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Artigo Original

Gênero, violência e viver na rua: vivências de


mulheres que fazem uso problemático de drogas
Gender, violence and being homeless: the experience of women and high risk drug use
Revista Gaúcha Género, violencia y la vida em la calle: experiencias
de Enfermagem de mujeres que tienen problemas de drogadicción

Márcia Rebeca Rocha de Souzaa


Jeane Freitas de Oliveiraa
Mariana Cavalcante Guedes Chagasa
Evanilda Souza de Santana Carvalhob

RESUMO
Como citar este artigo:
Souza MRR, Oliveira JF, Chagas MCG,
Objetivo: Descrever vivências de mulheres, em situação de rua, que fazem uso problemático de drogas.
Carvalho ESS. Gênero, violência e Método: Pesquisa qualitativa cujos dados foram produzidos por entrevista semiestruturada realizada com sete mulheres matricula-
viver na rua: vivências de mulheres que das em um CAPSad em Salvador-BA, no período de outubro a dezembro de 2012.
fazem uso problemático de drogas. Rev Resultados: A análise de conteúdo temática foi adotada para organização dos dados, emergindo desse processamento duas cate-
Gaúcha Enferm. 2016 set;37(3):e59876. gorias temáticas: Gênero, violência e uso de drogas: O que muda e o que se perpetua na vida de mulheres usuárias; Sem lenço e sem
doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983- documento: o viver na rua.
1447.2016.03.59876. Conclusão: Os resultados revelam a reprodução de condutas vivenciadas no contexto familiar e de construções sociais que mantêm
as mulheres em situação de vulnerabilidade para agravos sociais e de saúde, dentre eles o início e a manutenção do uso problemático
doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983- de drogas.
1447.2016.03.59876 Palavras-chave: Mulheres. Drogas ilícitas. Violência. Saúde.
ABSTRACT
Objective: To describe the experience of homeless women and their high risk drug use.
Method: Qualitative research whose data were produced by semi-structured interviews conducted with seven women enrolled in a
CAPSad in Salvador, Bahia, in the period from October to December 2012.
Results: Theme content analysis was adopted to organize the data that resulted from processing two thematic categories: Gender,
violence and drug use: What changes and what is perpetuated in the life of women users; No strings attached: life on the streets.
Conclusion: The results show that many behaviors experienced in the family context and social constructions are reproduced by
women and keep them vulnerable to social and health issues, among them the onset and maintenance of high risk drug use.
Keywords: Women. Street drugs. Violence. Health.
RESUMEN
Objetivo: Este articulo objetiva describir vivencias de mujeres usuarias de drogas.
Método: Se trata de una encuesta cualitativa, cuyos datos fueron producidos por entrevista semiestructurada realizada con siete
mujeres matriculadas en un CAPSad en Salvador-BA, en el período de octubre a diciembre de 2012.
Resultados: El análisis de contenido temático fue adoptado para organización de los datos, emergiendo de ese procesamiento
dos categorías temáticas: Género, violencia y uso de drogas: Lo que cambia y lo que se perpetua en la vida de mujeres usuarias; Sin
pañuelo y sin documento: el vivir en la calle.
a
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Escola de
Enfermagem. Salvador, Bahia, Brasil. Conclusión: Los resultados revelan la reproducción de conductas vividas en el contexto familiar y de construcciones sociales que
b
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
mantienen a las mujeres en situación de vulnerabilidad para agravios sociales y de salud, entre ellos el inicio y el mantenimiento del
Departamento de Saúde. Feira de Santana, Bahia, uso problemático de drogas.
Brasil. Palabras clave: Mujeres. Drogas ilícitas. Violencia. Salud.

Versão on-line Português/Inglês: www.scielo.br/rgenf Rev Gaúcha Enferm. 2016 set;37(3):e59876 1


www.seer.ufrgs.br/revistagauchadeenfermagem
Souza MRR, Oliveira JF, Chagas MCG, Carvalho ESS

