Você está na página 1de 3

Considerações sobre a datação por radioisótopos

(resposta a uma postagem de um blog de Geologia onde se opunham criacionistas e evolucionistas)

Independentemente de eventuais fanatismo de um lado ou de intolerância religiosa do outro, há


grandes problemas nos métodos de datação por radioisótopos, o que não impede sua larga
utilização por cientistas do mundo inteiro: ainda é o que a comunidade científica dispõe de melhor,
especialmente a datação por ¹⁴C, isótopo radioativo do carbono que é encontrado em quantidades
relevantes nos materiais orgânicos do planeta, com meia-vida adequada à datação de materiais
mortos há no máximo algumas dezenas de milhares de anos. O relógio do carbono tem sido
ajustado desde que foi criado. A Arqueologia não seria a mesma sem ela. Seus princípios: Taxas
de decaimento e concentração na atmosfera constantes.

E nessa ideia se tem apostado há quase um século, afinal, não foi criado nada que pudesse
aposentar o velho e bom Carbono 14.

No entanto, o terreno da datação não é tão belo e fértil como se poderia pensar. Resumo a seguir
um pouco da novela.

Por conta da meia-vida do ¹⁴C, que é de 5730 anos, fala-se em tetos de datação entre 50 e 70 mil
anos e, com o desenvolvimento da Espectometria por Aceleração de Massa (separação e
contagem), chega-se a falar em 100 mil anos AP ("antes do presente", sendo o "presente" o dia de
01/01/1950, época em que começaram os testes nucleares). Os mais conservadores dão tetos
muito mais modestos, mesmo com a tecnologia AMS.

Um rápido relance no gráfico da curva de calibração IntCal13 (materiais terrestres do Hemisfério


Norte) nos dá uma ideia do problema enfrentado pelos usuários dos mais de 250 laboratórios de
datação por ¹⁴C espalhados pelo mundo. Uma imprecisão no método pode produzir algumas
décadas ou no máximo séculos de erro, não milhares ou milhões de anos, como alguns costumam
pensar.

A primeira questão é: Se a taxa de decaimento do ¹⁴C é constante, não seriam necessárias curvas
de calibração. No entanto, diferentemente disso, são sim necessárias, e se tratam de complexas
curvas. Fato. Um baita quebra-cabeça.

Salvo por uma ou outra pequena alteração, já internalizada pelas curvas de calibração (e.g.
IntCal13, Marine13 e SHCal13), a concentração do ¹⁴C na atmosfera teria se mantido estável ao
longo das últimas dezenas de milhares de anos e as únicas alterações realmente relevantes teriam
ocorrido recentemente, por conta do homem, de 60 anos para cá, que são:

1) Os testes nucleares das décadas de 50 e 60. Esses eventos, inclusive, praticamente


invalidaram o método para datas recentes. Por exemplo, a datação por radiocarbono apenas
consegue informar à investigação forense ou policial se um cadáver pertenceu a uma pessoa
falecida antes de 1950 ou depois disso, por conta da baixa ou alta concentração do isótopo.
Ou seja, mesmo com toda monitoração atmosférica registrada nas últimas 6 décadas, o que
possibilitaria uma precisa calibração da curva pós-bomba, o método não nos permite
precisar se um cadáver possui 20, 30 ou 60 anos;

2) A alta emissão de dióxido de carbono pobre em ¹⁴C pela queima de combustíveis fósseis.
Dra. Heather Graven tem se destacado nesse estudo, alertando para um possível fim da
datação por carbono daqui a algumas décadas (ver a edição nº 31 da Revista PNAS de
2016).

Na primeira situação se configurou excesso de ¹⁴C na atmosfera e na última o oposto, ambas a


débito do método de datação por carbono dos materiais orgânicos cuja morte se imagina ter ocorrido
de 1950 em diante (adiante comentarei sobre a pré-moldagem de datas). Seria razoável sugerir que
há uma certa possibilidade de alterações significativas na concentração de ¹⁴C na atmosfera nos
últimos 50 mil anos não terem se resumido apenas às duas citadas.
A ideia de que todas essas variações teóricas só fariam esticar as idades atualmente calculadas
(como vejo alguns defenderem) também é difícil de se sustentar, pois o risco de fenômenos naturais
com impacto na produção ou na taxa de decaimento do ¹⁴C terem ocorrido existe tanto para a
majoração como para a redução das idades calculadas e desses dados, infelizmente não dispomos.

Interessante o que dizem Reimer et alii, autores da versão atualmente homologada da curva de
calibração do ¹⁴C, na introdução da publicação desta:

"Hence, a calibration is required, which, to be accurate and precise, should ideally be based on na
absolutely dated record that has carbon incorporated directly from the atmosphere at the time of
formation."

As palavras "ideally", "absolutely dated" e "directly" nos trazem um pouco da idéia que queremos
transmitir.

Nesse ponto, reside o principal problema do método: A calibração será bastante precisa ("accurate")
'sempre' que se dispuser de dados precisos a respeito da atmosfera de um determinado período.
Salientei o 'sempre' pelo que já vimos do "pós-bomba". Mesmo tendo dados atmosféricos com largo
registro nas últimas décadas, estes se mostram estéreis à produção de curvas confiáveis. Se com
toda a monitoração atmosférica atual, não consigo calibrar com precisão uma curva, a dificuldade
se multiplicará com a falta de dados atmosféricos das longínquas datas supostamente tangíveis
pela datação por ¹⁴C (p.ex. 10 mil anos) e a ideia de que de 100 anos para trás as taxas se
mantiveram estáveis, visto que a ação do homem era pequena, é improvável.

