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“ [...] Para Rosa Luxemburgo, contrariamente, a expansão capitalista recebe seu impulso
primordial de uma indissociável compulsão capitalista sobre territórios de formação
não-capitalista. A noção de “mercado externo” para Luxemburgo não é, como para Lênin,
aquela ligada a uma definição política do território. Os mercados externos de Luxemburgo
não envolvem necessariamente relações interestatais. Para Luxemburgo, “mercado externo
é para o capital o meio social não-capitalista que absorve seus produtos e lhe fornece
elementos produtivos e força de trabalho”... [...] a dinâmica espacial capitalista presente na
interpretação de Luxemburgo envolve um movimento de avanço sobre áreas que respeitam
e estão estruturadas a partir de relações e lógicas sociais distintas. Enquanto para Lênin os
limites político-territoriais funcionam como o elemento espacial preponderante nas relações
capitalistas, na teoria de Rosa Luxemburgo a dinâmica de fronteira, a zona de contato,
emerge com maior relevância.” (pg. 3)
“[...] Se os limites territoriais são para Lênin o fator de definição que recai sobre a
exploração dos mercados externos, para Luxemburgo a fronteira é o elemento mais
significativo, pois demarca não as relações de comércio entre Estados nacionais, mas a
zona de contato e intersecção entre sistemas ou lógicas distintas – no interior, muitas vezes,
das mesmas unidades político-territoriais... [...]é somente com a exploração e o avanço de
formações capitalistas sobre territórios que respeitam outro repertório da reprodução social
que são garantidos os meios da acumulação de capital.” (pg. 3)
[...] “A palavra limite, de origem latina, foi criada para designar o fim
daquilo que mantém coesa uma unidade político-territorial” (Machado, 1998). Nesse
caso, circunscreve-se o lugar, a região ou o território e este ganha suas definições, ou
mais especificamente seus limites, no contato com o exterior. É nesse sentido que a
palavra assume um conteúdo propriamente espacial e passa a fazer parte do
vocabulário dos geógrafos, militares e estadistas preocupados com a definição e
edificação da soberania. (pg. 4)
[...] “Diferente, no entanto, é o sentido que foi atribuído à noção de fronteira. “A fronteira
está orientada ‘para fora’ (forças centrífugas), enquanto os limites estão orientados
‘para dentro’ (forças centrípetas)” (Machado, 1998). (pg. 4)
[...] “fronteira, que se desenha em contraposição ao imobilismo sugerido pelos limites, tais
como são concebidos atualmente pelo moderno sistema interestatal...” (pg. 5)
[...] “Para eles (Sério e Turner), a fronteira é a zona de contato entre mundos diferentes,
entre formações sociais particulares e lógicas distintas – mas não necessariamente opostas.”
(pg. 6)
[...] “(...) Ratzel conseguiu captar na noção de ‘espaço vital’, e na metáfora do Estado como
‘organismo vivo’, os movimentos de expansão territorial do sistema capitalista no século
XIX” (Machado, sem data).” (pg. 6)
Segundo Turner: “No caso da maioria das nações, entretanto, o desenvolvimento ocorreu
numa área restrita; e se a nação se expandiu, ela encontrou outros povos crescendo, os quais
foram conquistados. Mas, no caso dos Estados Unidos, nós temos um fenômeno diferente.
Limitando nossa atenção à Costa Atlântica, temos o fenômeno familiar da evolução das
instituições numa determinada área... Mas temos também, além disso, a recorrência desse
processo de evolução em cada área a oeste que foi atingida pelo processo de expansão.
