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ÁGUAS URBANAS E A QUESTÃO DA POLÍTICA HÍDRICA: RESSIGNIFICANDO CONCEITOS,

AMPLIANDO DISCUSSÕES
Bacia Hidrográfica: uma abordagem multidimensional
O acesso a água é um direito garantido pela Constituição Cidadã brasileira de 1989. Entretanto, em
virtude da acentuada crise socioambiental, repensar a qualidade e potabilidade, além do seu valor e
uso econômico torna-se imperativo nos estudos técnico-científicos. Nesse sentido, conceber um
elemento dentro de um sistema, de maneira isolada, nos limita a compreensão da totalidade. Em
contrapartida, pensar a dinâmica humana e dos recursos naturais materializa o ofício do geógrafo,
dito isto, compreender conceitos e processos que envolvem trabalhos ligados a Bacias Hidrográficas -
BH transcende o olhar naturalista fortemente ligado a perspectiva monodimensional, isto é,
direcionando estudos a natureza dos processos isolados fortemente marcados no campo geológico,
geomorfológico e hidrológico, e nos conduz a perspectiva dos geossistemas, dinâmicos, portanto,
multimensionais pois emergem do encontro de analises fisiográficas mas também do papel da
influência antrópica na desregulação da dinâmica hídrica, variando de escala, hierarquia,
espacialidade. Trata-se de situar a discussão de BH na esfera política, afinal, ocorrem múltiplas
relações que se retroalimentam e precisam da regulação do Estado e sociedade civil para o
cumprimento de metas e objetivos que vislumbrem a sustentabilidade dos recursos.
Inicialmente partiremos da literatura científica no que tange a conceituação de uma BH, todavia,
priorizou-se trabalhos que dispuseram de melhores condições de integração ao tema e subtemas
(sub-bacias e microbacias), naquilo que se compreendeu como conceitos monodimensionais e
multidimensionais. Tratam-se de trabalhos monodimensionais aqueles cujo interesse pressupõe um
evento, recorte, processo, explicando a natureza das circunstâncias que definem a área estudada.
Em geral, dedicam-se a trabalhos de ordem quantitativa ou descritiva da paisagem. Por outro lado,
dentro de trabalhos multimensionais se permite analisar a origem dos fenômenos associando a
escala humana, portanto, social, originando conceitos qualitativos e quantitativos (GOMES, BIACHI e
OLIVEIRA, 2021) (Figura 1).
Dessa maneira optou-se por orientar a discussão dentro do campo da pluralidade conceitual, logo,
partiu-se do pressuposto de que os recursos hídricos fazem parte e são territórios ou hidroterritórios
(TORRES E VIANA, 2008). Expressam relações sinestésicas com a natureza dado o caráter
sistêmico das relações físico-naturais e sociais (LIMA e ZAKIA, 2000). Portanto, contrapõe
conceituações naturalistas – e por assim dizer, determinista – de conceber o espaço apenas do ponto
de vista fisiográfico. Na escala socioambiental, é possível segmentar elementos de uma BH sem
desintegrá-la de sua natureza mais abrangente (CHRISTOFOLETTI, 1980; BOTELHO E SILVA,
2004; TORRES e VIANA, 2008).
Tendo em vista a preocupação inicial de estudiosos no que se refere aos ciclos hidrológicos para
poder responder questões cruciais sobre o comportamento dos fenômenos dentro de uma BH, Barella
(2001) foi quem chegou mais próximo da integração conceitual entre os elementos geológicos,
hidrológicos e geomorfológicos. Para o autor, uma bacia hidrográfica pode ser compreendida como
um conjunto de terras drenadas por um rio e seus afluentes, cuja formação ocorre nas regiões mais
elevadas do relevo – os chamados divisores de água -, onde a água que escoa da chuva ou infiltra o
relevo formando nascentes e o lençol freático, ou percorre superficialmente até as partes mais baixas
dando origem aos rios e riachos.
As águas superficiais escoam para as partes mais baixas do terreno,
formando riachos e rios, sendo que as cabeceiras são formadas por riachos
que brotam em terrenos íngremes das serras e montanhas e à medida que
as águas dos riachos descem, juntam-se a outros riachos, aumentando o
volume e formando os primeiros rios, esses pequenos rios continuam seus
trajetos recebendo água de outros tributários, formando rios maiores até
desembocarem no oceano (BARELLA, 2001).
Nessa perspectiva, Lima (1976) e Tonello (2005), concordam que o comportamento hidrológico deriva
da geomorfologia e do tipo de cobertura vegetal existente, ainda assim, salientam que a interação
biótica e abiótica confluem para a compreensão de possíveis alterações no equilíbrio dinâmico da BH,
tais como: a infiltração e quantidade de água produzida como deflúvio, a evapotranspiração, os
escoamentos superficiais e superficial. Dito isto, pensar uma bacia hidrográfica também nos permite
entender os limites da presença ou ausência da atuação do Estado no planejamento territorial
levando em consideração a BH.
