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Fichamento da aula 03 – “O internacional” e aproximação com as Teorias

das RI
Texto: HALLIDAY, Fred. Introdução: A importância do internacional, In:
HALLIDAY, Fred. Repensando as relações internacionais, Porto Alegre:
UFRGS, p. 15-36.

O capítulo retrata a condição posta das relações internacionais no ambiente


acadêmico, explicita as suas diferentes áreas de abordagem, e os principais
debates que resultaram dessas características.

- Pág.15: “A diversidade teórica é uma força, não uma fraqueza, das relações
internacionais. As dificuldades experimentadas residem (...) em bases
metodológicas e históricas.”

- Pág. 16: “(...) o grau de internacionalização do mundo atual tem sido


distorcido e exagerado e localizado, de maneira extremamente simplista, em
mudanças ocorridas entre 1945 e 1960. Este reducionismo histórico assume
várias formas, como a afirmação injustificada da literatura transnacionalista
sobre a obsolescência do Estado-nação e do papel da força, ou a inovação de
uma nova era de “pós-modernidade”.”

“(...). Entretanto, a “internacionalização” não começou com um mercado


financeiro global (...). O próprio nacionalismo, a despeito de sua evolução, de
seu caráter aparentemente individual e de sua celebração do específico, é um
processo internacional, um produto da mudança intelectual, social e econômica
compartilhada pelas sociedades e estimulada por sua interação nos últimos
dois séculos. (...) a história do sistema moderno é a da internacionalização e da
quebra, em partes separadas, dos fluxos preexistentes de pessoas, religião e
comércio; a precondição para a formação do Estado-nação moderno foi o
desenvolvimento de uma economia e cultura internacional, dentro da qual eles
se reuniram depois.”

“Os autores na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos alardeiam que durante os


últimos 20 ou 30 anos as formas de controle politico e soberania foram
corroídas por processos transnacionais.”

-Pág.17: “Nos dois países, a percepção da insularidade conforma o mito do


desenvolvimento político pela evolução não-violenta. (...) o Reino Unido e os
Estados Unidos foram Estados criados e mantidos pela foça em mais de uma
oportunidade. (...) a disseminação das formas democráticas e a chegada do
sufrágio universal forma processos internacionais, resultado tanto de mudanças
nas normas quanto do impacto nas diferentes sociedades de seus fenômenos:
por um lado, da industrialização e da ascensão da sociedade de massas e, por
outro, das pessoas politicas nascidas das duas guerras mundiais.”

“O que é vivido, e normalmente estudado como algo que aconteceu “dentro” de


países, revela-se como parte de processos internacionais muito mais amplos
de mudança política e econômica.”
-Pág.18: “(...). Portanto, não pode haver uma história puramente nacional de
qualquer Estado: da mesma forma, não pode haver teoria da economia, do
Estado e das relações socias que negue o impacto formativo, residual ou
recente, do internacional.”

“Nas relações internacionais, como evidenciado pelo âmbito comum dos cursos
oferecidos, estas preocupações possuem dois aspectos distintos: um é
amplamente analítico e se refere ao papel do Estado nas relações
interacionais, ao problema da ordem na ausência de uma autoridade suprema,
ao relacionamento entre o poder e a segurança, à interação da economia coma
força militar, às causas do conflito e às bases da cooperação. O outro é
normativo e diz respeito à questão de quando e como é legítimo usar a força,
às obrigações devidas ou não ao nosso Estado, ao lugar da moralidade nas
relações internacionais e aos erros e acertos da intervenção.”

“(...) No internacional, como em mais nenhum outro campo da ampla atividade


humana, o mítico e o imaginário desempenham um papel central no discurso
cotidiano.”

-Pág.19: “(...). A mais óbvia é que as pessoas sentem que o internacional é


importante, que é uma fonte de ameaça, mais obviamente militar, que é uma
arena onde grandes benefícios e perdas econômicas podem ocorrer, que
aparentemente é cada vez mais intrusivo nas vidas cotidianas. O estudo
acadêmico das relações internacionais começou como uma tentativa de
pesquisar as causas da maior de todas intrusões, qual seja, a guerra, e de
desenvolver meios para reduzir sua futura incidência. Desde então, ele passou
a englobar uma agenda mais ampla, em particular de atividade econômica.”

“Entretanto, nas relações internacionais a pressão é maior por causa de um


fator adicional e menos evidente que pode ser definido como sua invisibilidade
teórica.”