INTRODUÇÃO pública. Neste estudo, o uso problemático é considera-


do não apenas como o uso regular de uma substância
O cuidado direcionado a pessoas que enfrentam pro- psicoativa, mas aquele que interfere no desempenho das
blemas com o uso de drogas encontra lugar, para os casos atividades da pessoa, prejudicando as relações familiares,
mais graves, no Centro de Atenção Psicossocial álcool e ou- o trabalho, a convivência(6).
tras drogas (CAPSad), dispositivo extra-hospitalar do setor Neste contexto, acompanhar mulheres que usam dro-
secundário, onde os casos recebem uma atenção multi- gas de forma problemática, em seus espaços de interação
profissional de modo a garantir a integralidade da atenção, social, possibilita conhecer elementos de vulnerabilidade e
que deve se expressar em um plano terapêutico complexo proteção aos quais estas mulheres estão expostas e que in-
e de amplo alcance(1). terferem nos seus processos de saúde-doença(3). Conhecer
A inserção da enfermeiras(os) nos serviços substituti- as especificidades de pessoas que usam drogas em seus
vos, tem exigido que estes profissionais desenvolvam um contextos de vida, instrumentaliza a enfermeira e a equipe
novo saber, construído a partir da sua atuação como agen- multiprofissional na produção de estratégias de cuidado
te terapêutico, cujas ações devem estar orientadas para singulares, ampliando a efetividades dos planos terapêu-
uma prática interdisciplinar(2). Oferecer uma assistência à ticos singulares construídos de acordo com o modelo de
saúde num serviço aberto, de base comunitária e focado atenção psicossocial, adotado pelos CAPSad.
no território possibilita, à enfermeira e aos demais profissio- Diante de tais considerações este artigo tem como ob-
nais da equipe multidisciplinar, alcançar aspectos da vida jetivo descrever vivências de mulheres que usam drogas
da clientela que não são apreendidos no contato com a no seu contexto de vida. O alcance deste objetivo constitui
clínica tradicional, e desenvolver ações que atendam as es- uma maneira de dar notoriedade às suas histórias e subsi-
pecificidades de cada pessoa assistida(3). diar a construção de intervenções efetivas.
Pensar o cuidado integral para as mulheres exige que
especificidades como as construções de gênero sejam METODOLOGIA
consideradas, tanto no que diz respeito aos aspectos re-
lacionados à feminilidade e masculinidade, quanto aos Os dados apresentados são resultantes de uma pes-
aspectos relacionados à condição socioeconômica, raça/ quisa qualitativa, vinculada a um projeto financiado pelo
cor e geração. Nessa perspectiva, as relações de poder que CNPq, Edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 32/2012, que
permeiam a interação social também devem ser conside- aborda a vulnerabilidade de mulheres que usam drogas.
radas, sobretudo no que diz respeito ao lugar que a pes- O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa
soa ocupa na sociedade, a existência de uma rede social da Escola de Enfermagem da UFBA, através da Plataforma
de suporte, inserção no mercado de trabalho, condições Brasil, sendo aprovado com parecer número 91.975.
psíquicas, dentre outros elementos(4). Para este artigo foram consideradas as informações
Na perspectiva de uma assistência integral torna-se coletadas com sete mulheres atendidas em um CAPSad,
relevante a organização/articulação entre os serviços e localizado no Centro Histórico de Salvador, através de en-
conhecimento do território no qual a mulher está inse- trevista semiestruturada. A entrevista foi guiada por roteiro
rida. Neste sentido, cabe considerar o lugar reservado ao previamente elaborado contendo questões acerca do con-
exercício da Clínica Ampliada em que o sujeito é visto em texto de vida, dos padrões de consumo de drogas viven-
suas múltiplas dimensões e necessidades sociais, econô- ciados pelas entrevistadas e das repercussões desse consu-
micas, laborais, familiares e subjetivas, compondo uma mo para sua saúde.
leitura das necessidades em saúde, em seu conceito am- A participação das mulheres atendeu aos seguintes cri-
pliado e não na concepção restritiva, biologicista. A con- térios de inclusão: estar matriculada no CAPSad, ter idade
cepção da clínica ampliada assinala para a importância igual ou superior a 18 anos, apresentar-se sem efeitos de
de se assistir às pessoas, de focar o cuidado na pessoa, substâncias psicoativas e com condições psíquicas de res-
e não nas substâncias, fugindo do estigma restritivo de ponder ao instrumento de pesquisa. Na coleta de dados
usuário(a) de drogas(5). realizada na unidade, no período de outubro a dezembro
Há necessidade de se construir respostas complexas, de 2012, cada participante escolheu um pseudônimo para
resolutivas e que garantam a integralidade da atenção, sua identificação.
sobretudo em uma sociedade na qual a violência contra O número de entrevistadas foi definido ao longo do
a mulher e o uso problemático de Substâncias Psicoati- desenvolvimento da pesquisa, sendo limitado por prazos
vas (SPA’s) se constituem em questões atuais para a saúde acadêmicos, aceitação e condições das mulheres em par-