Dentro dos estudos de uma BH é comum encontrar trabalhos utilizando termos como “sub-bacia” e
“microbacia”, ambos relacionados ao recorte espacial de uma rede de drenagem a qual busca-se
analisar. Para Teodoro et al (2007) o termo bacia e sub-bacias são relativos, porém, diferentes
autores divergem quanto a área de uma sub-bacia. Para Faustino (1996) uma sub-bacia abrange uma
área superior a 100 km² e inferior a 700 km². Rocha (1997) estipulou que a área de uma bacia seja
entre 20.000 ha a 30.000 ha. Segundo Vélez, Núñez e Trujano (2003) a área total de uma BH varia
de 5.000 ha a 50.000 ha. De acordo com Gomes, Bianchi e Oliveira (2021) os critérios quantitativos
de uma sub-bacia apresentam ambivalências conceituais e que a reduzem ao seu tamanho espacial,
por conseguinte, advertem ao uso de generalizações conceituais dada a diversidades de BH
existentes e características intrínsecas.
Ademais, Teodoro et al. (2007) define sub-bacia como uma área de drenagem dos tributários do
curso d’água principal, assim sendo, esta conceituação apresenta duas ambiguidades: I-
frequentemente os canais desaguam no rio principal; II - o canal principal também recebe
contribuições de microbacias de primeira e segunda ordem de pequenas dimensões espaciais.
Inconstâncias quali-quantitativas referem-se a imprecisão com que métricas foram definidas, em
grande parte orientadas pela empiria, o que desencadeou arbitrariedades conceituais. Em função
disso, tornou-se laborioso compreender a hierarquização do sistema de drenagem de uma BH
através do estudo do nível de complexidade, quantidade de áreas drenadas, ordens dos canais e
relações com o canal principal do sistema fluvial (GOMES, BIACHI e OLIVEIRA, 2021).
Em relação as microbacias, a ambivalência conceitual prevalece em alguns trabalhos, contudo, a
convergência ocorre no fato da mesma se apresentar enquanto o recorte de maior sensibilidade
dentro de uma BH, resultando de interrelações existentes entre o ciclo hidrológico, pedogenético,
humano. Lima e Zaika (2000) ao discutirem as microbacias na perspectiva geomorfológica situam a
discussão sob a égide de um sistema dinâmico, pois ao mesmo tempo em que são sistemas abertos,
recebendo energia dos agentes climáticos emitindo emergia através do deflúvio, perturbações
orientadas pela ação humana podem não apresentar fragilidade no reestabelecimento do equilíbrio
dinâmico. Para os autores, processos hidroclimatológicos e geomorfológicos são observados com
precisão dentro de uma microbacia, a exemplo do comportamento às chuvas de alta intensidade
(curta duração), como também em referencia ao uso do solo (cobertura vegetal), isso deriva em
explicações quanto a quantidade e qualidade da chuva ou no comportamento do solo.
Paralelamente, existem discussões menos robustas, dedicadas a caracterização do sistema, como
visto em Faustino (1996) onde a microbacia constitui uma área de drenagem escoando direto a uma
sub-bacia, tendo a área inferior a 100 km², e em Cecílio e Reis (2006) que as definem como relativas
a uma sub-bacia hidrológica de área reduzida, cujo tamanho pode variar entre 10 a 20.000 ha ou 0,1
km² a 200 km², ou em Lima (2008) que indica uma área inferior a 1 ha podendo alcançar até 40 ha, e
em casos isolados, alcançaria proporções maiores que 100 ha.
Outros conceitos seguem a abordagem adotada pela ecologia, introduzindo a biologia para
compreender os fatores bióticos e abióticos. Inclui-se, assim, a dimensão social, evidentemente que
associada aos fenômenos e suas interdependências, como explicado anteriormente. Assim sendo,
uma microbacia constitui a menor célula de análise dentro de um ecossistema, portanto, pode-se
identificar as relações de interdependência dos processos que produzem perturbações que
comprometem seu funcionamento (MOSCA, 2013; LEONARDO, 2003). Em vista disso, Calijuri e
Bubel (2006) fazem a conjunção das unidades hidrológicas e ecológicas para conceituarem uma
microbacia, pois segundo a visão dos autores a mesma se manifesta a partir da presença de canais
de 1ª e 2ª ordem, esporadicamente com a presença daqueles de 3ª ordem, reunindo definições
relativas de estudos hidrológicos, geomorfológicos e biológicos. Essa conceituação se mistura aos
trabalhos de Chorley (1962), Christofoletti (1980), Lima e Zaika (2000) e Attanasio (2004), ainda
dentro da análise sistêmica, contudo, orientando sobre a necessidade de gestão e monitoramento dos
recursos, assim como problematizações sobre seu uso que condicionam as problemáticas
socioambientais.
Portanto, essa explicação contribui na distinção, definição e delimitação
espacial de microbacias e bacias hidrográficas, sendo sua compreensão,
crucial para a estruturação de programas de monitoramento ambiental, por
meio de medições de variáveis hidrológicas, liminológicas, da topografia e
cartografia e com o auxílio de sistemas de informações geográficas. Dessa
forma, pode-se chegar a uma adequação espacial de microbacias e bacias
hidrográficas (LIMA; ZAKIA, 2000).
