbira, grupo Gê, surge a figura de
Kacitiwei, originariamente uma estrela que, por se ter compadecido do índio Tutki, o qual não
conseguia obter uma companheira, devido à sua feiúra tomou a forma humana para casar-se com
ele.
Após essa união, notando que os membros da tribo do esposo não conheciam nenhuma
planta alimentícia, ensinou-os a plantar o milho para a feitura de alimentos.
Mas, a estrela- mulher não concordou com o companheiro quando este solicitou- lhe os
direitos de marido, negando dar as primícias do himeneu.
Devido à insistência do marido, ela optou por retornar ao céu e à condição anterior de
astro e, apenas, admitiu que Tukti a acompanhasse a fim de se tornar, também, um outro corpo
celeste.
Já os índios Tupinambá, excluíam as mulheres dos mitos religiosos, não obstante
inexistirem outras limitações de ordem sexual.
A divisão dos trabalhos sempre criavam separações devido às condições tipicamente
femininas e o impedimento de as mulheres exercerem funções místico-religiosas, limitavam seu
poder, mas ainda assim, mantinham elas diversos direitos que não eram contestados.
A manutenção, em várias tribos, de um esposo de viúvas constituía um mecanismo
destinado a manter a tranqüilidade (p. 83) tribal, já que existindo elementos com a função
precípua de assistirem sexualmente àquelas que tivessem perdido os companheiros, cessava o
perigo de que um ho mem fosse requisitado por uma mulher carente de afeto.
p. 83 Tais func ionários tornavam-se isentos de outros trabalhos, mas não podiam recusar seus
préstimos mesmo que a parceira fosse velha ou feia.
Outro aspecto curioso da vida dos indígenas era a prática da “Couvade” que existia,
também, entre os povos da África, Oceania e Austrália e que consistia no resguardo masculino
após o parto da esposa, idêntico, senão maior, que o desta, mantendo total repouso durante, pelo
menos, uma semana.
A razão de tão insólito comportamento era devido a política patriarcal que considerava o
filho uma criação eminentemente masculina, sendo a mãe apenas um mero repositório do bebê,
não tendo nenhuma participação na concepção. Ainda dentro de tal linha de raciocínio, se uma
mulher da tribo engravidava de um inimigo do clã ou da família, ela própria deveria matar a
criança logo após o parto, visto seus familiares não considerarem o nascituro como parente.

p. 85

PEABIRU – A GRANDE VIA INDÍGENA

12
A NAVEGAÇÃO FLUVIAL DOS INDÍGENAS — OS CAMINHOS NA FLORESTA
— AS INTERLIGAÇÕES ENTRE REGIÕES AFASTADAS — LENDAS SOBRE A ORIGEM
DO PEABIRU — ORIGEM DA DENOMINAÇÃO DOS ÍNDIOS DO BRASIL — POSSÍVEL
32

LIGAÇÃO COM OS POVOS DO PACÍFICO — FIM MELANCÓLICO DOS “CAMINHOS”


— OUTRAS VIAS DE INTEGRAÇÃO.

O indígena brasileiro, a exemplo dos demais ameríndios, era um exímio viajante. O senso
de orientação pelas estrela s era um dom natural e sua capacidade de navegar pelos rios do
sistema hidrográfico continental tornou-se proverbial, sendo que, até hoje, nas regiões pouco
transitadas pelos civilizados, o tráfego fluvial é constante e a arte da construção de canoas e
pirogas constitui uma das razões da sobrevivência de várias tribos ainda não aculturadas que,
graças ao rápido deslocamento fluvial, escapam aos brancos, voltando a reconstruir suas aldeias
em pontos de acesso mais difícil.
p. 86 A viagem através da floresta constituía, outrossim, uma habilidade dos silvícolas, pelo
que deve ter existido uma grande via terrestre de interligação do país, conhecida através da
narrativa dos primeiros europeus chegados à terra brasileira e que entre os nativos possuía o
nome de Peabiru e sulcava um largo espaço ao sul do continente.
Consta- nos que a primeira menção do Peabiru surgiu em São Vicente, logo após a
descoberta e que aquela estrada partindo do litoral e galgando a serra do mar, perdia-se nas
alturas, com mais de oito palmos de largura e apresentava sinais inequívocos de que era
largamente utilizada.
Percorrendo mais de duzentas léguas, a partir da orla marítima, a estrada interrompia-se
por menos de uma lé gua, para reaparecer, adiante, seguindo cada vez mais para o interior do país
e prosseguindo, ainda, além, talvez até a orla do Oceano Pacífico.
Os sacerdotes católicos interrogaram os nativos sobre aquela via, sendo informados que
eles a chamavam de Peabiru, que significava “O Caminho” e fora aberto pelo pai Sumé, o deus
branco.
Surgiu, então a lenda que deveria perdurar através dos séculos e que fez com que os
silvícolas do Brasil recebessem a denominação de índios, pois, como foi por nós explicado, em
outro capítulo, os padres catequistas concluíram que o Pai Sumé não poderia ser outro senão o
apóstolo São To mé, que pregou o Evangelho nas Índias, logo o Brasil seria uma das Índias. Vai
daí...
De qualquer maneira, a existência do Peabiru pode ser atribuída, talvez, a uma expansão
incaica que tivesse o (p. 87) intuito de estender seu domínio até o Oceano Atlântico, pois
Tahuatinsyuo, o nome que os habitantes do Império do Pacífico davam àquela nação significava
Império dos Quatro Pontos Cardeais.
p. 87 Visto que os indígenas do Brasil nunca construíram estradas e ingente o esforço,
necessário para manter a via permanente livre de vegetação, tal como foi descrito pelos cronistas
da época, faz- nos acreditar que a existência daquela estrada seria devida a algum projeto de
longo alcance daquela nação andina e a casta dominante do Peru poderia, muito bem, desejar
submeter ao seu férreo domínio. todo o hemisfério.
Em 1553, a notícia recebida pelas autoridades portuguesas do Brasil de que o forte
espanhol de Assunção poderia ser alcançado pelo caminho indígena, fez com que Martim
Affonso de Souza, temeroso de que os espanhóis viessem a ocupar São Vicente vindos pelo
Peabiru, baixasse normas proibindo, sob pena de morte, o uso da estrada, proibição estendida aos
jesuítas que desejava ir partir para o Paraguai, com o intuito de evangelizar os nativos daquela
região, bem como protegê- los da escravidão a que eram submetidos pelos castelhanos.
Presume-se, pelas descrições históricas, que o caminho passava pela atual cidade de São
Paulo, que por sinal, teria sido edificada como posto de segurança, a fim de evitar sua utilização.
O possível traçado do Peabiru seria o seguinte: — Saindo de São Vicente, passava por
Piratininga, São Paulo, Sorocaba, Botucatu, Tibagi, Ivaí, Piqueri e ali bifurcava-se indo um dos
ramos para Iguaçu, ao sul, no ponto em que o rio recebe, por sua vez, o Santo Antonio. Após
33