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Gênero, violência e viver na rua: vivências de mulheres que fazem uso problemático de drogas

ticipar do estudo de acordo com critérios de inclusão, e das entrevistas e são apresentadas como panoramas, em
resistência em assinar o Termo de Consentimento Livre e que as vivências são descritas com o suporte ilustrativo de
Esclarecido (TCLE) pelo envolvimento em atos classificados trechos de falas das entrevistadas.
judicialmente como ilícitos. Embora o número de partici-
pantes seja limitado, o conteúdo das entrevistas mostrou Gênero, violência e uso de drogas: o que muda
repetição de informações sinalizando para uma possível e o que se perpetua na vida de mulheres que
saturação de dados. usam drogas
Concluída a realização das entrevistas, todas foram
transcritas na íntegra e seus conteúdos submetidos ao Os relatos das entrevistadas mostram suas trajetórias
processo de organização e análise definido pela técnica de de vida marcadas por situações de violência. Algumas re-
análise de conteúdo temática(7). O processo de análise con- feriram presenciar atos de violência conjugal contra suas
sistiu em leitura inicial de todo conteúdo das entrevistas, mães durante a infância, outras afirmaram sofrer agressões
seguido de novas leituras visando identificar pontos con- na infância e na fase adulta, conforme mostra trechos dos
vergentes e divergentes sinalizados pelas entrevistadas no relatos a seguir:
tocante a sua vivencia como pessoa que faz uso problemá-
tico de substâncias psicoativas. Os pontos foram agrupados Ele [padrasto] deu uma facada no pulmão dela [mãe]
em unidades de sentidos e permitiu a identificação de duas que quase ela morre! [...]Ele batia muito em mainha, batia
categorias temáticas: 1) Gênero, violência e uso de drogas: muito! Bateu tanto nela uma vez que deformou o rosto!
O que muda e o que se perpetua na vida de mulheres usu- (Florzinha).
árias; 2) Sem lenço e sem documento: vivendo em situação
de rua, as quais serão apresentadas e discutidas a seguir. Meu pai batia nela (mãe), batia na gente, aí eu disse a ele
que eu ia crescer e ia matar ele (Pando).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em todas as situações reveladas, a violência era pratica-
Tendo em vista a melhor compreensão das falas apre- da por uma pessoa do sexo masculino, na posição de pai
sentadas nas categorias e da discussão realizada, compre- ou companheiro. Essa situação demarca a relação desigual
ende-se como imprescindível a breve apresentação das entre os sexos, numa posição de supremacia do sexo mas-
entrevistadas, destacando os dados sociodemográficos culino sobre o feminino. Tal relação traduz a ideia de que,
apreendidos durante as entrevistas. valendo mais, o masculino tem posse sobre o feminino,
Trata-se de sete mulheres nascidas em Salvador, maio- tomando a mulher como seu objeto de pertencimento e,
ria procedente do bairro do Centro Histórico e imediações, portanto, tendo o direito de submetê-la às suas vontades,
com idade entre 31 e 59 anos. Todas as entrevistadas auto- desejos e escolhas.
declararam-se negras ou pardas e relataram baixo grau de As agressões físicas que partem do sexo masculino con-
escolaridade (fundamental incompleto). A maioria estava tra o sexo feminino e se legitimam como práticas comuns,
desempregada e sem nenhuma ocupação no momento muitas vezes banalizadas, têm a ver com todas as questões
da entrevista, referiram renda inferior a um salário mínimo de gênero socialmente produzidas e reproduzidas, que des-
adquirido através de doações de familiares e execução de tituem a mulher do seu direito de responderem por si, de
atividades informais no entorno do centro histórico. serem independentes, de exercerem autonomia sobre seus
Das sete entrevistadas, duas não tinham filhos, as de- atos e decisões. Esta construção se perpetua por gerações,
mais tinham entre dois e seis filhos. Duas encontravam-se através de instituições sociais, como a família, por exemplo(8).
em situação de rua e cinco residiam com familiares em De acordo com os relatos das entrevistadas, a violência,
casa própria. Dessas cinco, duas passavam maior parte sobretudo a violência de gênero, e o uso de drogas por
do tempo na rua. Em relação ao consumo de drogas, as mulheres são condutas que atravessa gerações e que ocor-
participantes informaram que usavam ou já tinham usado rem em toda trajetória de suas vidas de diversas formas,
as seguintes substâncias: tabaco, álcool, maconha e crack, deixando marcas físicas, psicológicas e afetivas. Marcas físi-
sendo o álcool a droga de abuso da maioria. Duas mulhe- cas visíveis nos corpos das participantes denunciam situa-
res afirmaram já terem participado do narcotráfico, com ções de violência no seu contexto de vida, assim como se-
histórico de aprisionamento. melhanças entre a própria história e a história da mãe, que
As categorias temáticas foram criadas de modo a no- também fora usuária de drogas e sofrera violência física do
mear as impressões prevalentes identificadas no conteúdo companheiro, foram ressaltadas nas entrevistas.