A relutância da comunidade científica em relação a inconsistência metodológica e conceitual deriva
da imprecisão com que se definem sub-bacias e microbacias, incorporando na maioria dos trabalhos
a escala espacial dada a objetividade dos critérios que se busca utilizar. Não diferente do que ocorre
na literatura que versa sobre as sub-bacias, dentro da rede de microbacias a métricas são delimitadas
por procedimentos empíricos que desassociam a mesma de uma estrutura maior, pertencente a uma
BH. A exemplo a conceituação da FAO (2018) que direciona a microbacia apenas no campo do
planejamento territorial e socioeconômico, opondo-se aos padrões culturais de ocupação e
sociabilidade que comunidades tradicionais manifestam ao longo do espaço geográfico.
No entanto, por apresentar a menor célula de uma BH, seja pela semântica ou pelos critérios
quantitativos empregados, para fins de gestão, monitoramento e pesquisa dos recursos hídricos sob a
dimensão socioeconômica e fisiográfica, é nas microbacias que se analisa detalhadamente a
manifestação dos fenômenos físicos e humanos, quer seja pela análise acurada da morfometria a fim
de entender a propriedade do terreno, quer seja pelo manejo do sistema fluvial a partir da instituição
dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Entende-se nesse primeiro momento que apesar das
ambivalências conceituais presentes na literatura científica, territórios aquáticos, hidroterritórios ou
dinâmicas hidrossociais fazem parte de uma unidade de planejamento cuja ação do Estado e dos
usuários desse recurso tornam-se determinantes para conceber além do equilíbrio dinâmico a sua
própria reprodução como sujeitos sociais que pertencem ao meio que lhes conferem identidade.

O território político, manifestação das lutas


Ao analisarmos sistematicamente a produção espacial concebemos dois momentos: a subjetividade
com que se inaugura sentimentos de pertencimento aos lugares, inclusive quando este decorre de
projetos maiores ligados a política; miríade de poderes jurídico-institucionais, políticos e econômico
que orientam as ações do Estado na proteção, expansão e contenção dos seus domínios.
A conjugação de fatores materiais e imateriais de produção das relações de sociabilidade no espaço
sob o prisma regulatório estatal configuram porções que são impressas no espaço geográfico a partir
das territorialidades - este podendo ser sobreposto ou justaposto a outras dinâmicas sociais,
econômicas e políticas. Portanto, podemos dizer que a análise da produção do espaço se alinha a
concepção de diferentes territorialidades que se realizam através da intervenção, não são produtos
naturais pois requerem trabalho social em sua origem ao passo que são determinantes ao
denunciarem flagelos derivados das relações de poder, assim como sintetizam a mais genuína forma
de transcender a ideia de objetos espaciais numa concepção homogeneizante e transformá-los em
parte de sua existência através do vivido.
Os estudos territoriais, ainda que incipientes, pouco responderam a natureza de seu uso. O emprego
de seu conceito na trajetória geográfica apresentou diversas alterações do ponto de vista etimológico,
ausência essa criticamente analisada por Cox (199) ao determinar as arestas que ainda
necessitavam de respostas em dados momentos históricos, pois, segundo o autor “havia
possibilidade”. Os esforços ocorreram pelo interesse de teóricos clássicos da geopolítica – Mackinder
e Bowman – ainda que em seus trabalhos partissem do ponto de vista do determinismo geográfico,
portanto, ligado a ideia de limites e fronteiras. Outro grupo de estudiosos a se apropriarem do uso do
termo foram geógrafos econômicos, contudo, concebendo-o sob a ótica materialista fortemente
difundida a partir da década de 1970.
Do ponto de vista histórico, a partir de releituras das máximas gregas de Platão - ao se referir ao
isolacionismo político-territorial - congregada ao cosmopolitismo encabeçado por Alexandre “O
Grande” - preconizando o expansionismo territorial – que teóricos clássicos não apenas da Geografia
mas das ciências sociais tiveram substancial arcabouço teórico-metodológico para ampliar as
discussões com base nas estratégias do Estado e nas consequentes manifestações a sociedade
(GOTTIMAN). Nesta tessitura de eventos históricos que caracterizam o conceito de território e a
política territorial em diferentes escalas (do local ao mundial) alguns momentos contribuíram para a
compreensão moderna e da natureza dialética dos movimentos históricos. De fato, a prevalência do
isolacionismo demonstrou-se imperativa do ponto de vista da seguridade territorial diante de guerras
voltadas a ocupação de novos espaços.
O Império Romano é um dos exemplos-chave das relações de poder a partir da política territorial.
Usaram-se de instrumentos no qual Raffestin (199) denomina de sistemas sêmicos, no qual se
munem de questões ideológicas e condutas morais para aparelhar o Estado, as Instituições e a
população por meio de sistemas de leis/regras/códigos e narrativas baseadas na lealdade tanto ao
Estado quanto à Igreja fortalecida pelo mesmo, dessa forma, a população era vigilante de si e das
próprias atitudes, mas também dos outros, embora todos fossem explorados na mesma intensidade.
