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Cultura política, memória e historiografia,


de AZEVEDO, C.; ROLLEMBERG, D.; KNAUSS, P.; BICALHO, M. F. B.;
QUADRAT, S. V. (Org.)
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, 544p.

Diogo da Silva Roiz


Doutorando em História pela UFPR
Mestre em História pela Universidade Estadual Júlio
de Mesquita Filho
São Paulo, SP – Brasil
diogosr@yahoo.com.br

A cultura política em movimento: usos usos do passado, memória, historiografia e ensino


do passado, memória e historiografia de história.
A obra Cultura política, memória e historio- No livro em pauta são apresentados 24 ensaios
grafia é mais um dos resultados do intenso trabalho distribuídos em sete partes. Na primeira, “Cultura,
dos núcleos e grupos de pesquisa financiados pelo política e identidade”, apresentam-se quatro textos,
Pronex, por meio do projeto coletivo “Culturas po- assinados por Serge Berstein, Jean-François Sirinelli,
líticas e usos do passado: memória, historiografia Philippe Joutard e Pierre Laborie. Na segunda,
e ensino de história”. Já foram publicados os livros: “Memória e historiografia”, há três textos, de
Ensino de história: conceitos, temáticas e me- María Inés Mudrovcic, Ismênia de Lima Martins
todologia (em 2003), Culturas políticas: ensaios e Andréa Telo da Corte e o de Hebe Mattos. Na ter-
de história cultural, história política (em 2005), ceira, “Culturas políticas e lutas sociais”, há outros
Cultura política e leituras do passado: histo- três, de Juan Suriano, Jorge Ferreira, Rachel Soihet.
riografia e ensino de história (em 2007), Mitos, Na quarta, “Identidade e política”, mais quatro, de
projetos e práticas políticas: memória e historio- Maria Regina Celestino de Almeida, João Pacheco
grafia (em 2009) e A escrita da história escolar: de Oliveira, Eliane Cantarino O’Dwyer, Marta
memória e historiografia (também de 2009). Zambrano. Na quinta, “Culturas políticas no Antigo
Apenas esse fato já seria o bastante para visualizar os Regime”, mais três, de João Fragoso, Antônio Carlos
esforços coletivos que foram articulados num projeto Jucá de Sampaio, Maria Fernanda Baptista Bicalho.
comum, cujos resultados constam de seis livros. Não Na sexta, “Cultura e memória no tempo presen-
bastasse isso, os livros trazem ainda contribuições te”, mais três, de Denise Rollemberg, Samantha
individuais significativas, para os tópicos discutidos Viz Quadrat, Denis Rolland. Na sétima e última
e para o conjunto dos debates sobre cultura política, parte, “Culturas políticas e lugares da memória”,

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aparecem mais quatro ensaios, de Ulpiano Bezerra menclatura de homens e organizações ou
de Meneses, Cecília Azevedo, Ana Maria Mauad e história militar autojustificativa, centra-
Tarsila Pimentel, e de Norberto Ferreras. da principalmente nos movimentos ex-
Todos os textos, aqui reunidos, preocupam- tremistas de esquerda ou de direita, para
se, de maneira direta ou indireta, com a composição substituí-la por uma história portadora
da “cultura política” (e suas mudanças) no tempo e de sentido em que o político constituísse
no espaço, em sua relação tensa, embora constante, um elemento indissociável da evolução
com as lutas e os movimentos sociais, a identidade das sociedades humanas tomadas em seu
e a política partidária. Por esse motivo, também há conjunto […] (p. 29).
uma coerente preocupação de pensar seus desdobra-
mentos no Antigo Regime e nos lugares de memória, Para ele, o móvel “[…] principal dessa re-
além de serem pensados seus reflexos para a cultura novação consistia em aplicar à história política os
e a memória do tempo presente. Desse modo, a obra enfoques e questionamentos das ciências humanas
cobre um conjunto de temas entrelaçados por ques- e sociais, da ciência política, e os novos horizontes
tionamentos e abordagens comuns, que refletem de abertos pela voga da história cultural, em particu-
que maneira as culturas políticas de uma época, lar no campo das representações […]” (p. 29-30).
lugar ou tempo, fazem diferentes usos do passado, Servindo-se de parte desses instrumentais, Jean-
como um dos requisitos para a execução e afir- François Sirinelli visou inquirir por que houve uma
mação de suas ações perante as massas. Problema crise no pensamento intelectual engajado no final
complexo e extremamente atual, o roteiro que nos é do século passado, em que
apresentado não poderia ser melhor.
Como não há como efetuarmos uma análise […] a crise dos intelectuais é ao mesmo
consistente e pormenorizada de cada um dos textos, tempo um reflexo e um acelerador da
num espaço tão restrito como é o de uma resenha, crise das democracias representativas,
apenas esboçaremos algumas poucas ideias e cuja base eram a análise racional e a
exemplos, tiradas do conjunto. Ao circunstanciar o concorrência razoável das possibilida-
aparecimento do conceito de cultura política na his- des e cujo funcionamento corre o risco
toriografia francesa, Serge Berstein nos informa que de ser prejudicado pelas palpitações su-
seu “[…] surgimento se inscreve na vasta corrente cessivas de opiniões públicas dominadas
de renovações dos objetos e métodos da história polí- por emoções ligadas aos sons e à fúria
tica promovida na França a partir do final dos anos da cultura midiática, a qual, por sua
1960 por Réne Rémond e seus discípulos […]”, onde vez, está se tornando cada vez mais uma
se tratava de cultura-mundo […]” (p. 57).

