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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420


25 e 26 de setembro de 2012

O VALOR PATRIMONIAL DO ESPAÇO PÚBLICO: A PRAÇA DA BANDEIRA


E SEU ENTORNO EDIFICADO – ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE BARRA
MANSA – RJ

Helena Vilela Santos Maria Cristina da Silva Schicchi


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-graduação em Urbanismo
CEATEC CEATEC
hevsantos@hotmail.com cristina.schicchi@puc-campinas.edu.br

Resumo: pelo paisagista Auguste François Marie Glaziou, no


Esta pesquisa tem como objetivo estudar as trans- século XIX. Esse conjunto caracteriza-se por possuir
formações da Praça da Bandeira e seu entorno edifi- uma arquitetura neoclássica, também denominada
cado, em especial, três edifícios históricos que datam como arquitetura da corte, por ter sido este o estilo
do século XIX, que juntos formam um conjunto arqui- predominante nos edifícios oficiais durante o império.
tetônico significativo para a cidade de Barra Mansa. Porém, a cidade de Barra Mansa não conservou o
Tendo em conta exemplos de preservação já reali- seu centro histórico, que muitas vezes foi tido como
zados no Brasil e no mundo e a discussão teórica “velho” [3] e seu patrimônio, foi abandonado.
sobre a preservação de paisagens culturais e de
espaços públicos, o levantamento da história e das Reigl [4] usa um termo valor de época para aquilo
características de uso e ocupação da praça e dos que é “arraigado puramente em seu valor como me-
edifícios, pretende-se obter um diagnóstico do con- mória (...) (que) surge da nossa apreciação do tempo
junto, discutindo a forma como têm sido preservados decorrido desde que [a obra] foi realizada e que car-
até o momento. Como resultado, foi possível discutir regou sinais da idade”
parâmetros de preservação que possam contribuir Em sua história, a população de Barra Mansa man-
para a conservação e reabilitação desta área, além teve o valor de época para o conjunto, embora os
de evidenciar o valor patrimonial desse conjunto para desgastes, com o tempo, tenham ficado expostos.
a cidade, promovendo a reabilitação do mesmo a Foram empreendidos trabalhos de preservação de
partir da discussão de uso de cada um dos edifícios áreas urbanas e sítios históricos na década de oiten-
do entorno e da própria praça. ta. Nessa época a antiga Estação de Ferro da cidade
foi incendiada e a prefeitura pretendia ali construir
um novo viaduto para a cidade. Revoltados com a
Palavras-chave: Paisagem cultural, patrimônio ur-
decisão um grupo de intelectuais e outros cidadãos
bano, espaço público, Barra Mansa, gestão do patri-
se reuniram numa campanha em prol do tombamen-
mônio.
to do edifício. Muitos pedidos foram enviados ao
Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplica- INEPAC –Instituto Estadual do Patrimônio Cultural –
das. Área: Arquitetura e Urbanismo. Sub-Área do até que o tombamento ocorreu no ano de 1989, se-
Conhecimento: Urbanismo. guido da restauração do imóvel que foi financiada
pela Indústria Nestlé, àquela época presente na ci-
dade.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos os edifícios tiveram diversos u-
sos, perdendo suas características originais. Suas
Tendo sido uma das cidades de grande importância funções iniciais foram se alterando à medida que
durante o império, Barra Mansa possui um rico con- ocorriam transformações no espaço e principalmente
junto arquitetônico que não se limita apenas a edifi- na cidade. A ideia de conjunto é também dificultada
cações, mas inclui a praça onde se localizam, feita pelo fato dos edifícios não pertencerem ao município,
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ou seja, sua manutenção depende de investimentos pal riqueza do distrito, sendo escoada para a corte
privados ou de acordos feitos entre a prefeitura e os pela estrada de ferro de Barra do Piraí. A Câmara
proprietários. Atualmente esse é ainda um obstáculo local não descansou enquanto não foi anunciada a
para a gestão municipal, pois das três edificações construção do ramal de São Paulo passando por
integrantes do conjunto, uma esta sob comodato, Barra Mansa, sendo inaugurado em 1871 o trecho
outra pertence a prefeitura e a terceira já foi negoci- ferroviário da Estrada de Ferro Dom Pedro II entre
ada, mas não foi vendida para a prefeitura e sim a Pinheiral e Barra Mansa [1].
um proprietário privado, que não se pronunciou ainda
sobre o futuro do imóvel. A praça e os edifícios em seu entorno: A imagem
mais representativa da cidade

