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1

livro

Introdução à Física

Susana de Souza L alic


Lalic

São Cristóvão/SE
2007
Presidente da República Reitor
Luiz Inácio Lula da Silva Josué Modesto dos Passos Subrinho

Ministro da Educação Vice-Reitor


Fernando Haddad Angelo Roberto Antoniolli

Secretário de Educação a Distância Pró-Reitor de Graduação


Carlos Eduardo Bielschowsky Antônio Ponciano Bezerra

Governador do Estado de Sergipe Coordenadora Cesad


Marcelo Déda Chagas Lilian Cristina Monteiro França

Secretário de Estado da Educação Vice-Coordenador


José Fernandes Lima Itamar Freitas

Coordenador do Curso de Licenciatura


em Física
Marcelo Andrade Macedo

Elaboração de Conteúdo
Susana de Souza Lalic

Copidesque Ilustração
Taís Cristina Samora de Figueiredo Arlan Clecio dos Santos
Clara Suzana Santana
Projeto Gráfico Edgar Pereira Santos Neto
Hermeson Alves de Menezes Gerri Sherlock Araújo
Leo Antonio Perrucho Mittaraquis Helder Andrade dos Santos
Tatiane Heinemann Böhmer Manuel Messias de Albuquerque Neto

Diagramação Capa
Kiria Gomes Pereira Hermeson Alves de Menezes
Lucílio do Nascimento Freitas

Copyright © 2007, Universidade Federal de Sergipe / CESAD


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eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito da UFS.
FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Lalic, Susana de Souza


Introdução à Física / Susana de Souza Lalic. -- São Cristóvão:
Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2007.
2 v.

1. Física. 2. Introdução. I.Título.


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COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO

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Alysson Prado dos Santos Hermeson Alves de Menezes
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Clara Suzana Santana Lucílio do Nascimento Freitas
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Fabíola Oliveira Criscuolo Melo Taís Cristina Samora de Figueiredo
Gerri Sherlock Araújo Tatiane Heinemann Böhmer
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Fone(79) 2105-6600 - Fax(79) 2105-6474
Sumário

AULA 1
A Física e sua importância para a sociedade ............................................................. 07

AULA 2
O desenvolvimento do método científico ............................................................... 27

AULA 3
O método científico moderno ................................................................................... 49

AULA 4
A ciência da antigüidade .............................................................................................. 69

AULA 5
A ciência da idade média ............................................................................................. 99

AULA 6
O nascimento da ciência moderna ........................................................................... 123

AULA 7
A ciência do iluminismo ........................................................................................... 151

AULA 8
As grandes sínteses dos fenômenos naturais ........................................................ 181

AULA 9
Século XX e a “Nova Física” .................................................................................... 211

AULA 10
Estrutura geral da Física ........................................................................................... 245
1
livro

A FÍSICA E SUA IMPORTÂNCIA


PARA A SOCIEDADE
1
aula
META
Introduzir e contextualizar a
Física no mundo atual.

OBJETIVOS
Ao final da aula, o aluno
deverá:
reconhecer quais são os
elementos essenciais para um
estudante de Física conseguir
uma boa compreensão do
conteúdo da disciplina;
conceituar a Ciência Física e
algumas de suas possíveis
aplicações;
identificar elementos do
cotidiano relacionados à
aplicação da Física;
relacionar e analisar a
contribuição da Física para
outras ciências;
identificar as vantagens e
desvantagens no uso da Física
no mundo atual; e
definir a importância da Física
na sociedade.

Satélite em órbita (Fonte: http://www.inpe.br).


PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá observar e
anotar alguns dos vários
objetos usados no seu dia-a-dia
e manter essas anotações ao
seu lado enquanto estuda.
Introdução à Física

O lá! Seja bem vindo ao curso de Introdução à Física.


Vamos lá. Vejamos se você está preparado para começar
esse instigante curso novo, que pode se tornar em uma aventura
emocionante, afinal o que pode ser mais atraente do que desvendar
os segredos da natureza? Você precisará de
uma boa porção de curiosidade, uma pitada
INTRODUÇÃO
de insatisfação, uma porção média de paciên-
cia e perseverança e principalmente grande
quantidade de imaginação.
Todo grande avanço da Ciência é resultado de uma nova e au-
daciosa idéia!
Todos nós somos grandes cientistas
“O que precisamos não é a vontade de
acreditar, mas a vontade de descobrir”. quando crianças. A todo o momento
Lord Bertrand Russel estamos investigando o mundo, perguntan-
do sobre tudo, experimentando o que po-
demos (ou não), mas quando crescemos só alguns
escolhem conservar um pouco dessa curiosidade, que
é a criadora da verdadeira ciência. Reveja seus pon-
tos de vista! Será que eles não estão baseados em pre-
conceitos criados com o passar dos anos?
O curso de Física, que embora muitas vezes pa-
reça difícil, pode se tornar apaixonante. Mas por que
em geral é considerado tão difícil? Esse curso é consi-
derado difícil, porque necessita que você redescubra
(Fonte: http://sora9n.files.wordpress.com). aquela criança dentro de você, com sua natural curio-
sidade, e, além disso, use mais seu raciocínio e lógica
para desvendar os segredos da natureza.
Quase todo estudante considera uma série de matérias difíceis, po-
rém, o “bicho não é tão feio quanto se pensa”, basta querer aprender,
concentrar-se e estudar que o assunto se tornará relativamente fácil.

“A causa real da maioria de nossos grandes problemas está


entre a ignorância e a negligência”.
Goethe

8
A Física e sua importância para a sociedade

Leia o texto do prof. Alberto Ricardo Präss, texto adaptado e ampliado de:
“Física Na Escola Secundária”
De Oswald H. Blackwood, Wilmer B. Herron & William C. Kelly
Tradução de José Leite Lopes e Jayme Tiomno
1
aula
Editora Fundo de Cultura

Q uando você estuda Português ou


História, uma lição passada pelo
professor abrange, na maioria das vezes, um
ESTUDAR FÍSICA

grande número de páginas de texto. A Física, tal como a Ma-


temática, é mais condensada. Uma lição de Física pode redu-
zir-se apenas a uma ou duas páginas. Você poderia decorar a
lição, mas isto não lhe adiantaria nada. Algumas vezes, o seu
trabalho é compreender uma lei. Depois de compreender essa
lei - e a lei é muitas vezes expressa por uma equação - e a
puder explicar e aplicar na resolução de problemas, você terá
aprendido a lição.

Sugestões para o estudo:


1. Leia toda a lição, a fim de saber do que se trata.
2. Leia novamente a lição, porém, mais devagar, e escreva no seu
caderno a lei (se houver alguma) e outros pontos importantes da
lição. Verifique se você compreende cada parágrafo. Certifique-se
também se compreende o verdadeiro significado de cada palavra
nova. Estude com cuidado as definições de termos como “traba-
lho” e “potência” até ficar completamente seguro do seu verdadei-
ro sentido em Física.
3. Se a lei for expressa por uma equação matemática, pergunte a si
mesmo de que maneira cada símbolo da equação está relacionado
com a lei. Por exemplo, (trabalho = força x deslocamento)
nos diz que, duplicando-se o deslocamento, duplica-se o trabalho
realizado e, do mesmo modo, fazendo duplicar a força, duplica-se o
trabalho produzido.
4. Resolva os problemas incluídos no texto do seu livro.
5. Discuta a lição com os seus colegas.

9
Introdução à Física

Durante a aula e o trabalho de labo-


ratório
1. Faça, sem hesitação, perguntas a
respeito do que você não compre-
ende.
2. Esteja alerta e pronto a explicar o
que você compreende.
3. Pense por você mesmo; faça o seu
trabalho. Você não pode aprender
Física olhando para o seu compa-
Aula prática em laboratório (Fonte: http://www.cdcc.sc.usp.br).
nheiro.
Revisão para as provas:
1. Estude todos os dias, conscienciosamente, as suas lições. Reveja
as notas que tomou na última aula. Nunca deixe as suas notas se
acumularem, sem estudá-las metodicamente.
2. Antes da prova, escreva todos os pontos difíceis da parte que
está revendo; faça perguntas sobre os mesmos, na aula.
Durante as provas:
1. Antes de o professor distribuir a prova, dê uma última “olhadi-
nha” na cola que você fez.
2. Guarde a cola dentro da sua pasta. Você não a usará, já que já
memorizou tudo que tinha nela.
3. Ao receber a prova escreva, em algum lugar dela, tudo que puder
de fórmulas, conceitos e exemplos. Essas anotações serão muito
úteis quando você estiver cansado e surgirem os famosos “bran-
cos” de memória.
4. Faça as questões da prova como se estivesse resolvendo os tes-
tes em casa, com calma e muita atenção. Lembre-se que sempre
existirão mais questões “fáceis” do que “difíceis”.
5. Lembre-se que quando um aluno diz que foi mal numa prova, é
devido aos erros nas questões “fáceis”. Todo aluno que vai mal usa
como desculpa as tais questões “difíceis” como argumento para
mascarar sua falta de estudos.
6. Sucesso!

10
A Física e sua importância para a sociedade

O QUE É FÍSICA?

Física é a ciência do mundo natural que trata dos componentes


1
aula
fundamentais do universo, as forças que eles exercem, e os resulta-
dos destas forças. Ela pretende entender e descrever os processos
que ocorrem na natureza, e a partir desse conhecimento ajudar a
humanidade a progredir.
O estudo da Física está relacionado a várias situações da nossa
vida. Como exemplo do que se pode entender por fenômenos natu-
rais, podemos citar:
— a ebulição da água
— a queda de uma pedra
— o movimento dos planetas Física
— a luz e os sons O termo vem do grego
— o vôo de um pássaro ϕúσiς (physis), que
— o calor do Sol significa natureza.

— a luminescência do filamento incandescente de uma lâmpada


— os fenômenos magnéticos
Tudo isso são exemplos de fenômenos físicos!
A Física é uma das ciências mais antigas. Os primeiros físicos
foram cientistas gregos que viveram vários séculos antes da nossa
era. Foram eles quem, pela primeira vez, tentaram explicar os fenô-
menos da Natureza. O maior de todos os cientistas da antiguidade
foi Aristóteles (384 - 322 a.C.) que introduziu na Ciência a palavra
“física”.
Desde a Grécia Antiga o homem procura entender o funciona-
mento das coisas e busca na ciência essas explicações. Hoje em dia,
a Física moderna atua em vários ramos da indústria e da tecnologia,
entre outros.
A Física, na procura das razões fundamentais para o comporta-
mento da Natureza, tenta responder algumas perguntas feitas como:
Por que se juntam elétrons e núcleos para formar um átomo?
Por que se agrega um enorme número de átomos para formar
um sólido?

11
Introdução à Física

Por que é que elevando a temperatura, o sólido passa a líquido?


Por que é que o Sol é brilhante?
Por que é que a Terra gira em torno do Sol?
Por que é que a Lua não cai em nossas cabeças?
Por que se forma o arco-íris quando chove?
Por que um objeto tão pesado como um avião pode voar?
Como vemos, a Física procura responder a um leque extrema-
mente diversificado de perguntas.

E PARA QUE SERVE A FÍSICA?

Bem, vamos lá!


A motivação básica da Ciência tem sido compreender o Univer-
so. Olhe ao seu redor, veja que a Ciência desempenha
um papel muito importante no mundo contemporâneo.
Nossa dependência do desenvolvimento científico tem
crescido com o passar dos anos. Todos dizem que vive-
mos agora em uma sociedade tecnológica, e aqueles
cujo progresso é maior detém o maior desenvolvimen-
to tecnológico.
A presença de universidades e centros de pesqui-
sa de nível internacional, segundo a ONU (Organiza-
ção das Nações Unidas), torna uma região atraente
para investimentos de empresas de alta tecnologia.
Este é um resultado esperado, visto que em todo o
mundo há uma escassez de mão-de-obra qualificada
nos níveis mais altos de exigência. Atualmente a ri-
queza é feita a partir de idéias e, portanto, as empre-
sas procuram se instalar em localidades onde o aces-
so a “cérebros” qualificados seja direto. Além de atra-
ir investimentos para a região, a presença dessas orga-
nizações também ajuda a criação de novas empresas
(Fontes: http://www.sauderiorj.gov.br; http:/ de base tecnológica que geram mais riqueza no seu
/www.cepa.if.usp.br/; http://www2.curso-
objetivo.br; http://www.comprecar.com.br). entorno. As grandes economias mundiais, como Es-

12
A Física e sua importância para a sociedade

tados Unidos, Alemanha ou Japão, estão sempre preocupados em


investir em pesquisas científicas, em gerar mais conhecimento para
que este gere mais riquezas. Em geral, são nestes locais onde se
1
aula
encontra o melhor desenvolvimento social, e consequentemente,
melhor qualidade de vida do povo.
A tecnologia depende crucialmente do desenvolvimento da
Ciência. Sem ciência, a tecnologia não evoluiria. Por outro lado, a
ciência também avança com melhor tecnologia, que providencia os
equipamentos experimentais mais sensíveis e precisos para as no-
vas descobertas.
Mas, não se pode confundir a ciência com a tecnologia: são
duas coisas distintas! Considere o caso do computador. Ele é sem
dúvida um produto tecnológico, feito em série nas fábricas. Porém,
todo seu funcionamento é baseado em conhecimentos que foram
gerados por cientistas. Por outro lado, hoje em dia não se pode ima-
ginar uma investigação cientifica sem uso de computadores.
Nós falamos da ciência em geral, mas em muitos sentidos a
mais fundamental das ciências naturais é a Física!

HÁ RELAÇÃO DA FÍSICA COM


OUTRAS CIÊNCIAS?

Já dissemos que a Física é a ciência que estuda a natureza. Mas


você pode dizer que existem também outras ciências que estudam
a natureza como, por exemplo, a Astronomia, a Química, a Geogra-
fia, a Botânica, a Biologia, etc. Sim, elas também estudam partes da
natureza, porém todas estas ciências utilizam as leis da Física. Ve-
jamos se há relações entre a Física e outras ciências:
Os cientistas de todas as áreas usam idéias da Física, desde os
químicos que estudam a estrutura das moléculas até os
paleontólogos que estudam os dinossauros. A Física também está
na base de toda engenharia e tecnologia. Sem entender as leis bási-
cas da natureza, interpretados pela Física, ninguém pode construir
dispositivos práticos eficientes.

13
Introdução à Física

Por exemplo, a Química pode ser considerada de certa forma


como sendo um ramo da Física, pois através da estrutura atômica
fornecida pela mecânica quântica a Física oferece a explicação so-
bre as ligações químicas. Assim, a estrutura e as propriedades das
moléculas, que são um dos principais alvos do estudo dos quími-
cos, podem ser determinadas resolvendo problemas de Física. Mas
na prática, devido à complexidade dos sistemas químicos, os méto-
dos engenhosos elaborados pelos químicos para resolver esses pro-
blemas complicados continuam sendo indispensáveis.
A Biologia, por sua vez, acaba tendo que se apoiar muito na
Física e na Química para explicar o que ocorre nos sistemas vivos.
Para entender como um animal enxerga é necessário, por exemplo,
saber um pouco de óptica; para o sistema auditivo devemos saber
um pouco de acústica, etc.
Em geral, a dificuldade para aprender a Matemática é o maior
obstáculo dos estudantes para entender a Física!!
Assim, o primeiro passo que você deve dar para tornar-se um
bom físico é aprender a lidar com as fórmulas Matemáticas.
Mas a Física deve grande parte de seu sucesso a utilização de
uma linguagem que é uma ferramenta indispensável: a Matemática.
Como disse Galileu: “O Universo está escrito na linguagem matemática.
Sem aprender essa linguagem não poderemos lê-lo”. Você, estudante de
Física, deve compreender muito bem essa linguagem do Universo
para desvendar seus segredos!
Já nas ciências mais aplicadas, a Física está presente onde mui-
tos nem imaginam. Em Medicina, por exemplo, a Física gera o co-
nhecimento necessário para o desenvolvimento de novos equipa-
mentos e técnicas para diagnósticos de doenças.

Em geral, a dificuldade para aprender a Matemática é o


maior obstáculo dos estudantes para entender a Física!!
Assim, o primeiro passo que você deve dar para tornar-se
um bom físico é aprender a lidar com as fórmulas Matemá-
ticas.

14
A Física e sua importância para a sociedade

Bem, você já deve ter feito radiografia em um hospital, não é


mesmo? Já parou para pensar como é que aquelas imagens são for-
madas? Você pensa que foi um médico quem criou aquele aparelho
1
aula
de raios X?
Pois bem, a resposta é não! A Física foi a responsável por des-
vendar os fenômenos envolvendo a radiação, o que contribuiu para
a criação e o desenvolvimento desse aparelho tecnológico, com a
ajuda prática da engenharia.
Lembre-se ainda do telefone, dos refrigeradores, dos automó-
veis, dos edifícios que se equilibram sem sabermos como, dos re-
médios, e tantos outros. Muitos exemplos poderiam ser dados aqui,
mas você pode usar sua imaginação para lembrar-se de algumas
coisas que são fruto do conhecimento científico de físicos.

(Fonte: http://www.lmc.ep.usp.br/;
http://www.pucrs.br/feng/; http:/
/www.cardiologia.org.br).