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Souza MRR, Oliveira JF, Chagas MCG, Carvalho ESS

[O marido] Quebrava tudo dentro de casa, me batia. mais provável que o contexto violento não seja questiona-
A cicatriz no pé já sumiu, mas o corpo é cheio de cicatriz. do, estranhado, uma vez que é previsto(11). As falas abaixo
Era garrafada, cortou por aqui assim, aqui assim [aponta ilustram esse posicionamento.
para o tórax e abdome] (Lu).
Tem mulher que fica agressiva também, mas o homem é
Às vezes eu me acho meio doidinha também! Por causa mais forte. O homem já parte pra cima, já dá facada, dá
da cachaça e por causa do tanto de porrada na cabeça pedrada e a gente mulher é mais frágil, né?(Florzinha)
[marido que batia] (Florzinha).
[...]porque ao mesmo tempo que você tá aqui com ele [ho-
Quem batia nela era um padrasto aí que ela me arrumou. mem], ele pode até, com ciúme de você, te matar (Pando)
Parecia até com Marcos, meu companheiro (Florzinha).
As entrevistas também apontaram a existência que de-
A identificação com a história materna é quase como monstram a correlação de forças entre os gêneros masculi-
se os laços de maternidade, com sua mãe falecida, se reavi- no e feminino, onde há a subjugação da mulher ao desejo
vassem na repetição da história, dando continuidade a uma do homem com coação e ameaça, conforme trecho abaixo.
marca familiar de violência. Ter acompanhado as agressões
vividas por sua mãe, vivenciar as mesmas situações e estar Ele dava tapa na cadeira do bar e eu sentada na cadeira.
em situação de rua, fazem com que esta mulher legitime a E dava cada tapa e gritava: bora! Você vai embora agora
violência como um caminho já traçado, como algo deter- comigo (Néia)
minado na relação entre ela e seu companheiro(8-9).
De acordo com as entrevistas realizadas, principalmen- Enquanto usuária de substâncias como o crack, as mu-
te em relação às mulheres em situação de rua, foi percebida lheres também se expõem a situações de violência nas ce-
uma exclusividade da violência reservada ao companheiro, nas de uso, como quando é contratada para acompanhar
que estabelece com ela uma relação objetal, em que o cor- um homem durante o uso de drogas e para comprar dro-
po da mulher é alvo de diversas formas de agressão(10). Essa gas, servindo de “avião” (repassadora de droga). Uma das
exclusividade só é compartilhada com a polícia, que pro- entrevistadas descreveu uma vivência quando ela, muito
tagoniza a violência institucional, muitas vezes através de confiante, engana o homem que a contratou, e quase per-
ações inebriadas por uma conduta militarizada, moralista e de a vida, demonstrando ousadia e dificuldade de mensu-
conservadora que tem por objetivo o controle social. rar o perigo.

A violência que eu sofri foi do próprio marido que eu arru- Aí me botou ajoelhada e escalou a arma na minha cabeça
mei. Fora ele não lembro de mais ninguém não...acho que assim. Disse que eu tinha roubado ele e que eu ia morrer.
nunca passei! [pausa] Ah... da polícia já sofri! Das vezes [...] Eu já cansei de me pedirem pra comprar cocaína e eu
que eu tava bêba e a polícia me pegar pra eu poder jogar cheirar no meio do caminho e entregar só um pouquinho
minha cachaça fora e eu dizer um bocado de desaforo e ao cara e ele desconfiar, ó paí? (Lucinha).
ele por ter o poder dele, não querer me escutar e aí partir
pra cima, me dar tapa, me dar bicuda! (Florzinha). O relato acima ilustra um ato de “malandragem” de
mulheres usuárias de crack sobre homens que solicitavam
Fica evidenciado no relato o lugar de poder do agressor seus serviços seja como profissional do sexo, seja como
e a relação desigual que se estabelece. Tendo em vista as “avião”, ludibriando-os. Atos de “malandragem” como esse
desigualdades de gênero que permeiam esta problemá- foram descritos apenas por mulheres usuárias de crack, o
tica, entende-se que esta é uma violência que se dá em que nos permitiu inferir que o lugar social ocupado por
função de sua condição de desvalia social, por ser mulher, determinada substância psicoativa está relacionado com
negra, moradora de rua e usuária abusiva de álcool e crack. a manutenção ou inversão da estrutura de gênero social-
Além disso, há nas falas das mulheres a representação mente estabelecida e a ocorrência de violências na relação
do homem como agressor provável, indicando que elas entre homens e mulheres.
esperam que ocorram atos violentos na relação com o A análise das falas das mulheres entrevistadas permitiu
gênero masculino. Quando uma crença ganha contornos a observação de diferenças de comportamento entre as
de certeza, como na expectativa da agressão masculina, se mulheres que usam crack e as que usam álcool, como se
torna mais difícil exigir um comportamento diferente e é o tipo de droga guardasse um lugar para quem a utiliza.

