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M. K. Gandhi
Mas nem todo mundo tem dinheiro para consumir leite. E o leite não está
disponível em todo lugar. Gostaria de mencionar aqui um fato muito
importante no que diz respeito ao leite. Contrariamente à crença popular, o
leite desnatado é um item muito valioso para a dieta. Há momentos em que se
mostra ainda mais útil que o leite integral. A principal função do leite é
fornecer proteínas animais para a construção e reparação de tecidos.
Instrumentos que desnatam para remover as gorduras não afetam nem um
pouco as proteínas. Além disso, os instrumentos que desnatam disponíveis
não conseguem remover toda a gordura do leite. Tampouco existe qualquer
probabilidade de tal instrumento ser construído.
Cereais
O que se aplica aos doces, aplica-se com igual força ao ghee e ao óleo. Não
há necessidade de comer alimentos fritos em ghee ou óleo. Usar o ghee para
fazer puris[6] e laddus[7] é uma extravagância irrefletida. Aqueles que não
estão acostumados com tais alimentos não conseguem nem comê-los. Por
exemplo, os ingleses, quando chegam pela primeira vez ao nosso país, não
conseguem comer nossas comidas doces e fritas. Aqueles que as comem,
frequentemente vi adoecer. Gosto é adquirido, não nasce conosco. Todas as
iguarias do mundo não podem se equiparar ao prazer que a fome dá à comida.
Um homem faminto comerá um pedaço de pão seco com o maior prazer,
enquanto quem não está com fome dá nenhum valor à comida. Um homem
faminto comerá um pedaço de pão seco com o maior prazer, enquanto quem
não está com fome recusará o melhor dos doces.
Com que frequência e quanto comer
Todos os pesos são dos alimentos crus. Eu não coloquei a quantidade de sal.
Este deve ser adicionado depois de acordo com o gosto.
Agora, com que frequência se deve comer? Muitas pessoas fazem duas
refeições por dia. A regra geral é fazer três refeições: desjejum de manhã
cedo e antes de sair para o trabalho, almoço ao meio-dia e jantar no começo
da noite ou mais tarde. Não há necessidade de fazer mais do que três
refeições. Nas cidades, algumas pessoas continuam mordiscando de tempos
em tempos. Este hábito é prejudicial. O aparelho digestivo requer descanso.
P.S.: Quando você fizer uma turnê por Andhra, evite "a fraqueza extrema",
que o sobrepujou da última vez, tomando um litro de leite por dia![9]
Eu publico esta carta com gratidão e desejo que outros homens versados em
ciência médica também me guiem. Ao experimentar, posso tentar descobrir a
verdade sobre a comida na medida em que seja possível para um leigo fazê-
lo.
Se uma pessoa pode consumir frutas maduras sem cozinhar, não vejo razão
para que uma pessoa não possa consumir vegetais também em um estado cru,
desde que se possa digeri-los adequadamente. Dietistas são da opinião que a
inclusão de uma pequena quantidade de vegetais crus, como pepino,
abobrinha, abóbora, cabaça, etc em um menu é mais benéfica para a saúde do
que a ingestão de grandes quantidades dos mesmos cozidos. Mas as digestões
da maioria das pessoas são muitas vezes tão prejudicadas por excesso de
comida cozida que não se deve ser surpreendido se, a princípio, elas não
fizerem justiça a verduras cruas, embora eu possa dizer por experiência
própria que nenhum efeito nocivo se segue quando se consome dez ou vinte
gramas de verduras cruas a cada refeição, desde que sejam mastigados
completamente. É um fato bem estabelecido que se pode obter uma
quantidade muito maior de nutrição com a mesma qualidade de alimento se
for bem mastigado. O hábito de mastigação adequada dos alimentos
inculcado pelo uso de verduras não cozidas, portanto, se não tiver qualquer
outro benefício, pelo menos possibilitará a pessoa a viver com menor
quantidade de alimento e, portanto, não apenas contribuirá para a economia
no consumo, mas também reduzirá automaticamente o himsa[10] dietético que
se comete para manter a vida.