15
Introdução à Física

ATIVIDADES

Leia os textos a seguir. Em cada um deles identifique quais são as


profissões a eles conectadas e encontre as palavras que os relacio-
nam à Física.
“As formas mais eficazes para detecção precoce do câncer de mama
são o exame clínico da mama e a mamografia, que é uma radiogra-
fia da mama.”
“A datação por radiocarbono (carbono radioativo) é provavelmen-
te a técnica mais conhecida e mais usada na obtenção de idade
absoluta nos dias atuais, em arqueologia. Esta técnica foi desen-
volvida na universidade de Chicago, por um grupo de cientistas
liderados pelo Willard F.Libby, em 1949.”
“Em 07 de novembro de 1940, três meses após sua inauguração,
ventos entre 62 a 74 km/h derrubaram uma ponte pênsil de 1.600
m de extensão, sobre o estreito de Tacoma, no estado de Washing-
ton, EUA. A ponte desabou em conseqüência do fenômeno de res-
sonância, que é a tendência de um sistema mecânico de absorver
mais energia quando a freqüência de suas oscilações se iguala a
freqüência de vibração natural do sistema.”
“Acompanhar o mercado financeiro, a bolsa e o dólar não são sufi-
cientes para torná-lo um expert no assunto: 30% da economia mun-
dial depende dos conhecimentos de Mecânica Quântica”.

16
A Física e sua importância para a sociedade

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

No primeiro texto você deve ter notado a palavra mamografia,


1
aula
que é uma técnica desenvolvida por físicos, largamente utilizada
em Medicina.
No segundo texto atente para as palavras “radiocarbono” e
“carbono radioativo”. Este é um elemento estudado pelos
físicos, e suas propriedades são utilizadas em arqueologia para
medir a idade de materiais orgânicos, como fósseis.
O terceiro texto fala sobre um exemplo clássico dado em livros
de Física aplicada à Engenharia, no qual uma ponte desabou
devido a um efeito provocado pelo vento chamado ressonância
que você irá estudar em Física.
O quarto texto talvez seja o mais difícil de ser identificado.
Porém, observe as palavras “mecânica quântica” que é uma
parte muito importante da Física e, claro, “economia mundial”
que conecta a economia.
Todos estes textos nos dão exemplo de como a Física está
presente nas mais diversas atividades.

A FÍSICA E A SOCIEDADE

Você já deve ter identificado muitos exemplos do bom uso co-


tidiano da Física em sua vida, seu celular, seu computador, seu
condicionador de ar, seu carro ... Mas, da mesma forma que a infor-
mação gerada pelos cientistas é usada para o bem, como no caso de
uma radiografia, que pode auxiliar no diagnóstico de doenças, tam-
bém pode ser utilizada para o mal. As armas nucleares, por exem-
plo, surgiram também do conhecimento científico sobre a radiação.
Lembre-se da poluição ambiental, das guerras por petróleo, das ar-
mas modernas, do aquecimento global. Evidentemente, pode não
ter sido o objetivo inicial dos cientistas criarem esses efeitos, mas

17
Introdução à Física

como eles surgiram a partir do conhecimento científico, pode-se


dizer que fazem parte da cultura científica, em última instância.
Nosso conhecimento do mundo físico atual foi construído
com base nos fundamentos estabelecidos por vários cientistas, como
Galileu, Newton, Maxwell e Einstein (e muitos outros que não co-
nhecemos o nome), e sua influência se estendeu para muito além
Henri Poincare da ciência, afetando profundamente nossa maneira de viver e pen-
Matemático, físico e fi- sar. Porém, diante do quadro contraditório do mundo de hoje, com
lósofo francês (1854/ o uso dos resultados científicos em aspectos positivos, mas tam-
1912). Interessou-se por
mecânica e publicou Os bém em negativos, torna-se necessário interrogar o papel e o signi-
novos métodos da mecâ- ficado da ciência. Será que ela é realmente a principal responsável
nica celeste (1892/1899).
pela opressão e miséria existente no planeta, como dizem algumas
pessoas? Ou será que ela é a esperança de uma sociedade verdadei-
ramente democrática como falam outras?
“Duvidar de tudo ou acreditar Não temos uma resposta satisfatória para estas
em tudo: essas são duas estra- questões! Mas lembrem-se do que já foi dito aqui: Os
tégias convenientes. Com locais onde há mais investimento em ciência apresen-
qualquer uma delas, no entan-
to, nós dispensamos a necessi- tam as melhores condições de vida da população.
dade de refletir”. Hoje em dia, o progresso da ciência tornou-se tão
Henri Poincare rápido que a sociedade tem cada vez mais dificuldade
em acompanhá-lo e, principalmente, compreendê-lo. Por
isso é maior a cada dia a necessidade de se promover a conscientização
da população sobre os riscos e benefícios que resultam da atual revo-
lução científica e tecnológica. A transparência nas pesquisas é funda-
mental. Uma comunidade científica também deve estar preparada
para comunicar-se com a sociedade, solucionando suas dúvidas, in-
formando sobre as novidades, aproximando a Ciência do povo.
Novos conhecimentos, como a denominada “engenharia ge-
nética”, em que tudo parece possível, até a imortalidade biológi-
ca, devem ser expostos claramente, debatidos com a sociedade,
para sabermos dela o que é esperado da ciência. Mas também
temos que ter cuidado com as reações negativas por causa de pre-
conceitos. A reação anticientífica existe desde os primórdios da
história da Ciência. Exemplos de grandes cientistas, com idéias

18
A Física e sua importância para a sociedade

inovadoras, como o de Galileu Galilei e Giordano Bruno, que


sofreram com uma reação contrária da sociedade por defenderem
a teoria heliocêntrica em lugar da geocêntrica, nos mostram que
1
aula
em ciência, às vezes, é preciso ter coragem para enfrentar o mun-
do e mudar seus conceitos.
Mas cuidado! Por mais benéfica que seja a intenção original de um
cientista, o uso de suas descobertas depende de fatores políticos e eco-
nômicos alheios a sua vontade. Então, se você pretende se tornar um
cientista deve desde já ter consciência da sua responsabilidade!

GALILEU GALILEI

Nasceu em 1564 na Itália. Estudou medicina, mas se interes-


sava mais pela Matemática, Física e Astronomia. Desde cedo pas-
sou a defender que o sistema planetário era heliocêntrico (o centro
do sistema planetário seria o Sol), contrário aos dogmas da Igreja
que imputava como geocêntrico, ou seja, que
os planetas estariam girando em torno da
Terra. Em 1630, Galileu publicou seu livro
“Sobre os dois maiores sistemas do mun-
do”, em que defende abertamente o siste-
ma heliocêntrico e apresenta as evidências
que acumulara com suas observações astro-
nômicas. Galileu foi intimado pela inquisição
a comparecer a um julgamento público em
Roma. Lá, foi obrigado a abjurar suas cren-
ças e declarar arrependimento, a fim de evi- O julgamento de Galileu
upload.wikimedia.org).
(Fonte: http://

tar a morte na fogueira como herege. Ele


fez sua declaração e foi sentenciado a prisão domiciliar, que teve
de cumprir até sua morte, já totalmente cego, em 1642.
Pelo mesmo motivo, Giordano Bruno, outro grande cien-
tista, foi queimado vivo.
Hoje sabemos que ambos os cientistas estavam corretos!

19
Introdução à Física

ATIVIDADES

Leia atentamente o texto de Marcos Cardoso que foi publicado em


08/07/2007 no Caderno A do Jornal da Cidade.

USINA NUCLEAR: MEDO E


DESCONHECIMENTO

Com discurso eivado de preconceitos, medo e embasado


mais intensamente no vazamento ocorrido em Chernobyl,
personalidades e ONGs sergipanas já rejeitam a proposta de
construção de usinas nucleares no Brasil, principalmente no
solo do sergipano. Há motivos para medo, sim. Mas não se faz
necessária a queimação pública da imagem daqueles que
defendem o projeto, que buscam a ciência para justificar a
segurança hoje existente e a necessidade do país em ter uma
energia mais limpa. O funcionamento de usinas nucleares,
dizem os físicos e técnicos da área, hoje é seguro e buscam
como exemplo a Europa e os Estados Unidos, que depois dos
acidentes ocorridos adotaram modelos de obras com ampla
segurança. O problema mais grave, contudo, é onde colocar o
lixo produzido para gerar energia e garantir o desenvolvimento.
Os investimentos na construção de uma usina nuclear são
grandes, chegam a casa dos bilhões e geram empregos e rendas
para centenas de pessoas. Isso é um fato positivo, até porque
atrai mão-de-obra extremamente qualificada e transforma o
Estado num pólo de desenvolvimento e estudos científicos
nessa área. Mas será que isso vale a pena para o Brasil e para
Sergipe? A comunidade científica está dividida e os leigos ligam
usina nuclear imediatamente à construção de bombas atômicas.
Por conta disso é que existe a pretensão de ONGs, entidades
sindicais e personalidades de exibir no sertão sergipano o filme
“The Day After” (O Dia Seguinte), que mostra uma tragédia

20
A Física e sua importância para a sociedade

nuclear de grandes proporções. É algo assustador e que por


certo induzirá o sertanejo ao medo. O ideal seria a abertura de
amplos debates sobre o tema envolvendo políticos, ONGs,
1
aula
técnicos especializados na área e o povo para avaliar vantagens
e desvantagens. Não se deve levar a questão de forma
sentimental. É providencial também colocar na mesa de
discussão a possibilidade de se construir uma nova hidrelétrica
no rio São Francisco, nas proximidades de Ilha das Flores e
Brejo Grande. Mas aí surge um novo problema. O “Velho
Chico” suportaria tal iniciativa? Isso também não causaria
problemas ambientais? Ou seria melhor a utilização das
poluidoras e degradantes usinas termelétricas? As opções eólica
e solar também não são problemáticas? Por tudo isso, o debate
se faz necessário.

Agora responda as questões:


1. Se houver uma crise energética no Brasil dê exemplos de proble-
mas que você teria que enfrentar..
2. Identifique no texto aspectos positivos e negativos para a cons-
trução de uma usina nuclear em Sergipe.
3. Comente a importância da informação da população sobre al-
guns temas de Física, como energia nuclear.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Você deve saber que o Brasil já passou por um “apagão”


alguns anos atrás (ou seja, o país teve necessidade maior de
energia do que a disponível), um dos primeiros efeitos foi o
aumento das tarifas de energia elétrica. O consumo teve que
ser diminuído drasticamente, com isso, algumas das facilidades
modernas a que estamos acostumados tiveram que ser deixadas
de lado. Por exemplo, condicionadores de ar foram utilizados

21
Introdução à Física

somente em dias de calor extremo, vários eletrodomésticos não


puderam ser utilizados pelas donas de casa que tiveram que fazer
economia forçada, aparelhos que ficam em “stand by” foram
desligados da tomada para evitar o mínimo gasto desnecessário,
etc. Porém, no futuro, em casos mais graves, poderemos ficar com
cidades inteiras sem energia elétrica, o que ocasionaria um caos
nestes locais. Por exemplo, os semáforos não funcionariam, cirurgias
seriam canceladas, comida estragaria por falta de refrigeração,
aumentariam os casos de assaltos e roubos por falta de iluminação.
2. Dentre os aspectos positivos podemos identificar que a
energia nuclear é considerada mais limpa do que a baseada em
combustíveis fósseis, a mais usada no mundo atualmente (cerca
de 80% de toda a energia produzida); a geração de empregos e
renda para centenas de pessoas no local da instalação; atração
de mão-de-obra qualificada para o local, o que o transforma
num pólo de desenvolvimento e estudos científicos na área.
Dentre os aspectos negativos você deve ter localizado a
possibilidade de um acidente nuclear; a não determinação exata
de um local para deposição do “lixo” nuclear produzido; a
necessidade de grandes investimentos na construção de uma
usina nuclear. Mas será que você viu também que a população
pode ser manipulada? Algumas pessoas manipulam a opinião
popular alimentando o medo das pessoas, que por falta de
informação, fazem um julgamento despreparado.
3. Apesar de muitas vezes parecer distante da população em
geral, as ciências, e em particular a Física, fazem parte do nosso
cotidiano. Devemos muitas vezes tomar decisões sobre nosso
futuro, o que por ignorância pode nos conduzir a um erro grave.
Os debates científicos são muito importantes, pois permitem
que a população tenha acesso a informações sobre temas que
poderão afetá-la diretamente. O exemplo do texto, com a
possível instalação de uma Central Nuclear em qualquer lugar
do mundo mexe com os ânimos de muita gente. Alguns são a

22
A Física e sua importância para a sociedade

favor pensando no desenvolvimento que pode ser


proporcionado; outros são contra em defesa do meio
ambiente. A sociedade se manifesta, em geral, contraria com
1
aula
base apenas no medo, o que alguns utilizam para manipulá-
la. A comunidade científica deve se preocupar em informar
a população sobre todas as alternativas possíveis, com suas
vantagens e desvantagens. Uma sociedade bem informada é
muito mais difícil de ser manipulada!

A Física estuda a natureza para entendê-la e descrever os


processos que nela ocorrem, e a partir desse conhecimen-
to tenta ajudar a humanidade a progredir. Porém, o curso de Física
é, em geral, considerado difícil, pois necessita
que você aguce sua curiosidade e use mais seu
raciocínio e lógica. Se preparando bem, ele se
CONCLUSÃO
tornará apaixonante.
A Física desempenha um papel muito importante no mundo
contemporâneo e está presente em quase todas as áreas, sendo con-
siderada a mais fundamental das Ciências Naturais. Porém a mate-
mática é a grande ferramenta da Física. Sem ela a natureza não
pode ser descrita pelas outras Ciências.
A sociedade contemporânea depende imensamente de equipa-
mentos tecnológicos, que surgiram devido a pesquisas na área de
Física. Mas estes estudos também podem ter mal uso, como em
armas, ou gerar poluição e degradar nosso planeta. O cientista tem
grande responsabilidade com a sociedade. Um bom físico deve se
comunicar com a população com clareza, solucionando suas dúvi-
das, aproximando a Ciência do povo. Uma sociedade bem informa-
da tem opiniões mais bem formuladas sobre todas as questões que
lhe são impostas, podendo decidir melhor sobre sua vida.

23
Introdução à Física

RESUMO

Na aula de hoje, vimos que a Física é o campo da Ciência


cujo objetivo é a investigação dos componentes da matéria e
das suas interações mútuas. Ela procura explicar as proprie-
dades gerais da matéria, assim como os demais fenômenos e estru-
turas fundamentais da natureza. Mesmo sabendo que o curso de
Física, embora algumas vezes pareça muito difícil, pode se tornar
extremamente interessante, desde que o aluno se dedique a ele:
procure estudar todos os dias, busque discutir os assuntos com co-
legas e professores, tente solucionar problemas propostos e esteja
sempre disposto a aprender um pouco mais.
Também vimos que a Física é base para todas as outras Ciências,
exceto para a Matemática, que é, por outro lado, uma ferramenta
essencial de um bom físico. Além disso, mostramos que Ciência e
Tecnologia são coisas distintas, mas que dependem uma da outra.
Vimos ainda nessa aula, que uma comunidade científica também
deve estar preparada para comunicar-se com a sociedade, aproxi-
mando a Ciência do povo. Destacamos o fato de que por mais be-
néfica que seja a intenção original de um cientista, o uso de suas
descobertas depende de fatores políticos e econômicos alheios a
sua vontade, sendo assim, pode-se concluir quão importante é a
responsabilidade social de um físico.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, você começará a estudar como trabalha


um físico e quais são os métodos utilizados por ele para
desvendar os mistérios do Universo. Até lá!

24
A Física e sua importância para a sociedade

REFERÊNCIAS

ALONSO, M. S.; FINN, E. J. Física. São Paulo: Edgard Blücher


1
aula
Editora, 1999.
FEYNMAN, R. P.; LEIGHTON, R. B.; SANDS, M. The Feynman
lectures on Physics. v. 1. 2 ed. Oxnard: Addison Wesley, 1964.
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica - Mecânica. v.
1. São Paulo: Edgard Blücher Editora, 1981.
SEARS, F. W.; ZEMANSKY, M. W. Física I - Mecânica. 10 ed.
São Paulo: Addison Wesley, 2003.
http://www.fisica.net/ensino/como_estudar_fisica.php

25
1
livro

O DESENVOLVIMENTO DO
MÉTODO CIENTÍFICO 2
aula
META
Mostrar o papel dos experimentos
em ciência como teste final
obrigatório para comprovar uma
hipótese.

OBJETIVOS
Ao final da aula, o aluno deverá:
definir a importância da decisão
científica sobre os fatos cotidianos;
descrever como se propõe
hipóteses através da indução;
reconhecer falhas no método
indutivo;
determinar a importância na
variação e na quantidade dos
experimentos para comprovar uma
hipótese; e
definir o método analítico
cartesiano e suas limitações.

PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá escolher alguns
textos que afirmem comprovar
casos “paranormais” como a
existência de milagres, a visão de
espíritos, ou a visita de seres
alienígenas à Terra. Ler
atentamente e reflitir sobre eles.
Que argumentos e fatos foram
utilizados nessas comprovações?
Você concorda com as afirmações
dos textos? Posteriormente, o
aluno deverá fazer anotações
sobre o que o levou a essas 1 - Hermes Trimegisto. 2 e 3 - Representações de
alquimistas. (Fontes: http://www.cdcc.sc.usp.br/;
conclusões. http://www2.ucaes.grupinvest).
Introdução à Física

N a aula passada, falamos sobre a grande importância da


Física e da ciência, de um modo geral, na sociedade mo-
derna. Mas o que diferencia um cientista do cidadão comum? Como
deve pensar e proceder um cientista? Quais são seus métodos para
desvendar a natureza?
Isso é o que nós vamos começar a discutir hoje!
INTRODUÇÃO

Isaac Newton (Fonte: http://www.arikah.net).

28
O desenvolvimento do método científico

EU VI UM FANTASMA!
2
S e eu fizesse a afirmação acima, ou seja, que eu estava na
minha sala sozinha e vi um fantasma, você diria que:
a) acredita na minha palavra, afinal eu devo sa-
ber o que digo, pois sou o professor dessa disci-
aula

FANTASMA!
plina e escrevi este texto;
b) acredita; um amigo seu já viu um fantasma
antes;
c) não acredita; é muito absurdo para ser verdade;
d) não acredita; não há nada na Bíblia sobre isso;
Bem, mais importante do que a sua resposta à pergunta é a
questão que se origina dela:
Quais os critérios que você usa para decidir no que acredita ou não?
1) Você sempre aceita a palavra das autoridades no assunto?
(mesmo daqueles que se auto-intitularam autoridades?)
2) Baseia suas crenças no "bom senso comum"?
(Você acha que você tem “bom senso”?)
3) Acredita no que a maioria das pessoas acredita?
(Afinal, você crê que alguns milhões de pessoas não podem estar
errados!)
4) Confia suas crenças a respeito da natureza aos livros sagrados de
alguma religião?
5) Não acredita em nada, mas também não duvida totalmente, pois,
como disse Shakeaspeare: "Há mais entre o Céu e a Terra do que
sonha nossa vã filosofia"?
Há tantas possibilidades, não é mesmo? Mas agora você quer
se tornar um cientista, sim ou não?
Se a resposta for positiva, então como é que a Ciência respon-
deria aquela primeira questão sobre o fantasma?
Você pensa que simplesmente ela diria que é uma tremenda boba-
gem? Afinal fantasmas não existem!
Bem, vamos ver o que realmente se faz em ciência e como ela
tenta responder a todas as questões possíveis da humanidade.

29
Introdução à Física

Mas antes de tudo, afinal o que é ciência?


A ciência é a esfera da atividade humana responsável por in-
vestigar o mundo ao nosso redor. Neste papel, assim como você,
ela se depara o tempo todo com alegações sobre as quais deve deci-
dir se "acredita" ou não.
A ciência tem uma respon-
"Ciência é muito mais uma maneira de pensar sabilidade muito grande, pois o
do que um corpo de conhecimentos". conhecimento com ela obtido
Carl Sagan será usado para medicar pesso-
as, construir reatores nucleares
para produzir energia, projetar aviões que levarão pessoas em
viagens, manipular geneticamente vegetais para maior e melhor
produção de alimentos e muitas outras atividades que têm pro-
fundo impacto na raça humana.
Sendo assim, as respostas da ciência não podem se basear
num “achismo” de qualquer pessoa, pois ela tem a tarefa de ten-
tar descobrir a “verdade”. Ela precisa ter critérios claros e méto-
dos de investigação precisos que
descartem as ilusões dos sentidos,
"...ciência consiste em agrupar fatos para que leis
gerais ou conclusões possam ser tiradas deles". os preconceitos, as crenças pes-
Charles Darwin soais (religiosas ou não), as su-
perstições de todo o tipo. A ciên-
cia precisa de um método científico!
O conhecimento científico progrediu muito mais desde o
período renascentista do que durante todos os milênios preceden-
tes, desde o início da história escrita. Sem dúvida, a revolução
industrial, devido ao desenvolvimento do motor a vapor, neces-
sário para melhorar as técnicas de construção e realizar medidas
mais precisas, foi fundamental para esse progresso. Porém, mes-
mo antes da revolução industrial, o ritmo das descobertas foi muito
maior após o Renascimento. Por que isso aconteceu?

A ciência é um ciclo de teoria e experimento

30
O desenvolvimento do método científico

A resposta é simples: Esse progresso ocorreu principalmente


por causa da introdução do moderno método científico.
Bem, acredito que já temos argumentos suficientes para saber
2
aula
quão importante é esse tal Método Científico! Então, vamos ver
como ele funciona?
Vamos lá!

APRENDENDO AS REGRAS DO JOGO

Imagine que você esteja assistindo na TV uma partida de al-


gum esporte “maluco”, mas não tenha um narrador para explicá-la.
Você está interessado em conhecer as regras do jogo. O esporte é
disputado numa quadra que parece com a de vôlei, mas sem a rede.
Cada extremidade da quadra contém um gol parecido com o de
futebol, porém
mais baixo que
uma pessoa adulta.
Cada equipe pos-
sui três jogadores
titulares. Os joga-
dores parecem ser
ao mesmo tempo
arremessadores e
defensores, fican-
do perfilados em (Fonte: weno.com.br/blog).
frente ao gol.
O jogo começa, e então fica parecido com o que as crianças
chamam de “queimada” - aquele jogo em que se tenta lançar a bola
sobre o adversário para eliminá-lo. A seguir, você percebe que algu-
mas pessoas correm atrás da bola, a qual apresenta um som que pare-
ce um guizo. Mas eles nunca atravessam a linha do meio, cada time
fica sempre em sua metade da quadra. Certamente no início da parti-
da você fica bastante confuso, vendo todos aqueles movimentos que
parecem ser caóticos, sem saber qual seu objetivo. Mas ao longo da

31
Introdução à Física

partida, percebendo que alguns lances se repetem e têm sempre o


mesmo desfecho, provavelmente você formula algumas hipóteses:
“Será que o objetivo é acertar o adversário?”
“Ou talvez o objetivo seja acertar a bola no gol, como no
handebol”.
“Será que a bola tem um som para que os jogadores a encon-
tram mais facilmente?”
É quase certo que após algum tempo observando a partida, e
depois de vários palpites errados, você comece a compreender a
maior parte das regras do jogo.
Pois bem, a natureza é como esse jogo, e nós estamos imersos
nele tentando entender suas “regras”:
Será que tudo o que sobe desce?
Por que as coisas têm cor?
Será que a posição que os corpos celestes ocupavam no instan-
te de nosso nascimento pode afetar nossa personalidade?
Em outras palavras, ou melhor, nas palavras do físico Richard
Feynman, “Entender a natureza é como aprender a jogar xadrez somente
assistindo a partida”.
Voltando à partida que você estava assistindo na TV, o esporte é
chamado de goalball. Esse jogo foi desenvolvido exclusivamente para
atletas com deficiência visual. O esporte envolve um pouco do
handball, do futebol e até mesmo do basquete, pelo tamanho e cor da
bola que possui um guizo em seu interior. O som é fundamental para
que os jogadores possam saber a direção da bola. Para evitar o gol
adversário, os jogadores, que não podem ultrapassar o meio da qua-
dra, se atiram no chão para defender os arremessos. Na hora de ata-
car, eles se guiam por marcações em alto relevo aplicadas no chão.
Agora que você já sabe tudo desse esporte, ficou fácil de
entendê-lo, não é mesmo? Antes seria muito difícil decifrá-lo!
No caso da partida de goalball, diferentemente da natureza, você
assiste passivamente ao desenrolar dos lances e propõe hipóteses,
que somente tem como verificar esperando que se repitam. Por outro
lado, na natureza não somos meros expectadores, mas participa-

32
O desenvolvimento do método científico

mos dela; podemos interagir com ela realizando experimentos para


verificar nossas hipóteses. 2
aula
HIPÓTESE, TEORIAS E LEIS

Mas, o que é uma hipótese?


Hipótese nada mais é do que uma crença que se desconfia que
seja verdadeira. Uma teoria provável, ainda não demonstrada.
As palavras “teoria” e “lei” têm significados muito diferentes
no cotidiano. As pessoas leigas tendem a pensar que as teorias são
menos formais ou menos válidas do que as leis. Vejamos realmente
o que significa cada uma delas:
Teoria é um conjunto de hipóteses coerentemente interliga-
das, tendo por finalidade explicar, elucidar, interpretar ou unificar
um dado domínio do conhecimento. Quando uma hipótese reúne
um número considerável de evidências obtidas por um grande nú-
mero de pesquisadores independentes ela é promovida à teoria.
Depois de exaustivamente testada e verificada experimentalmen-
te uma teoria pode finalmente ser promovida à lei, o último posto da
hierarquia científica. A tabela 1 resume o significado desses termos.

Tabela 1 – Significado de alguns termos usados em ciência.

Hipótese Semelhante à especulação

Achado Resultados constatados

Modelo Estrutura lógica, confiabilidade


pode ser testada

Teoria Previsões acerca do fenônemo, controle

Lei Mais robustas, confiáveis.

33
Introdução à Física

Cuidado: Os defensores do criacionismo (movimento que defende que


a Terra foi criada por Deus em 6 dias) dizem que a Teoria da Evo-
lução é “apenas uma teoria” e como tal não poderia ser ensinada nas
escolas. Preste atenção: Uma teoria é tão consistente quanto uma
lei. O que muda é só o escopo e abrangência de cada uma, não sua
validade!
Ok! Agora já sabemos o que é uma hipótese, uma teoria e uma
lei. Mas antes de formular hipóteses, prová-las e criar teorias e leis,
é preciso acreditar que há regras para serem compreendidas. Será
que no jogo as regras não mudam do primeiro para o segundo tem-
po? Será que há regras na natureza? Nós não podemos ter certeza
de que a natureza possua uma ordem e que esta ordem seja imutá-
vel. Temos apenas fortes evidências disto.

Toda vez que encostamos algo quente em algo frio, o frio


esquenta e o quente esfria, e tem sido assim desde que o homem
é capaz de se lembrar, e tem sido assim em todos os lugares do
universo aonde o homem já foi capaz de estender sua visão. Mas
nada garante à ciência que vá continuar sendo assim amanhã ou
que seja assim em algum confim desconhecido do universo.

Dessa forma, para existir, o método científico parte do princí-


pio da imutabilidade dos processos da natureza ou “o princípio da
uniformidade da natureza”. Admitindo a existência de uma ordem uni-
versal e imutável, torna-se possível prever o comportamento da
natureza, e este é o mais importante passo do método científico no
que concerne à experiência Física.

O PERU INDUTIVISTA
Veja a história do “Peru Indutivista” de Bertrand Russel:
Um peru recebe sua ração todos os dias do ano, exatamente às 9
horas da manhã. No início o peru é cauteloso, mas depois de perce-
ber que esta experiência se repete por um considerável período de

34
O desenvolvimento do método científico

tempo, todos os dias da semana in- A dedução é a forma de


clusive sábados domingos e feria- raciocínio que extrai uma
dos, faça chuva ou faça sol, este verdade particular de uma
2
aula
peru finalmente conclui por verdade geral.
indução a regra geral: “sou sem-
pre alimentado às 9 horas da manhã!”. Infelizmente, para o peru
indutivista, no dia de Natal a regra não se revela verdadeira.

Ao assistir a partida Goalball, você concluiu, por


indução, algumas das regras do jogo, tal como o pobre
peru estabeleceu uma regra com suas observações di-
árias: “às 9 horas eu recebo comida”. Esta forma de
raciocínio lógico que extrai uma verdade geral a partir
da observação de um grupo particular é chamada de
indução. O fundador do Método Indutivo foi Francis
Bacon (1561 -1626).

Veja que a partir da regra geral, ou da lei natural,


estabelecida pela observação do mesmo resultado re-
petida várias vezes, o peru pôde então deduzir que se
já são 9 horas, então já era hora da sua refeição. Pois é, Francis Bacon (Fonte: http://www.wwu.edu).
mas como ele estava errado no dia de Natal, nós tam-
bém podemos estar errados sobre outras deduções a respeito de
fenômenos naturais usando o método indutivo, ou seja, o método
apresenta uma limitação. Conclusões indutivas são perigosas, pois
generalizações de premissas verdadeiras podem levar a uma falsa
conclusão!
Se estabelecermos uma regra geral a partir de um determinado
número de observações, podem surgir perguntas, tais como:
§ Quantas observações são suficientes para justificar uma re-
gra? Cem, mil, milhões?
§ Como saberemos se temos um número suficiente de obser-
vações e - muito importante - em condições suficientemente varia-
das para alegar que aquela regra é realmente universal?

35
Introdução à Física

Assim, a hipótese deve ser testada exaustivamente por meio de


algum experimento real e, enquanto não for provada sua falsidade,
ela segue válida.
Foi Karl Popper (1902 – 1994), filósofo da ciência, que estabeleceu
que a ciência só poderia estudar temas em que o conhecimento adquirido
pudesse ser negado de alguma forma. Se alguma coisa não pode ser nega-
da, ela não pode ser posta em dúvida e, portanto, não podemos testar sua
validade. Somente são científicas hipóteses que possam ser testadas.

O que não é passível de ser testado, de ser experimentado não é ciência!

Hipóteses como: “O tempo passa mais rapidamente nos lugares altos”


e “O futuro pode ser previsto pela posição dos astros nos céu” são
passíveis de testes e, portanto, estão dentro do escopo da ciência.
Mas a hipótese “Deus existe” não é uma hipótese que possa ser
julgada pela ciência, pois não existe nenhuma experiência imaginável
que possa provar se “Deus existe ou não”.

Qual a vantagem disto?


Isto leva a uma mudança de atitude. Em vez da ciência se ba-
sear nas observações que reforçam uma teoria, ela passa a buscar
observações que a falsifiquem. Quanto mais uma teoria sobrevive
a esta busca, maior a nossa confiança em sua veracidade.
Não existem teorias comprovadas, apenas teorias que ainda não
foram derrubadas. E quando é provado que uma determinada teo-
ria está errada, isto é a melhor coisa que pode acontecer, porque
são nessas situações que a ciência progride.

Um cientista que tenha realizado cinqüenta mil experiênci-


as comprovando as teorias de Newton não é tão importante
quanto alguém que tenha provado que Newton estava
errado. Você já ouviu falar de Einstein, não?

36
O desenvolvimento do método científico

ATIVIDADES

Um pesquisador procura testar a eficiência de determinado medi-


2
aula
camento na cura de certa doença. Ele pode realizar seus testes de
duas formas:
No primeiro método ele ministra comprimidos contendo a substân-
cia ativa a um grupo grande de portadores daquela doença. Duran-
te algum tempo ele observa esses pacientes e, a partir dos resulta-
dos obtidos, ele atesta ou não a eficácia da substância pesquisada.
No segundo método dois grupos de doentes portadores daquela
doença são testados. Para um dos grupos ele ministra comprimidos
contendo a substância ativa (grupo de teste). Aos pacientes do ou-
tro grupo (grupo de controle), são dados comprimidos que não pos-
suem a substância ativa, embora sejam idênticos no aspecto, tama-
nho e cor. Nenhum doente saberá em qual grupo encontra-se, ou
seja, não tem ciência se recebe ou não a substância ativa pesquisada.
Ao final, os resultados de ambos os grupos são comparados, ates-
tando-se ou não a eficácia da substância pesquisada.
Indique algumas conclusões erradas no primeiro método que pode-
riam ser eliminadas apenas utilizando o segundo método de pesqui-
sa. Comente também, sobre a necessidade de variação e quantida-
de de pessoas para que esse teste seja comprovado. Finalmente,
fale da importância da decisão científica sobre o resultado do teste
de eficiência do medicamento.

37
Introdução à Física

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


O cientista, na sua hipótese, tem dois objetivos: explicar um
fato e prever outros acontecimentos dele decorrentes (deduzir
as conseqüências). Nesse caso, o pesquisador queria saber se a
substância resolveria mesmo no caso daquela doença. Se ele
aplicasse a substância somente em um grupo não poderia saber
se os efeitos que fossem observados eram realmente devidos a
ela ou, por exemplo, a fatores psicológicos. No segundo tipo
de experiência é utilizado o método chamado Duplo-cego, que
consiste em dois grupos, um que será efetivamente testado, e
outro de controle, que não é testado, e serve apenas para
comprovar que o teste foi válido. Com isso elimina-se o fator
psicológico, além de ter um patamar mínimo de observação
das alterações nos pacientes que não é proveniente da substância
administrada.
Outros fatores como clima, alimentação, interação com outros
medicamentos, etc., poderiam interferir na pesquisa. Mas para
eliminá-los não basta aplicar o método Duplo-cego. Nesse caso,
deve-se tentar coletar o maior número de dados possíveis, ou seja,
uma grande quantidade de pessoas, de ambos os sexos, de todas
as idades, de locais diferentes..., que façam parte da pesquisa.
Porém, mesmo que o número de pessoas testadas seja grande,
jamais o uso desse medicamento terá garantia total de sucesso em
todos os casos. Sempre poderá haver uma pessoa com algum fator
que não tenha sido testado, que sob ação da substância produza
um efeito maléfico ou mesmo impeça qualquer efeito.
A decisão científica sobre o resultado do teste de eficiência do
medicamento poderá definir se a substância é capaz de ajudar na
melhora da qualidade de vida, como paliativo dos problemas
causados por ela, até mesmo na cura dessa doença, ou poderá dizer
se há efeitos colaterais, o que diferencia até mesmo entre vida e
morte de muitas pessoas. É fundamental uma decisão correta!