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Gênero, violência e viver na rua: vivências de mulheres que fazem uso problemático de drogas

As drogas são substâncias inanimadas, meros objetos, mas Eu não tava nem usando e ele vinha falando coisa. Dizia:
quando os humanos se relacionam com elas, essas subs- Você é vagabunda mesmo, rapaz! Você é sacizeira, você
tâncias ganham significados, se tornam símbolos. A estas é drogada! Aí eu... perai que vou te mostrar agora quem
substâncias são atribuídos poderes e culpas lhes são depo- é sacizeira e vagabunda. Ai eu peguei e fiquei na minha.
sitadas, já que a pessoa humana atribui significado, cons- Quando a gente tava em casa que eu vi ele dormindo eu
trói lugar para aquilo com o que se relaciona. peguei e joguei álcool e toquei fogo. Eu já botei fogo nele!
Quando se fala de usuárias de álcool e crack não sig- Já botei e me arrependo, ele quase morre. Mas eu já toquei
nifica que só façam uso dessas substâncias, significa que fogo, já joguei água quente nele, já fiz coisa que Deus du-
apesar de sua trajetória de consumirem diferentes tipos de vida (Lucinha).
drogas, elas estabeleceram uma relação prejudicial com
uma ou com outra, ou seja, elas conseguem identificar os Nesse caso, o padrão de resposta às brigas conjugais,
prejuízos relacionados ao consumo dessas drogas em es- aos desentendimentos é um ato violento partindo da mu-
pecífico, apesar de consumirem outras substâncias. lher. A mulher que usa crack, ao tornar-se abstinente, perde
Nos relatos de Lucinha, abaixo, é possível relacionar o seu lugar de usuária “capaz de tudo” aos olhos do marido, e
tipo de droga utilizada e o lugar que ela ocupa num con- percebe uma mudança no comportamento dele, sinalizan-
texto de relações violentas. do que a visão que seu companheiro tem dela se relaciona
com o uso que ela faz do crack.
Ele vinha me bater, eu não deixava aí rolava faca, rolava
fogo. Teve uma vez que eu botei fogo nele, piquei ferro Eu não sei porque ele está assim comigo. Agente tá brigan-
quente nele, já fiz cada coisa horrível com ele. do muito. Briga mais, muito mais do que quando eu tava
usando. Ele enche minha paciência, fica me xingando em
Teve uma vez que ele quase me mata. Me deu um mur- casa. Engraçado que quando eu fumava crack ele não era
ro de pedra no pé do meu ouvido. A gente se embolou no assim [...] As vezes eu acho que ele tinha era medo de mim.
chão. Aí eu peguei uma garrafa de vidro que eu achei na Por isso não brigava tanto. Agora não. Agora ele sabe que
hora, quebrei e meti nele. eu não tô usando e tá botando as asinhas de fora (Lucinha).

A fala de Lucinha marca uma mudança de posição da Nessa passagem fica clara a relação entre o uso do cra-
mulher, que deixa de ser vítima e passa a ser a agressora. Ela ck, o imaginário social que o acompanha e as relações que
inverte a relação de poder esperada e subjuga o homem, se estabelecem. Diante disso e para reforçar seu lugar na
assumindo um papel diferente do habitual. É importante relação ela volta a reagir como de costume, apontando
ressaltar que existe um contexto de violência, em que o que mesmo sem a droga, a mulher leva consigo o seu lega-
homem ameaça agredir a mulher, como ocorre usualmen- do social, como se tivesse assumido as características que o
te(11), mas a diferença é o que se concretiza, uma agressão imaginário social atribui à substância consumida.
partindo da mulher, que reage ao sexo oposto. Segundo a
entrevistada, as agressões são de ambos os lados, mas ela Ele me pirraçou tanto, tanto que não aguentei e botei fogo
sempre reage de forma violenta, com danos também para nele de novo (Lucinha).
ele. Importante destacar que, neste caso, o homem não é
usuário de substância psicoativa. Diante disso, torna-se importante refletir sobre os ele-
O uso abusivo de crack, embora esteja relacionado mentos envolvidos no funcionamento específico das usu-
com o baixo limiar de tolerância, não determina ação vio- árias de crack. Para tanto, há que se considerar os efeitos
lenta. A droga, no caso, funciona como “gatilho” disparador químicos dessa substância, estimulante do sistema nervo-
da violência como atitude de uma mulher que tem pouco so central, aceleradora do pensamento e da capacidade de
ou nenhum recurso de defesa, que está isolada de sua rede raciocínio, que tira o sono, o frio, a fome, e dá coragem a
social e que é vítima de diferentes tipos de violência de quem usa. Essa droga induz à ação, acelera o tempo das
gênero por ser mulher, negra e ser usuária de crack. coisas e insere quem usa a esse tempo acelerado. Esses ele-
A adoção de atos violentos é, claramente, uma respos- mentos podem gerar uma diminuição da capacidade de
ta as suas frustrações e desagrados, mesmo sem a mulher esperar, que é desacelerar o tempo; de tolerar, de aceitar,
estar sob efeito do crack ou em fissura(12), como no caso de aguardar, porque para quem está estimulado, o que im-
em que Lucinha estava abstinente e seu companheiro a porta é o agora. Seus desejos e vontades devem ser satis-
ofende, conforme relato abaixo. feitos nesse tempo, de forma frenética(12).

