Você está na página 1de 2

CURIOSIDADES DA LÍNGUA PORTUGUESA

Este texto de Mafalda Saraiva mostra o quão maravilhosa é a nossa língua.


Deliciem-se!
Jul 9, 2022 | #ENTRADA, Património e documentação

https://observalinguaportuguesa.org/este-texto-de-mafalda-saraiva-mostra-o-
quao-maravilhosa-e-a-nossa-lingua-deliciem-se/

“É uma expressão portuguesa, com certeza.

Antes de ir desta para melhor, vou dar com a língua nos dentes e lavar roupa
suja. Com a faca e o queijo na mão, com uma perna às costas e de olhos
fechados, vou sacudir a água do capote. Ainda tirei o cavalinho da chuva, tentei
riscar este assunto do mapa, mas eu sou uma troca-tintas, uma vira casacas e
vou voltar à vaca fria. Andava eu a brincar aqui com os meus botões, a chorar
sobre o leite derramado, com bicho carpinteiro e macaquinhos na cabeça,
quando decidi procurar uma agulha no palheiro. Eu sei, eu não bato bem da
bola, mas sentia-me pior que uma lesma e tinha uma pedra no sapato. O
problema é que andava a bater com a cabeça nas paredes há algum tempo, com
um aperto no coração e uma enorme vontade de arrancar cabelos. Passei
muitos dias com cara de caso e com a cabeça nas nuvens como uma barata
tonta. Mas eu, que sou armada até aos dentes, arregacei as mangas e procurei
o arquivo a eito. Acontece que uma vez em conversa com um amigo ele disse-
me «Tiras-me do sério» e eu, sem papas na língua, respondi «Se te tiro do sério,
deixo-te a rir, é isso?». Ele, de trombas e com os azeites, gritou em plenos
pulmões «Esquece Mafalda, escreves belissimamente mas não conheces nem
1/4 das expressões portuguesas.» Só faltou trepar paredes. É preciso ter lata! O
primeiro milho é dos pardais. Primeiro pensei ter posto a pata na poça, depois
achei que ele tinha acordado com os pés de fora e que estava a fazer uma
tempestade num copo d´água e trinta por uma linha. Fiz vista grossa, mas
depressa disse Ó tio! Ó tio! Abri-lhe o coração, o jogo e os olhos na esperança
de acertar agulhas e pôr os pontos nos is. Não lhe ia prometer mundos e fundos
nem pregar uma peta, eu estava mesmo a brincar. Era um trocadilho. Pão, pão,
queijo, queijo. Rebeubéu, pardais ao ninho, fiquei com os pés para a cova, só me
apeteceu pendurar as botas e mandá-lo pentear macacos, dar uma volta ao
bilhar grande ou chatear o Camões. Que balde de água fria! Caraças, levei a
peito, aquela resposta era tão sem pés nem cabeça que fui aos arames. Eu sei
que dou muitas calinadas, meto os pés pelas mãos e faço tudo à balda. Posso
até ser uma cabeça de alho chocho e andar sempre com a cabeça nas nuvens
mas não ia meter o rabo entre as pernas nem que a vaca tossisse. Pus a cabeça
em água e fiquei a pensar na morte da bezerra. Caí das nuvens e com paninhos
quentes passei a conversa a pente fino, não fosse bater as botas. Percebi que
ele tinha trocado alhos por bugalhos, apeteceu-me cortar-lhe as vazas, mas
estava de mãos atadas e baixei a bola. Engoli o sapo, agarrei com unhas e dentes,
dei o braço a torcer e dei-lhe troco com o intuito de descalçar a bota. Não gosto
muito do vira o disco e toca o mesmo, mas isto já são muitos anos a virar frangos
e pus as barbas de molho. Uma mão lava à outra e as duas lavam as orelhas, mas
ele está-se nas tintas, à sombra da bananeira. Não deu uma mãozinha nem
deixou-se comprar gato por lebre. Ficou com a pulga atrás da orelha, pôs-se a
pau antes de estar feito ao bife. Pus mãos à obra, tentei fazer um negócio da
China e bati na mesma tecla. Dados lançados, cartas na mesa, coisas do arco da
velha. Claro que dei com o nariz na porta, o gato comeu-lhe e língua e saiu com
pés de lã. Água pela barba! Devia aproveitar a boleia antes de ficar para tia de
pedra e cal onde Judas perdeu as botas. É que isto pode estar giro e estar fixe,
mas não me apetece segurar a vela com dor de corno e dor de cotovelo só
porque não conheço 1/4 das expressões portuguesas.”
Mafalda Saraiva
Foto: JOSÉ COELHO/LUSA

Você também pode gostar