38
O desenvolvimento do método científico

O DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO
CIENTÍFICO 2
aula
O filósofo Parmênides (510 a.C.) é um exemplo de como
os gregos estavam dispostos a levar a lógica e a razão até as
últimas conseqüências: ao negar a existência do tempo e do
vazio e, portanto, do movimento, Parmênides concluiu que
se tínhamos a impressão de que as coisas se moviam e o tem-
po passava, era somente porque vivíamos num mundo ilusó-
rio (como no filme Matrix).
Quando uma luz não se acende, você vai verificar se ela não está
queimada ou se há energia elétrica em outras partes da casa. Você
está testando algumas hipóteses através da experimentação. Então,
por que seria diferente com a ciência? Mas nem sempre foi assim.
Aristóteles afirmara, em seu livro sobre Física, que coi-
sas com pesos diferentes caem com velocidades proporcio-
nais a seu peso.
Até muito recentemente na história, pouco progresso havia
sido feito para responder questões sobre a natureza. Pior que
isso, algumas respostas incorretas escritas por grandes pensado-
res como o filósofo grego Aristóteles foram aceitas, sem pergun-
tas, por milhares de anos.
Por incrível que pareça, a idéia de realizar um experimento para
testar uma hipótese é bastante nova. Os filósofos gregos, que há
mais de 2500 anos foram os primeiros a investigar o mundo de
maneira racional e sistemática, achavam que a natureza só poderia
ser compreendida pelo uso da razão e do intelecto e por isso des-
prezavam os experimentos.
Considera-se que o método científico baseado na experi-
mentação começou com Abu Ali al-Hasan Ibn al-Haytham (965-
1039), que nasceu em Basra na Pérsia, atual Iraque. Alhazen,
como ficou conhecido no ocidente, não era inicialmente um ci-
entista, mas um ministro para Basra. Porém com o passar dos
anos, infeliz e insatisfeito com seus estudos de religião, ele to-

39
Introdução à Física

mou a decisão de dedicar-se inteiramente à ciência. De seus tra-


balhos escritos, 55 chegaram até nós.
Seu primeiro trabalho sobre Óptica inclui uma teoria sobre a
luz e uma sobre a visão. Fala de Astronomia e Matemática, Geome-
tria e Teoria de Números. Este livro foi traduzido para o latim em
1270 com o nome de Opticae Thesaurus Alhazeni, e nele Alhazen
deixa claro que sua investigação da luz está baseada em experimen-
tos e não em teoria abstrata. Num famoso experimento descrito no
livro, ele convidou pessoas para olhar fixamente para o Sol, de for-
ma a provar que quando se olha dessa maneira para o Sol, o mesmo
queima o olho, causando cegueira. Claro que hoje em dia seu expe-
rimento seria proibido por comitês de ética!
Porém, considera-se que o pai do método científico em “es-
tado puro” é Galileu Galilei (1564 – 1642). Ele sustentava que a
pesquisa científica deveria ter dois momentos: um analítico - que
consiste na observação do fenômeno e com a proposição das hipó-
teses; e outro sintético – que consiste na experimentação, em que
se a hipótese for confirmada, será transformada em lei.
Lembre-se que peso de um corpo é a resultante da atração da
gravidade sobre esse corpo (força), enquanto sua massa é a quantida-
de de matéria desse corpo. Independentemente do lugar em que a
massa de um corpo estiver ela não se altera, mas o seu peso sim.
Veja esse exemplo: A observação diária nos diz que uma plu-
ma flutua no ar e uma pedra se precipita velozmente para o chão. O
que leva o senso comum a acreditar que, objetos de pesos diferen-
tes caem com velocidades diferentes. Se perguntarmos à maioria
das pessoas o que cai mais depressa, um saco de 1 kg de açúcar ou
outro de 5 kg, quase todos apontarão o de 5 kg. Apesar de essa
resposta estar baseada no senso comum (“as coisas mais pesadas
caem mais depressa”), ela é completamente falsa, pois coisas com
pesos diferentes caem com igual aceleração (gravitacional), como
foi demonstrado por Galileu.
Galileu estava envolvido numa disputa sobre a velocidade
da queda dos corpos com seus colegas professores. Como até a

40
O desenvolvimento do método científico

Renascença Aristóteles era uma autoridade indiscutível, e como


ele afirmara em seu livro sobre Física que coisas diferentes caem
com velocidades proporcionais a seu peso, todos acreditavam
2
aula
que assim seria.
Mas Galileu não se conformava apenas com afirmações sem
provas. Para ele essa teoria só seria válida se fosse provada atra-
vés de um experimento; e ele já havia feito testes antes que não
comprovaram a idéia de Aristóteles. Mas seus colegas teimavam
em discordar.
Sendo assim, Galileu teria subido na torre de Pisa e de lá, teria
jogado bolas de diferentes pesos exatamente no mesmo momento,
e de modo que todos na praça pudessem testemunhar seus resulta-
dos. Claro, como hoje já sabemos, todas chegaram ao solo juntas,
pois a velocidade que elas adquirem ao cair é independente de sua
massa! Com o resultado final, alguns o aplaudiram, enquanto ou-
tros tornaram-se seus inimigos, pois acreditavam que se tratava de
um truque, uma trapaça qualquer.

Experimento de Galileu na Torre de Pisa (Fonte: http://www4.prossiga.br).

41
Introdução à Física

É comum considerar alguns dos mais importantes avanços


na ciência, tais como as descobertas da radioatividade (em 1895)
por Henri Becquerel (1852 -1908) ou da penicilina (em 1928)
por Alexander Fleming (1881 -1955), como tendo ocorrido por
acidente. No entanto, eles teriam sido somente parcialmente aci-
dentais, visto que as pessoas envolvidas haviam aprendido a “pen-
sar cientificamente”, estando, portanto, conscientes de que ob-
servaram algo novo e interessante.
A fé que Galileu tinha na ciência separou-o do mundo uni-
versitário do seu tempo e terminou por trancafiá-lo num cárcere
da Inquisição.
O desenvolvimento do método científico prosseguiu com o filó-
sofo, físico e matemático francês René Descartes (1596 -1650. Des-
cartes estava insatisfeito com a orientação tradicional de sua época,
com um ensino de filosofia que era ministrado tendo por modelo o
ensino teológico medieval. Ele buscava um método que o guiasse na
“busca da verdade”. Em 1637, Descartes escreveu seu “Discurso do
Método”, que é considerado um ponto crítico no desenvolvimento
do método científico. Em sua concepção, influenciada pelos avanços
na técnica da relojoaria holandesa, Descartes pansava que o universo
nada mais era que uma máquina. A natureza funcionava mecanica-
mente de acordo com leis “matematizáveis”. Mesmo plantas e ani-
mais nada mais são que simples máquinas. Utilizando o pensamento
racionalista ele baseava-se em 4 regras:
Regra da evidência: “Não acolher jamais como verdadeira uma
coisa que não se reconheça evidentemente como tal, isto é, evitar a
precipitação e o preconceito”.
Regra da análise: “Dividir cada uma das dificuldades em tantas
partes, quantas forem necessárias para melhor resolvê-las”.
Regra da síntese: “Por ordem aos pensamentos, começando pe-
las coisas mais simples e mais fáceis para, aos poucos, ascender,
como que por meio de degraus, aos mais complexos”.
Regra da enumeração: “Realizar sempre enumerações cuidadosas e
revisões gerais para que se possa ter certeza de nada haver omitido”.

42
O desenvolvimento do método científico

A visão de Descartes despertou nele a crença na certeza do


conhecimento científico por meio da Matemática. Ele acreditava,
partindo de Galileu, que a chave para a compreensão do Universo
2
aula
era a sua estrutura matemática. Seu método consistia em subdivi-
dir qualquer problema a seus níveis mínimos, separar “as peças que
constituem o relógio”, reduzindo tudo até
seus componentes fundamentais para, a par-
tir desse nível, perceber suas relações.
Esta ênfase no método analítico tor-
nou-se uma característica essencial do mo-
derno pensamento científico. Foi ele que
possibilitou grandes progressos, mas sua
excessiva dominância nos meios científicos
também levou à fragmentação característi-
cas das especializações dos nossos meios aca-
dêmicos e no nosso pensamento em geral. René Descartes. (Fonte: http://www.philosophy.umd.edu).

Por exemplo, algumas das conseqüências


adversas do método cartesiano são casos “A crença na certeza do conhecimento
científico está na própria base da filosofia
na medicina, em que alguns médicos, por
cartesiana e na visão de mundo dela
adesão rígida a este modelo, são impedidos derivada, e foi aí, nessa premissa funda-
de compreender como muitas das mais ter- mental, que Descartes errou. A Física do
ríveis enfermidades da atualidade possuem século XX mostra-nos convincentemente
que não existe verdade absoluta em
um forte vínculo psicossomático e sócio-
ciência, que todos os conceitos e teorias
ambiental. são limitados. A crença cartesiana na
verdade infalível da ciência ainda é, hoje,
Cartesiano = de Descartes muito difundida e reflete-se no
cientificismo que se tornou típico de nossa
Esse quadro tornou-se o paradigma do- cultura ocidental. O método de pensa-
minante nas ciências até nossos dias. Ela mento analítico de Descartes e sua con-
passou a orientar a observação e produção cepção mecanicista da natureza influenci-
aram todos os ramos da ciência moderna
científica até que a Física, do século XX,
e podem ainda hoje ser muito úteis. Mas
passou a questionar seus pressupostos só serão verdadeiramente úteis se suas
mecanicistas básicos. limitações forem reconhecidas (...)”.
Mesmo que a sua visão de mundo apre- Frijot Capra
sente hoje sérias limitações, o método ge-

43
Introdução à Física

ral que Descartes nos deu ainda é muito útil na abordagem de pro-
blemas intelectuais. Ele possibilita, ainda, uma notável clareza de
pensamento, o qual nos possibilita, inclusive, questionar nossa pró-
pria origem e visão de mundo.

ATIVIDADES

A acupuntura é uma técnica médica tradicional de origem asiática


em que pequenas agulhas são introduzidas no corpo do paciente
para aliviar a dor. Muitos médicos ocidentais consideram a
acupuntura inválida de estudos experimentais porque seus efeitos
terapêuticos não podem ser explicados por suas teorias sobre o sis-
tema nervoso. Comente esse tratamento em relação ao pensamen-
to científico cartesiano.

Aplicação de acupuntura (Fonte: http://www.calgaryacupuncture.ca).

44
O desenvolvimento do método científico

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES 2


aula
Acupuntura é um método de tratamento complementar de
acordo com Organização Mundial da Saúde. Dizem os chineses
que a ação da agulha pode interferir na energia dos meridianos
corporais. Para a visão geral ocidental, é um método de
estimulação neurológica, com efeitos sobre neurotransmissores,
neuromoduladores e reação do sistema imunitário (pró e anti-
inflamatória) e seus mecanismos ainda não estão
satisfatóriamente explicados. Muitos médicos se recusam a
aceitar a acupuntura como um método científico de cura de
seus pacientes, mas lembre-se que não existe verdade absoluta
em ciência. Talvez a ciência consiga logo descobrir qual seu
funcionamento.
Entretanto, não é possível ignorar que a acupuntura já
comprovou sua eficácia em vários experimentos efetuados,
como uma cirurgia realizada sob a anestesia produzida pela
simples punção de agulhas. A acupuntura hoje em dia é bastante
usada até por médicos ocidentais devido a seus efeitos
terapêuticos no domínio da dor. O estudo de sua história revela
a incorporação do conhecimento empírico proveniente de
cuidadosas observações. Apesar de não ter seu funcionamento
comprovado plenamente pela ciência, como gostaria um
médico com pensamento cartesiano tradicional, você aceitaria
um tratamento de acupuntura para aliviar seu sofrimento ou
de algum familiar?

45
Introdução à Física

A Ciência tem uma enorme responsabilidade na sociedade,


pois o conhecimento com ela obtido será usado em ativi-
dades que têm profundo impacto para a humanidade. Sendo assim,
um pesquisador imbuído de um espírito científico buscará soluções
sérias, com métodos adequados, para o pro-
blema que enfrenta. O essencial para o cien-
CONCLUSÃO
tista é aprender como trabalhar para solucio-
nar os problemas que se apresentem, ou seja,
“enxergar” os problemas e equacioná-los. Um cientista tentará não
se deixar induzir a falsas conclusões devido à repetição de fatos,
mas buscará incessantemente contrariar teorias e leis em vigor tes-
tando a natureza com novos experimentos.
Enfim, podemos concluir que o espírito científico se traduz
por uma mente crítica, objetiva e racional, e é isso que queremos
que você tenha conquistado ao final do seu curso de Física.

Miguel Nicolelis, eminente neurobiologista brasileiro


(Fonte: www.dukemagazine.duke.edu).

46
O desenvolvimento do método científico

RESUMO

Na aula de hoje, vimos que a Ciência tem uma enorme res-


2
aula
ponsabilidade com a humanidade. O conhecimento gerado pela
Ciência será usado em atividades que têm profundo impacto
na raça humana, e por isso, os cientistas tiveram que desenvolver um
método científico, que nada mais é do que um conjunto de regras
para comprovar ou não uma hipótese proposta.
Verificamos que a observação do mesmo resultado repetidas várias
vezes faz com que sejamos induzidos a algumas hipóteses, mas não
podemos ter certeza de quantas repetições são necessárias para ti-
rarmos uma conclusão realmente “verdadeira”. Ao interagimos com
a natureza realizando experimentos, admitimos, sem termos certe-
za, a existência de uma ordem universal e imutável, o que torna
possível prever seu comportamento.
Vimos também nessa aula, que provar que uma teoria é falsa é muito
mais importante do que ficar provando por muitos experimentos que
ela é verdadeira. Alhazen e Galileu mostraram que só o experimento
pode comprovar uma teoria. Foi assim que o método científico sur-
giu, com grandes pesquisadores, mostrando que outros grandes inte-
lectuais estavam errados em algumas de suas conclusões.
Já o objetivo da “ciência” de Descartes era a de usar seu método
analítico para formar uma descrição racional completa de todos os
fenômenos naturais num único sistema preciso de princípios mecâni-
cos regidos por relações matemáticas. Mas a Física do século XX
mostrou que não existe verdade absoluta em ciência, que todos os
conceitos e teorias são limitados. Mesmo que a seu conhecimento
tenha atualmente sérias limitações, o método geral Cartesiano ainda
é muito útil na abordagem de problemas intelectuais.

47
Introdução à Física

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, continuaremos a estudar como trabalha


um cientista moderno e quais são os métodos utilizados
atualmente na pesquisa científica. Até mais!

REFERÊNCIAS

ALONSO, M. S.; FINN, E. J. Física. São Paulo: Edgard Blücher


Editora, 1999.
FEYNMAN, R. P.; LEIGHTON, R. B.; SANDS, M. The Feynman
lectures on Physics. v. 1. 2 ed. Oxnard: Addison Wesley, 1964.
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica - Mecânica. v.
1. São Paulo: Edgard Blücher Editora, 1981.
SEARS, F. W.; ZEMANSKY, M. W. Física I - Mecânica. 10 ed.
São Paulo: Addison Wesley, 2003.
http://www.projetoockham.org/ferramentas_metodo_1.html.

48
1
livro

O MÉTODO CIENTÍFICO
MODERNO
3
aula

META
Mostrar que o método científico é um ciclo
contínuo entre experimento e teoria.

OBJETIVOS
Ao final da aula, o aluno deverá:
reconhecer regras científicas para a
realização de experimentos;
definir como deve ser organizado um
conjunto de dados para a comprovação
de uma teoria;
reconhecer em um texto quando se trata
de um procedimento científico ou não; e
aplicar cotidianamente o método científico.

PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ler algum texto, de seu
interesse, de um experimento realizado
que esteja em uma revista científica, tal
como Super Interessante, Nature ou
Science. Ter certeza de que a revista
tem crédito. O aluno poderá conseguir
algum texto na Internet, em sites como
o portal da Capes: www.capes.gov.br.
Após o aluno ter lido o texto, ele deverá
ver como é descrito o experimento, quais
são suas etapas. Fazer algumas Cientista moderno (Fonte: http://www.anbio.org.br).
anotações sobre o que ele considera
importante para um texto ser científico.
Ele terá que manter suas anotações
durante a leitura dessa aula, refletindo
sobre elas ou até mesmo reescrevendo-
as com o desenrolar do texto.
Introdução à Física

N a aula passada, vimos como foi desenvolvido o método


científico por alguns de seus maiores pensadores:
Alhazen, Galileu e Descartes. Mas enfim, o método científico de-
senvolvido por eles é o mesmo aplicado atualmente? Quais são suas
etapas? O que é essencial para um cientista
atual saber (e fazer) para que suas teorias se-
INTRODUÇÃO
jam comprovadas através do método científi-
co? Isso é o que veremos hoje.