[…] tirar a história política do impasse É nesse ínterim que Philippe Joutard apro-
em que se achava boa parte da produção veita para pensar a memória e a identidade nacio-
histórica referente a esse campo da his- nal na França e nos Estados Unidos, em vista das
tória, entre crônica factual erudita, no- transformações geradas a partir da Guerra Fria,

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que teve início no final dos anos de 1940. E Pierre livro tem sua autonomia, mas ganha ao ser lido
Laborie disserta sobre a memória e a construção em conjunto e na sequência em que foram orga-
das opiniões. nizados os outros cinco, que resultaram do projeto
Da composição da cultura política à organi- ora indicado. Nesse sentido, vale aqui mais uma
zação de um campo de estudos para pensar o po- vez chamar a atenção para o intenso trabalho efe-
lítico na conformação do social e do cultural nas tuado pelos grupos e núcleos de pesquisa, reunidos
sociedades, passa-se para o rastreamento das lógicas
ao redor do projeto “Culturas políticas e usos do
internas que perfazem o campo de relações entre
passado: memória, historiografia e ensino de his-
memória e historiografia, e seus entrelaçamentos
tória”, e que já tem nos oferecido um rico conjunto
com as culturas políticas no tempo. Daí, para o po-
de contribuições teóricas, metodológicas e empí-
tencial da cultura política também poder ser um
ricas para pensarmos as estreitas relações entre
instrumento promissor para pensar a organização
cultura(s) política(s), usos do passado, memória,
das lutas e dos movimentos sociais, de sua capaci-
dade operacional para inquirir períodos como o do historiografia e ensino de história.
Antigo Regime, assim como refletir a função e a or-
ganização dos lugares de memória (como museus,
estátuas, fotos, quadros, e nas imagens em geral, Referências
que são feitas e mantidas sobre uma época, um
ROCHA, H. A. B.; MAGALHÃES, M. S.; GONTIJO, R.
partido, um governo, um líder político etc.). Além
(org.) A escrita da história escolar: memória e
disso, vale também destacar, como a cultura polí-
historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
tica pode servir para o estudo de diferentes grupos
étnicos e culturais, na medida em que se rastreiam SOIHET, R. (Org.). Mitos, projetos e práticas políticas:
tanto a formação de suas identidades, quanto suas memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.
estratégias de organização e ação política.
Por essas e outras razões, o livro é um ______. (Org.). Cultura política e leituras do
convite a reflexão sobre a maneira como as socie- passado: historiografia e ensino de história. Rio de
dades do presente e as do passado se organizaram Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

social e culturalmente, na medida em que estabe- ______. (Org.). Culturas políticas: ensaios de
leciam suas formas de agir e pensar num conjunto história cultural, história política. Rio de Janeiro:
de estratégias sintetizadas por suas culturas políti- Mauad, 2005.
cas, estreitamente associadas e articuladas as suas ______. (Org.). Ensino de história: conceitos,
maneiras de usar o passado, para justificar suas temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da
tomadas de decisão no presente. Evidentemente, o Palavra, 2003.

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