cruzar o rio, seguia, então, quase em linha reta até o local onde foi edificada a capital do
Paraguai: — Assunción.
p. 88 Quanto à ramificação que se dirigia para o leste, não existe concordância relativa ao seu
traçado.
A existência de uma estrada ao sul do país não exclui a possibilidade de terem existido
outras mais para o norte ou centro-oeste. Não se conhece tradições a tal respeito.
Quanto ao Peabiru, a proibição do Governador Geral fez com que, caindo em desuso, este
tivesse o fim inglório representado por sua retomada pela selva. Assim findou o caminho secreto
dos indígenas do Brasil.
Restando-nos, apenas, as indagações: Quem o fez e a que se destinava o Peabiru?
Ainda quanto ao problema de estradas ao norte do país, elas não seriam tão necessárias,
pois o sistema hidrográfico provia toda a região de vias navegáveis, como demonstraram
diversos exploradores que realizaram as seguintes travessias:
Descida de Quito até a foz do Amazonas, realizada entre 1541 e 1542, por Francisco de
Orellana.
Lope de Aguirre e seus companheiros, conhecidos por “Invencibles Marañones”, descem
desde os Andes Perua nos até o delta amazônico em 1561.
Os frades espanhóis, Domingo de Breva e Andrés de Toledo, acompanhados de alguns
soldados reeditou o feito de Orellana em 1636/37.
O general Pedro Te ixeira, com uma expedição luso-brasileira, responde às entradas
espanholas com um “raid” que partindo de Gurupá, na foz do Rio mar, consegue atingir Quito e
retornar ao ponto de partida em 1641.
Isto tudo, sem falarmos das diversas expedições limitadas ao rio Amazonas e a uns
poucos afluentes, como a de “Sir” Walther Raleigh, vem nos provar o conhecimento pelos
ameríndios do potencial das ligações hidroviárias: no período anterior à conquista.

p. 89

ESCRITA ENTRE OS ABORÍGENES

13
CAVERNAS E ROCHEDOS COM ESTRANHOS DESENHOS E GRAVAÇÕES,
ORIGENS PROVÁVEIS DAS INSCRIÇÕES LAPIDARES — A PEDRA LAVRADA DO
INGÁ E SEUS FABULOSOS DESENHOS — RELATO DE PESQUISADORES E
INTERPRETAÇÕES DISCORDANTES — POSSIBILIDADE DE UMA ESCRITA
INDÍGENA — OS FENÍCIOS NO BRASIL, VASOS BRASILEIROS DE CERÂMICA COM
INSCRIÇÕES.

O assunto relativo à escrita pré-colombiana no Brasil é um dos mais apaixonantes temas


da arqueologia brasileira em virtude do número avultado de trabalhos existentes acerca do
aludido tema, divididos, igualmente, entre os que acreditam e os que consideram total absurdo
sua autoria pelos selvagens.
34

As inscrições encontradas em cavernas e rochedos situados em diversos pontos do


território brasileiro, contam-se aos milhares e têm propiciado as mais fantásticas (p. 90) teorias,
sendo tais gravações atribuídas a fenícios, gregos, vikings e até, mesmo, aos atlantes!
p. 90 Mas, as inscrições dos indígenas do Brasil são isto mesmo: Inscrições dos indígenas!
Querer atribuir aos litoglifos uma outra origem constitui desconhecimento do assunto ou o que é
pior: — Má fé.
Tivemos a oportunidade de citar a Pedra Lavrada do Ingá, que contém sinais que se
assemelham à escrita rongo-rongo da ilha da Páscoa. Encontram-se, ainda, naquela pedra
representação de diversos astros a que foi dada a denominação de Tábua Astronômica e que
parece ter sido feita com o propósito de reproduzir todos os corpos celestes visíveis naquela
região da Paraíba.
Já no ano de 1896, o conselheiro do Instituto Histórico Brasileiro, Tristão de Alencar
Araripe, apresentava, na sessão de 9 de dezembro, uma memória de sua autoria que relacionava
34 sítios que continham, a seu ver, inscrições lapidares, apresentando os desenhos colhidos em
diversos locais daqueles sítios e que eram citados com minúcias.
Seu extenso trabalho foi publicado na Revista do Instituto Histórico, tomo 50 e passou a
figurar como fonte de consultas até os dias atuais. Entretanto, ele não chegou a emitir um juízo
acerca dos possíveis autores daquelas inscrições.
O coronel Bernardo Azevedo da Silva Ramos acreditou que a maior parte das inscrições
lapidares eram gregas ou fenícias, escrevendo um monumental trabalho em dois volumes
intitulado Inscrições e Tradições da América Pré-Colombiana em função de tal idéia.
Ainda no fim do século passado, surgiu um livro do famoso explorador americano Carlos
Frederic Hartz, lançado (p. 91) em tradução brasileira no ano de 1895, com o título de
Inscripções em Rochedos do Brazil. Suas conclusões não lhe permitiram emitir um parecer
definitivo, mas a obra é de grande importância por conter sinais de sítios que já não existem.
p. 91 Finalmente, Alfredo Brandão, em seu trabalho A Escrita Pré-Histórica do Brasil, aventa
a possibilidade de os indígenas brasileiros terem possuído uma escrita própria, (p. 92) ora
silábica, ora hieroglífica. De toda maneira, deve ter sido um dos que mais se aproximaram da
realidade.
35