Experimento com laser (Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br).

50
O método científico moderno

O Método Científico é um conjunto de regras básicas para


um cientista desenvolver um experimento controlado
visando gerar o conhecimento científico.
Embora os procedimentos variem de uma área da ciência para
3
aula
outra, consegue-se determinar certos elemen-
tos que diferenciam o método científico de outros
métodos.
MÉTODO MODERNO
No método científico, os pesquisadores pro-
põem, primeiramente, hipóteses para explicar certos fenômenos. A
hipótese é o caminho que deve levar à formulação de uma teoria.
O cientista, na sua hipótese, tem dois objetivos:
– explicar um fato e
– prever outros acontecimentos dele decorrentes, ou seja, de-
duzir as conseqüências.

Então, os pesquisadores desenvolvem experimentos que tes-


tam essas previsões. A hipótese deverá ser testada em experiências
laboratoriais com condições controladas, para que possa ser repetida
ou para que possam ser alteradas as condições em um experimento
futuro, de forma a testar novamente de maneira diferente essa mes-
ma hipótese.
Se a hipótese se confirma uma vez ela pode estar correta.
Se a hipótese se confirma, um grande número de vezes, ela
deve estar correta.
Se a hipótese não se confirma, ela deve ser reformulada e no-
vamente testada.

Se uma experiência discordar da teoria atual, a teoria tem


que ser mudada, não a experiência.

O processo precisa ser objetivo, para que o cientista seja impar-


cial na interpretação dos resultados. Tanto o procedimento quanto
os dados precisam ser documentados, para que outros cientistas
possam analisar e reproduzir o procedimento.

51
Introdução à Física

Uma experiência não pode ser reproduzida se for secreta,


assim a ciência é necessariamente um empreendimento público.

Uma experiência deve ser tratada com suspeita se funcionar


somente para uma pessoa ou somente em uma parte do mundo.
Qualquer pessoa com habilidades e equipamentos necessários de-
verá conseguir os mesmos resultados da mesma experiência. Isto
implica que a ciência transcende limites nacionais e étnicos.

BLONDLOT E OS RAIOS N

Nos primeiros anos do século XX, René Prosper Blondlot


(1849 -1930), um físico francês, pensou ter descoberto uma nova
forma de radiação, que chamou de raios N, logo após a descoberta
revolucionária dos raios X por Roentgen, em 1895. Até 1903,
Blondlot já havia publicado mais de 10 trabalhos sobre sua desco-
berta, mas nenhum outro cientista ainda tinha conseguido reprodu-
zir suas experiências, nem vislumbrar o menor sinal dos raios N. A
revista Nature estava cética em relação às afirmações de Blondlot,
visto que nos laboratórios da Inglaterra e da Alemanha não conse-
guiam reproduzir a experiência. Então, a Nature enviou, em 1904, o
físico americano Robert W. Wood da Johns Hopkins University para
investigar a descoberta de Blondlot.
Os raios N produzidos por um filamento aquecido de platina
deveriam atingir um prisma e difratarem-se de encontro a uma tela,
produzindo bandas luminosas. Porém, quando Wood observou a
tela não foi capaz de ver nenhuma das bandas luminosas que
Blondlot alegava ver. Blondlot repetiu a experiência, mas desta vez
Wood secretamente removeu o prisma da montagem. Sem este a
máquina não podia funcionar. Para seu espanto, Blondlot conti-
nuou enxergando as bandas luminosas originadas pelos raios N!
Claro que logo depois disso toda a história dos raios N foi desa-
creditada e esquecida.

52
O método científico moderno

ATIVIDADES

Comente sob quais aspectos Blondlot falhou como cientista?


3
aula
COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Blondlot não foi imparcial com seu trabalho e seus resultados.


Ele via o que acreditava ver, e até podia estar mentindo sobre
seus experimentos. Um cientista deve ser correto moralmente
e manter a mente aberta, ou seja, não se deixar levar por
preconceitos e ilusões. No caso de Blondlot, uma ânsia em
descobrir algo novo e tornar-se um grande e famoso cientista,
como Roentgen, pode tê-lo perturbado de forma a criar uma
auto-ilusão sobre os tais raios N. Ele via o que queria ver com
os seus instrumentos, não o que realmente lá estava.
Como em qualquer atividade, um cientista deve ser leal com
seus companheiros, sem querer enganá-los. A ciência pode
verificar facilmente uma mentira, uma falsa alegação, através
da realização desses experimentos por outros cientistas, levando
o falsário a um vexame.

JUNTANDO DADOS E HIPÓTESES

Os atuais cientistas concordam que o método científico con-


siste das seguintes fases:
– Observar um fato.
– Formular um problema.
– Propor uma hipótese.
– Realizar uma experiência controlada para testar a validade da
hipótese.
– Interpretar os dados e analisar os resultados (essa etapa pode
servir para a formulação de novas hipóteses).

53
Introdução à Física

– Tirar conclusões e estabelecer uma Tese, Teoria ou Lei.


– Publicar os resultados para toda a comunidade conhecê-los.

Tome nota: o método científico não é uma receita; ele requer inte-
ligência, imaginação e criatividade, mas é importante que os aspectos
e elementos apresentados acima estejam presentes.

As teorias serão formadas juntando-se hipóteses de certa área


em uma estrutura coerente de conhecimento. Isto ajuda na formu-
lação de novas hipóteses, bem como coloca as hipóteses em um
conjunto de conhecimento maior.
Uma teoria bem sucedida também fará novas previsões so-
bre novos experimentos, sob novas circunstâncias. Embora, even-
tualmente, possa ocorrer que uma nova experiência mostre que
sob certas condições a teoria não é uma boa aproximação ou
não é válida. Nesse caso, a teoria deve ser alterada para
“Minhas idéias levaram as se ajustar ao experimento.
pessoas a reexaminar a
Um exemplo do ciclo teoria-experimento foi a obser-
Física de Newton. Natural-
mente alguém um dia irá vação experimental de que os elementos químicos não
reexaminar minhas próprias poderiam ser transformados uns nos outros; por exemplo
idéias. Se isto não acontecer o chumbo não poderia ser transformado em ouro. Isto
haverá uma falha grosseira
conduziu à teoria em que as reações químicas consistem
em algum lugar”.
Albert Einstein em rearranjos dos elementos em combinações diferentes,
sem qualquer alteração nas identidades dos elementos.
A teoria funcionou por centenas de anos, e foi
confirmada experimentalmente sob uma larga faixa de pressão e
temperatura e com muitas combinações de elementos. Somente no
século XX, aprendemos que um elemento poderia ser transforma-
do em um outro sob circunstâncias de pressão e temperatura extre-
mamente altas, como as existentes no núcleo de uma estrela.
Essa observação não invalidou completamente a teoria ori-
ginal da “imutabilidade dos elementos”, mas mostrou que ela
era somente uma aproximação, válida em temperaturas e pres-
sões ordinárias.

54
O método científico moderno

Então, toda hipótese proposta


deve ser falseável ou refutável. Isso
quer dizer que mesmo que haja um
3
aula
consenso sobre uma hipótese ou te-
oria, é necessário que se mantenha
a possibilidade de se refutá-la. Isto está fortemente associado ao
fato que uma teoria nunca é definitiva. Isso é um dos elementos
mais importantes do método científico.
Assim, o método científico é em um ciclo contínuo para desen-
volver métodos e modelos mais úteis, precisos e abrangentes na
descrição do Universo!

Fluxograma mostrando um exemplo de a aplicação do método científico

55
Introdução à Física

CIÊNCIA X PSEUDOCIÊNCIA

Veja no texto abaixo um exemplo do típico pensamento


pseudocientífico

O DRAGÃO NA MINHA GARAGEM


Adaptação da história do livro O mundo assombrado pelos
demônios, de Carl Sagan

Um amigo lhe diz que descobriu um dragão na garagem da


casa dele.
“Uau, isso é incrível! Vamos lá vê-lo!” Você diz entusiasmado,
já pensando nas manchetes dos jornais.
“Bem... isso não vai ser possível porque ele é invisível.”
“Você fala sério?!”, mas seu momentâneo desapontamento é logo
substituído por uma excitação ainda maior, afinal você sabe que
um dragão invisível é ainda mais incrível que um dragão qualquer.
“A gente joga tinta nele então. E depois tiramos umas fotos.”
“Ahhh? Tinta? Bom... isso também não vai dar, pois este dragão
é incorpóreo.”
“Incorpóreo?!!”
“Sim, incorpóreo, tipo um fantasma ou um ectoplasma.”
“Mas este dragão solta fogo? Pelo menos isso?”
“Sim, soltar fogo ele solta! Se bem que o fogo é invisível
também.”
“Tá, não tem problema, a gente usa um visor de infravermelho
pra ver este fogo invisível.”
“Mas o fogo deste dragão é um fogo frio, que está à temperatura
ambiente, não vai dar pra sentir...”
“!!”
Você propõe mais uma dúzia de maneiras de detectar o dragão
e seu amigo refuta todas elas dizendo que com este dragão não
vai funcionar.

56
O método científico moderno

Você começa a perder a paciência e, além de um pouco


preocupado com a sanidade do seu amigo, fica imaginando qual
a diferença entre um dragão que não pode ser detectado de
3
aula
nenhuma maneira e dragão nenhum: “Então como você sabe
que há realmente um dragão lá?!”
Seu amigo responde a esta pergunta com explicações confusas
que misturam capacidade de se comunicar telepaticamente com
o dragão, técnicas ancestrais milenares de detecção de dragões
(provavelmente orientais), instrumentos exóticos capazes de medir
a “energia” de dragões, uso da intuição, revelação em sonhos, etc,
e encara o seu ceticismo como má-vontade em crer neste
maravilhoso dragão-invisível-incorpóreo-que-cospe-fogo-frio.
Você, usando a mesma analogia, pode imaginar pessoas que
prevêem o futuro inspirados por dragões “indetectáveis” ou que
dizem curar doenças usando a energia de doendes. Estas pessoas
provavelmente acusarão os cientistas, que não querem crer na
existência de seus dragões, de terem estreiteza de pensamento ou
dirão que eles se negam a encarar as evidências porque temem que elas
abalem sua forma ortodoxa de pensar. Muitos irão se comparar a
Galileu, dizendo-se injustiçados. Entretanto, por mais que a ciência
investigue o fenômeno não há evidências do “Dragão”!

ATIVIDADES

Um paranormal conduz sessões em que os espíritos dos mortos


falam com os participantes. Ele diz ter poderes psíquicos especiais
não possuídos por outras pessoas, que permitem que ele “canalize”
as comunicações com estes espíritos e cure doenças. Ele fala que
há experimentos que comprovam seus poderes, mas nunca mostra
os equipamentos usados, nem mesmo consegue fazer que você se
cure de algum mal como ele diz poder fazer.
Que parte do método científico foi violada aqui?

57
Introdução à Física

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


Todas! A explicação do paranormal não mostra que ele possa
fazer previsões sobre novas experiências sob novas
circunstâncias. Sua explicação não pode ser verificada por outras
pessoas, não há experimento que a comprove, e a comunicação
não é reprodutível! Ele não consegue realmente demonstrar e
provar a você os tais poderes de cura.
Mas claro que o método científico como descrito nesta aula é
uma idealização, e não deve ser compreendido como um
conjunto de procedimentos para se fazer ciência.
Os cientistas têm muitas fraquezas e falhas de caráter como
qualquer outro grupo. É muito comum entre cientistas tentar
desacreditar experiências de pessoas quando os resultados
funcionam contrariamente a seu favor ou ponto de vista. Porém,
há uma tendência recente entre cientistas sociais de ir mais
além, e negar que o método científico exista mesmo,
reivindicando que a ciência não é não mais do que um sistema
social arbitrário que determina quais idéias serão aceitas
baseadas em critérios de algum grupo determinado.
Se a ciência fosse um ritual social arbitrário, pareceria difícil
explicar sua eficácia em construir artigos úteis, como remédios
criados por químicos ou a previsão de colisão de asteróides
com a Terra, feita por astrônomos.
Reflita: se alquimia e astrologia não são menos científicas em seus
métodos do que Química e a Astronomia, que coisas realmente
úteis à sociedade foram produzidas por elas?
Mas lembre-se, investigue sempre! Não é porque a ciência não é
capaz de detectar o dragão, quer dizer que ele não existe. Germes,
partículas atômicas e subatômicas, quasares, variações no espaço-
tempo - podem-se citar inúmeros exemplos de fenômenos que
num determinado momento da história não foram ou não poderiam
ser detectados pelas técnicas e instrumentos disponíveis, mas que
não deixaram de existir por isso. Investigar, portanto, é preciso.

58
O método científico moderno

3
aula

(Fonte: www.ufo-blog.com) (Fonte: www.enlightenedbeings.com)

Leia esse texto que mostra uma discussão sobre


ciência x pseudociência

ALIENÍGENAS INTERESSADOS EM SE
COMUNICAR CONOSCO

Em 2001 foi encontrado na Inglaterra um círculo que


reproduzia a mensagem enviada pelo radioteléscópio de
Arecibo ao espaço, em 1974, como parte do programa SETI
(Search for Extraterrestrian Intelligence). A mensagem
reproduzida no círculo era idêntica à original, exceto que os
dados relativos à raça humana, como o DNA e uma figura
humana, tinham sido trocados por dados e uma figura
supostamente de alienígenas.
Enquanto os ufólogos ficaram exultantes, os cientistas do
programa SETI disseram que o tempo necessário para que o
sinal enviado em 1974 chegasse à estrela mais próxima (na
direção em que o sinal foi enviado), mais o tempo que uma
suposta raça inteligente levaria para vir desta estrela até a Terra,
seria muito maior do que o tempo decorrido desde a transmissão.
Ou seja, mesmo que exista uma raça extraterrestre inteligente (o
que é justamente o que quer descobrir o projeto SETI), ainda é
cedo para que respondam a transmissão iniciada em 1974.
Seria mais fácil, disseram os cientistas, aceitar o fato de que
aquele círculo, como outros, havia sido feito por pessoas em

59
Introdução à Física

busca de aventura ou reconhecimento. Mas então os ufólogos


replicaram dizendo que isto é apenas uma prova de que os
alienígenas já estão entre nós há muito mais tempo do que
supomos, provavelmente desde o início da vida humana. Bem,
isso não é realmente um impedimento lógico, mas vemos que
se aceitarmos a hipótese dos aliens, seremos obrigados também
a incorporar o fato de que eles existem entre nós e que podem
estar disfarçados como nossos vizinhos (ou isso, ou
reformulamos as leis da Física para que seja possível viajar
numa velocidade maior do que a da luz).
Mais adiante quando confrontados com a dificuldade de que
dada a diversidade que a vida pode assumir, seria uma
coincidência incrível que estes aliens se parecessem com a figura
humanóide retratada no círculo, os ufólogos responderam que
se estes aliens são uma raça suficientemente avançada para viajar
pelo espaço, e que já se encontra na Terra há milhares de anos,
certamente dominaria a engenharia genética necessária para
alterar conforme seu desejo a vida local, ou seja, nós. Nós é
que seríamos parecidos com eles!

Resumindo: pela lógica do pensamento ufológico, teríamos


alienígenas vivendo entre nós, que alteraram geneticamente a
vida na Terra para que nos desenvolvêssemos à sua imagem e
semelhança, e que, a despeito de tanta tecnologia a sua disposi-
ção, eles se comunicam com a raça humana através de códigos
em plantações.

60
O método científico moderno

ÉTER: UM “DRAGÃO” DA CIÊNCIA

Até o final do século XIX, os físicos acredi-


3
aula
tavam na existência de uma substância chama-
da éter que preencheria o vácuo e que seria o
meio no qual se propagariam a luz e as ondas
gravitacionais, muito embora ninguém ainda o
tivesse detectado. Este éter deveria ser de tal
natureza que não interferisse no movimento da
Terra através dele e que permanecesse inalterado
e imóvel ao ser atravessado pela luz. Isso o tornava por defini-
ção extremamente difícil de ser detectado. Em 1881, Michelson
e Morley idealizaram uma cuidadosa experiência para tentar “cap-
turar” o éter, porém nada foi observado. Alguns imaginaram fa-
lhas na experiência, mas outros começaram a desconfiar que não
haveria éter nenhum para ser detectado. O éter continuou a ser
perseguido utilizando-se técnicas mais avançadas e instrumen-
tos mais precisos, sempre com os mesmos resultados, até o ano
de 1960, quando foi definitivamente descartado.

MÚLTIPLAS HIPÓTESES E A
NAVALHA DE OCKHAM

Vimos que o método científico começa com a observação da


natureza. Com base nessa observação e apoiados pelo pensamento
indutivo, podemos formular uma hipótese que será testada e pode-
rá explicar o fenômeno, caso seja confirmada. Mas, quando há di-
versas hipóteses que explicam o mesmo fenômeno? Ou seja, é pos-
sível explicar o mesmo fenômeno e prever os mesmos resultados
utilizando hipóteses diferentes?
Neste caso a ciência prefere adotar a hipótese mais sim-
ples, em que, por mais simples se entende aquela que usa o

61
Introdução à Física

menor número de suposições ou que introduzam o menor nú-


mero de entidades novas na ciência. Pois, se uma explicação
simples basta, não há necessidade de buscar outra mais com-
plicada. Afinal, quando se faz o menor número de suposições
possíveis é menos provável que se descubra mais tarde que
uma delas estava errada. Este método é chamado de Navalha
de Ockham, proposto pelo filósofo franciscano inglês William
de Ockham (1285-1349).