Harijan, 15/02/1935
04. Vegetarianismo
Quanto à opinião do grande Swami, não vi a escrita em si, mas temo que o
correspondente o tenha citado corretamente. Minha opinião é bem conhecida.
Eu não considero a comida de carne como necessária para nós em qualquer
estágio e sob qualquer clima no qual é possível que os seres humanos
habitualmente vivam. Eu considero a comida de carne inadequada para nossa
espécie. Erramos em copiar o mundo animal inferior se somos superiores a
ele. A experiência ensina que a comida animal é inadequada àqueles que
desejam conter suas paixões.
Não se deve comer para agradar ao paladar, mas apenas para manter o corpo
funcionando. Quando cada órgão dos sentidos serve ao corpo e, através do
corpo, à alma, seu deleite especial desaparece, e só então começa a funcionar
da maneira que a natureza pretendia que fizesse.
Há muita verdade no ditado de que o homem se torna o que ele come. Quanto
mais grosseira a comida, mais grosseiro é o corpo.
Harijan, 05/08/1933
Sinta-se livre para abjurar berinjelas ou batatas, se você quiser, mas pelo
amor de Deus não comece a se sentir dominado pela ideia de estar agindo de
forma correta ou se lisonjeie que você está praticando Ahimsa por causa
dessa ação. A própria ideia é o suficiente para corar. Ahimsa não é uma mera
questão de dietética, ela a transcende. O que um homem come ou bebe pouco
importa; é a autonegação, o autocontrole por trás que importa. Sinta-se livre
para praticar tanta restrição na escolha dos itens da sua dieta quanto desejar.
A restrição é louvável, até necessária, mas toca ampla latitude na questão de
dieta e ainda pode ser uma personificação de Ahimsa e compelir nossa
homenagem, se seu coração transborda de amor e se derrete na miséria de
outro, e foi expurgado de todas as paixões. Por outro lado, um homem
sempre escrupuloso em demasia na dieta é um completo estranho perante
Ahimsa e um miserável que inspira piedade, se é um escravo do egoísmo e
das paixões e é duro de coração.
Young India, 06/09/1928
Para mim, essa foi uma grande descoberta em minha busca pela verdade. Em
tenra idade, no curso de meus experimentos, descobri que uma base egoísta
não serviria ao propósito de levar um homem cada vez mais alto ao longo dos
caminhos da evolução. O que era necessário era um propósito altruísta.
Descobri também que a saúde não era de forma alguma monopólio dos
vegetarianos. Encontrei muitas pessoas sem viés para um lado ou para o
outro, e que os não-vegetarianos eram capazes de mostrar, falando de modo
geral, boa saúde. Eu também descobri que vários vegetarianos achavam
impossível permanecer vegetarianos porque tinham feito da comida um
fetiche e porque achavam que, ao se tornarem vegetarianos, podiam comer
tanta lentilha, feijão branco e queijo quanto quisessem. Claro que essas
pessoas não poderiam manter sua saúde. Observando ao longo destas linhas,
vi que um homem deve comer com moderação e de vez em quando jejuar.
Nenhum homem ou mulher realmente comeu com parcimônia ou consumiu
apenas aquela quantidade de que o corpo necessita e nada mais. Nós
facilmente somos presas das tentações do paladar e, portanto, quando
provamos algo delicioso, não nos importamos de consumir um bocado ou
dois a mais. Mas não dá para manter a saúde nessas circunstâncias. Por isso,
descobri que, para manter a saúde, não importa o que comesse, era necessário
reduzir a quantidade da sua comida e reduzir o número de refeições. Tornar-
se moderado; errar para menos, ao invés de para mais. Quando convido
amigos para compartilharem suas refeições comigo, eu jamais os pressiono a
consumir qualquer coisa, exceto apenas pelo que pedem. Pelo contrário, digo-
lhes que não consumam coisa alguma se não quiserem.