Dentro dessa nova filosofia política estatal, a sociedade política dispôs de acesso livre na organização
do seu território, homogeneizando-o em redes de cidades, estradas. Em suma, aos cidadãos coube a
tarefa de despirem de seus direitos e os concederem ao Leviatã, o Estado, sob a proposta de
preservação não apenas do domínio imperial sobre o território mas do modelo político e econômico,
fatores que justificaram os interesses internos em reprimir dissidências, como apontado na análise
esclarecedora de Gottman (199), ao compreender a natureza do movimento e suas transformações a
partir da “a repartição política do espaço geográfico”.
O pressuposto isolacionista de Platão em as “Leis” afirmara a necessidade de planejamento territorial
e estratégico para fins de manutenção da soberania territorial, isto é, desmobilizar quaisquer
tentativas de apropriação das porções territoriais colonizadas, para isso, o Estado necessitava
cristalizar ações repressivas diante de ameaças iminentes (muralhas, fortins, aumento das tropas e
etc). Essa tese foi mais tarde redefinida por Aristóteles que, apesar de admitir que os princípios de
autogestão dariam plena suficiência em termos de planejamento, preconizava maiores dinamismos
econômicos que transcendessem as fronteiras, prenuncio das relações comerciais doravante
difundida no bojo do capitalismo - cosmopolitismo. Em seu núcleo, dada as características
monocráticas explicitadas, importantes definições em termos jurídicos possibilitaram a difusão das
relações de manutenção do poder visando a uniformidade territorial, isso porque no interior dos
Estados cosmopolitas havia mobilidade material e intelectual de ideias, exercendo massiva
proliferações ideológica que pudessem comunicar socialmente as demandas do Estado em relação
aos súditos/população, assim como salvaguardar a soberania territorial e o cumprimento das leis
postas em questão.
Mais tarde, nas reformas ocorridas na França do século XIV reconheceram a fragilidade do Estado
em manipular a população tão somente pela repressão e alienação coletiva, desconsiderando a
capacidade das demandas populações ganharem forma e organicidade. A esse propósito emergiram
o que hoje compreendemos como sociedade civil e movimentos sociais, especialmente frente as
necessidades não apenas de participação, sobretudo de controle dos seus espaços, territórios, ou
seja, presumindo de forma correta seu papel social na produção do espaço geográfico (COUTINHO,
1997). Esse movimento deu origem a compartimentação espacial vivido na Europa entre os séculos
XV e XVI, criando múltiplas territorialidades a partir da afinidade religiosa entre diferentes indivíduos,
tal fato decorreu dos conflitos religiosos que surgiram através das migrações mas também de
movimentos conspiratórios a doutrina religiosa em questão. Reuniam-se em núcleos territoriais cujos
integrantes compartilhavam do mesmo sentimento de religiosidade e pertencimento, assim como em
estrutura de organização social em vistas da defesa de interesses comuns.
Nos idos do século XVIII dois importantes momentos remodelaram sobremaneira a capacidade dos
Estados nacionais conceberem a ideia de soberania sobre suas fronteiras, a começar pela Revolução
Francesa e a busca por prerrogativas sociais; e a Norte-Americana, a qual subdividiu o território com
base em divisões político-administrativas vislumbrando homogeneidade territorial e centralidade
política. Em certa medida, pode-se dizer que os dois processos históricos ofereceram subsídios no
que compreendemos hoje Estados modernos, pois tem-se a preocupação com a esfera social embora
minimante ligada as necessidades das populações mais fragilizadas com o enraizamento capitalista,
contudo, centralizando as decisões dentro de uma espacialidade distribuída em redes geográficas,
manifestada em setores decisivos e que propicie governabilidade.
No interstício de processos e releituras das formas de dominação territorial a demanda social emergiu
no seio das segregações socioespaciais, porém, como movimento político organizado que vai de uma
comunidade, bairro, cidade, lutas coletivas e identitárias e etc. Isso se deu primeiramente pela
incapacidade homogeneizar o território, na rejeição dos sistemas religiosos e políticos de alienação
em massa, construindo, finalmente, o Estado nacional de múltiplas identidades, marcado pela
fragilidade dos espaços de exclusão que são paridos pela divisão territorial do trabalho à luz do
sistema econômico que nas cidades se materializa através da especulação imobiliária. Nas palavras
de Kevin Cux (19), “território é, seguramente, sobre fronteiras, mas não necessariamente as formas
reconhecidas por um Estado. É sobre os “de dentro” (insiders) e os “de fora” (outsiders); exclusão e
inclusão." Diante disso, chegamos ao conceito moderno de território(s) transitórios, distantes da
fixidez de outros tempos.
Em The Dictionary of Human Geography (2009, p.745), John Agnew define
território como “a unidade de espaço contínuo que é usado, organizado e
administrado por um grupo social, pessoa individual ou instituição para
restringir e controlar o acesso de pessoas e lugares”. Ele destaca que a
ênfase política tem sido dominante nas discussões sobre território como um
poder de limitar o acesso ou, etimologicamente, como a territorialidade de
pássaros ou outros animais. Concordo com essa definição, pois ela evita
diferentes versões estat(d)istas encontradas em dicionários que relacionam
território somente aos Estados, até porque associações de moradores nos
Estados Unidos e na Europa Ocidental se organizam de modo a serem
afastados certos tipos de desenvolvimento considerados indesejáveis.