Desse modo, o desenvolvimento americano exibiu não somente o avanço ao longo de uma
única linha, mas um retorno às condições primitivas no avanço contínuo da linha de
fronteira, e um novo desenvolvimento para aquela área. O desenvolvimento social
americano foi continuamente reiniciado na fronteira. Esse constante renascimento, essa
fluidez da vida americana, essa expansão para o Oeste com essas novas oportunidades, esse
contínuo encontro com a simplicidade da sociedade primitiva fornecem as forças que
dominam o caráter americano” (Turner, 1976, p. 2-3). (pg. 7)
[...] “nesse avanço, a fronteira é a borda externa dessa onda – o ponto de encontro entre a
barbárie e a civilização” (Turner, 1976, p. 03) (pg. 7)
Neil Smith (2007): “[...] É preciso reconhecer também que há uma “fricção espacial”, uma
alteração da escala territorial de reprodução do capital. Esse “retrocesso” (aparente) a uma
determinada escala espacial se coaduna com a continuidade cada vez mais amplificada dos
processos de expansão interna dos limites da reprodução capitalista; uma inversão do
sentido do ciclo expansivo do capital, que por vezes assumiu um comportamento espacial
consumidor de configurações e formações nãocapitalistas e agora se volta para o consumo
de espaços tipicamente forjados por ação direta do capital. Esse deslocamento da fronteira
de expansão capitalista para o interior dos territórios urbanos já colonizados pela lógica de
reprodução do capital modifica a dieta que alimenta a expansão mais lógica do que
territorial (em termos absolutos) do capital. Trata-se de uma nova dinâmica espacial da
reprodução capitalista. (pg. 8)
“[...] Neil Smith recorre ao “significado da fronteira na história americana” para interpretar
os aspectos ideológicos que atribuem legitimidade ao processo de gentrificação dos espaços
urbanos nos Estados Unidos. Imbuído da retórica civilizatória de Turner, Smith reconhece
no discurso que enaltece os empreendedores imobiliários urbanos os mesmos atributos que
valorizavam o pioneiro da fronteira. Para Smith, a imagem de um centro urbano degradado,
carente das ações empreendidas por agentes civilizadores, atende a um conjunto de
interesses imobiliários que visam empreendimentos nessas áreas centrais. Segundo Neil
Smith, “durante o século XX a imagem do lugar selvagem e da fronteira foi aplicada menos
às planícies, montanhas e florestas do Oeste, e mais às cidades do país todo, mas
especialmente aquelas do Leste” (Smith, 2007, p. 16). Efeitos de um discurso hegemônico
sobre as condições de vida nos grandes centros urbanos chegam às cidades brasileiras, a
partir da década de 1970, com o mesmo teor que tinham desde que foram elaborados no
centro do capitalismo mundial. Em igual medida, o medo e a aversão são os sentimentos
possíveis em relação à cidade diante do novo quadro urbano pintado por uma retórica
internacional. A cidade passa a ser o signo da violência (em oposição à harmonia), do caos
(em oposição à ordem) e do – palavra nova por aqui – stress (em oposição à tranqüilidade
do campo e dos luxuosos subúrbios e condomínios fechados). A ordem, a lógica e a
racionalidade na organização do espaço são os elementos de uma retórica que vende os
espaços avessos à vida “caótica” dos grandes centros urbanos. Uma reedição empresariada
do fugere urbe se constitui para servir, mais tarde, de justificativa para as ações
coordenadas dos segmentos capitalistas associados aos empreendimentos imobiliários. (pg.