(Gandhiji foi então solicitado a dar suas razões para limitar sua dieta diária
a apenas cinco itens, e ele respondeu:)
Esse fato não está ligado ao vegetarianismo. Havia um outro motivo. Fui um
filho mimado da natureza. Naquela época, eu tinha adquirido aquela
notoriedade de tal maneira que, quando convidado a visitar os amigos,
colocavam diante de mim amplos pratos de comida. Eu dizia a eles que tinha
ido lá para servir e, pessoalmente, me veria morrendo lentamente se me
permitisse ser mimado assim. Então, limitando-me a cinco ingredientes de
comida, servi a um duplo propósito. E devo terminar todas as minhas
refeições antes do pôr do sol. Fui salvo de muitas armadilhas por esse
comportamento. Há muitas descobertas sobre isso em relação a razões de
saúde. Os dietistas estão dizendo que estamos cada vez mais tendendo a
simplificar a dieta, e que, se alguém precisa viver para a saúde, é preciso
consumir uma coisa de cada vez e evitar combinações prejudiciais. Eu gosto
mais do processo de exclusão do que o de inclusão, porque não há dois
médicos com a mesma opinião.
Harijan, 20/02/1919
07. Nossa dieta diária
Arroz
Harijan, 25/01/1935
Trigo
Harijan, 01/02/1935
Cereais
Harijan, 01/02/1935
Frutas
Harijan, 15/03/1942
Vegetais crus
Harijan, 15/02/1935
Condimentos
Mas vários condimentos não são exigidos pelo organismo como regra geral,
por exemplo, chilis frescos ou secos, pimenta, turmérico, coentro, alcaravia,
mostarda, feno-grego (methi), assafétida, etc. Estes são consumidos para a
satisfação do paladar. Minha opinião, baseada em minha experiência pessoal
de cinquenta anos, é que nenhum deles é necessário para se manter
perfeitamente saudável. Aqueles cuja digestão se tornou muito sensível
podem consumir essas coisas como remédios por um certo período de tempo,
se for considerado necessário. Mas deve-se fazer questão de evitar seu uso
para a satisfação do paladar. Todos os condimentos, até mesmo o sal,
destroem o sabor natural dos vegetais e cereais, etc. Aqueles cujo paladar não
se tornou viciado apreciam o sabor natural dos alimentos muito mais do que
após a adição de sal, o qual deve ser empregado como coadjuvante. Quanto
aos chilis, eles queimam a boca e irritam o estômago. Aqueles que não têm o
hábito de consumir chilis não conseguem suportá-los no começo. Vi vários
casos de feridas na boca causados pela ingestão de chilis. Conheço um caso
de pessoa que gostava muito de chilis, e seu uso excessivo resultou em sua
morte prematura.
Pratos doces devem ser eliminados por completo. Em vez disso, jagra em
pequenas quantidades pode ser consumido com leite ou pão ou por si só.
Fruta fresca é boa para comer, mas apenas um pouco é necessário para dar
tom ao sistema. É um artigo caro, e um excesso de indulgência por parte
daqueles bem de vida privou os pobres e os enfermos de um item de que eles
precisam muito mais do que os bem de vida.
Harijan, 25/01/1942
[1]
N.T.: Ghee é uma classe de manteiga clarificada desenvolvida na antiga Índia. A manteiga deve
alcançar o estado de fervilhamento, logo anterior ao ponto de ebulição; então, remove-se as impurezas
da superfície. A gordura líquida e translúcida é o ghee; o resíduo sólido que acumula no fundo é
descartado.
[2]
N.T.: Também conhecido pelo nome em inglês buttermilk.
[3]
N.T.: Dentro do Islã, o hakim é um sábio que domina o uso das ervas medicinas.
[4]
N.T.: Também conhecido como roti, é um pão ázimo não-fermentado.
[5]
N.T.: O dal é um dos nomes na Índia para o grão de leguminosa – como a lentilha e o feijão branco.
Por extensão, é também o nome dado na culinário indiana a sopas feitas com base nestes grãos.
[6]
N.T.: O puri é um pão não-fermentado que é frito por imersão, geralmente servido com molhos
salgados ou com pratos doces.
[7]
N.T.: O laddu é um doce esférico feito de farinha, gordura de ghee/manteiga/óleo e açúcar,
frequentemente servido em festas religiosas.