(Kevin R. Cox, , pg. 137)
A idealização do território nas abordagens geográfica possui complexidades analíticas. Ruy Moreira
(19) discutindo o papel da Geografia no contexto da produção do espaço nos apresenta três
instancias que se retroalimentam numa dialética que constantemente se contradizem em seu interior:
instancias econômicas, jurídico-políticas e acrescentamos as sociais em alusão a própria produção
dos sistemas de objetos que são orientados pelas duas primeiras instancias e que traduzem em certa
medida identidades, lutas, organização social e cultura. Raffestin (19) também discutindo o território a
partir de uma análise minuciosa do espaço nos advertia sobre as relações de poder que se constroem
no espaço “original” tal como matéria-prima e que cristaliza trabalho social, passando a ser entendido
enquanto território.
“Quer se trate de tessituras, de nós ou de redes, há muitas ilustrações para
compreender a construção territorial” (RAFFESTIN, , p. 147).
Cabe aqui evocar que o avanço das relações sociais em comunidade se deu, inicialmente, a partir da
apropriação dos sujeitos ao meio vivido criando representações de mundo, seja pelas imagens
produzias com técnicas de pinturas rupestres ou da invenção da escrita. Naturalmente relações
afetivas surgem precedidas pela natureza intrínseca dos padrões de sociabilidade humana,
determinando laços de afinidade e discordâncias. No caso das organizações sociais outrora
discutidas, a saber, atravessaram momentos históricos cujo aparelho estatal se nutria da força de
seus agentes repressivos, adiante, na medida em que o mesmo se democratizava, abriam-se
margens para a participação social nas tomadas de decisões, incorporando as politicas de Estado
determinados indicadores socioeconômicos nos grandes centros, como foi o caso da implementação
de Moradias de Interesse Social na década de 1960 no Brasil. Cerca de 20 anos depois, na década
de 1980, após a grande crise do capital financeiro mundial ocorrido na década de 70, o Estado
neoliberal reformulava suas bases e politicas territoriais incorporando setores das sociedade civil na
formulação de suas políticas, tendo caráter consultivo e deliberativo.

Lutas territoriais no neoliberalismo


A defesa do Estado neoliberal prescindia de uma ação proativa e incisiva das questões político-
econômicas alheias ao intervencionismo direto preconizado pelo liberalismo econômico keynesiano, o
caso do Estado de bem-estar social. Mas afinal, o que preconizava a filosofia neoliberal para a
readequação das esferas políticas do Estado? Segundo Magalhães (2016) no período anterior a
Segunda Guerra Mundial a estrutura estatal já comportava princípios neoliberais através da
conjuntura de competências e de concessões, pois criava bases legais para a atuação livre do
mercado, “sem intervir diretamente na esfera das transações econômicas”, dispondo o Estado da
infraestrutura no campo das jurisprudências que oferecesse ao setor econômico possibilidades de
dinamização em vistas a um “retorno” imediato.
Ou seja, pressupunha-se a economia como derivada de leis fortes,
garantidas pela força do Estado, e de uma ordem jurídica pré-definida tendo
em vista a eficiência da operação do livre mercado, mas como uma entidade
derivada dessas leis (MAGALHÃES, 2016).
Em se tratando de uma política macroeconômica variável, atraídas pelas leis do mercado como
agente regulador em si mesmo e potencializado pelos Estados nacionais, a defesa da agenda
neoliberal tratara da necessária adaptação da sociedade de modo geral aos contextos. Trata-se da
criação de sistemas de alienação em massa sob os pressupostos de Walter Lippmann – um dos
importantes defensores da ideologia neoliberal – que incentivava para além da adaptação da
sociedade e dos padrões de evolução do pensamento, mas também de criar narrativas que
contribuíssem para a formulação de ideais intelectuais e morais aparelhados e administrados pela
Educação estatal.
Portanto, retornamos a cerne da questão de que dentro do liberalismo o Estado é potencializado,
contudo, sua força motriz advém da burguesia e dos agentes detentores dos meios de produção,
sejam eles de base material ou abstratas. Dito isto, a filosofia politica neoliberal buscou desde seus
primórdios naturalizar a competição, ou sua mais libertadora atividade através das instancias jurídico-
políticas e sociais. A democracia neoliberal ofertaria bases legais para a ontologia do discurso de
coletivização e intervencionismo político-econômico através da criação de leis que fossem regidas
pelo Estado na promoção da justiça entre os homens, não regulando suas atividades econômicas à
medida em que os governos se aprimorassem no decurso da história (DARDOT & LAVAL, 2014).