-Pág.20: “As nações e Estados podem ou não coincidir, mas, mesmo quando
coincidem, as relações convencionalmente chamadas “internacionais” dizem
respeito ao que se passa entre os governos e não entre as populações.”

-Pág.20 e 21: “(...). O desenvolvimento das RI, como o de todas as ciências


sociais, é produto de três, e não de dois, círculos concêntricos de influência: a
mudança e o debate dentro da própria disciplina, o impacto dos
desenvolvimentos do mundo e a influência de novas ideais de outras áreas da
ciência social. (...). As Ri têm um “autoconhecimento” muito limitado e uma
consideração inadequada dos fatores extradisciplinares que as afetam.”

-Pág.21: “A ligação histórica intelectual com a história em geral permanece


intermitente e obscura, assim como a das RI com as outras tendências nas
ciências socias. As questões de teoria internacional e análise têm estado
presentes há muito tempo no pensamento político clássico.”

-Pág.22: “Os três elementos constitutivos das RI, o interestatal, o transnacional


e o sistêmico, permitem muitas especializações e várias abordagens teóricas.
Hoje as RI abrangem, como subcampos somados à teoria internacional (isto é,
a teorização destes três elementos), os estudos estratégicos, os estudos de
conflito e paz, a análise de política externa, a economia política internacional, a
organização internacional e um grupo de questões normativas pertinentes à
guerra: obrigação, soberania e direitos. A estes subcampos, analiticamente
distintos, pode ser somado o das especializações regionais nos quais as
abordagens teóricas são aplicadas aos estudos de Estados individuais e de
grupos de Estados.”

“Em sua fase inicial, as RI buscaram distinguir-se daquelas disciplinas a partir


das quais se originaram. Assim, eram distintas da história diplomática
(internacional) em sua abordagem comparativa e teórica. Ao longo do tempo,
separaram-se do direito internacional com a adoção de uma abordagem
normativa (e não positivista) e na análise da interação das dimensões do
internacional além do legal. Distinguiram-se da ciência política ao buscar
combinar o político com o econômico e o militar e, em tomar como seu objeto
de análise, não o sistema político interno de um país qualquer, mas o sistema
internacional caracterizado pela ausência de uma autoridade soberana e a
maior importância da violência em seu interior.”

-Pág.23: “Se as RI possuíssem uma disciplina materna, esta não seria a


história ou a ciência política, mas o direito internacional.”

-Pág.24: “Com a crise dos anos 30, o “idealismo” deu lugar ao “realismo”,
inicialmente com o trabalho de E.H Carr e, depois, com o de vários escritores
nos Estados Unidos, incluindo Hans Morgenthau, Henry Kissinger e Kenneth
Waltz. Eles tomam como ponto de partida a busca do poder dos Estados, a
centralidade da força militar dentro deste poder e a inevitabilidade duradoura
do conflito em um mundo de múltipla soberania. Mesmo não negando
inteiramente o papel da moralidade, do direito e da diplomacia, os realistas dão
maior peso à força militar como instrumento de manutenção da paz. Eles
acreditavam que o mecanismo central para regular o conflito era o equilíbrio de
poder através do qual a força maior de um Estado seria compensada pelo
aumento da força ou pela expansão das alianças dos outros (...).”

“Paralelamente, um grupo de realistas do lado europeu do Atlântico


desenvolveu o que ficou conhecido como a “escola inglesa”: Charles Manning,
Martin Wight, Hedley Bull e Fred Northedge enfatizaram o grau em que o
sistema internacional era “anárquico”, isto é, sem um governo central. Eles
perceberam isso não como o caos, mas como um certo tipo de sociedade: isto
é, um grupo de Estados que interagia de acordo com certas convenções. Estas
incluíam a diplomacia, o direito internacional, o equilíbrio de poder, o papel dos
grandes poderes e, mais controvertidamente, a própria guerra.”

“Depois da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento do estudo acadêmico


das relações internacionais, o realismo se tornou a abordagem dominante,
senão única na área. Ele possuía uma explicação poderosa e abrangente das
relações internacionais e do conflito.”
-Pág.25: “(...). A partir de 1960, o behaviorismo apareceu como uma alternativa
às RI ortodoxa, como a outras áreas das ciências sociais nos níveis
metodológicos e conceitual. (...) buscou afastar-se dos usos tradicionalistas da
história e de termos políticos ortodoxos como “Estado”, em direção a um novo
estudo quantificado e do que podia ser observado, isto é, do comportamento
que, neste caso, eram os processos e os relacionamentos internacionais.”