William de Ockham (http://www.occam.pt).

Mas Cuidado:
Quando se diz que a teoria mais simples é a correta não quer
dizer que a teoria mais fácil de se entender é a correta.
Além de a simplicidade ser um critério pessoal e subjetivo, a
natureza não tem vocação para a simplicidade. À medida que
nos aprofundamos nos assuntos de física quântica, por exemplo,
ocorre justamente o contrário. As explicações tornam-se cada
vez mais complexas.

62
O método científico moderno

ATIVIDADES

Considere se o método científico está sendo aplicado ou não nos


3
aula
seguintes exemplos. Se o método científico não estiver sendo apli-
cado, diga se as pessoas executam alguma atividade humana útil,
mesmo que não científica.
a) Goethe, um famoso poeta alemão, é muito menos conhecido por
sua teoria da cor. Ele publicou um livro sobre esse assunto, em que
discute que instrumentos científicos para a medição e quantificação
da cor, tais como prismas, lentes e filtros coloridos, não poderiam
nos dar a total introspecção sobre o significado real da cor. Por
exemplo, o sentimento frio evocado pelo azul e pelo verde ou os
sentimentos heróicos inspirados pelo vermelho.
b) Uma criança pergunta por que as coisas caem para baixo, e a
resposta de um adulto: “por causa da gravidade.” O filósofo grego
Aristóteles explicou que as rochas caíam porque era sua natureza,
para procurar seu lugar natural no contato com terra. São estas ex-
plicações científicas?

63
Introdução à Física

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

a) Não se pode dizer que a cor evoca os mesmos sentimentos


em todas as pessoas. Goethe não comprovou com
experimentos essas sensações provocadas pelas cores, portanto
não se pode considerar como científico esse seu trabalho.
No século XIX, o poeta Goethe passou trinta anos tentando terminar
seu tratado sobre as cores, que colocaria abaixo a teoria de Newton,
e que considerava sua obra máxima. Ele realmente descobriu
aspectos que Newton ignorara sobre a fisiologia e psicologia da cor.
Observou a retenção das cores na retina, a tendência do olho
humano em ver nas bordas de uma cor complementar, notou que
objetos brancos sempre parecem maiores do que negros. Porém, as
observações de Goethe em sua publicação “A teoria das cores”, em
nada feriam a teoria de Newton. Suas explicações para os fenômenos
eram muitas vezes insatisfatórias e ele não propunha nenhum método
científico para provar suas teses. Apesar disso, atualmente, o estudo
da teoria das cores nas universidades divide-se em três matérias
com as mesmas características que Goethe propunha para cores: a
cor física (óptica física), a cor fisiológica (óptica fisiológica) e a cor
química (óptica fisico-química).
b) Qual é o lugar natural das coisas? O que é gravidade? Um
cientista deve ser preciso em suas respostas. Elas não devem
ser vagas. A explicação deve ser clara e objetiva, tal como: Os
corpos materiais exercem atração mútua uns sobre os outros.
Assim, a Terra está atraindo a pedra e a pedra está atraindo a
Terra. Como a massa da Terra é muito maior, a pedra se move
em direção à Terra. A Terra também se move em direção a
pedra, mas apenas por uma ínfima fração que não podemos
observar. Mas esta explicação é muito complicada para uma
criança entender? Talvez, assim, a forma do adulto de citar a
ação da gravidade pode incutir na criança a idéia correta ligada
à ação da gravidade. E Aristóteles, mesmo com uma conclusão

64
O método científico moderno

errada sobre a queda dos corpos, estava tentando descobrir as


razões das coisas. Pensar, discutir, propor hipóteses, são ações
3
aula
de fundamental importância para a evolução humana.

O MÉTODO CIENTÍFICO PODE FALHAR?

Ficar somente fazendo experimentos, tomando dados, sem pen-


sar no problema também pode levá-lo a lugar nenhum. A ciência
bem-sucedida tem mais a ver com sorte, intuição e criatividade do
que a maioria das pessoas pensam, e as limitações
“Um punhado de fatos não é
do método científico não suprimem a individuali-
mais ciência do um punhado de
dade e auto-expressão como o conhecimento da tijolos é uma casa”.
forma de uma sonata ou um minueto não suprime o Henri Poincaré
talento de um Beethoven, um Bach ou um Mozart.
Veja você: como todo mundo sempre soube os filhos dos cava-
los são cavalos, o mamoeiro só produz mamão e os filhos dos huma-
nos se parecem com seus pais. Mas, por que é assim? Alguns pesqui-
sadores há séculos tentavam dar a resposta, mas os antigos livros que
tratavam da descendência usavam um palavreado grego complexo --
- taleogonia, atavismo, xenogênese - para ocultar o fato de que seus
autores nada sabiam. Em 1866, Rudolf Virchow (1821 -1902),
um dos pais da anatomia patológica, editou sobre o assunto
um volume de duzentas páginas que, entre-
tanto, nada explicava. Foi nesse mesmo ano
que Gregor Mendel (1822 – 1884) publicou
seu trabalho de apenas quatro páginas resol-
vendo o problema da hereditariedade.

Cuidado: coletar uma grande


quantidade de dados sem
poder encontrar nenhum
princípio subjacentes básico
também não é ciência.

65
Introdução à Física

Lembra-se do método de Descartes da aula


passada? Pois é, Virchow não o usou. Acumulou
todos os dados publicados sobre o assunto, catalo-
gou-os e perdeu-se entre eles, sem conseguir dar-
lhes nexo. Já Mendel, antes de tudo, procurou um
material que fosse fácil de estudar. Escolheu a er-
vilha de jardim, porque sua reprodução era bem
conhecida e tinha características, como a cor das
sementes, bem definidas e fáceis de observar. Ten-
do garantido que seu material era puro, isto é, que
as plantas de semente verde, quando auto-fecun-
dadas, só davam cor verde por várias gerações e as
amarelas procediam da mesma forma, começou a
Mendel examinando ervilhas (http:// cruzá-las entre si. Sempre anotando os resultados,
www.carampangue.cl).
foi repetindo as experiências até ter certeza de sua
constância e previsibilidade. Finalmente, descre-
veu seus resultados de forma que qualquer outro pesquisador pudesse
comprová-los por sua conta. Quando terminou, a ciência possuía uma
exata descrição das leis da hereditariedade, sobre as quais se estruturou
a genética.
Os fatos não falam por si mesmos. Fatos e medidas precisam
ser interpretados pelas pessoas que conduzem os experimentos, e
pessoas são naturalmente susceptíveis a julgamentos pessoais, pre-
conceitos, análises tendenciosas. Um cientista deve tentar ser im-
parcial e não deixar se levar por preconceitos, pois pode deixar
passar descobertas que seriam revolucionárias, sem reconhecê-
las. Veja o exemplo de Tycho Brahe (1546 - 1601), um astrôno-
mo dinamarquês, que ficou famoso por coletar os mais precisos
dados astronômicos que já haviam sido colhidos até a sua épo-
ca. Porém, Tycho não acreditava no modelo heliocêntrico pro-
posto por Copérnico e utilizou suas observações para formular mais
um novo modelo geocêntrico do universo. Foi seu discípulo e assis-
tente, Johannes Kepler (1571-1630), orientado por uma crença di-
ferente, que alguns anos mais tarde utilizou os mesmos dados, os

66
O método científico moderno

quais comprovaram o modelo heliocêntrico. Foi ele que estabele-


ceu as três leis do movimento planetário, conhecidas hoje como
“Leis de Kepler”.
3
aula
Mas o fato do cientista ser falível torna a ciência falível?
Sim e não. Ciente tanto de sua responsabilidade quanto da falibili-
dade dos cientistas, a ciência não se fia na autoridade de nenhum pes-
quisador e nem em pesquisas isoladas. Um fato só é aceito pela ciência
depois de exaustivamente reproduzido por cientistas em todo o mun-
do. Lembre-se do caso de Blondlot e os raios N. Ou seja, o próprio
método científico se encarrega de eliminar os julgamentos pessoais e
impede que em longo prazo, dogmas sejam formados.

O Método Científico é um conjunto de regras básicas para


um cientista desenvolver um experimento controlado
visando gerar o conhecimento científico. Sendo assim, ele é funda-
mental à Ciência. Porém, ele não pode substituir o talento de um
pesquisador, pois os fatos não falam por si mes-
mos, visto que fatos e medidas precisam ser in- CONCLUSÃO
terpretados. É principalmente nessa fase que um
cientista pode falhar. Porém, é importante frisar
que a Ciência, como um todo, dificilmente falha por muito tempo,
pois está baseada no método científico. Mesmo quando um cientista
com uma falsa resposta apresenta sua teoria, outros pesquisadores
estarão sempre em busca de refutar a idéia dele, e assim, a falha será
logo descoberta. Esse é o grande mérito do método científico.

67
Introdução à Física

RESUMO

Nessa aula, vimos que o Método Científico utiliza a dúvida


Sistemática, metódica e segue uma seqüência de atitudes con-
duz à dedução de uma lei ou uma teoria sobre o problema
estudado. O Método Cientifico está baseado na prova experimen-
tal. Em síntese, o Método Científico diz que o que não é passível
de ser testado, de ser experimentado, não é Ciência.
Vimos que os procedimentos devem ser claramente descritos em pu-
blicações para a sociedade, de forma que qualquer pessoa que deseje
reproduzir o experimento possa fazê-lo. Porém, falamos que tomar um
conjunto de dados sem tentar formular uma teoria com ele também
não é fazer Ciência. Um cientista deverá sempre buscar uma explica-
ção plausível dos fatos.
Mostramos que toda hipótese proposta deve ser refutável e uma
teoria nunca é definitiva. Ou seja, o Método Científico é um ciclo con-
tínuo de hipóteses e experiências, ambas se renovando em busca de
métodos e modelos mais úteis, precisos e abrangentes à sociedade. As
teorias são formadas juntando-se hipóteses de certa área em uma estru-
tura coerente de conhecimento e uma teoria bem sucedida fará novas
previsões sobre novos experimentos, sob novas circunstâncias. Porém,
sempre há a possibilidade de uma experiência mostrar que sob certas
condições a teoria não é uma boa aproximação ou não é válida, e assim
ela deverá ser alterada.
Aprendemos também, que na existência de múltiplas hipóteses expli-
cando um mesmo fenômeno a Ciência prefere adotar a hipótese mais
simples, mas que nem sempre é a mais fácil de ser compreendida.

68
O método científico moderno

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, iremos saber um pouco da história dos primei-


3
aula
ros passos da ciência. Histórias interessantes, sobre algumas des-
cobertas, irão levá-lo até o Egito, à Mesopotâmia, à Grécia, para
sabermos como as coisas se desenvolveram por lá. Até a próxima!

REFERÊNCIAS

ALONSO, M. S.; FINN, E. J. Física. São Paulo: Edgard Blücher


Editora, 1999.
FEYNMAN, R. P.; LEIGHTON, R. B.; SANDS, M. The Feynman
lectures on Physics. v. 1. 2 ed. Oxnard: Addison Wesley, 1964.
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica - Mecânica. v.
1. São Paulo: Edgard Blücher Editora, 1981.
SEARS, F. W.; ZEMANSKY, M. W. Física I - Mecânica. 10 ed.
São Paulo: Addison Wesley, 2003.
http://www.projetoockham.org/ferramentas_metodo_1.html.

69
1
livro

A CIÊNCIA DA ANTIGUIDADE 4
aula
META
Apresentar como relacionar e usar
a ciência como elemento de
interpretação e intervenção da
natureza

OBJETIVOS
Ao final da aula, o aluno deverá:
identificar teorias da antiguidade
que mostrem a) características da
construção do conhecimento
científico (epistemologia);
b) o significado desse
conhecimento em sua ligação com
a realidade dos fenômenos físicos
(cognição);
contextualizar as descobertas
científicas mais revolucionárias da
antiguidade;
definir evolução histórica da
transformação da visão dos
pensadores da antiguidade acerca
dos fenômenos físicos; e
identificar a genialidade de
alguns pensadores que deram Homens utilizando alavanca (Fonte: http://profviseu.com).
interpretações não óbvias, porém
muito realistas, dos fenômenos
físicos baseados apenas na
observação e na razão;

PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá tentar imaginar
como viveríamos sem o
conhecimento das grandes
descobertas realizadas pelos
cientistas.
Introdução à Física

O físico não é um mero reprodutor de técnicas, mas sim


um profissional que deve ser autônomo e criativo, e um
estudante permanente. Neste sentido, é muito importante aprender
a forma de raciocinar em ciência e para isso devemos conhecer
toda a riqueza histórica da pesquisa científica,
por que, em que situação e de que maneira um
INTRODUÇÃO
cientista foi levado a elaborar uma determina-
da teoria. Obviamente não podemos apresen-
tar todas as histórias, mas
devemos discutir como se
deu alguns dos momentos
mais revolucionários no de-
senvolvimento científico da
humanidade. Sendo assim,
em seis aulas, iniciando por
essa, iremos apresentar os
principais fatos histórico-ci-
entíficos ocorridos desde a
pré-história até o conheci-
mento obtido na Física con-
temporânea.
Antes de de tudo iremos
Pirâmides de Gizé (Fonte: http://www.brasilescola.com).
citar algumas das primeiras
tecnologias, que apesar de parecerem simples para nós hoje em
Mesopotâmia dia, revolucionaram o modo de vida das primeiras civilizações.
Região entre os rios Ti-
Na aula de hoje, discutiremos o progressos obtidos na antiguida-
gre e Eufrates, atual de. Iremos mostrar alguns inventos criados desde nossos primórdios
Iraque.
até os filósofos da Grécia antiga, e que geraram tecnologias incrí-
veis. Por exemplo, na Mesopotâmia e no Egito, os humanos apren-
deram, entre outras coisas, a bombear água para as plantações, a
transportar e levantar enormes blocos de pedra, a construir mo-
numentos com o uso de muitas máquinas simples, como a rampa
e a alavanca. Idéias simples e geniais!
Você está pronto pra saber como foi que tudo isso começou?

72
A ciência da antiguidade

A Historiografia Ocidental convencionou chamar as primei-


ras formas de organização social de sociedades primitivas
ou de pré-históricas, ou seja, anteriores à criação da escrita. Embo-
ra não existam registros escritos relativos ao tempo pré-histórico,
4
aula
podemos ter uma idéia a respeito de como era
o mundo nessa época através de evidências
como pinturas rupestres, múmias, ferramentas,
PRÉ-HISTÓRIA
construções antigas, etc.
No princípio da existência humana na terra, nessas sociedades
primitivas, cada núcleo social (famílias ou pequenos grupos de pes- Neolítico
soas) era responsável pelo fornecimento de tudo que era necessário Período da Pré-História
para a sua sobrevivência. Os homens do final do Neolítico, geneti- compreendido aproxi-
madamente entre 12000
camente muito próximos do homem contemporâneo, tinham uma a.C. e 4000 a.C., também
expectativa de vida inferior a 30 anos, devido a uma existência fisi- chamado de idade da
pedra polida.
camente muito dura. Como eram caçadores-coletores dependiam
de uma alimentação inconstante, e se expunham continuamente a
uma natureza agressiva, que estes humanos estavam longe de con-
trolar. Porém, como podemos perceber pela nossa civilização atual,
o homo sapiens criou condições de vida excepcionalmente favorá-
veis para si permitindo-lhe uma vida muito mais longa que seus
antepassados pré-históricos. Isso foi obtido através do desenvolvi-
mento científico e tecnológico, que começou com a maior conquis-
ta da pré-história, o fogo, possivelmente já usado pelo homo erectus há
800.000 anos.
Duas outras grandes conquistas do homem foram a agricultura
e a domesticação dos animais (cabras, bois, porcos, cavalos e aves).
Ambas contribuíram imensamente com a melhoria na qualidade
de vida, permitindo ao homem um aumento significativo na quan-
tidade de produção de alimentos. O carregamento de carga no
lombo de bestas e, depois, com a tração animal aumentou ainda
mais a capacidade de transporte de carga. Com o aumento na pro-
dução de alimentos, criou-se a necessidade de armazenamento, e
assim ocorreu um grande desenvolvimento da arte cerâmica, que é
o material artificial mais antigo produzido pelo homem, existindo