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Os elementos sociais atribuídos a essa droga não tem mais graves. Embora os focos de atenção nos serviços
necessariamente relação com seus efeitos químicos. São de saúde sejam os efeitos diretos do consumo abusivo
efeitos criados, construídos pelo imaginário social, que atri- das drogas, estes espaços se tornam bastantes oportu-
bui características que, muitas vezes, não tem relação com nos para o levantamento de problemas relacionados à
o real. Esse imaginário social acontece em contextos sócio- violência de gênero(15)
-político-econômicos, e tem a mídia de massa como um
de seus principais alimentadores. No imaginário social, as Sem lenço e sem documento: o viver na rua
pessoas que usam crack tendem a ser vistas como agres-
sivas, que podem roubar, cometer atos ilícitos, se descon- Para a maioria das pessoas a rua é um lugar público.
trolar, matar. A entrevistada cujas falas foram destacadas Na verdade é mais uma extensão que liga lugares, que liga
anteriormente, diante dessa representação, assume esse pontos para onde as pessoas se deslocam. A rua é isso,
papel e faz o que é esperado que ela faça(13). apenas uma ponte, uma via de deslocamento, formada por
Por outro lado, as mulheres que consomem álcool de calçadas, marquises, pontos de ônibus, frentes de padaria,
forma problemática apresentaram comportamento opos- praças, jardins e largos. São todos espaços temporários, de
to em relação às usuárias de crack. As falas das entrevis- permanência restrita, passageira. Essa rua, sendo de passa-
tas, destacadas abaixo, retratam o desejo de vingança das gem, é de todos e é de ninguém.
agressões sofridas por seus parceiros. Quando a reflexão faz lembrar aquelas pessoas que vi-
vem nas ruas, o substantivo ninguém, não perde lugar, pois
Até o dia que ele me tocar a mão e eu pegar e “vup”, tocar são os “joãos-ninguéns” e as “marias-quaisquer” que habi-
fogo e ele morrer logo de uma vez. Jogar um álcool pelas tam essas pontes tortuosas. A rua não é lugar do privado,
costas, e queimar a cara, lascar a cara dele toda. Já me não é lugar de construir a vida, ou pelo menos não deveria
deu vontade de fazer tanta perversidade... dar chumbinho! ser, mas para alguns é.
(Florzinha) Na rua, o privado, a privacidade, o pudor, se desman-
cham e o corpo é entregue à rua e a vida se torna públi-
Eu vou armar uma pra ele, pra ele ver, vou aprontar uma ca. Quando se fala de pessoas em situação de rua cabe
com ele bem aprontado! Vou tocar fogo [na casa] com ele ressalvar a distinção de se viver na rua, sendo homem ou
dentro (Isa). mulher. Há diferenças marcantes do impacto de se viver
na rua, que é incontestável para ambos os sexos, mas que
As falas apresentadas apontam para diferenças nas re- se expressa de modo mais cruel sobre as mulheres. Não
lações de gênero estabelecidas por mulheres que usam por um acaso, mas pelo simples fato de que ser mulher,
crack e mulheres que usam álcool de forma problemáti- sem estar na rua, já impõe uma condição de maior vulne-
ca. Aquelas que usam álcool ocupam o lugar de vítimas rabilidade, em função da sociedade machista e da relação
de agressões, de ameaças e de situações de coação, são de poder desigual entre os sexos, a condição de rua ape-
subjugadas e submissas aos homens, de diferentes formas. nas agrava essa problemática(16).
Planejam se vingar, identificam as agressões, se queixam, Quando a condição de estar na rua se soma ao gênero
mas não conseguem romper as relações violentas, das feminino e a condição de usuária de drogas, tem-se uma si-
quais são vítimas. As usuárias de crack subvertem esse lu- tuação complexa, de difícil intervenção e manejo. Ser uma
gar, e não respondem ao esperado socialmente, assumin- pessoa que faz uso problemático de drogas ilícitas significa
do a máscara de usuárias de crack criada pelo imaginário carregar marcas sociais, estigmas que reduzem a pessoa a
social. Elas invertem a relação de poder entre os gêneros, esse status, conforme mostra a fala abaixo.
reagindo às ameaças e ofensas e agredindo verbal e fisica-
mente seus companheiros. As pessoas falam: ali! Lá vai a cachaceira beber, ali! Eles fa-
A violência por parceiro íntimo tem sido freqüente lam o xingamento pra mim não pro lado da droga, é mais
entre pessoas que usam drogas e é tradicionalmente as- pro lado da cachaça porque eles sempre me vêem mais
sociada com um homem-agressor e uma mulher-vítima. “bêba” do que com os zoião de crack (Florzinha).
Contudo, a ocorrência de violência também parte de
mulheres contra homens. Estudo recente apontou que Na fala acima a entrevistada considera o estigma de
duas a cada três mulheres que usavam drogas haviam usuária de álcool menos danoso, já que esta é uma droga
cometido violência contra seu parceiro íntimo(14). Esse com aceitação social, apesar de o uso abusivo ser conde-
tipo de violência foi relacionado a perfis de dependência nado. Para as entrevistadas, os danos gerados pelo uso de