A subjetividade na determinação do valor de uso a partir de critérios definidos pelo próprio comprador
partem do ideário da utilidade marginal preconizada Carl Menger, um dos importantes intelectuais na
defesa da atuação autônoma do mercado (MAGALHAES, 2016). A lei de oferta e demanda
materializaria concepções da teoria econômica clássica protagonizando os sujeitos, numa ótica que
transcenderia as instancias econômicas, baseando-se no ideário libertário, o que promoveria a
eficiência do livre mercado.
Nesse sentido, o mercado se torna o grande ente solucionador de
problemas humanos, pois se tudo puder ser comprado e vendido sempre
haverá um encontro entre oferta e demanda em que indivíduos, agindo
estritamente em função de seu interesse individual e de suas necessidades
subjetivamente determinadas promoverão trocas mutuamente benéficas
que, em seu conjunto, necessariamente redundam no bem-estar coletivo
(através de um agregado de utilidade/satisfação mais elevado para todos)
(MAGALHÃES, 2016 (grifo nosso)).
Nesse sentido, o modelo de governabilidade amplificado nas ações do Estado em termos de políticas
públicas apresentariam desfasagens nos sistemas do mercado em virtude na natureza interventora
estatal diante das necessidades individuais da população, substancialmente apoiada na ideia de que
a subjetividade conduziria indivíduos para a resolução de eventuais dificuldades no âmbito pessoal,
familiar ou de trabalho. Essa teoria baseada nos pressupostos mengerianos foi introduzida no período
pós Segunda Guerra Mundial por Friedrich von Heyek, considerada relevante nas cartilhas do
neoliberalismo afirmando que a ação estatal por meio de políticas públicas criam distorções que
impedem os lucros do mercado.
Nesse sentido, o mercado se torna o grande ente solucionador de
problemas humanos, pois se tudo puder ser comprado e vendido sempre
haverá um encontro entre oferta e demanda em que indivíduos, agindo
estritamente em função de seu interesse individual e de suas necessidades
subjetivamente determinadas, promoverão trocas mutuamente benéficas
que, em seu conjunto, necessariamente redundam no bem-estar coletivo
(através de um agregado de utilidade/satisfação mais elevado para todos)
(FOUCAULT, 2008).
“O capital não se realiza sem a existência de diversos pré-requisitos providos pela autoridade violenta
do aparato estatal”, tal afirmação descrita por Magalhães (2016) se respalda nas formas de produção
e reprodução histórico-geográfica a qual o capitalismo operado pelas estruturas de poder criam bases
legais de atuação e dinamização. David Harvey (2011) chama essas estruturas de poder de “esferas
de atividade” após incansáveis análises sobre a forma de proliferação que a estrutura econômica se
torna orgânica, com base nisso, propõe a existência de sete esferas que se retroalimentam e dão
corpo ao que concebemos atualmente como Estado: “tecnologias e formas de organização, relações
sociais, arranjos institucionais e administrativos, processos de produção e de trabalho, relações com
a natureza, reprodução da vida cotidiana e da espécie, e concepções mentais do mundo” (p.104).
Essas estruturas de poder dão escopo legal para sua atuação através do “direito de propriedade
privada, garantia de contratos, leis, polícia e prisões, moeda única, infraestrutura física e institucional,
fronteiras etc.” (MAGALHAES, 2016). Em linhas gerais, o capital se estabelece por diferentes formas
de governabilidade. Henri Lefebvre (2009) exemplifica bem essa conjunção do Estado e do capital ao
indicar que o aparelho estatal após fundir-se aos meios econômicos de produção criará diferentes
subsídios para a manutenção dos mesmos, isto é, tornando-se agentes do próprio desenvolvimento
ampliado, mundializado, instituindo politicas espaciais que também refletem a dinâmica social das
sociedades, tal como superprojetos de infraestrutura urbana, regional como provimento das
condições gerais de produção.
Para Ferrão (2010) o Estado também se articula internamente dada as circunstancias de mudanças
histórico-geograficas que as sociedades passa, principalmente no período turbulento para a politica
mundial diante da estagnação econômica na Amarica Latina na década de 1980 e a bipolaridade
como consequência da Guerra Fria, movimentando as ações estatais para seu interior, reformulando-
se para autorregular a sociedade. Para o autor, essas modificações evocações soluções que viesse
do ordenamento político-administrativo e jurídico-constitucional modelando ações e politicas publicas
de descentralização administrativa ao passo que deliberava centralidades decisivas e ao mesmo
tempo decisórias (por exemplo, capitais das UFs, metrópoles regionais, Regiões Metropolitanas e
etc), além de estimular o associativismo intermunicipal possivelmente amparados as competências
entre os entes federativos, fazendo valer resultados e dando protagonismo as gestões.

NOVAS GOVERNANÇAS: A QUESTÃO DAS POLITICAS DE RECURSOS HÍDRICOS


O uso do termo governança, diferente do que foi discutido anteriormente, compreende alterações
estruturais na forma que a administração pública estatal empreende novas racionalidades. Essa
ruptura na forma de pensar questões políticas do Estado remontam ao Iluminismo, contudo, sendo
drasticamente questionada a partir da crescente demanda popular objetivando maiores participações
nas deliberações dado os diversos cenários de lutas setoriais a qual buscavam visibilidade.