[8]
N.T.: Coonoor é um município no estado indiano de Tamil Nadu, cerca de 1850 metros acima do
nível do mar.
[9]
N.T.: O Dr. R. McCarrison faz referência ao tour que Gandhi realizou em 1929 emAndhra Pradesh,
no sudeste da Índia, então parte da província de Madras, Índia Britânica.
[10]
N.T.: Dentro do hinduísmo e do jainismo, himsa, geralmente traduzido como violência ou
ferimento, é apresentado em contraste com a virtude de ahimsa, compaixão ou não-violência,
aplicando-se a todos os seres vivos.
[11]
N.T.: O Swami Vivekananda (Kolkata, 1863 – Belur Math, 1902) foi um dos principais
responsáveis por difundir o Vedanta e o Yoga no mundo ocidental. Discípulo do místico indiano
Ramakrishna, é considerado essencial para elevar o respeito pelo Hinduísmo como religião mundial e
por estimular o sentimento nacionalista na Índia.
[12]
N.T.: Adi Shankaracharya (Shankara, 788 – Kedarnath, 820) foi um filósofo e teólogo indiano que
consolidou a doutrina monista de Advaita Vedanta, isto é, de que o verdadeiro eu, Atman, é o mesmo
que a Realidade metafísica mais elevada, Brahman. Seu trabalho unificou e estabeleceu as principais
correntes de pensamento do Hinduísmo.
[13]
N.T.: Dayanand Saraswati (Tankara, Raj da Companhia das Índias Orientais, 1824 – Ajmer, Índia
Britânica, 1883) foi o fundador da Arja Samaj, “Nobre Sociedade”, um movimento reformista que
promovia valores e práticas tendo como base a autoridade infalível dos Vedas. Ele foi o primeiro a
reclamar Swaraj, isto é, “autogoverno” para a Índia.
[14]
N.T.: Oliver Goldsmith (Irlanda, 1728 – Londres, 1774) foi um poeta e escritor irlandês, cujas obras
principais são o romance The Vicar of Wakefield (1766), o poema pastoral The Deserted Village (1770)
e a peça The Good-Natur’d Man (1768).
[15]
N.T.: Trecho do poema The Hermit (1765) que aparece como uma balada em The Vicar of
Wakefield.
[16]
Durante seus dias de estudante na Inglaterra, Gandhiji tornou-se membro dessa sociedade e
posteriormente foi eleito como seu Secretário. O Dr. Oldfield era presidente. Em 1931, quando
Gandhiji estava na Inglaterra para a Conferência de Mesa Redonda sobre a Índia, ele foi convidado a
palestrar para a Sociedade.
N.T.: A Sociedade Vegetaria de Londres foi fundada em 1888 para promover o vegetarianismo sem a
inclusão de aves ou peixes na dieta (em contraste com a Sociedade de Manchester).
[17]
N.T.: Henry Salt (Índia Britânica, 1851 – Surrey, 1939) foi um escritor inglês que desenvolveu
campanhas por reformas no sistema prisional, no sistema educacional, nas instituições econômicas e no
tratamento dos animais. Conhecido por ser um vegetariano ético, socialista e pacifista, também era
reconhecido como crítico literário, biógrafo, estudioso clássico e naturalista. Foi Salt quem apresentou
Gandhi às obras de Henry David Throreau e ao estudo do vegetarianismo.
[18]
N.T.: Thomas Richard Allinson (1858 – 1918) foi um medico e jornalista britânico que defendia o
consumo de pão integral. Por sua atitude contrária ao uso de drogas no tratamento de doentes e à
vacinação obrigatória contra a varíola, teve seu registro médico cassado em 1892. Sua defesa da
igualdade entre homens e mulheres, do direito da mulher escolher o tamanho de sua família e de
métodos anticoncepcionais resultou em processo e condenação sob o Ato de Publicações Obscenas de
1901.
[19]
N.T.: Ferramenta de moagem manual típica da Índia.
[20]
N.T.: O crore é um termo numérico tradicional indiano que equivale a dez milhões.