Vasos brasileiros pré-cabralinos.


Seriam estes símbolos uma forma de escrita?

p. 92 Modernamente, diversos autores atribuíram os glifos a mera atividade de elementos


ociosos de determinadas tribos. Seguindo tal linha de raciocínio, um índio desenha va uma figura
qualquer, a seguir, um outro, por espírito de emulação, fazia novas figurações e assim por diante,
até cobrirem uma larga extensão, seja de uma laje, seja de uma caverna.
Tal raciocínio afigura-se-nos um autêntico absurdo, pois muitos dos sinais encontram-se
em locais de difícil acesso, o que elimina qualquer dúvida quanto à intencionalidade do trabalho.
A repetição de certos símbolos em regiões distantes centenas de quilômetros, dão-nos a
convicção de que os nativos possuíam meios de identificá- los, conhecidos por vários grupos.
Formariam idéias ou indicações que poderiam ser entendidas, por diversas pessoas, o que os
coloca, inequivocamente, na categoria de escrita.
Ainda dentro da presumida teoria fenícia, temos a destacar a inscrição encontrada na
Paraíba, na última centúria, por Ladislau Neto que a traduziu e interpretou como sendo a
descrição do naufrágio de uma nave de Sidon, por seus tripulantes.
Apodada de fantasia pelos doutos da época, a aludida tradução foi ressuscitada, devido a
uma nova interpretação do conhecido professor americano Cirus Gordon que reitera estar a
tradução de Ladislau absolutamente correta.
Não é de todo impossível, aquela e outras naves terem naufragado nas proximidades do
continente americano, (p. 93) mas não podemos atribuir todas as inscrições a náufragos, mesmo
porque muitas encontram-se distantes do litoral centenas de quilômetros.
p. 93 Finalmente, o maior mistério acerca deste apaixonante assunto, poderá se constituir nos
vasos existentes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, que foram considerados pelo coronel
Fawcett e pelo então diretor daquele estabelecimento, como ornados com uma espécie de escrita,
sendo que os vasos em questão, por eles estudados, eram oriundos de pontos diversos do
território nacional.
O professor Alberto Childe, que àquela época era o diretor do museu, em artigo intitulado
“Vasos Brasileiros Pré-Colombianos com Inscrições”, e que foi publicado na revista Ciências em
número que não consta, sequer, na Biblioteca Nacional, revela-nos com minúcias uma
importante questão.
Após buscas demoradas e pacientes, conseguimos localizar um exemplar da mencionada
revista e pudemos constatar que, na realidade, os desenhos dos aludidos vasos cerâmicos
sugerem uma forma de escrita bastante desenvolvida.
Um estudo por nós efetuado, das figurações descritas, uma vez localizados alguns dos
vasos, não nos levou a uma conclusão do tipo de escrita que pode ser silábica ou ideogramática.
O estilo dos próprios vasos, lembrou-nos a cerâmica de Miracanguera, a enigmática cultura
36

descoberta por Barboza Rodrigues e que não apresenta nenhuma ligação com as demais culturas
do Brasil.
Serão os vasos apontados por Fawcett e Childe a “Pedra de Roseta” para a decifração da
escrita dos habitantes do Brasil pré-cabralino? Somente o tempo poderá responder.

p. 95
SEGUNDA PARTE

CULTURAS ENIGMÁTICAS DO BRASIL

p. 97

A ILHA DE MARAJÓ E SUAS FASES ARQUEOLÓGICAS

14
AS MAIS BELAS PEÇAS DE CERÂMICA DESCOBERTAS EM JAZIMENTOS
ARQUEOLÓGICOS — ARTE FUNERÁRIA — TANGAS FEMININAS — OBJETOS
DESCONHECIDOS EM TODAS AS CULTURAS AMERÍNDIAS — PEÇAS
ARTISTICAMENTE DECORADAS — DIVERSOS JAZIMENTOS LIGADOS À CERÂMICA
MARAJOARA — HIPÓTESE DA EXISTÊNCIA, NO PASSADO, DE UMA GRANDE
CIVILIZAÇÃO NO BRASIL.