73
Introdução à Física

há cerca de dez a quinze mil anos. O ser humano pôde deixar de


ser nômade para ter moradia fixa. Este fato permitiu a existência
de aglomerados humanos com muito maior densidade populacional
(tribos, aldeias, vilas e cidades). As primeiras cidades conhecidas apa-
receram na Mesopotâmia, ao longo do Rio Nilo, no Vale do Indo
e na China, entre aproximadamente sete a cinco mil anos atrás.
Entre 8.000 e 5.000 a.C., na faixa de países semi-áridos entre
os rios Nilo, localizado na África e Ganges, na Ásia, o homem in-
ventou o arado, o barco
à vela, os processos de fun-
dição de ferramentas, ca-
lendário solar, entre ou-
tros. O ábaco, que
pode ser considerado
como uma extensão do
ato natural de se con-
tar nos dedos, teve ori-
gem provavelmente
na Mesopotâmia, há
mais de 5.500 anos.
Cena do filme A guerra do fogo (Fonte: http://sol.sapo.pt). Os gregos e romanos,
na antiguidade, utili-
zavam o ábaco para calcular, e depois os chineses e japoneses
Ábaco o aperfeiçoaram.
Dentre as tecnologias primitivas, para muitos cientistas a roda
Antigo instrumento de
cálculo, formado por uma é o maior invento de todos os tempos. Acredita-se que seus criado-
moldura com bastões ou res foram os povos que habitavam a antiga Mesopotâmia, atual
arames paralelos, dispos-
tos no sentido vertical, Iraque, acerca de 5.500 anos atrás. Foi originada do rolo (um tronco
correspondentes cada de árvore), que mais tarde, transformou-se em disco.
um a uma posição digital
(unidades, dezenas,...) e As armas também eram de enorme importância para o ho-
nos quais estão os ele- mem pré-histórico, pois delas dependiam sua defesa contra pre-
mentos de contagem (fi-
chas, bolas, contas,...) dadores e a caça para sua alimentação, portanto era fundamental
que podem fazer-se des- serem eficientes. Dentre as mais antigas e primitivas invenções
lizar livremente.
feitas pelo homem podemos destacar o arco para atirar flechas,

74
A ciência da antiguidade

que surgiu no 9º milênio a.C.. No mesmo período surgiu também a


funda ou fundíbulo, arma de arremesso constituída por uma correia
ou corda dobrada, em cujo centro é colocado o objeto que se deseja
4
aula
lançar. O uso da funda é registrado entre povos da Antigüidade,
tais como gregos e hebreus, como na célebre passagem do Antigo
Testamento, em que David derrota o gi-
gante Golias apenas com uma funda. O período denominado Idade da Pedra é
muitas vezes usado para referir-se à toda
Antes de tudo isso, houveram armas
pré-história, mas de fato é apenas um
e ferramentas ainda mais primitivas, mo- dos períodos da pré-história.
deladas em silex - um tipo de rocha, para
cortar carne, plantas, etc. As ferramentas de pedra foram criadas
possivelmente há 100.000 anos. Esse é o período denominado Ida-
de da Pedra, que foi sucedido pela Idade do Bronze, tendo a transi-
ção ocorrido entre 6000 e 2500 a.C.
Objetos de cobre encontrados a cerca de 8.700 a.C indicam
que início do uso de metais provavelmente se deu com ele. Mas as
primeiras armas e ferramentas metálicas construídas foram mesmo
de bronze, provavelmente devido a sua enorme resistência estrutu-
ral, a não corrosão atmosférica, à facilidade de fundição e uma ca-
pacidade de acabamento que permitia excelente polimento. A cha-
mada Idade do Bronze é um período da civilização, iniciado no Ori-
ente Médio, em que ocorreu o desenvolvimento desta liga metálica
resultante da mistura de cobre e estanho.
Entre os séculos XII e X a.C., ocorreu uma rápida transição no
Oriente Médio na substituição das armas de bronze para as de ferro,
período denominado Idade do Ferro. Esta rápida transição talvez te-
nha ocorrido por causa de uma escassez de estanho e devido a uma
melhoria na tecnologia de produção dos artefatos de ferro.
Durante a Idade do Ferro, observou-se que se podia obter
um produto muito mais resistente aquecendo a peça de ferro
forjado num leito de carvão vegetal, para então submergi-lo na
água. Esse processo, chamado “carburação”, se dá pela adição
de carbono ao ferro, e o produto resultante é o nosso conhecido
e até hoje utilizado aço.

75
Introdução à Física

A ESCRITA
Cuneiforme

Designação geral dada a A linha divisória entre a pré-história e a história é atribuída ao


certos tipos de escrita fei-
tas com auxílio de obje- tempo em que sugiram os registros escritos. Com a escrita, o ser huma-
tos em formato de cunha. no criou uma forma de registrar suas idéias e de se comunicar. A
escrita se desenvolveu de forma independente em várias regiões do
planeta, incluindo o Oriente Médio, a China, o vale do rio Indo (atual
Paquistão), a América Central e a bacia oriental do mar Mediterrâ-
neo. Os sistemas de escrita evoluí-
ram de forma autônoma e não so-
freram influências mútuas. Acredi-
ta-se que o primeiro sistema escri-
to tenha sido o cuneiforme, origi-
nado em cerca de 3.500 a.C, com
os babilônios na Suméria, no sul da
Mesopotâmia, para necessidades
como o registro de cabeças de gado.
Juntamente com a escrita
cuneiforme, uma das mais antigas
formas de escrita são os hieróglifos,
que se originaram no Antigo Egi-
to. Desenhos representam idéias
simples, podendo ser associados
de modo a originar idéias mais
complexas. Assim, um olho com
certos traços embaixo significava
“choro” e duas pernas significa-
Hieróglifos egípcios (Fonte: http://www.historiadomundo.com.br). vam “correr”.

Mais próximo do nosso, o alfabeto grego foi inicialmente


escrito mediante um silabário, conhecido como linear B. Por
volta do século IX a.C. o alfabeto grego teve seu desenvolvi-
mento para letras que são utilizadas até hoje no grego moder-
no, na Matemática, etc. Bem como os alfabetos aramaico,

76
A ciência da antiguidade

hebraico e arábico, e diversos outros, acredita-se que esse al-


fabeto grego seja baseado no alfabeto fenício - alfabeto
semítico, surgido após 1750 a.C. na Babilônia. No alfabeto
4
aula
semítico, o primeiro com 22 letras, não havia vogais, que fo-
ram introduzidas pelos gregos e levadas depois para outras
línguas da família indo-européia, como o latim e em
Semítico
consequência o português.
Adjetivo que se refere aos
povos semítas, grupo ét-
Com o decorrer do tempo os símbolos utilizados na escrita rudi-
nico que compreende os
mentar tornaram-se mais abstratos, terminando por evoluir em sím- hebreus, os fenícios,
assírios, aramaicos e ára-
bolos sem aparente relação aos caracteres originais. A letra m, por
bes. A palavra “semítico”
exemplo, vem de um hieróglifo egípcio que retratava ondas na água. deriva da versão grega do
nome hebraico Shem, um
Aquela figura, portanto, com o tempo, veio a representar não so-
dos três filhos de Noé nas
mente a idéia de água, mas também o som “m”. Esses registros escrituras judaicas.
eram inicialmente feitos nas paredes dos templos e túmulos. Só por
volta de 2200 a.C. os egípcios desenvolveram a técnica do papiro,
um dos mais velhos antepassados do papel para registrar sua escrita.
Com a invasão de vários povos estrangeiros ao longo da sua his-
tória, essas formas de língua e escrita locais foram se alterando, incor-
porando novos elementos, até desaparecerem. Daí você pode me
perguntar:”Então como foi que os pesquisadores puderam decifrar os
hieróglifos?” No século XIX, tropas de Napoleão encontraram no Egito
uma pedra (a pedra de Roseta), que continha gravado um mesmo texto
em três alfabetos diferentes, um deles em hieróglifos mais antigos, outro
por hieróglifos de uma forma popular tardia (o hierático) e o terceiro
texto em grego antigo, língua bem conhecida no Ocidente atual. A
decifração então pode ser foi feita pela comparação dos textos.

MATEMÁTICA E ASTRONOMIA DAS


GRANDES CIVILIZAÇÕES ANTIGAS

O estudo dos movimentos celestes se iniciou há milênios, so-


bretudo no Egito e Babilônia da Antigüidade. Egito e Babilônia
chegaram a edificar uma Matemática e uma Astronomia capazes de

77
Introdução à Física

dar conta de uma considerável variedade de fenômenos astronômi-


cos. O legado destas antigas culturas forneceu importantes alicer-
ces aos progressos da Mecânica na subseqüente cultura grega anti-
ga, que na seqüência construiu muitas das bases de nossa ciência.
A civilização egípcia antiga teve uma longa estabilidade, que
permitiu um registro de dados astronômicos por milênios; dados
esses que foram posteriormente reinterpretados por Ptolomeu e,
quinze séculos depois, por Copérnico. Para os egípcios, o céu era
um preciso calendário regente dos ciclos agrícolas anuais.

Lembre-se que o Calendário é o sistema de medição do tempo


que se necessita para a vida civil, dividindo o tempo em dias, se-
manas, meses e anos. Você sabe como são feitas essas divisões?
As divisões do calendário estão baseadas nos movimentos
aparentes do sol e da lua. Um dia é a média de tempo necessária
para uma rotação da terra no seu eixo. O ano está baseado no tem-
po necessário para uma rotação da terra à volta do sol, e é chama-
do o ano solar. O mês era calculado pelos povos antigos como o
tempo entre duas luas cheias, ou o número de dias necessários
para que a lua desse uma volta ao redor da terra. (29,5 dias).Esta
medida chamada de mês lunar, resultava num ano lunar (de 12
meses) de 354 dias, cerca de 11 dias mais curta que o ano solar.
Hoje, sabemos que um ano solar tem exatamente 365 dias, 5 ho-
ras, 48 minutos e 45,5 segundos. Nosso calendário atual é denomi-
nado Calendário Gregoriano (é também chamado Calendário Cristão
porque considera a data do nascimento de Cristo como a data de
começo). As datas da Era Cristã são designadas por AD (anno
Domini, ou ano do nascimento) e DC (depois de Cristo).

Os egípcios sabiam que ao longo do ano mudavam as constela-


ções visíveis, então o aparecimento de Sírius antes do nascer do sol,
por exemplo, anunciava a estação das chuvas. O Calendário Egípcio
consistia de 12 meses com 30 dias cada e mais 5 dias adicionais sa-
grados ao final do ano (365 dias), ou seja, apenas cerca de 6 horas

78
A ciência da antiguidade

mais curto que o ano solar. Assim, a cada 4 anos, o primeiro dia do
ano egípcio se antecipava em um dia em relação à respectiva prima-
vera. Após 120 anos, essa defasagem já era de um mês. Somente
4
aula
após 1460 anos haveria a correspondência novamente, ciclo este
chamado de ano helíaco, pois era medido pela constelação helíaca. Foi
Ptolomeu o principal compilador da astrologia da Antigüidade para o
Ocidente, que em 238 a.C. sugeriu a inserção de um dia a cada 4
anos para compensar a defasagem (sabe aquele dia a mais no nosso
calendário correspondente ao ano bissexto? Pois é, ele mesmo!). No
entanto, este procedimento só foi adotado entre 26 e 33 a.C. Assim
adaptado, passou a ser denominado de Calendário Alexandrino. Além
da evidente importância na cronologia histórica, esse calendário con-
tém uma grande massa de dados astronômicos, registrando os ciclos
lunares, eclipses e outros eventos astronômicos que deram base à
astronomia subseqüente, chegando até Copérnico, cerca de 1500 anos
depois, para sustentar a teoria heliocêntrica do sistema solar.
O Calendário Chinês é um dos mais antigos registros cronológicos
que há na história dos povos. Nele cada ano recebe o nome de um
dos 12 animais: galo, cão, porco, rato, búfalo, tigre, gato, dragão, ser-
pente, cavalo, cobra e macaco. Esse calendário foi introduzido em
2.637 a.C., baseado nas fases da lua, com 12 meses. Cada mês podia
ter 29 ou 30 dias e o ano tinha 354 ou 355 dias.

Calendário chinês (Fonte: www.solbrilhando.com.br).

79
Introdução à Física

ATIVIDADES

Comente alguns problemas que você observa com as divisões no


nosso calendário.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


Lunissolar

Mês baseado nas mudan- O calendário Gregoriano, apesar de ser utilizado quase
ças lunares, mas em um universalmente na atualidade, apresenta algumas deficiências.
calendário lunissolar pro-
cura-se fazer concordar o Uma delas é a diferença na duração dos meses (28, 29, 30 ou
ano lunar com o solar. 31 dias) e o fato de que a semana, que é utilizada como unidade
de tempo de trabalho, não esteja integrada nos meses, de tal
forma que o número de dias trabalhados durante um mês pode
variar entre 24 e 27. Além disso, nos países cristãos, a data em
que se comemora a Páscoa é determinada por critério
lunissolar, que pode acarretar variação de dias e
conseqüentemente alterar atividades educacionais, comerciais,
de turismo etc. Outro inconveniente é o de não existir um ano
zero, o que obriga uma operação matemática estranha, para
calcular a diferença em anos de um fato ocorrido antes do
nascimento de Cristo, em comparação com outro, ocorrido na
era cristã. Existem várias propostas para solucionar essas
questões, nenhuma delas ainda adotada.

E os símbolos matemáticos, por que surgiram?


Pense bem, como efetuar cálculos rápidos e pre-
cisos com pedras, nós ou riscos em um osso? Difícil?
Eles também achavam!
Foi a paritr dessa necessidade imediata que estu-
diosos do Antigo Egito passaram a representar a quan-
tidade de objetos de uma coleção através de dese-
nhos – símbolos. Sua criação foi um passo muito im-
portante para o desenvolvimento da Matemática.

80
A ciência da antiguidade

A geometria egípcia se desenvolveu pela necessidade da de-


marcação das terras e se estendeu no projeto de suas obras de
arquitetura, como as pirâmides, construídas ao redor de 3000
4
aula
a.C., que tinham faces orientadas para os pontos cardeais com
precisão de 1/10 de grau. A maior delas, com 160 m de altu-
ra (49 andares), é chamada Grande Pirâmide. Existem muitas
idéias diferentes sobre o modo de construção daquela pirâmi-
de, mas uma certeza podemos ter, a ciência egípcia foi funda-
mental para construí-la.
Os egípcios desenvolveram uma aritmética cujo sistema de nu-
meração era decimal (porque eram feitos agrupamentos de dez em
dez, como o nosso), mas não posicional. Ao escrever os números, os
egípcios não se preo-
cupavam com a or- No sistema posicional um mesmo símbolo representa
dem dos símbolos; valores diferentes, dependendo da posição ocupada. Na
existiam símbolos es- escrita dos números que usamos atualmente, a ordem dos
algarismos é muito importante. Se tomarmos um número,
pecíficos para unida-
como por exemplo: 123, e trocarmos os algarismos de
de, dezena, centena, lugar, vamos obter números completamente diferentes.
tal qual nos algarismos Por exemplo: 132; 213; 231; 312; 321.
romanos. Um dos re-
gistros desse conhecimento é o Papiro Rhind, documento matemático
egípcio, de cerca de 1.650 a.C., no qual um escriba de nome Ahmes
ensina as soluções de 85 problemas de aritmética e geometria.
Na Babilônia da Antigüidade foram desenvolvidas uma Ma-
temática e uma Astronomia consideravelmente mais complexa
do que a egípcia. Um sistema de numeração
sexagesimal (base 60) e posicional era adotado desde
os mais antigos registros babilônicos conhecidos, ao
redor do terceiro milênio a.C. O sistema posicional
babilônico não possui apenas os números inteiros, mas frações
sexagesimais, análogas aos nossos décimos, centésimos, milési-
mos, notação que simplifica consideravelmente os cálculos. Ain-
da na Babilônia, surgiu, após 1750 a.C., uma linguagem mate-
mática mais abstrata, que se aproxima da álgebra: símbolos pas-

81
Introdução à Física

sam a denotar variáveis genéricas, desvinculadas de valores nu-


méricos (os nossos “x” das equações). Isto possibilitou a resolu-
ção de equações de forma generalizada, independente de núme-
ros particulares.
Apesar de a geometria babilônica ter sido bastante desenvolvi-
da, sua Astronomia era essencialmente numérica e não geométrica.
Ou seja, eles faziam tabelas detalhadas dos movimentos dos corpos
celestes e desenvolviam métodos para prever seus futuros movi-
mentos, sem se preocupar com a geometria subjacente. Eles perce-
beram que os movimentos do sol e da lua influenciam a vida sobre
a Terra, e assim concluíram que todos os astros teriam algum tipo
de influência em suas vidas. Os astros representavam divindades
vivas que se moviam no céu estático. Os sacerdotes tinham por
obrigação manter o calendário em ordem e utilizavam a Astrono-
mia para fazer predições sobre os destinos da nação.
São atribuídas a civilização chinesa grandes realizações, como
a descoberta da orientação natural dos ímãs, por volta do ano
2000 a.C., e por consequência, a invenção da bússola. Porém,
pelo fato de que os chineses se interessavam mais por literatura
e arte, sua Matemática e Ciência sofreram um atraso. O sistema
de numeração chinês de “barras” (I, II, III, IIII, ...) era decimal.
Não podemos precisar a idade deste sistema de numeração, po-
rém sabe-se que ele é anterior ao sistema de notação posicional.
Já a astronomia na China tem uma longa história. Com o propó-
sito de fornecer uma boa quantidade de luz solar, casas de apro-
ximadamente 4000 a.C eram orientadas a uma posição coinci-
dente com a culminação da constelação Yingshi (Pegasus) logo
após o solstício de inverno. Em 2608 a.C., o imperador chinês
Houng-Ti construiu um observatório para elaborar um calendá-
rio. Astrônomos chineses faziam anotações cuidadosas sobre as
“estrelas novatas” que apareciam repentinamente entre as es-
trelas fixas. Eles foram os primeiros a registrar uma supernova
nos Anais Astrológicos do Houhanshu, em 185 d.C. Por volta
de 2377 a.C., sob o império do chinês Yao, o ciclo zodíaco (do