Esse momento foi permitido através de uma reforma substancial na administração pública visando a
descentralização, incorporando novos atores ao passo que emprestava poder a outros agentes, neste
caso, salienta-se a iniciativa privada num contexto mais amplo de discussão. Segundo Ferrão (2010)
esse novo reordenamento das instancias político-jurídicas, econômicas e sociais ampliaram
possibilidades reais de solução a problemas outrora negligenciados pela localização centralizada do
poder, no caso, passado a se interiorizar mesclando a participação pública nestes setores.
Embora com ordenamentos político-administrativos e jurídico-constitucionais
diferenciados, vários países desencadearam então soluções de
desconcentração e descentralização administrativa, centradas,
nomeadamente, na criação de regiões administrativas, de autoridades
metropolitanas e de estímulos ao associativismo intermunicipal e no
estabelecimento de diversas figuras de cooperação e contratualização entre
a administração central e entidades regionais e locais (regiões, municípios,
cidades), umas vezes numa base bilateral, outras numa óptica de rede (de
cidades, por exemplo) (FERRÃO, 2010)
Em se tratando do planejamento territorial, principalmente de cidades complexas e de urbanizações
precárias, o gerenciamento de politicas publicas urbanas e ambientais andaram em descompasso
introduza pelo contexto macroeconômico nacional de constante industrialização de áreas centrais e
periféricas, atraindo conjuntamente a investimentos estrangeiros substancial quantitativo de recursos
humanos para essas regiões. Uma vez concretizada a migração pela necessidade primeira de ser
introduzido/a ao mercado de trabalho, há a maior de todas as demandas populares: a moradia. Diante
do cenário de exclusão socioespacial que o próprio planejamento urbano empregou a população
marginalizada, coube-lhes acessar áreas inadequadas para o provimento da moradia por meio da
autoconstrução (RODRIGUES, 19).
Juridicamente impossibilitadas de habitar nestes espaços - por vezes resultado da privação destinada
a especulação imobiliária administrada pelas elites urbanas – a construção de moradias acontecem
em áreas insalubres, ausente de saneamento básico, energia elétrica e acesso a água potável. Além
disso, o maior agravante consiste no espaço em que são tomados pelas construções: áreas de risco
sobre o processo de ravinas que podem migrar para um voçorocamento ou ao longo de nascentes de
rios, igarapés. A retirada da cobertura vegetal de áreas de extensos declives representam a
incapacidade de infiltração das águas da chuva em penetrar o solo, ocorrendo escoamento superficial
e, por conseguinte, movimentos de massa, causa que preocupa e estabilidade das moradias. Outro
problema de escala nacional se refere ao saneamento básico e por consequência, a proliferação de
doenças de veiculação hídrica potencializadas pela baixa cobertura da rede de tratamento de água e
esgoto, programas efetivos de conscientização da população, e o maior deles é a invisibilidade aos
diretos urbanos, sendo este último o grande responsável pelo descarte de resíduos sólidos e
efluentes nos corpos hídricos.
Diante dessas demandas complexas entre si, a implementação de regulamentações setoriais
contribuem para mitigar atenuantes sociais, especialmente a regulação da natureza a partir de
diferentes organizações institucionais hierarquicamente interligadas, sobrepostas ou de completa
autonomia entre os entes federados. Em se tratando da exposição acima referida, discutir a ocupação
irregular em áreas de valores inestimáveis do ponto de vista dos recursos naturais desempenha-se
como primordial sob a égide do planejamento estatal, ou seja, a partir da instituição de normativas,
regulações e controle, mais especificamente no que tange as Bacias Hidrográficas como unidades de
planejamento territorial.
Pavão, Salinas e Vigar (2020) definem a regulação como a multiplicidade de dimensões analíticas,
portanto, competências distribuídas entre órgão que realizam o comando-controle operados pelo
Estado. Estas agências reguladoras, em alguns casos, possuem autonomia político, financeira e
administrativa, contudo, determinam sistemas de responsabilizações e competências a serem
seguidas na preservação de determinado recurso ou na prestação de serviços.
Dentro da constitucionalidade que regem organizações institucionais em seu interior, a fragmentação
regularia cria marcos legais de atuação. Está relacionada a capacidade e competência para
administrar (ou regular!) determinado problema regulatório, porém, cada organização dispõe de
prerrogativa para solucionar partes de um problema. Em diversos casos a competência regulatória é
dividida entre diferentes organizações cujos critérios são variados, como “meteria regulada, poder
político e etc” (PAVÃO; SALINAS e VIGAR, 2020)
De acordo com análises de William Buzbee (2005) existem quatro tipos de fragmentações
regulatórias: a) Fragmentação temporal decorre de procedimentos e decisões que se sucedem em
um determinado período de tempo, introduzindo, reintroduzindo ou interrompendo agendas
regulatórias; b) Fragmentação vertical está associada a divisão do espaço regulatório entre níveis
políticos e atores envolvidos; Segundo o artigo 21, inciso XIX da Constituição Federal cabe a União a
criação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de conceção e
uso. Mais adiante, no artigo 24, inciso IV do referido instrumento preconiza à União competências de
administração dos recursos hídricos e energia, podendo emprestar jurisdição a Estados que
desejarem implementarem questões similares. No interior da Lei Nacional de Recursos Hídricos
ocorre a divisão de competências entre a Agência Nacional de Águas-ANA e do Conselho Nacional
de Recursos Hídricos - CNRH no que se refere a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH; c)
fragmentação horizontal sinaliza a matéria a ser regulada conjugada a diferentes organizações que
dividem o mesmo objeto regulado. É o caso da PNRH que concede ao Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) o exercício da observação técnica dos parâmetros e critérios da qualidade da
água enquanto o CNRH e à ANA competem coordenar a implementação da política em esfera
nacional e ; d) fragmentação institucional mas também multisetorial, isso porque deriva da
organização estatal para total concretude das regulamentações, no entanto, também se valida da
atuação da sociedade civil organizada nos espaços de decisão, à exemplo dos Comitês de Bacias.