Marajó, a grande ilha fluvial do delta do Amazonas, tornou-se responsável pelo


conhecimento do Brasil em diversos pontos do Velho Mundo, devido ao aparecimento, nos fins
do século passado, de uma cerâmica que é considerada uma das mais belas dentre quantas já
surgiram em jazimentos arqueológicos.
Descobertas acidentalmente, as louças encontravam-se em montíc ulos funerários,
principalmente numa região do interior da ilha de Marajó, conhecida pelo nome de ilha do
Pacoval.
p. 98 Encontrada em tumbas de grande antiguidade, a cerâmica marajoara constituía-se,
principalmente, de urnas funerárias antropomórficas.
A grande maioria de tais peças representa figuras fe mininas, existindo, também, um
objeto desconhecido em todas as demais culturas ameríndias e que são as tangas femininas.
Outros utensílios e pequenos objetos assinalados na região são cachimbos, pratos,
maracás e pequenos ídolos, todos produzidos em argila e decorados com motivos lineares,
muitas vezes em relevo, o belíssimo exciso, denominado de Champ-elevé pelos especialistas.
Na ilha de Marajó foram assinalados outros jazimentos, sendo hoje divididos em cinco
fases arqueológicas, verificadas na ilha, muitas com ligação com culturas não insular.
Atualmente a maioria dos arqueólogos aceitam a seguinte seqüência :
37

1ª) — Fase Anatuba — situava-se na costa norte da ilha.


2a) — Fase Mangueiras — situada não só na ilha de Marajó, oeste como ainda na ilha de
Caviana.
3ª) — Fase Formiga — norte e centro da ilha da Marajó.
4a) — Fase Marajoara — encontram-se sítios desta fase em mais da metade da ilha, na
sua parte norte.
5a) — Fase Aruâ — última e menos importante de todas as fases insulares. Constitui-se
de cerâmica mal cosida e de formas extremamente vulgares.

Parece-nos não ter existido um relacionamento entrem as diversas culturas ou fases de


Marajó. A tipologia cerâmica (p. 99) é diferente em cada caso e, apenas os cachimbos poderiam
ser considerados como elementos de ligação entre elas, embora não apresentem identidade
absoluta.
p. 99 Ainda, para aprofundar o mistério revelado por tais objetos, a cerâmica da fase
Marajoara, poderia, somente, ter sido realizada por um povo sedentário e altamente civilizado.

Tanga de cerâmica da cultura de Marajó. Elemento de convicção para a assertiva


de que se tratava de cultura “patriarcal”.

p. 100 Muitos estudiosos têm assinalado semelhanças entre os artefatos marajoaras e obras de
diversas partes do mundo.
Até o presente, entretanto, não foram encontrados centros de ocupação dessa estranha
cultura, cujos trabalhos cerâmicos serão sempre admirados e que sepultavam seus mortos
naquela ilha.
O general Couto de Magalhães assinalou em seu livro O Selvagem a existência de um
edifício muito arruinado que passava boa parte do ano submerso pelas águas do Amazonas. Não
possuímos nenhuma outra informação de estudiosos que hajam avistado tal edificação.
Domingos Soares Ferreira Penna, ilustre pesquisador das coisas brasileiras, tinha, como
uma de suas metas encontrar tal construção, advertindo em um de seus trabalhos esta intenção;
não o fazendo, por falta de oportunidade. Quando interrogou habitantes da ilha sobre a mesma,
somente duas pessoas, ambas quase centenárias, lembraram-se de ter avistado a aludida
edificação.
38

Desconhece-se qualquer pesquisa subaquática na região, razão porque não podemos


negar a existência do aludido edifício, que poderia ser, talvez, um templo erigido por alguns dos
produtores de cerâmica.
Por tudo que nos foi dado conhecer, inexistindo restos de moradias dos personagens que
sepultaram seus mortos na ilha de Marajó e sendo certo que para atingir tal perfeição artística,
como demonstram aquelas jóias de cerâmica, bem como os conhecimentos técnicos necessários
para a execução dos primorosos artefatos que nos le garam, seria mister que fossem senhores de
uma cultura superior e é de se crer que suas aldeias ou quiçá uma verdadeira cidade, devem ser
procuradas dentro da floresta amazônica, o que nos comprovará, certamente, a existência de uma
grande e avançada cultura no Brasil Pré-cabralino.

p. 101

O JAZIMENTO DE MIRACANGUERA

15
IMPORTANTE NECRÓPOLE AMAZÔNICA — MARAVILHOSAS PEÇAS
CERÂMICAS — PEÇAS ORIUNDAS DE CULTURA DESCONHECIDA — CERÂMICA
DE PRODUÇÃO FINAMENTE ELABORADA. LAMENTÁVEL PERDA DE VALIOSO
ACERVO CULTURAL — DESAPARECIMENTO TOTAL DE IMPORTANTE SITIO
ARQUEOLÓGICO — ELEMENTOS QUE SUGEREM EXISTÊNCIA DE ANTIGAS
CULTURAS NO AMAZONAS — ORIGEM COMUM DE VÁRIAS CIVILIZAÇÕES.

Próximo à cidade de Itaquatiara, às margens de um afluente do Amazonas, foi


descoberto, em 1870, o importante jazimento arqueológico que recebeu a designação de
“Necrópole de Miracanguera” e que, lamentavelmente, não subsiste nos dias atuais, pois foi
destruído pela erosão e, ainda, por cheias do rio.
No jazimento encont raram-se centenas de objetos cerâmicos de notável acabamento e,
embora fossem também (p. 102) de cunho cerimonial e ou de culto aos mortos, diferia dos
achados de Marajó, visto que, em Miracanguera, ao contrário dos Mounds do Pacoval, os
mortos eram incinerados, sendo que a maioria das urnas eram vasos cinerários, existindo,
ademais, louça utilitária, vasos para queima de incenso e, ainda, vasos antropomorfos, de um tipo
total mente diferente dos marajoaras.
No local, também não foram encontradas peças semelhantes às tangas, que, como
acentuamos, constituem uma característica exclusiva da cultura marajoara.
O descobridor de Miracanguera, Barboza Rodrigues, ressaltou que embora existissem
algumas semelhanças entre as duas culturas, a diferença de ritos fazia presumir que se tratasse de
grupos inteiramente diferentes, o que se torna discutível, pois poderia existir uma origem
comum, estando, apenas, distanciados por algumas centenas de anos, o que explicaria as
diferenças de forma e de conteúdo entre tais culturas.
Embora os cerâmicos de Marajó fossem melhor elaborados, a qualidade da matéria-prima
empregada em Miracanguera era bastante superior e o cozimento mais perfeito, tornava as peças
mais duras e resistentes.
39