82
A ciência da antiguidade

grego que significa círculo de animais) foi dividido em 28 conste-


lações.
Grandes civilizações também se desenvolveram na
4
aula
mesoamérica. A civilização maia existiu entre os séculos IV a.C e IX
a.C. Eles foram excepcionais astrônomos e mapearam as fases e
cursos de diversos corpos celestes (eclipses solares e movimentos
dos planetas). Muitos de seus templos tinham janelas e miras
demarcatórias (e provavelmente
outros aparatos) para acompanhar
e medir o progresso das rotas dos
objetos observados.Os avançados
conhecimentos que possuíam so-
bre astronomia e matemática lhes
permitiram criar um calendário
cíclico de notável precisão, mui-
to superior ao calendário
gregoriano levado pelos espa-
nhóis durante sua conquista. Os
maias desenvolveram, ainda, in-
dependentemente o conceito de Vale sagrado dos incas, no Per u
paes.vilabol.uol.com.br).
(Fonte: http://juliano-

zero, e usavam um sistema de nu-


meração de base 20. Inscrições mostram que trabalhavam com so-
mas de até centenas de milhões.
O Império Inca foi um estado-nação que existiu na América
do Sul a cerca de 3000 a.. C. até à invasão dos conquistadores
espanhóis. Profundos conhecedores de diversas áreas, principal-
mente de Astronomia, os soberanos Incas escolhiam datas como
Solstício de Inverno para realizarem sacrifícios em agradecimento
a seus deuses. A civilização inca possuia uma engenharia fabu-
losa, mesmo quando medida pelos padrões de hoje. Veja por
exemplo, a construção da cidade de Machu Picchu no Peru, que
indica precisos conhecimentos de Engenharia, Matemática e
Astronômia. Apesar de não possuirem um sistema de escrita,
desenvolveram o quipu, que era constituído por um cordão a

83
Introdução à Física

que se liga a cordões menores de diferentes cores. Os quipus


eram destinados a manterem estatísticas permanentemente
atualizadas, como os recenseamentos da população. Os núme-
ros eram dados por nós e as significações pelas cores. Saliente-
se que, para além de utilizarem o sistema decimal, os incas con-
ceberam o equivalente do zero: um intervalo maior entre os nós,
ou seja, um sítio vazio.
Uma das mais importantes civilizações da Antigüidade foi,
sem dúvida, a Romana. Algumas de suas estradas e de seus edifíci-
os têm mais de 2.000 anos, perdurando até aos dias de hoje. Em
735 a.C., segundo a lenda, Romulus e Remus fundaram a cidade
de Roma, iniciando-se, então, o calendário Romano. Segundo esse
calendário, o ano civil constava de 304 dias divididos em 10 me-
ses dos quais seis tinham 30 dias e quatro, 31. Apesar da impor-
tância desse império, seu sistema de numeração não era muito
eficiente para fazer cálculos. Os algarismos romanos usavam como
símbolos numéricos as próprias letras do alfabeto e eram basea-
dos em sete números-chave que eram somados quando apareciam
juntos. Mesmo apresentando dificuldades para efetuar cálculos,
os algarismos romanos foram usados na Europa durante muitos
séculos, e ainda hoje são utilizados, por exemplo, no nome dos
papas (ex. João Paulo II).
Matemáticos de todo o mundo estavam em busca de símbo-
los mais simples e mais apropriados que os algarismos romanos
para representar os números. E como resultado dessas pesquisas,
aconteceu uma das mais notáveis invenções de toda a história da
Matemática. Os hindus, que viviam no vale do Rio Indo, onde
hoje é o Paquistão, conseguiram desenvolver um sistema de nu-
meração que reunia as diferentes características vantajosas dos
antigos sistemas. Tratava-se de um sistema posicional decimal,
chamado atualmente de algarismos indu-arábicos. Eles também fo-
ram os criadores do número zero (chamado de “vazio”), funda-
mental para uma numeração posicional. Os dez símbolos, criados
foram: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.

84
A ciência da antiguidade

Os árabes tiveram um papel muito importante na história da


ciência, pois eles traduziram, fielmente, diversos textos científicos,
como os clássicos gregos de Apolônio, Arquimedes, Euclides,
4
aula
Ptolomeu e outros, que estariam perdidos para nós devido a des-
truição dos textos originais durante a Idade Média.

A GRÉCIA ANTIGA

A civilização grega é considerada por muitos como a principal matriz


da civilização ocidental. Com os gregos nasceu a Filosofia. Grécia Antiga
é o termo geralmente usado para descrever o mun-
do grego e áreas próximas como Chipre, Anatólia,
sul da Itália, da França e costa do mar Egeu, des-
de cerca de 1600 a.C. até 323 a.C., quando se deu
a morte de Alexandre o Grande. Os gregos fun-
daram diversas cidades, cada qual mantendo sua
independência, com seus reis e regulamentos pró-
prios. Apesar disso, os gregos percebiam que fazi-
am parte de um único povo.
A visão que os gregos tinham do mundo os (www.trilhaseaventuras.com.br)
distinguia dos demais povos da Antigüidade.
Os conhecimentos anteriores aos gregos foram obtidos na tentati-
va de resolver problemas práticos e confundiam-se ainda com os
mitos e a religião. Herdeiros de um longo processo de desenvolvi-
mento cultural, ocorrido nas regiões próximas do Mediterrâneo, os
gregos tentaram explicar o mundo através unicamente da razão, co-
locando-a acima dos seus mitos e utilizando-a como instrumento a
serviço do próprio homem. Os gregos deram um enorme salto ao
formular racionalmente os princípios explicativos do movimento, da
constituição da matéria, do peso, do comportamento da água etc.
Porém, a passagem da consciência mítica e religiosa para a consciên-
cia racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de
consciência coexistiram na sociedade grega. Além disso, os gregos
valorizavam muito as idéias e muito pouco a experimentação.

85
Introdução à Física

As referências mais antigas relativas à concepção de mundo da


Teogonia
Grécia antiga estão na Ilíada e na Odisséia, criadas por Homero em
(Em grego, theos, deus + data anterior a 700 a.C.. Na Odisséia, o mundo é descrito como um
genea, origem) conjunto grande disco circular, cercado por um gigantesco rio, o Okeanos. So-
de deidades* que formam
a mitologia de um povo. É bre a Terra, existe a região do éter, acima da qual passam os planetas.
também considerada dou- Na Ilíada, os homens possuem uma certa “independência” de seus
trina sobre a origem dos
deuses e, quase sempre, a atos em relação aos Deuses, sendo senhores de suas ações. A
origem do mundo. Teogonia, de Hesíodo (séc. VIII a.C.), do mesmo período que a Odis-
Mitologia séia, possui uma descrição da criação do universo (cosmogonia), que
teria surgido a partir de um desordenado “caos” original.
Estudo dos mitos: lendas
e/ou histórias de uma A busca de explicações na natureza, e não na mitologia, ini-
cultura em particular cre- ciou-se na escola jônica. Ela abandona as explicações religiosas até
ditadas como verdadei-
ras e que constituem um então vigentes e busca, através da razão e da observação, um novo
sistema religioso ou de sentido para o universo. A escola jônica surgiu na cidade de Mileto
crenças específicos.
(colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia), que por estar em
Depósitos aluviais contato constante com as antigas civilizações orientais, tinha uma
Deposição de sedimen- cultura cosmopolita. Três grandes filósofos dessa cidade foram Tales,
tos ao longo das várze- Anaximandro e Anaxímenes.
as dos rios e córregos
trazidos pela água. Tales de Mileto (640-548 a.C.) é considerado o primeiro filósofo
ocidental. É dele a idéia de um ele-
mento fundamental de que seriam
feitas todas as coisas (a água), ou
seja, todas as substâncias seriam di-
ferentes formas do elemento água:
vapor, terra, água. A Terra seria um
disco circular flutuando num ocea-
no. Esta teoria estava baseada em
observações ordinárias sobre os
materiais como, por exemplo, a fu-
são do gelo e os depósitos aluviais
de sedimentos, que sugerem uma
condensação da água em terra.
Teorema de Tales.
Atribui-se também a Tales a pri-
meira medida de tempo exata uti-

86
A ciência da antiguidade

lizando-se o relógio solar, a observação de que o âmbar friccionado


atrai corpos leves e a construção de calendários astronômicos que
continham informações meteorológicas. Ele foi o primeiro astrônomo
4
aula
a explicar o eclipse do Sol (585 a.C.) ao verificar que a Lua é ilumina-
da por esse astro. Tales ao se aposentar, resolveu dedicar-se apenas à
Matemática e acabou por estabelecer os primeiros postulados bási-
cos da geometria (Você deve se lembrar do Teorema de Tales da
geometria, não?)
Seguidores de Tales, embora discordassem quanto à “substân-
cia primordial” que constituía a essência do universo, concorda-
vam com ele no que diz respeito à existência de um “princípio úni-
co” para essa natureza primordial. Anaximandro (610-545 a.C.),
discípulo de Tales, observando a existência de fósseis marinhos e
conchas em regiões então secas, concluiu que a
vida provinha do mar (o que se constata na
paleontologia). Para Anaximandro, a Terra tinha
o formato de um cilindro e era circundada por
várias rodas cósmicas, imensas e cheias de fogo;
o Universo era eterno e infinito e um número in-
finito de mundos teriam existido antes do nosso.
Após sua existência, eles se dissolveram na ma-
téria primordial e posteriormente outros mundos
tornaram a nascer. Anaximandro, contudo, não
acreditava em nenhum Deus, para ele todos os
ciclos de criação, evolução e destruição eram fe-
nômenos naturais. Algumas de suas idéias são
muito semelhantes a opiniões e teorias da Física
atual.
Anaxímenes (585-528 a.C.) concordava com
Anaximandro quanto a matéria primordial, e com
as características desse princípio. Mas postulou Busto de Anaxímenes. (Fonte: http://www.stenudd.com).
que o elemento primário fosse o ar, de onde tudo
se originaria por condensações ou rarefações. Segundo Anaxímenes,
a Terra teria sido formada primeiro, e dela, ergueram-se as estrelas.

87
Introdução à Física

O Sol seria plano e largo como uma folha. A Terra também seria
plana e estaria boiando no ar, com o firmamento girando em torno
dela.
Um aspecto importante da escola Jônica é a idéia de que o
céu, de uma forma ou de outra, seria formado por uma matéria
semelhante à da Terra, ou seja, os fenômenos terrestres ou ce-
lestes obedeceriam essencialmente às mesmas leis.
Não há certeza se a teoria atômica foi concebida por Demócrito
de Abdera (460 - 370 a.C.) ou por seu mestre Leucipo (500 a.C.), e a
ligação estreita entre ambos dificulta a identificação do que foi pen-
sado por um ou por outro. Parece que as idéias atomistas iniciaram
com Leucipo, em meados do século V a.C., que supunha que a maté-
ria de todas as coisas seria constituída por partículas microscópicas
chamadas átomos que se movimentavam incessantemente no vácuo.
Os átomos seriam indivisíveis, rígidos e impenetráveis, sempre esti-
veram e sempre estariam animados de movimento. A constituição
atômica justificaria as diferenças de densidades dos corpos e as trans-
formações que se processam no mundo seriam conseqüências das
mudanças no tempo das distâncias entre os átomos. Existiriam tam-
bém, variações na forma e tamanho dos átomos, embora fossem to-
dos constituídos por uma mesma substância.
Demócrito de Abdera acreditava estarem os átomos em cons-
tante e violenta agitação, chocando-se constantemente uns com os
outros, e transmitindo o movimento nestes choques. Os átomos
maiores tenderiam a ficar em regiões mais baixas, constituindo a
terra, enquanto os menores e mais leves constituiriam o ar. Do pon-
to de vista da cosmologia, os atomistas acreditavam que o espaço
seria infinito, com um infinito número de mundos produzidos por
uma aglomeração de átomos que giram em vórtices ou redemoi-
nhos. Veja você que esta idéia tem certa semelhança com as galáxi-
as que hoje conhecemos. Não é fantástico?!
Para Epicuro (342 -271 a.C.) a representação vulgar do mundo,
com seus deuses, seria um obstáculo para serenidade. Segundo ele,
todas as doutrinas filosóficas, salvo o atomismo, participavam dessas

88
A ciência da antiguidade

superstições. Em seus ensinamentos, Epicuro excluía qualquer expli-


cação metafísica da realidade, não procurando nada, nem invocando
outra origem das coisas além da natureza. O atomismo foi posterior-
4
aula
mente sistematizado e continuado em Roma por Lucrécio (98-55
a.C.), em sua obra De Natura Rerum (A Natu-
reza das coisas), em que a idéia de atomismo é
também aplicada para a luz e o som. O
atomismo formulado na Antigüidade deixa pou-
ca ou nenhuma margem para a intervenção di-
vina, sendo posteriormente considerado here-
sia pela Igreja Católica durante a Idade Média.
Como você pode perceber, as bases de
nosso atomismo foram fundadas durante a
Antigüidade Clássica. Embora não tenham
existido nesse período elementos experimen-
tais para comprovar ou desmentir esta teo-
ria sobre a estrutura da matéria, ela serviu
para lançar as bases de um atomismo que (Fonte: http://alunos.files.wordpress.com).
voltaria a surgir na Renascença, em particu-
lar a teoria cinética dos gases de Boyle e a
teoria atomista da luz proposta por Descartes e por Newton.
Outra linha de pensamento da Grécia Antiga foi liderada por
Pitágoras (571 – 496 a.C.). A escola pitagórica tinha o caráter de um
movimento religioso muito peculiar, em que a Geometria e a Mate-
mática possuíam um papel privilegiado. Os números e figuras geo-
métricas possuiriam poderes especiais, sendo o próprio Criador do
Universo um geômetra. Importantes resultados na Matemática e Ge-
ometria, em particular o teorema “de Pitágoras”, são atribuídos a
essa linha de pensamento. No que concerne à estrutura do Universo,
acreditavam ser inteiramente regido por “harmonia e número”. Ape-
sar de certos detalhes da concepção pitagórica do mundo parecerem
ingênuos, a crença na existência de uma ordem Matemática subjacente
à natureza é essencial à Física e está implícita na busca de modelos e
equações gerais da natureza.

89
Introdução à Física

Sócrates, (470 a.C. - 399 a.C.) filósofo ateniense e um dos mais


importantes ícones da tradição filosófica ocidental, abraçou muitas
das idéias dessa escola, buscando provas da existência de um plano
inteligente que existiria na construção do Universo. Acredita-se que
tenha sido o fundador da atual Filosofia Ocidental. Interessou-se
menos pelo mundo dos fenômenos naturais e mais pelo mundo das
idéias a ele subjacentes. Segundo sua doutrina, o verdadeiro conheci-
mento humano é essencialmente a herança de uma vida anterior em
um mundo imaterial. Sócrates sempre dizia que sua sabedoria era
limitada a sua própria ignorância. A fonte mais importante de infor-
mação sobre Sócrates são os diálogos de seu
“A virtude não vem da riqueza, mas sim discípulo Platão, visto que ele mesmo não
a riqueza da virtude, bem como tudo o deixou obra escrita.
que é bom para o homem, na vida parti-
Platão (427 a.C. — 347 a.C.), mestre
cular ou pública”.
Platão de Aristóteles, compilou a doutrina de
Sócrates, dando continuidade aos trabalhos
desenvolvidos pelos pitagóricos. Dentre essas idéias, uma que teve
Efemeridade longa continuidade na posterior doutrina cristã é a da efemeridade
De efêmero, que dura da vida face à perene eternidade. Fundou em cerca de 387 a.C.,
pouco. nos jardins consagrados ao herói Ateniense Academos, a Acade-
Perene mia, um parque e ginásio desportivo onde ministrava seus
ensinamentos. Esta é considerada a primeira escola de filosofia. O
Duradouro, permanente,
eterno.
termo Academia ganhou, desde então, o sentido de local onde o
saber não apenas é ensinado, mas produzido.
Para Platão, a questão central é saber o que é a virtude. Muito dos
diálogos platônicos se questiona e se procura saber o que é a coragem,
a sabedoria, o amor, o belo, a justiça e tantas outras virtudes. Dentre
seus textos, um dos mais importantes foi o diálogo intitulado Timeu.
Nele, Platão diz que conhecer as leis da Natureza seria antes de mais
nada, conhecer a alma do Universo, construído segundo leis da harmo-
nia. Esta alma, a qual o corpo do universo obedece, possuiria uma
estrutura interna regida por certa numerologia. Estes números têm ín-
tima relação com leis de harmonia musical identificada pelos pitagóricos
como uma manifestação física de uma harmonia subentendida. Ainda

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