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Gênero, violência e viver na rua: vivências de mulheres que fazem uso problemático de drogas

drogas estão mais relacionados com sua condição de ilici- em que ocorre violência sexual, conforme explicitado
tude e estigmas sociais do que com os efeitos propriamen- no trecho abaixo.
te ditos, conforme trecho destacado abaixo.
Aproveitador! Porque uma pessoa que ta vendo uma mu-
E eu perdi a sociedade das pessoas, porque quase nin- lher bêba, e fica querendo encarnar demais, se não for pra
guém confia em quem é usuário assim, né? Quem usa roubar é pra se aproveitar. Eu já fui muito roubada assim...
crack pra eles é ladrão, é prostituta e nem sempre é assim, Aproveitar... vai dormir na rua...”bêeeba”... aí na hora que
né? Eu não me acho uma pessoa mal porque eu uso droga você dorme, ele vai ali, dali já quer se aproveitar na rua
(Florzinha). mesmo (Ninha).

A criminalização do consumo de drogas exacerba o es- O álcool sendo uma substância depressora tem efei-
tigma e produz processos de exclusão que aprofundam a tos semelhantes à diversos medicamentos usados para
marginalização das pessoas que usam substâncias ilegais. tratamento de transtornos mentais que, de igual forma,
Por isso é preciso atentar para que as mesmas instituições deprimem o sistema nervoso central, causando sonolên-
criadas para controlar o uso da substância e oferecer apoio cia e rebaixando os reflexos. Segundo as entrevistadas,
às mulheres que consomem não adotem processos de in- as mulheres em situação de rua, sem companheiro e sob
teração que contribuam para ampliar a discriminação(17). efeito de substâncias depressoras como o álcool e/ou me-
Estar na rua significa se expor. Não há disfarce, não é dicamentos tem maior risco de sofrerem violência física e
possível disfarçar uma relação de uso abusivo de álcool, sexual. Isso também por que as mulheres que consomem
como seria para alguém com privacidade garantida em álcool são vistas como promiscuas enquanto as que conso-
uma residência. Uma vez tendo sua vida e sua intimidade mem crack são vistas como agressivas.
exposta na rua, com uma lógica de organização pessoal e As mulheres deste estudo trazem consigo as histórias
social peculiar, pressupõe-se a complexidade e singulari- que as formaram, que as instrumentalizaram e ensinaram
dade da atenção à saúde da população em situação de rua, como se relacionar. A família deixa marcas, que podem ser
em especial das mulheres. de desamparo, e nesse momento a rua se torna um lugar
O estigma decorrente do uso da droga, associado para onde ir(19), conforme a fala abaixo.
a vida nas ruas e a passagem pela policia tendem a
aumentar as necessidades das mulheres para os servi- E aí quando eu to em casa, ela fica... ela quando não quer
ços sociais e de saúde e, ao mesmo tempo, restringe o que eu fique lá ela fica dando piada, fica esculhamban-
acesso a esses serviços. Embora o estigma das drogas do, fazendo um bocado de coisa, aí eu não me sinto bem,
atinjam tanto as mulheres quanto os homens, o grau é sinto desconfortável, ai ela faz de tudo pra eu ou beber ou
muito maior para as mulheres por causa de estereótipos sair, ai eu saio. (Ninha)
baseados no gênero que mantêm as mulheres com pa-
drões diferentes(18). Muitas vezes o projeto de abandonar as ruas se re-
Os serviços de saúde que prestam assistência às mulhe- produz como um abandono de si, marcando sucessão
res em situação de rua devem, portanto, se instrumentali- de tragédias, e seguindo por um caminho que parece
zar, para garantir um cuidado integral. Acompanhar essas ter a morte como certa. A fala destacada abaixo apon-
mulheres, seguir seus passos, conhecer onde dormem, ta um adiamento da morte que, no caso dessa partici-
como comem, com quem se relacionam, o que acham da pante, se concretiza dois dias depois da realização da
vida, o que sonham, tudo isso só pode ser feito com a apro- entrevista.
ximação dos profissionais a esta população(1).
Quando se fala de mulher que faz uso problemático O carro matou ele (o seu pai) bêbado, atropelado... Eu
de drogas, em situação de rua, com comorbidade psi- também já fui atropelada um bocado de vezes...Um bo-
quiátrica, e necessidade de uso de medicação, a equipe cado de vezes depois que meu pai morreu. Mas não morri
de saúde que a assiste deve pensar em estratégias de ainda, essas cicatrizes aqui no meu rosto foi tudo atropelo.
cuidado que não aumentem sua vulnerabilidade, como (Ninha)
por exemplo, o uso de medicação que induza o sono.
Caso a equipe não tenha um olhar ampliado sobre o A funcionalidade das drogas para quem mora nas
caso, não faça uma escuta sensível, poderá gerar graves ruas configura mais um ponto importante a ser desta-
prejuízos ao invés de construir cuidado, como no caso cado, principalmente no que se refere ao crack. O crack