O belíssimo engobo branco que cobria as peças cerâmicas de maior importância ritual,
chega a dar impressão de porcelana. Podemos lamentar, somente, que os peque nos problemas de
animosidade e divergências científico-profissionais, tenham impelido que Barboza Rodrigues e
Ferreira Pena houvessem trabalhado juntos naquele jazimento.
O envio das peças arqueológicas de Miracanguera aos Estados Unidos, onde foram
exibidas num pavilhão durante a (p. 103) Exposição de 1900, em Filadélfia e que naquele país
permaneceram sem que fossem tomadas providências para sua recuperação, dificulta o estudo
daquela cultura nos dias presentes, principalmente pelo fato de o desbarrancamento do sítio
arqueológico não nos permitir (p. 104) a possibilidade de obter novas peças para exame e
conhecimento mais acurado das técnicas empregadas.

Tampa de urna da cultura Miracanguera. A maior parte dos objetos deste jazimento
foi enviado para os Estados Unidos e nunca mais retornou ao nosso país.

p. 104 Por que será, então, que povos que atingiram tal grau de evolução, não deixaram indícios
de sua passagem, tais como ruínas de povoações de maior importância ou cidades maiores?
Existe a possibilidade, já aventada por nós, em capítulo anterior, de que tal povoação ou
cidade ainda não encontrada, ache-se, presentemente, coberta pela floresta tropical, podendo ser,
a que foi descrita, muitas vezes no passado com o nome de Manoa, procurada durante séculos
por exploradores e aventureiros; com suas riquezas narradas por diversos silvícolas com palavras
que nos deixam extasiados ante a possibilidade de sua existência.
Pode haver outra explicação. A cidade em causa teria sido construída com materiais
perecíveis, como eram os tetos das casas de pedra de Machu Picchu, nos Andes, pois constitui
fato proverbial a total inexistência de pedras em toda aquela região e os altos índices
pluviométricos teriam desfeito os tijolos de eventuais construções de adobe.
Outros importantes elementos que fazem presumir a existência de alguma elevada
civilização amazônica, são os ídolos de pedra, dos quais somente foram conhecidos treze
exemplares em razão de muitos outros terem sido destruídos ou lançados aos rios por ordem dos
missionários.
Curt Nimendajú, conseguiu obter quatro exemplares, que se encontram expostos no
Museu de Goteborg.
40

Barboza Rodrigues, em seu livro Ídolo Amazônico, apresenta a imagem de um outro de


notável acabamento, (p. 105) atualmente em poder da família do conhecido e renomado
explorador.
Sabe-se, ainda, que mais dois ídolos daqueles já descritos, foram enviados para a França,
encontrando-se, presentemente, no Museu de Nantes.
Dos demais, podemos informar que uma figura nas coleções do Museu Goeldi, em Belém
do Pará e outro pertence ao Instituto Histórico do Amazonas.
Quantos mais permanecerão em mãos de particulares ou aguardando os arqueólogos que
os venham a encontrar é coisa que não saberíamos dizer.
E existem, ainda, as estátuas encontradas na região do rio Napo, que apresentam conexão
com a cidade de Chavin de Huantar e seu horizonte cultural, o mais antigo e de maior
importância no continente americano.
Chavin de Huantar, a Necrópole de Miracanguera e o jazimento arqueológico da ilha de
Marajó, possivelmente devem ter e, certamente, terão uma origem comum.
Existem em tais culturas traços que provam, ser, o contexto todo, parte do mesmo
horizonte, que se encontra com sua Matriz perdida, mas que deverá surgir um dia para responder
a todas as questões acerca do segredo, da, origem e das grandes culturas ameríndias.

p. 107

MARACÁ

16
CERÂMICA À PRIORI CONSIDERADA DE POUCO VALOR — PROCEDÊNCIA,
ANTIGUIDADE E USO — CERÂMICA CERIMONIAL — MAIOR APREÇO — URNAS
FUNERÁRIAS DE SEPULTAMENTO SECUNDÁRIO — ORIGEM PROVÁVEL.

A cerâmica de Maracá, que a arqueóloga Betty Meggers considera originária do Equador,


ainda se encontrava em uso depois da descoberta do Brasil pelos portugueses, em contraposição
às das culturas Miracanguera e Marajoara que são muito anteriores ao início do domínio dos
europeus.
Tendo sido descobertos tais frutos de uma cultura nativa, por Ferreira Penna, que não as
considerou de maior importância, elas foram estudadas, posteriormente, por Frederico Baratta,
que concluiu representarem tais peças um estágio importantíssimo nas culturas amazônicas e que
deveriam estar em uso por bastante tempo, — antes dos descobridores da região, continuando
utilizadas (p. 108) sem maiores modificações após o domínio destes, por mais de cinqüenta anos.
p. 108 De forma semelhante às cerâmicas de importância encontradas no Brasil, também a de
Maracá era de usa funerário, podendo-se destacar três tipos principais:

1°) — Meros cilindros com tampas, produzidos sem decoração ou pintura.


2°) — Peças antropomorfas, sempre ostentando a representação do sexo do defunto,
pintadas com linhas paralelas ou zig- zag, sendo utilizadas as cores preta, branca, amarela e
vermelha.
41

3°) — Peças zoomorfas, também desenhadas, representando, geralmente um jaguar.