-Pág.26: “A tentativa dos behavioristas de suplantar as RI “tradicionais” falhou


em três aspectos-chaves. Primeiro, o realismo e a sua posterior variação, o
“neo-realismo”, mantém-se como a abordagem dominante dentro do estudo
acadêmico e de políticas das relações internacionais. Segundo, o próprio
desafio teórico colocado pelo behaviorismo para suplantar o estudo pré-
científico do “Estado” e de outros conceitos históricos convencionais com uma
nova teorização cientifica não foi longe o bastante, principalmente porque
falhou em fornecer uma teorização, e angariamento de fundos, para chegar a
grandes novas conclusões sustentada pela força da coleta de dados, nunca foi
cumprida.”

-Pág.26 e 27: “A análise de política externa, o estudo dos fatores determinando


resultados de política externa e decisões em particular, foi uma tentativa
ambiciosa e, em muitos aspectos, bem-sucedida de desafiar os pilares centrais
do realismo. Ao buscar analisar como a política externa é formulada, ela
rejeitou algumas das premissas realistas centrais: as de que o Estado pode ser
tratado como um ator unitário; que pode ser levado a agir racionalmente para
maximizar seu poder e defender o interesse nacional; que o caráter interno e
as influências de um país podem ser tratados como irrelevantes no estudo de
uma política externa (...).”

-Pág.27: “Esta abordagem abriu a possibilidade para o estudo comparado da


política externa e das formas pelas quais as diferentes características
constitucionais, históricas e sociais afetam sua formulação e a implementação,
algo antes excluído pela negação realista da relevância dos fatores internos.”

“O mais importante desafio da análise de política foi, entretanto, à


reivindicação realista de que os Estados podem ser tratados unicamente em
um ambiente, sem referência as suas estruturas internas e às mudanças dentro
deles.”

“(...). As sociedades estavam interagindo de forma transnacional, e estas


“ligações”, ao invés das interestatais, estavam tendo um impacto na política
externa. Confrontados com tais desafios e influências externas, os Estados,
dependendo das circunstâncias, agiam para acomodá-las ou evita-las.”

“A análise de política externa, nascida da rejeição behaviorista de conceitos


“institucionais” não desenvolveu uma teoria do Estado.”

-Pág.28: “(...), surgiu uma abordagem diversa baseada na “interdependência”,


um conceito utilizado para examinar como as sociedades e os Estados estão
se tornando cada vez mais interligados e as consequências de tal processo. O
desenvolvimento da literatura sobre interdependência ilustra bem as
oportunidades, e armadilhas, do reconhecimento da conexão entre doméstico e
o internacional.”

-Pág.29: “(...), Northedge e Bull contestaram a visão de que para os Estados


era verdadeiro ou desejável perder o controle sobre suas populações ou ceder
a responsabilidade de administração de assuntos internacionais: apesar de
toda discussão sobre as “questões globais” e os “bens comuns” universais,
eram os Estados que, por bem ou por mal, continuavam responsáveis pela
resolução destas questões de paz, fome, ecologia. Os indivíduos continuam se
identificando tanto quanto antes com os Estados e os consideravam como
essenciais para o desempenho de funções de segurança, representação e
bem-estar.”

-Pág.30: “A reafirmação do realismo, o “neo-realismo”, (...), respondeu às


preocupações da economia política internacional, mas buscou restabelecer a
primazia dos Estados e das preocupações políticos-militares, dentro de sua
análise global. (...). Robert Tucker destacou o continuo papel dos grandes
poderes e da força militar na manutenção do sistema internacional e imputou a
pobreza dos Estados do Terceiro Mundo a fatores políticos e econômicos
endógenos. (...). Desta forma, procuraram destacar a primazia dos Estados nos
sistemas internacionais e o poder e papel subordinado dos atores “não-
estatais”. Ao mesmo tempo, eles debateram que os processos econômicos,
como quaisquer outras atividades transnacionais, requeriam que os Estados
providenciassem a segurança e regulação necessárias para a sua
continuidade. Eles eram céticos quanto às reivindicações de que a
interdependência estava aumentando e destacaram a continua importância dos
grandes poderes na administração das relações internacionais, para o bem ou
para o mal.”

-Pág.31: “(...). Na visão de Burton, o sistema internacional, era, portanto, uma


teia de interações definidas por questões, dentro das quais as estruturas
especificas do poder militar e estatal desempenhavam um papel distinto, mas
não exclusivo ou predominante.”

