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TEXTO: REMOND, René. Por uma história política. tradução Dora Rocha. - 2. ed.

- Rio de
Janeiro : Editora FGV, 2003.

“Existe portanto uma história da história que carrega o rastro das transformações da
sociedade e reflete as grandes oscilações do movimento das idéias. É por isso que as gerações
de historiadores que se sucedem não se parecem: o historiador é sempre de um tempo [...]”
(p. 13)

“[...] um pouco mais atrás, com toda uma geração que chegou à idade adulta no pós-guerra, e
que identificou a história com aquele de seus ramos que tinha como especificidade observar
os fatos econômicos e suas consequências sociais.” (p. 13)

“Como sempre acontece em história, a explicação dessas oscilações está na relação entre a
realidade observada e o olhar que a observa: cabe, pois, considerar alternadamente as
mudanças que afetaram o político e as modificações ocorridas no espírito dos historiadores
que preferiram fazer dos fenômenos políticos o objeto principal de seu estudo.”(p. 14)

Exemplo de François Hartog com a Teoria da Historicidade

“[...] a história política voltou-se para o Estado e a nação, consagrando daí em diante suas
obras à formação dos Estados nacionais [...] Foi contra esse estado de coisas, contra a
hegemonia do político, herança de um longo passado, que, em nome de uma história total,
uma geração se insurgiu,e fez-se uma revolução na distribuição do interesse.” (p. 15)

“[...] a nova história considerava as estruturas duráveis mais reais e determinantes que os
acidentes de conjuntura. Seus pressupostos eram que os comportamentos coletivos tinham
mais importância para o curso da história que as iniciativas individuais, que os fenômenos
registrados numa longa duração eram mais significativos e mais decisivos que os movimentos
de fraca amplitude, e que as realidades do trabalho, da produção, das trocas, o estado das
técnicas, as mudanças da tecnologia e as relações sociais daí resultantes tinham mais
conseqüências, e portanto deviam reter maior atenção dos observadores [...]” (p. 16)
“[...] a história política [...] só tinha olhos para os acidentes e as circunstâncias mais
superficiais: esgotando-se na análise das crises ministeriais e privilegiando as rupturas de
continuidade, era a própria imagem e o exemplo perfeito da história dita factual [...]” (p. 16)

“Ao privilegiar o particular, o nacional, a história política privava-se, ao mesmo tempo, da


possibilidade de comparações no espaço e no tempo, e interditava-se as generalizações e
sínteses que, apenas elas, dão ao trabalho do historiador sua dimensão científica.” (p. 17)

“Enquanto a vocação do historiador é interrogar-se sobre o sentido dos fatos, enquanto sua
especificidade reside, em conseqüência disso, numa atitude interrogativa, e seu papel é
formar hipóteses explicativas, a história política permanecia uniformemente narrativa,
escrava do relato linear [...]” (p. 17)

“O advento da democracia política e social, o impulso do movimento operário, a difusão do


socialismo dirigiam o olhar para as massas'. A compaixão pelos deserdados, a solidariedade
com os pequenos, a simpatia pelos "esquecidos da história" inspiravam um vivo desejo de
reparar a injustiça da história para com eles e restituir-lhes o lugar a que tinham direito [...]”
(p. 19)

“A história de fato não vive fora do tempo em que é escrita, ainda mais quando se trata da
história política: suas variações são resultado tanto das mudanças que afetam o político como
das que dizem respeito ao olhar que o historiador dirige ao político. Realidade e percepção
interferem.” (p. 22)

“0 desenvolvimento das políticas públicas sugeriu que a relação entre economia e política não
era de mão única: [...] Uma escolha política que pode nada dever à análise econômica, e
obedecer apenas a considerações ideológicas, como a decisão de nacionalizar grandes setores
de produção ou de troca, terá sobre a economia consequências incalculáveis.” (p. 23)