As urnas contêm sempre um esqueleto completo, constando, sempre de um sepultamento


secundário.
O acabamento da cerâmica de Maracá é razoável, sendo que o anti-plástico mais usado
consiste na própria areia e em alguns casos, as cinzas de caraipé.
Embora não apresentem a qualidade do material encontrado no Monte Pacoval, as urnas
de Maracá são muito superiores ao que faziam as tribos Tupi, acreditando-se que tivessem,
possivelmente, sua origem no Caribe, podendo outrossim, ter sofrido influência Tiuhanacota, o
que é consubstanciado pelas representações de felinos nas peças zoomorfas.

Uma funerária de Maracá. Estas urnas antropomorfas


são notáveis pelo acabamento, e pelo fato de indicarem
o sexo de seus ocupantes.

p. 111

SANTARÉM

17
CERÂMICA BASTANTE CONHECIDA — GRANDE ABUNDÂNCIA NO LOCAL
ONDE RETIROU O NOME — VARIEDADE DE MOTIVOS ORNAMENTAIS AUTÊNTICO
BARROCO BRASILEIRO — IDENTIDADE COM OUTRAS CULTURAS AMERICANAS.
42

Vaso de Santarém, com ornamentação de caríátides.


O mais representativo dos trabalhos da cultura do Tapajós.

p. 112 A cerâmica de Santarém é uma das mais conhecidas em todo o país, existindo exemplares
na maioria dos museus nacionais.
Encontrada com abundância na cidade que lhe deu o nome e em sítios próximos à
mesma, ela destaca-se pela quantidade de motivos ornamentais, pelo que é considerada como
barroco brasileiro.
Não são conhecidas peças de grande porte na louça de Santarém nem ela surge em forma
de urnas funerárias.
O tipo mais representativo desta cerâmica é constituído pelos chamados vasos-
candelabros existindo, ainda, um outro tipo, bastante comum, que consiste nos vasos de gargalo.
Sua origem acha-se identificada, trata-se de criação das tribos Tapajoara. Alguns
arqueólogos consideram ter havido uma influência oriunda da América Centrai, o que lhes
retiraria a originalidade, sendo que Helen Palmartary pretende ter identificado analogias com
material oriundo do vale do Mississipi, nos Estados Unidos.
A cerâmica é de boa modelagem e apresentação, muitas vezes esbranquiçada e, em
alguns casos, com acabamento inciso.
São conhecidas peças com figurações de homens e animais. Os pratos costumam
apresentar decorações incisas em forma de botões.
A primeira referência que se conhece sobre a cerâmica tapajoara foi enunciada pelo Padre
Carvajal, sendo estranhável que haja caído em desuso, permanecendo ignorada por tanto tempo,
até seu aparecimento, muito tempo após os achados de tantas peças, em uma rua de Santarém,
durante violento temporal.

p. 113

CUNANI

18
43

PEÇAS DE CERÂMICA DESCOBERTAS EM JAZIMENTOS DA ANTIGA GUIANA


BRASILEIRA — URNAS FUNERÁRIAS. — JAZIMENTOS SECRETOS DOS ÍNDIOS —
IDENTIDADE COM OS “HIPOGEUS ” EGÍPCIOS — INCERTEZA QUANTO ÀS DATAS
DE PRODUÇÃO DA CERÂMICA CUNANI — FALTA DE RECURSOS PARA NOVAS
PESQUISAS DE CAMPO.

Muito pouco conhecida, a cultura Cunani foi identificada por Emílio Goeldi, na região
então denominada Guiana brasileira, hoje Território do Amapá.
O jazimento descoberto no decurso de uma expedição arqueológica, constituía-se de dois
depósitos de urnas funerárias, comparáveis com os locais de inumação secretos, denominados
pelos egiptólogos de Hipogeus, e que diferiam das edificações piramidais, tão sobejamente
conhecidas. Este achado ocorreu em 1895.
p. 114 As cerâmicas apresentaram-se pintadas de vermelho sobre um fundo branco, eram de
excelente cocção e ótimo acabamento e são similares a outras já descobertas na região,
conhecidas pela designação de Fase Aristé.
As urnas, que não possuíam tampas, continham ossos calcinados misturados com terra,
denotando o hábito da cremação dos cadáveres.
As peças deste grupo ceramista, classificadas como oriundas de uma cultura pós-
colombiana em razão do brilho das tintas, já que no entender de seu descobridor teriam perdido o
brilho e parte do colorido se fossem mais antigas, não aparecem associadas a artefatos europeus,
o que gera ampla polê mica em torno de sua antiguidade.
A cerâmica Cunani já foi apontada como originária da Colômbia, com o que não
concordam Betty Meggers e Clifford Evans, que consideram as semelhanças apontadas como
resultado de paralelismo cultural.
Peças de grande beleza, com características totalmente diferentes das originárias de
outras culturas nacionais, embora notasse seu descobridor uma curiosa seme lhança entre
algumas vasilhas funerárias de Miracanguera e o vaso que recebeu o n° 7 do inventário original.
Mas, sendo o inteiro lote das vasilhas do Cunani apenas 19 peças e com a saída do material de
Miracanguera de nosso país, fica prejudicada a possibilidade de um estudo mais acurado.
Emílio Goeldi acreditava que uma busca em determinados pontos previamente
assinalados por ele, resultaria em nova e espetacular colheita. Tal trabalho não pôde ser
executado, face à sempre eterna fa lta de recursos destinados às instituições científicas.
p. 115 Somente despertando o interesse do povo, através da educação é que poderemos algum
dia solucionar tais problemas.
44

Urna antropomorfa de Cunani. Bastante diferente das


urnas de Maracá, seu engobo e as incisões que a recobrem
parecem formar contato com a cultura de Miracanguera.

p. 117

TERCEIRA PARTE

O LEGADO LENDÁRIO

p. 119

MANOA

19 CONQUISTA DA AMÉRICA — DESAPARECIMENTO DE ANTIGAS CIDADES —


DESTRUIÇÃO DE CIVILIZAÇÕES — ESQUECIMENTO DE TRADIÇÕES — CENTROS
CERIMONIAIS — DESCOBERTA DE RUÍNAS DE CIDADES E MONUMENTOS —
45

CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS NO BRASIL — PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE


VELHAS CULTURAS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO — OS CAÇADORES DE
TESOUROS — CRÔNICAS — LENDAS E MITOS.