Logo, no decurso histórico de implantação de políticas publicas ligadas ao PNRH e o preambulo
regulatório organizações foram criadas, assim como suas fronteiras jurisdicionais dentro do Estado e
os entes federados, assim como na atuação de diferentes escalas de poderes legislativos, executivos
e judiciário. A partir da Lei de Água, instrumento de lei n. 9.433 de 08 de janeiro de 1997, foi
estabelecido o PNRH e o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGREH.
A legislação que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos está
inserida em um cenário de avanços na legislação ambiental do qual são
outros exemplos a Lei Nacional no 9.605/98 (a Lei de Crimes Ambientais) e
a Lei Nacional no 9.985/00 que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (JACOBI e FRACALANZA, 2005).
Através da Lei de Águas e seus instrumentos legais de operalização os recursos hídricos foram
compreendidos como recursos de uso comum, de valor econômico e que em casos de escassez a
prioridade seria o consumo humano e a dessedentação de animais. Por outro lado, dada as
características da urbanização brasileira e dos agravantes ligados a atividade industrial que
competem a eutrofização de laminas d’água, decisões também deliberavam sobre o uso indevido da
água e os impactos ambientais promovidos, com isso, o instrumento Poluidor-Pagador foi definido
para que a população usuária de um determinado recurso hídrico arcassem integralmente com os
custos do uso indevido promovido por empresas, estabelecimentos privados de turismo e lazer, entre
outros. Em seu artigo 5 da Lei de Águas a concessão do direito ao uso por meio da outorga e
cobrança seguem critérios qualitativos e quantitativos, seguidos do regime de cotas de água definidos
pelo CNRH.
Mas foi na aproximação da sociedade civil e os órgãos executivos tanto da ANA quanto do CNRH que
nasceram os Comitês de Bacias - CB. Baseado no modelo francês de sistema de gestão participativa,
a prerrogativa brasileira visara maior participação social nas tomadas de decisões a partir de
consultas e deliberações. Entende-se que diferentes sujeitos que vivem, se reproduzem e possuem
relações simbióticas com as territorialidades aquáticas detém conhecimento da sociobiodiversidade
no sentido amplo da sustentabilidade desses recursos, bem como através de seu uso no provimento
de atividades econômicas de baixo impacto aos ciclos hídricos (CRUZ, 2007; PAVÃO; SALINAS e
VIGAR, 2020).
Os impactos das práticas participativas na gestão de recursos hídricos,
apesar de controversos, apontam, a partir da manifestação do coletivo, para
uma nova cidadania, que institui o cidadão como criador de direitos para
abrir novos espaços de participação sociopolítica, aspectos que configuram
barreiras que precisam ser superadas para multiplicar iniciativas de gestão
compartilhada (JACOBI e FRACALANZA, 2005)
Ainda que em termos legais a orientação quanto aos usos e os agentes beneficiários (usuários) seja
realizada de forma consultiva e descentralizada, boa parte das decisões ocorrem na esfera do poder
público, ou seja, nas agências regulatórias no âmbito estadual e federal. Tal definição dos marcos de
competências apresentam-se contraditórios entre si dada a natureza com que a PNRH se manifesta,
uma vez que discorre sobre a existência de planejamento e gerenciamento quanto as regras de uso
definidas por diversos agentes e instrumentalizadas pelos conselhos estaduais e nacionais,
desconsidera substancialmente a gestão de bacias realizadas diretamente com a comunidade não
apenas de moradores, mas também de pesquisadores dedicados ao assunto.
Dentro de uma lógica neoliberal em que o Estado interfere diretamente no planejamento das politicas
publicas a preocupação consiste na legalização a partir de medidas que suavizem a participação da
iniciativa privada nos impactos ambientais cuja distribuição se manifesta integralmente nos territórios
aquáticos, florestais ou de terra firma. Contribuem também para a marginalização da população
constantemente afetada pela exclusão socioespacial que enxerga através das lâminas d’água a
capacidade de manutenção da renda familiar por meio do turismo, gastronomia, pesca e tantas outras
atividades irrigadas por um recurso inestimável, porém, fortemente ameaçado pela ganância que
move as elites a qual o Estado segue fazendo concessões.

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