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Souza MRR, Oliveira JF, Chagas MCG, Carvalho ESS

foi mencionado como substância de abuso pela maioria necessidade de conhecer especificidades da vida de pes-
das mulheres entrevistadas e por todas em situação de soas que usam drogas e que vivem em situação de rua
rua. Sendo uma substância estimulante, capaz de produ- na perspectiva de desenvolver ações de saúde singulares,
zir respostas às demandas de quem está na rua, o cra- pautadas nos princípios de integralidade, equidade e uni-
ck deixa pessoa em alerta, afasta o medo, cessa a fome, versalidade, tendo por base o respeito à pessoa humana.
tira o sono, acelera o pensamento, dá coragem e prepara
para a ação. Desse modo o crack se constitui numa droga REFERÊNCIAS
funcional para quem está em situação de rua, sobretudo
para as mulheres, que estão expostas aos diversos tipos 1. Merhy EE, Feuerwerker CM, Cerqueira MP. Da repetição à diferença: cons-
de violência(13). truindo sentidos com o outro no mundo do cuidado. In: Franco TB, organi-
zador. Semiótica, afecção & cuidado em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010.
Pra mim o crack era melhor porque me deixava na ati- p. 60-75.
2. Vargas D, Oliveira MAF, Duarte FAB. A inserção e as práticas do enfermeiro no
va, na atividade! Vendo alucinações. E a maconha já me
contexto dos Centros de atenção psicossocial em álcool e outras drogas (CAPS
deixava lerda, querendo dormir, aí eu larguei a maconha!
AD) da cidade de São Paulo, Brasil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 [citado
O crack deixa a pessoa em acesa, pronta para reagir. O 2016 ago 28];19(1):1-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n1/
povo aqui usa o álcool para tirar a dor, dar alegria e dar pt_16.pdf.
coragem para falar o que quiser e quando eu bebo na in- 3. Souza MRR. Repercussões do envolvimento com drogas para a saúde de mu-
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Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Con-
tos de liberdade, ela é permeada por sentimentos de apri-
ferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de
sionamento, de vulnerabilidade, de falta de perspectivas. Caracas; 2005 nov 7-10, Brasília (DF), Brasil.
O lugar das pessoas que vivem nas ruas é sempre de um 6. Hart C. Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa
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singulares e mais efetivos, direcionando, também, a cria- 11. Monteiro CF, Souza IE. Vivência da violência conjugal: fatos do cotidiano. Texto
ção de novas estratégias para o cuidado interdisciplinar Contexto Enferm. 2007 jan-mar [citado 2013 out 28];16(1):26-31. Disponível
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12. Francke, ID. Negligência na infância em usuárias de crack: estudo longitudinal
multiprofissional.
sobre a gravidade da abstinência e sintomas depressivos durante a desintoxi-
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como reconhecer como esses padrões afetam a saúde das 2013 out 27];20(2):378-83. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/
mulheres que fazem uso de drogas. É evidente também a v20n2/pt_22.pdf.

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Gênero, violência e viver na rua: vivências de mulheres que fazem uso problemático de drogas

14. Arteaga A, Fernández-Montalvo J, López-Goñi JJ. Diferencias en variables de 17. Schomerus G, Lucht M, Holzinger A, Matschinger H, Carta MG, Anger-
personalidad en sujetos adictos a drogas con y sin conductas violentas contra la meyer MC. The stigma of alcohol dependence compared with other men-
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15. Arteaga A, López-Goñi J J, Fernández-Montalvo J. Differential profiles of drug- Apr;46(2):105-12.
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16. Gontijo DT, Medeiros M. Adolescência, gênero e processo de vulnerabilidade/desfiliação Prev Policy. 2009;4:10.
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Rev Baiana Saúde Pública. 2009 out/dez [citado 2013 out 27];33(4):605-17. Disponível lência sobre o suporte e apoio recebido em seu contexto social. Texto Contexto
em: http://inseer.ibict.br/rbsp/index.php/rbsp/article/viewFile/292/pdf_105. Enferm. 2010 jul/set;19(3):417-24.

Autor correspondente: Recebido: 13.12.2015


Márcia Rebeca Rocha de Souza Aprovado: 26.09.2016
E-mail: marciabek@hotmail.com

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