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Augusto de Castro Sampaio Corte-Real nasceu no número 501 da rua de Cedofeita, no Porto, a 11 de
janeiro de 1883, no seio da família dos Viscondes/Condes de Fijô.

Com 16 anos escreveu o seu primeiro livro, intitulado “Religião do Sol (Prosas Rústicas)”, no qual
expressou a amizade que sentia por Amadeu de Cunha, jovem escritor com quem colaborou nas revistas
literárias “Os Livres” e “A Revista Literária”, juntamente como Óscar Pratt.
Os tempos do liceu foram marcados “pelo convívio e pelas iniciativas literárias” de Carlos Malheiro Dias,
António Patrício, Rodrigo Solano, Paulo Osório, Alberto de Oliveira e Agostinho de Campos. Na cidade de
Coimbra, onde cursou Direito, foi influenciado pelo ambiente literário da geração de 90.

Em 1903 começou a exercer advocacia no Porto e assumiu a direção do diário “A Província”, fundado
por Oliveira Martins. Nos anos seguintes, passou pelas direções dos periódicos “Folha da Noite” (1904-
1905), “A Noite” (1939) e “Diário de Notícias” (1919-1924, 1939-1945 e 1947-1971). Foi redator-
principal do “Jornal do Comércio” (1907-1909) e cronista de “O Século”, onde assinou a secção “Fumo
do meu cigarro”. Além de crónicas e reportagens, foi autor de contos como “O Amor e o Tempo” (1929),
de peças de teatro como “Vertigem” (1910) e “Amor” (1934), de ensaios como “A crise internacional e a
política externa portuguesa” (1949) e “Garrett e o teatro português” (1954).

Paralelamente à escrita desenvolveu as atividades de político e de diplomata. Foi eleito deputado pelo
Partido Progressista durante a monarquia constitucional, foi ministro plenipotenciário em Londres e
junto da Santa Sé (1924), ministro de Portugal em Bruxelas (1929-1931), ministro de Portugal no
Quirinal (Roma, 1931-1935), ministro plenipotenciário em Bruxelas (1935-1938), ministro de Portugal
em Paris, embaixador extraordinário do governo português à Assembleia-geral da ONU (1948) e
representante de Portugal nas conferências sobre o “Plano Marshall” (1948-1949).

Augusto de Castro foi comissário geral da Exposição do Mundo Português em 1938 e, no mesmo ano,
comissário-geral da Exposição do Mundo Português em Paris. Presidiu ao Grémio Nacional da Imprensa
Diária e da Corporação da Imprensa e integrou os conselhos de administração das Companhias Reunidas
de Gás e Eletricidade (1953) e da Companhia Angolana de Agricultura.

Era sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Brasileira de Letras e da Academia
Internacional de Cultura Portuguesa. Em 1969, foi-lhe atribuído o grau de Doutor honoris
causa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Morreu em 1971. 
(Universidade Digital / Gestão de Informação, 2013)

Fonte: http://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1015775

Em 04/07/2014
Augusto de Castro

Conversar sobre viagens, amores, ironias - 1909

Velhice

Aquela encantadora amiga que, no ano passado, com tanta vivacidade me anunciou o meu
primeiro cabelo branco, escreve-me hoje a dizer: "Está vingado, meu amigo. Esta manhã, no
meu pequeno quarto de toilette, o meu espelho deu-me o seu primeiro desgosto. Cá está,
entre o loiro palido da minha cabeleira, esse primeiro fio de neve de que o meu amigo me
falava. É a velhice. Estou comovida. Anime-me e giga-me qualquer coisa, como me prometeu."
No fim, a carta, em letra ligeiramente tremula, tem um post-scriptum: "Confio em si. Guarde
segredo. Pelo amor de Deus, não comece a espalhar que eu estou velha!"

Como vê, minha excelente amiga guardo da sua revelação o mais absoluto segredo. Não falo
nisso senão aqui - que ninguém nos ouve. E deixe-me já dizer-lhe que aquele indiscreto
regosijo com que a minha amiga celebrava, no ano passado, o que dizia ser a minha velhice,
não o tenho eu agora, ao celebrar o que a minha amiga supõe ser a sua. As mulheres teem um
certo prazer em vêr envelhecer os homens - e os homens não teem prazer algum em vêr
envelhecer as mulheres. As mulheres é que são a nossa mocidade ou a nossa velhice. QUando,
em torno de nós, as mulheres que conhecemps, começam a desbotar, a emurchecer, a apagar-
se - a flôr da nossa vida desfolha-se nas primeiroas nortadas do outono. Emquanto, junto do
nosso coração, a primeira de Eva sorri e perfuma, está a nossa alma abrigada dos crepusculos
do inverno.