“À medida que os poderes públicos eram levados a legisfar, regulamentar, subvencionar,


controlar a produção, a construção de moradias, a assistência social, a saúde pública, a
difusão da cultura, esses setores passaram, uns após os outros, para os domínios da história
política. Com isso desabou a principal objeção a esse tipo de história: como sustentar ainda
que o político não se refere às verdadeiras realidades, quando ele tem por objeto geri-las? ”
(p. 24)

“A prova disso está na atração cada vez maior que a política e as relações com o poder
exercem sobre agrupamentos cuja finalidade primeira não era, contudo, política: associações
de todos os tipos, organizações socioprofissionais, sindicatos e igrejas, que não podem
ignorar a política.” (p. 24)

“Para a compreensão das inversões de tendência em epistemologia, os fatores exógenos não


são suficientes: são precisas também conivências internas. [...] a renovação foi provocada,
suscitada, pela rediscussão dos conceitos clássicos e das práticas tradicionais. E neste ponto, a
contestação de que foi objeto a história política lhe foi muito salutar: o desafio fustigou a
imaginação e estimulou a iniciativa.” (p. 26)

“É uma verdade geral a utilidade, para todo ramo do saber, de abrir-se a outros e acolher
contribuições externas, mas o objeto da história política, sendo por sua natureza
interdisciplinar, torna isso uma necessidade mais imperativa que em outros casos. É
impossível para a história política praticar o isolamento: ciência-encruzilhada, a
pluridisciplinaridade é para ela como o ar de que ela precisa para respirar.” (p. 29)

“Assim como a história religiosa se beneficiou muito das contribuições da sociologia


religiosa, a história política deve bastante às trocas com outras disciplinas: sociologia, direito
público, psicologia social, e mesmo psicanálise, lingüística, matemática, informática,
cartografia e outras de que esqueço.” (p. 29)

“A ciência política, conjugando seus efeitos com a sociologia, obrigou o historiador a


formular perguntas que renovam as perspectivas: assim, as noções de representação ou de
consenso, cujo lugar é conhecido na reflexão política contemporânea, quando aplicadas a
experiências antigas, lançam uma nova luz sobre acontecimentos e fenômenos cujo segredo
se julgava ter descoberto e cuja significação se acreditava ter esgotado” (p. 30)

“Um dos atributos de que a história à nova maneira se orgulha mais legitimamente, um de
seus títulos para pretender à cientificidade, é o de basear-se numa massa documental que ela
trata estatisticamente: foi essa história quantitativa, explorando imponentes séries de dados
numéricos, que fundamentou a suposta superioridade da história dos fatos econômicos·
tinha-se prazer em opor seu rigor objetivo ao caráter subjetivo e impressionista da história
política.” (p. 32)

“Durante muito tempo censurou-se a história política por só se interessar pelas minorias
privilegiadas e esquecer o povo, as multidões, as massas, o grande número. Talvez fosse uma
censura justificada na época em que os historiadores políticos se acantonavam na biografia
dos notáveis - mas será que eles o fizeram algum dia?” (p. 33)

“Não há história mais total que a da participação na vida política: mesmo a história do
trabalho, outra grande realidade da existência social, interessa a menos gente- a população
ativa é mais restrita que o corpo eleitoral, que parece ser a expressão mais aproximada da
parte consciente do corpo social.” (p. 33)

"Uma terceira característica manteve durante muito tempo a história política afastada, e como
que banida de uma história que pretendia com razão que sua atenção fosse proporcional à
importância do rastro que os fatos deixavam na duração.” (p. 34)

“[...] se a história das formações políticas fica mais na duração média, em compensação a das
ideologias que as inspiram está ligada à longa duração. Não vivemos nós ainda, com algumas
exceções, num universo ideológico cujos principais componentes surgiram, e cuja
configuração, no essencial, se desenhou antes da Revolução de 1848? O historiador da vida
política não pode deixar de levar em conta essa herança.” (p. 35)

“O político não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social.” (p. 35)

“Se o político deve explicar-se antes de tudo pelo político, há também no político mais que o
político. Em conseqüência, a história política não poderia se fechar sobre si mesma, nem se
comprazer na contemplação exclusiva de seu objeto próprio.” (p. 36)

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