Contaminação e manipulação de amostras são graves problemas também, a que não me aterei.

Para estimar e transpor as alterações ocorridas nos últimos séculos para o relógio do carbono, o
trabalho tem sido duro: variação no campo eletromagnético da Terra de acordo com época e local,
variação no fluxo de raios cósmicos na atmosfera (por época e local), efeito reservatório (por época
e local), alterações geológicas por catástrofes naturais, tudo facilmente mensurável no presente,
mas não para períodos de 15, 20 mil anos atrás (lembrando que a transição do Pleistoceno para o
Holoceno ocorreu dentro da escala de tempo do Carbono).

Mas como disse, é o que temos de bom para o momento e a datação por Carbono 14 ainda é a
mais confiável. E, se a curva de calibração produz uma variação de no máximo 10% na idade do
carbono e não milhões de anos, variação esta que tornaria o método pouco útil, talvez o melhor seja
encerrarmos o assunto.

Ainda não, contudo.

A datação por ¹⁴C não é a única por decaimento utilizada no meio científico, até porque sua meia-
vida é relativamente curta, especialmente para a Paleontologia e Geologia, por exemplo.

Abaixo, alguns dos radioisótopos mais utilizados e suas respectivas meias-vidas:

Potássio⁴⁰: 1,26 x 10⁹ anos


Rubídio⁸⁷: 48,8 x 10⁹ anos
Urânio²³⁸: 4,47 x 10⁹ anos
Tório²³⁰: 75.380 anos

Observe: De um radioisótopo de meia-vida de 5.730 anos, presente em praticamente tudo que viveu
no planeta nos últimos milênios, calibrável por registros históricos, dentre outras vantagens,
pulamos para radioisótopos mais raros em materiais orgânicos e com meias-vidas centenas de
milhares de vezes maiores que a do ¹⁴C, com exceção do Tório²³⁰, que é utilizado na datação de
materiais oceânicos.
Dessa forma, tudo que viveu (a produção do ¹⁴C se dá em vida e seu decaimento, que é o
mensurável, na morte) há mais de 50 mil anos fica relativamente órfão de métodos radiométricos
diretos ou absolutos.

Nessa lista se incluem os dinossauros e os espécimes mais antigos da linha evolutiva do homem,
todos pobres em Potássio ou Rubídio e supostamente, "zerados" de Carbono. Ao pesquisar o
acervo online de revistas científicas sérias pelo mundo, não encontraremos nenhum estudo
indicativo de que houve datações por Carbono 14 de ossos de dinossauros ou de restos dos demais
espécimes citados (australopithecus, "Lucy", etc) e para isso a resposta é simples: Esses animais
viveram na Terra há milhões de anos, portanto os traços de ¹⁴C seriam em quantidades
imensuráveis, o que descartaria a priori a utilização do método.

Sabemos também que os processos de datação radiométrica danificam parte dos fósseis, mas esse
em tese não seria o principal problema, já que a primeira resposta seria suficiente para o descarte
a priori do método.

Mary Schweitzer encontrou tecidos moles e células vermelhas em ossadas de dinossauros,


recentemente (bastante divulgado na mídia internacional). Dezenas de estudos não reconhecidos
pela comunidade científica tem acusado idades de ossadas de dinossauros caindo de milhões de
anos para algumas dezenas de milhares, com apresentação de quantidades relevantes de ¹⁴C. A
comunidade científica (geólogos, paleontólogos, etc) rejeita esses resultados.

Encontrar ¹⁴C em ossadas de dinossauros resumir-se-ia a uma coisa: contaminação por carbono
moderno ou de idade intermediária, afinal, essas ossadas tem milhões de anos. Com razão, a
comunidade científica considera perda de tempo tanto procurar carbono em tais fósseis como
encontrá-lo em quantidade relevante nesses materiais.

Um dos parceiros de Schweitzer, o Jack Horner que auxiliou Spielberg na série de filmes Jurassic
Park, foi convidado por um programa de Rádio de cunho religioso de Denver (cidade norte-
americana) a promover testes de carbono na ossada do T. Rex onde foram encontrados os vestígios
de sangue do parágrafo anterior. Seria necessário alguém de renome para encabeçar tamanho
empreendimento, na visão do radialista que entrou em contato com Horner. Naturalmente, recusou,
afinal dar as caras na comunidade científica com um laudo de carbono de um tiranossauro seria
expor-se ao descrédito ou a rotulações negativas diversas.

E provar que o ¹⁴C encontrado em tais materiais não é fruto de contaminação seria bagunçar a
escala cronológica de todas os métodos de datação e reescrever a história, voltando a tornar sem
respostas uma série de questões. O melhor é manter as coisas do jeito que estão. Como disse,
detalhes na curva de calibração do carbono não dariam conta de distorções de milhares ou milhões
de anos, como gostariam alguns simpatizantes do relato da Bíblia judaico-cristã, mas tais detalhes
são fissuras em um método que é pilar de uma série de postulados científicos largamente aceitos
atualmente e cuja imperfeição somada à falta de dados atmosféricos antigos nos dão sinais de que
esse método pode estar equivocado, a despeito do grande esforço empreendido nas últimas
décadas.

Meu discurso vai em apenas uma direção: devo ser cauteloso ao defender a infalibilidade do método
de datação por qualquer que seja o isótopo radioativo e menos intolerante com os que o criticam.

Jeú Dourado, 2016

Você também pode gostar