Todo o ciclo cultural dos ameríndios, a conquista da América cortou bruscamente, já que,
além de terem sido escravizados, foram obrigados a abandonar seus costumes, suas tradições e
seus deuses.
A destruição de suas civilizações e a proibição da utilização dos símbolos pictográficos
fez com que ficassem esquecidas muitas cidades e centros cerimoniais, situados, muitas vezes,
no âmago de florestas luxuriantes.
Vez por outra, são encontradas algumas destas velhas (p. 120) cidades, geralmente,
cobertas pela vegetação tropical ou,, ainda, em locais de difícil acesso, como ocorreu com a
espetacular Macchu-Picchu, descoberta no ano de 1911 no Peru ou a pequena cidade de
Bonampak, encontrada nas selvas da América Central após a Segunda Guerra Mundial e que
abrigava, em um de seus edifícios, as mais notáveis pinturas murais do Novo Mundo.
p. 120 No interior do Brasil, tem sido mencionada, com freqüência, uma cidade abandonada
desde os primeiros anos que se seguiram ao descobrimento do país.
Manoa, nome que lhe davam os nativos, foi procurada por dezenas de exploradores, a
partir do século XVI, sendo os mais conhecidos Francisco de Orellana, Cabeza de Vaca e, neste
século, o coronel Percy Fawcett.
Descrita como cidade prodigiosamente rica em ouro, prata, pedras preciosas etc., Manoa
tem sido muitas veze s confundida com a capital dos Chibchas, cultura da Colômbia, onde era
realizada, anualmente, a cerimônia do El-Dorado, que consistia em cobrir o cacique local com
ouro em pó e que terminava, logo a seguir, com o mergulho deste nas águas do lago Guatavita.
Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, seguindo a intuição de Orellana, de que Manoa nada tinha
a ver com as cerimônias dos Chibchas, concluiu que a cidade perdida deveria se encontrar no
interior do Brasil.
Após exaustivas buscas através do atual Estado do Mato Grosso, Cabeza de Vaca foi
forçado a interromper a procura, embora os silvícolas da região insistissem na informação de que
Manoa se encontrava, apenas, a dez dias de distância.
Febres tropicais, fome e temor dos indígenas levaram (p. 122) os soldados do aventureiro
espanhol a se amotinarem, o que fez com que ele lamentasse, até o fim de seus dias, ter sido
obrigado a regressar, estando tão perto de seu objetivo.
46

Ídolo de pedra descoberto por Barboza Rodrigues,


Que o considerava como propiciador de boa caçada.
Notar a figura do Jaguar, divindade de diversas culturas peruanas.

p. 122 As lendas acerca da cidade perdida, entretanto, persistiram pelos séculos a fora e, em
1753, chegou à Capital do Brasil Colonial uma intrigante relação enviada por uma bandeirante,
descrevendo o encontro de ruínas de uma cidade, próxima a uma mina de prata abandonada.
A mensagem descrevia, ainda, as casas todas de pedra, uma estátua de basalto e a
existência de uma tribo de índios de pele clara que habitavam as cercanias cia vila abandonada.
Esse documento nunca foi levado muito a sério; permaneceu esquecido por muitos anos,
encontrando-se, atualmente, na Biblioteca Nacional, onde se acha catalogado sob o número 512. 6
Podemos, ainda, adiantar que o primeiro mapa amazônico, confeccionado em bases reais,
devido às explorações do missionário alemão Samuel Fritz, realizadas entre 1690 a 1691,
apresentava ao norte do rio Amazonas uma indicação assas curiosa, a localização do lago
“Parima”, onde se situava a Vila Manoa d’El Dorado.
De posse do aludido mapa, o explorador francês La Condamine percorreu uma boa parte
da região e informou em seu relatório à Academia Francesa que os resultados obtidos em suas
andanças deviam-se à fidelidade do trabalho do padre Fritz. Mais um ponto, portanto, a favor dos
(p. 123) que acreditavam nas lendas difundidas naquela parte de país.
p. 123 As descrições dos antigos exploradores e o manuscrito 512 fizeram com que o conhecido
explorador inglês Percy Fawcett, coronel do Exército de Sua Majestade Britânica e que serviu
por vários anos a diversos governos sul-americanos demarcando limites, resolvesse embrenhar-
se pelas selvas brasileiras em busca de Manoa.
Certo de que alcançaria o sucesso esperado, Fawcett partiu de Cuiabá nos primeiros
meses de 1925, acompanhado de seu filho Jack e do fotógrafo Raleigh Rimei.
6
Reprodução apresentada por nós, em fac-símile no livro Civilizações Perdidas das Américas.
47