8)
“[...] No caso de uma “expansão geográfica absoluta”, com a incorporação de novas terras
ao circuito da valorização capitalista, como no caso na “marcha para o Oeste”, o próprio
modo de produção capitalista é lançado contra formações sócio-espaciais absolutamente
distintas em relação a si mesmo. Nesses casos, a fronteira é a zona de intersecção, o lugar
do encontro (e do conflito, muitas vezes) entre modos de produção, “sistemas” sociais e
lógicas reprodutivas diversas. Trata-se aqui da “fronteira externa”, no sentido que é
possível extrair de Rosa Luxemburgo. A fronteira capitalista é, nesse sentido, a
materialização do encontro entre mundos e territorialidades a serviço de lógicas de origem
diversa... Quando o crescimento econômico se opera a partir da reestruturação, reordenação
ou reprodução do espaço urbano já consolidado no interior do desenvolvimento de relações
sociais capitalistas, a dinâmica espacial da acumulação terá de enfrentar e se confrontar
com novas forças; desconhecidas no caso de um avanço sobre territórios “virgens” do
ponto de vista da exploração do capital. (pg. 10)
“[...] Esse é o momento em que o capital estanca um movimento direcionado para fora de si
(uma pulsão extrovertida) e volta todas as suas forças para o consumo de configurações
capitalistas mais frágeis ou pertinentes a outros momentos históricos do estágio de
valorização. Em termos relativos, cessada a compulsão geograficamente extrovertida do
capital, este retorna para os antigos centros urbanos, destruindo formas espaciais, modos de
vida arraigados e todo um conjunto de infraestruturas e relações ligados aos momentos
anteriores da valorização capitalista no interior da economia urbana...A
gentrificação e a revitalização dos espaços urbanos centrais podem, por isso, ser definidas
como fenômenos diretamente ligados à exploração da “fronteira interna” do capitalismo
mundial. É nesse sentido que “a fronteira urbana é, antes de mais nada, uma fronteira no
sentido econômico” (Smith, 2007, p. 18), mais ou menos no sentido empregado por Rosa
Luxemburgo. (pg.10)
“[...] A desvalorização dos centros antigos das grandes cidades brasileiras, a partir da
década de 1970, encontra parte de sua justificativa nessas estratégias. A tomada de espaços
suburbanos quase sem valor de mercado, pelas poderosas incorporadoras, não só realizou
um impressionante potencial de valorização nos subúrbios, organizados sob a forma de
condomínios residenciais de luxo, para o qual afluíam as camadas mais abastadas da
sociedade brasileira, como desvalorizou as regiões centrais. Hoje, os centros antigos dessas
cidades passam por processos de ‘revitalização’, processos esses que procuram inserir
novamente essas áreas degradadas e destruídas no circuito de valorização do capital.
Durante os anos 1980 e parte dos anos 1990, os centros das cidades brasileiras que
passaram por esse processo, funcionaram como um estoque desvalorizado de ativos
imobiliários” (Santos, 2008, p. 46)”. (pg. 11)
“[...] é a diferenciação interna do espaço urbano que produz e reproduz esse potencial de
acumulação a partir do espaço social. Induzida por poderosas ações, a degradação e
destruição de fragmentos da vida social urbana espacialmente localizados ocorre a par com
um simultâneo processo de valorização e gentrificação (enobrecimento) de outras áreas.
“Em um nível mais básico, é o deslocamento do capital para a construção de paisagens
suburbanas (...) o que cria a oportunidade econômica para a restruturação das áreas urbanas
centrais. (pg. 11)
“[...] “Portanto, a reestruturação do espaço urbano conduz a uma simultânea, assim como
subseqüente, decadência e redesenvolvimento, desvalorização e revalorização” (Smith,
2007, p. 29).”
“[...] A título de conclusão, podemos afirmar, portanto, que “a teoria afirma que o
capitalismo se destina a expandir por meio tanto da intensificação dos relacionamentos nos
centros capitalistas de produção, como da expansão geográfica desses relacionamentos no
espaço” (Harvey, 2005, p. 62). Apesar de se tratar de padrões genericamente distintos, essas
formas da reprodução espacial do capital não são, de maneira alguma, incongruentes,
podendo, mesmo, ser complementares. Mas é importante reforçar que cada qual detém
validade para os fins da reprodução capitalista de maneira isolada ou conjunta. De acordo
com os fins da reprodução capitalista, “a teoria geral de Marx fala da necessidade de
expandir e intensificar geograficamente” (Harvey, 2005, p. 66).
REFERENCIAS