Veja, por isso, a minha amiga o sobre-salto com que eu receberia a sua notícia, se ela tivesse
qualquer gravidade. Mas, felizmente para nós ambos, a sua inquietação não tem razão de ser.
Um cabelo branco entre os seus cabelos loiros! Sabe o conselho que lhe dou? Corra já ao seu
cabeleireiro - e vingue-se. Como? Pintando-o.
Arrancal-o? Não. Seria um ato de desespero e a minha amiga não deve perder o sangue-frio.
Pinte-o, pinte-o, quanto antes. Para as mulheres com o seu temperamento, a velhice é,
sobretudo, uma questão de habito. Se a minha amiga se resigna, se se habitua a esse primeiro
inimigo, está-lhe definitivamente nas mãos. Esse primeiro cabelo branco é a primeira ironia do
seu destino de amorosa que espreita. A estas horas, o maroto observa-a, estuda-a, sorrindo,
perscrutando o efeito que produziu no seu espirito. Se a vir cair aniquilada sobre a sua chaise-
lounge, se vir nos seus olhos o primeiro rubor de uma insonia ou o primeiro adversario da sua
beleza triunfará - e a minha amiga pertencer-lhe-ba para sempre. A tirania desse fiosito quasi
inteiramente. Ai de si, minha amiga! Quanto mais quizer depois fugir-lhe, mais se enleará nele!
Desde pela manhã até á noite, amargurando todas as suas alegrias e todos os seus desejos,
esse cabelosito branco pungil-a-ha. Crevar-se-ha no seu peito como uma seta envenenada,
atravessar-se-lhe-ha no olhar, no sorriso, no coração. Tel-o-ha deante de si como uma sombra
que, hora a hora, cresce e pesa. Dentro em breve, essa nuvem ensombrará toda a sua vida. A
minha amiga atordoar-se-ha, tentará iludir a sua vigilancia e o seu despotismo - mas o inimigo
lá estará, colado no seu espelho e ao seu pensamento, muito mais do que ao seu penteado e,
com uma vozita fria e antipatica, dir-lhe-ha ao ouvido, a cada sorriso que lhe adivinhar: "Pois
sim, ri, que eu cá estou", ou a cada lagrima que lhe perceber: "Chora, consome-te, que eu
espero-te." E essa voz que se lhe anuncia e espera, essa, sim, minha jovem amiga - é a velhice"

Se, ao contrario, nos seus olhos imperiosos e na sua boca feliz, o inimigo que hoje a espreita,
sorrateiro, entre os seus cabelos, vir, desde o primeiro instante, a serenn e vitoriosa rebelião, a
batalha estarpa para todo o sempre ganha, em seu favor. Não o aceite. Não o reconheça. Não
o queira. Considere esse intruso como um engano da Natureza - e corrija-o. Corrija-o com agua
oxigenada, com Juvenia, com desprezo, com audacia, com provocação. Mostre-lhe que não o
teme e verá que ele não volta. Esse primeiro cabelo branco que a minha amiga me denuncia
não é - oh! não! - a decadencia do seu admiravel esplendor feminino,mas é o primeiro
delicado emissario que a Adversidade lhe envia para a experimentar. A velhice é covarde: só
persegue aqueles que assusta. Não se assuste - e verá como ela foge de si.

Corra, pois ao seu cabeleireiro e mande, provisoriamente, queimar todos os almanaques e


todos os calendaríos que tenha lá em casa. Despreze o Tempo - que é um diabo rabujento.
Para que precisa a minha amiga de saber que dia é ou os anos que tem? Isso é uma coisa que
só interessa aos outros. Fíe-se do que lhe digo - e conhecerá a eterna mocidade de Calipso. E,
sobretudo, se ficou com alguma copia da carta que me escreveu, carta que em que a minha
amia está inquieta e palida, não mostre a esse mafarrico do sei cabelo branco. Seja forte, se
quer continuar a ser bela. Que ninguem suspeite desta nossa conversa! Estavamos ambos
perdidos. Para todos os efeitos, o seu primeiro cabelo branco não existe. Juro-o.

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