Em sua última carta à esposa, datada de 29 de maio daquele ano, demonstrava um


excesso de otimismo que contrastava com o temperame nto britânico.
Em certo trecho informava que um silvícola fizera- lhe uma surpreendente descrição de
uma cidade no interior da floresta, existindo no local mencionado diversos edifícios de pedra,
num dos quais se encontrava um espelho de cristal, que, refletindo a luz solar, iluminava o
interior da construção, sendo possivelmente um templo de adoração ao sol.
Após essa carta, ninguém mais ouviu falar da pequena expedição.
Foram escritos diversos livros e centenas de artigos sugerindo soluções para o mistério do
desaparecimento de Fawcett e seus dois companheiros, sendo a mais provável a que admite que
todos tenham sido trucidados por tribos de índios não aculturados, hipótese sustentada por
Orlando e Cláudio Villas Boas, sem dúvida as maiores autoridades acerca das tribos da aludida
região.
O achado de um esqueleto próximo a uma maloca tribal foi considerado durante algum
tempo como sendo a (p. 124) resposta ao enigma, mas o exame realizado pelo cirurgião--dentista
da família do coronel não consubstanc iou a previsão, visto que ele constatou ser diferente a
arcada dental do esqueleto, comparando-a com a de Fawcett, existente em seu arquivo.
Hoje, salvo o trecho que se encontra após as cachoeiras de Von Martius, muitas vezes
apontada pelos indígenas da região, como sendo o local da Cidade do Sol, toda aquela parte do
país acha-se bastante explorada, principalmente graças ao trabalho desenvolvido pelos irmãos
Villas Boas.
Desse modo, o mistério da cidade perdida, permanece definitivamente associado ao
Coronel Fawcett.

p. 125

O GRÃO PAITITI

20
GIGANTISMO DO IMPÉRIO DOS INCAS — EXPANSIONISMO DOS SENHORES
“DOS QUATRO PONTOS CARDEAIS” — INTERCÂMBIO ENTRE OS POVOS DO
PACIFICO E DO ATLÂNTICO — MISTERIOSO REINO SITUADO NAS SELVAS DO
BRASIL — O GRÃO PAITITI, ESPERANÇA DOS INÇAS DERROTADOS POR PIZARRO
— LENDAS — CERÂMICA DE CUNHO RITUAL — INSCRIÇÕES LAPIDARES DO
INTERIOR DO BRASIL.

O grande Império dos Inc as não desprezava nenhuma oportunidade para a realização de
operações comerciais com as tribos situadas à margem dos limites de suas fronteiras.
Geralmente, essas transações constituíam o prelúdio de uma penetração colonizadora,
visto que, face à organização social criada pelos monarcas andinos. — Tahuantynsulo, o
Império dos Quatro Pontos Cardeais, não podia deter sua avassaladora expansão, sendo certo que
dentro (p. 126) de alguns séculos tal processo de gigantismo os teria forçado a um confronto com
os Astecas, que, por sua vez vinham caminhando rumo ao Continente Sul.
48

p. 126 Provas abundantes existem de um material utilitário de exportação efetuada pelos grupos
andinos atingiram povos da faixa do Atlântico, sendo sabido que a galinha doméstica que já era
conhecida pelos últimos monarcas peruanos, desembarcou primeiro no Brasil e passando de tribo
para tribo, atingiu Cuzco em apenas uma geração.
Contudo, o maior dos mistérios arqueológicos ligados ao inter-relacionamento dos Incas
com nossos silvícolas, está no fato de os cronistas espanhóis terem consignado que os últimos
monarcas tornados guerrilheiros após o assassinato de Atahualpa, esperavam auxílio militar de
um reino denominado Grão Paititi, que seria um poderoso Estado soberano, situado em algum,
ponto da Amazônia.
Cumpre notar, que um desses chefes, Tito Cusi, vangloriou-se, seguidamente, diante de
renegados europeus, que, quando seus guerreiros Antis se juntassem aos soldados do Paititi, os
invasores seriam derrotados, pagando com suas vidas os nefandos crimes cometidos,
principalmente os relativos à violação dos templos do sol e das virgens neles albergadas.
Tal auxílio jamais chegou. E o Grão Paititi, mencionado muitas vezes como sendo a
Cidade de Ouro ou Manoa. jamais foi descoberto, muito embora tenham sido realizadas
inúmeras expedições com o fito de descobrir suas ruínas.
As lendas difundidas por diversos grupos tribais brasileiros, aludem à existência de restos
de edificações de pedra, construídas por um grande povo que teria vivido no hinterland, antes
da chegada de Cabral.
p. 127 Em pontos dispersos pelo interior do Brasil, o achado de cerâmica de cunho ritual e de
excelente acabamento, bem como as enigmáticas inscrições lapidares encontradas às centenas
por todo o sertão, fazem fervilhar a imaginação de muitos estudiosos, cheios de esperança por
uma descoberta de tal significado, que seria aclamada com entusiasmo em todo o mundo.

Urna funerária do Cunani. Pela feitura e acabamento,


sugere uma possível ligação com Miracanguera.

Mas, a sistemática falta de verbas para pesquisar o passado desconhecido dos povos
brasileiros e o ceticismo da ciência oficial impedem a obtenção de uma resposta cabal que
esclareça a História do Brasil, antes de 1500.
Muitos estudiosos estabelecem uma separação entre-as lendas acerca de Manoa e as
citações sobre o Grão Paititi e acreditam que poderia ter existido um Estado do tipo tão comum
na região do Pacífico e que teria mantido um relacionamento com o Império Inca, conservando
sua independência, tal como o que ocorria com o Reino Cuismancu, (p. 128) que era mais um
Estado associado do que uma Província daquele Império.
Resta dúvida se o nome Paititi seria o título do Governante ou o nome daquela nação. Em
todo o caso não possuímos elementos que nos permita responder a essa questão.
Se algum dia existiu no coração do Brasil uma cidade pré-histórica, somente um acaso
poderá levar à descoberta de seus vestígios.
49

Esperamos, apenas, que se esse dia vier a acontecer, não sejam os vetustos alicerces de
suas ruínas destruídos por alguma máquina niveladora, antes que os arqueólogos pos?am
solucionar o enigma de muitos séculos, relativo às origens do Brasil.

p. 129-135
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