“O aprofundamento da relação entre o marxismo e as RI constitui outro


desenvolvimento não ortodoxo dos anos 1970 e 1980 (...), a porta de entrada
do marxismo nas RI foi a questão do subdesenvolvimento e, de muitas
maneiras, ele permaneceu confinado a esta área. (...) A separação das RI da
influência marxista do maior do que nas outras áreas das ciências sociais e,
certamente, foi causada pela predominância dos escritos americanos na área,
que refletiam um clima intelectual no qual o marxismo estava totalmente
ausente.”

“(...) houve uma aplicação dos conceitos marxistas para analisar as causas e
as consequências de um mercado cada vez mais internacionalizado e das
novas formas que ele estava assumindo. Dentro da análise de política externa,
tornou-se possível não somente examinar como os fatores burocráticos e
constitucionais afetam resultados políticos, mas também como eles mesmos
eram moldados pelos fatores históricos e sociais mais amplos.”
-Pág.32: “(...). Quase todo o debate entre o realismo e o marxismo tem girado
em torno do problema do Estado, mas raramente se reconhece que isto
envolve duas concepções bastantes distintas de “Estado” que levam a
conjuntos diferentes de questões: uma das concepções é a legal-territorial,
emprestada do direito e da ciência política tradicional; a outra é o conceito
alternativo, emprestado do marxismo e da sociologia weberiana, segundo o
qual o Estrado é percebido como uma entidade administrativa-coercitiva, um
aparato dentro dos países e das sociedades, ao invés do país como um todo.”

“(...). Até a metade dos anos 1980, as RI pareciam ser mais indiferentes às
questões de gênero do que qualquer outra área das ciências sociais, uma
situação gerada pela aceitação generalizada da distinção entre uma área
convencionalmente “masculina” da alta política, da segurança internacional e
do statecraft, e uma “feminina” de domesticidade, de relações interpessoais e
de localidade.”

-Pág.33: “(...). Em uma área bastante diferente, os escritos feministas


começaram a discutir alguns conceitos centrais da teoria das RI, questionando
sua neutralidade de gênero. Estes incluem os conceitos de “interesse
nacional”, segurança, poder e direitos humanos, todos apresentados na
literatura dominante como neutros. Contudo, com o reexame feminista tem
mostrado, cada um deles tem um significado de gênero implícito. Acima de
tudo, o feminismo, como as outras teorias que enfatizam os direitos individuais
e sociais, questiona o núcleo da prática convencional das relações
internacionais: o valor supremo da soberania.”

“(...) o “internacional” não é um componente adicional, ou recente, da realidade


social e política, mas um de seus elementos duradouros e constitutivos.”

-Pág.33 e 34: “Três grupos de tópicos inter-relacionados se mostraram


presentes. O primeiro foi o de questões de teoria política no sentido mais
tradicional e normativo do termo: de obrigação, seja para com a família, o
Estado ou a sociedade cosmopolita; de justiça, de sua implementação nos
níveis nacional e internacional e de seu conflito com valores rivais,
especialmente a segurança; da legitimidade da força e da coerção, dentro e
entre os Estados; do direito de resistir a Estados soberanos. Em segundo lugar,
existe um conjunto de questões teóricas no sentido analítico mais
contemporâneos: a análise do poder; a relação entre as estruturas políticas,
econômicas e ideológicas; a relevância dos modelos de escolha racional para a
ação social e a política, para os Estados, as instituições e os indivíduos dentro
deles.”

-Pág.34: “(...) existe o foco deste livro, a explicação de sistemas políticos


E sociais à luz dos determinantes domésticos e internacionais. Cada nível, o
nacional e o internacional, tem a sua autonomia parcial. (...) O internacional
antecede, desempenha um papel formativo na constituição e na emergência do
Estado e do sistema político. Os Estados funcionam simultaneamente nos
níveis domésticos e internacional e buscam maximizar seus benefícios em um
domínio para melhorar suas posições no outro.”
-Pág.35: “(...) As prioridades da área, principalmente, tem sido as prioridades
das elites e dos Estados, quando não diretamente estabelecidos pelas
demandas das agencias financiadoras. (...) O poder de determinação de
resultados depende tanto da determinação de quais questões não são
levantadas quanto da exclusão de métodos “inaceitáveis” ou da imposição de
uma análise particular.”

“(...) Se a recuperação da história das RI envolve a recuperação de todos os


três níveis – o da disciplina, o da ciência social e o da própria história – uma
reconstituição ou repensamento do assunto deverá, simultaneamente, estar
consciente de seu significado em todas essas três dimensões.”

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