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A batalha das asinhas - Por 

Walcyr Carrasco

Jantar fora é, às vezes, uma surpresa! Uma conhecida que é gourmet já


me fez sofrer. Convidou-me para um jantar em sua casa. Nós, os convidados,
sentamos. Observei os lindos talheres de prata, a porcelana e pensei: "Aí
vem coisa boa!". Ela serviu pão com manteiga e salame, orgulhosíssima:
– Eu mesma fiz o pão!

Pensei que fosse a entrada. Não, não era. Era só o que havia. Todos nós, na
mesa, nos olhamos pasmos. Quase perguntei se estava maluca. Em seguida,
sorri gentilmente:
– Eu adoro pão!
Pode ser falsidade. Mas o que dizer?

Tenho um amigo que adora receber convidados em sua casa. Mas é, no


mínimo, cauteloso na quantidade. Se ele convida dez pessoas, compra 1 quilo
de carne para o estrogonofe. Justifica-se:
– Segundo a etiqueta, o certo são 100 gramas por pessoa.
Todas as vezes fica alguma coisa na panela e ele se vangloria:
– Viu só? Sobrou!
Claro. Quem vai raspar o tacho na casa alheia?
Recentemente, ofereceu uma festa para vinte pessoas. Quando
cheguei, a surpresa:
– Não tive tempo de cozinhar. Comprei dois frangos de padaria.
Mentalmente, fiz as contas: teríamos quatro asinhas, quatro coxas... Outro
convidado, cobra criada, se aproximou:
– E agora? Da outra vez ele me convidou para uma paella e quando fui me
servir não tinha mais!
– Agarre uma das asinhas – aconselhei– Pode roer os ossos a noite toda!
Ele suspirou. Eu fiquei na posição de ataque. Assim que os competidores,
digo, convidados, se aglomeraram excitados em torno da mesa, agarrei um
prato. E cruzei a massa humana com a mesma disposição de um campeão de
rúgbi. Rapidamente, cravei o garfo numa asinha!

Outro amigo desenvolveu o hábito de sempre chegar com alguma coisa


quando o anfitrião é suspeito.
– Olhe, eu trouxe uma torta de verduras! – ele diz.
É para se garantir! Mas nem sempre dá certo. Outro dia fui com ele visitar
uma senhora, amiga sua há muito tempo. No caminho, ele comprou uma torta
de maçã.
– Assim a gente garante o lanche – comentou.
Deu errado. Ao receber o presente, a dona da casa exclamou, alegre:
– Que delícia! Vou guardar para hoje à noite!
E nos serviu um cafezinho preto.

Festas viraram um drama com a nova culinária, que é pensada para


magros. Já me serviram uma porção mínima de risoto em xícara de chá! Ou
pedacinhos de peixe em um pires! Dizem que é o "menu degustação". Alguns
bufês cobram caríssimo pela alternativa.
Certa vez eu soube de uma mulher que fazia paellas maravilhosas. Era meu
aniversário e ia chamar trinta amigos. Telefonei. Ela deu o preço salgado e
explicou:
– São mesmo trinta? Eu garanto um camarão por pessoa!
– Minha senhora, e se alguém trouxer alguém, e chegarem 33, 34... eu vou
ter de sortear os camarões?
Se a festa é chique, janto antes!
A tradição brasileira não é assim. Dos portugueses herdamos o hábito
de encher a pança dos convidados. Somos um país de imigrantes. Um
estudioso me explicou:
– Os povos que passaram pelo sofrimento da guerra são mais comedidos.
Pode ser culpa da guerra. Mas é duro entrar na batalha por uma asinha de
frango! A maioria das pessoas conhece alguém assim, e nem por isso é menor
a amizade. Passar fome em tempos de eterno regime é até sofisticado.
Muita bebida e pouca comida, eis o lema dos elegantes!

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