Contextualização Histórica A urbanização impulsionada pelo café resultou na


composição de um conjunto arquitetônico que duran-
Barra Mansa é uma cidade do interior Sul Fluminen- te anos foi referência para outros núcleos urbanos, e
se, que integra o Vale do Paraíba. Encontra-se bem até hoje é considerado por muitos habitantes como a
localizada geograficamente na região sudeste do „imagem mais representativa da cidade [3]. O con-
país, estando a 120 km da cidade do Rio de Janeiro, junto é composto pelo Palácio Guapy – antiga sede
e a 300 km da cidade de São Paulo, além da proxi- da Câmara Municipal de Barra Mansa, a residência
midade da capital mineira – Belo Horizonte, distân- do Barão de Guapy – hoje Clube Municipal - a antiga
cias que influenciaram ao longo de sua história. estação da Estrada de Ferro D. Pedro II, e a Praça
da Bandeira ou Parque das Preguiças. Encontram-se
Sua história começa em 1764, quando é concedida a neste conjunto os dois únicos bens tombados da
Francisco Gonçalves de Carvalho, uma sesmaria, cidade, são eles: o edifício da antiga Câmara Munici-
pelo então vice-rei Antônio Alves da Cunha, o Conde pal – atualmente conhecido como Palácio Guapy, e a
de Cunha, onde ele constrói uma Fazenda – que se Antiga Estação, ambos tombados pelo INEPAC [2].
tornaria a primeira construção da futura cidade –
denominada Posse. (Arquivo do Centro de Cultura
Fazenda da Posse)

Em busca de solos férteis do local chegam colonos


no início do século XIX, o que resulta na exploração
e ampliação do território. Dentre estes colonos, Cus-
tódio Ferreira Leite – o futuro Barão de Aiuruoca -,
que em 1820 constrói a primeira capela do povoado
[3].
Figura 1: Localização dos edifícios no conjunto
Com a construção da capela e de edificações co-
O Palácio Guapy era uma pequena construção que
merciais e residenciais em seu entorno, o povoado
foi comprada e reformada. Desde sua inauguração
vai adquirindo importância, e em 1832 é elevado à
em 1861, o edifício abrigou vários usos e foi amplia-
categoria de Vila, passando a ser São Sebastião da
do, mas não alterou sua composição arquitetônica,
Barra Mansa. A posterior elevação à categoria de
mantendo-se o neoclassicismo do projeto inicial. O
cidade se dá em 1857, e a partir de então vão sendo
edifício teve seu tombamento definitivo em 14 de
construídos os edifícios mais significativos da cidade,
março de 1979. Hoje abriga a Biblioteca Municipal e
como a Igreja Matriz, iniciada em 1839.
Museu de História da cidade.
Assim como a população demonstrava preocupação
quanto à construção da Matriz, a câmara municipal,
Segundo consta em relatório do INEPAC, o edifício
antes de 1836, empenhou-se em construir o edifício
da Câmara é um exemplar arquitetônico de referên-
que viria a abrigar a casa legislativa, inaugurada em
cia, e marco histórico definitivo de implantação políti-
1861.
ca do município.
O processo de urbanização que ocorreu na cidade
tem seu início no auge da produção cafeeira, princi-
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Figura 3: Convite de aniversário de com a data de i-


nauguração do Clube. Fonte: Acervo Lívia Peres. –
Figura 2: Palácio Guapy atualmente – Fonte: levanta- 1998
mento próprio. Ago/2011.
A estação representa um impacto na história de Bar-
O Clube Municipal foi a primeira edificação próxima à ra Mansa, por marcar seu desenvolvimento, e por ter
Câmara Municipal, e que hospedou a princesa Isabel lhe conferindo grande importância. É também um
e o Conde D’Eu, seu marido, quando estes viajaram edifício neoclássico, embora não seja tão rico em
à cidade para inaugurar a estação em 1871 [1]. ornamentações como os outros já apresentados.

Não se sabe com precisão a data de conclusão da


obra, mas sabe-se que esta construção, também em
estilo neoclássico, é do séc. XIX, feita em um perío-
do de transição entre o fim do período colonial e o
contemporâneo.

Muitas modificações foram feitas no casarão desde


esta aquisição, que foi descaracterizado internamen-
te, e depois externamente, quando, mais tarde, um
jardim deu espaço à quadra, e outro à piscina, e
assim sucessivamente. Durante trinta anos o Clube
fez enorme sucesso, mas logo depois, entrou em
decadência.

A Antiga Estação da Estrada de Ferro Dom Pedro II


foi tombada em novembro de1989. O edifício foi Figura 4: Antiga Estação de Barra Mansa. – Foto: Paulo
completamente restaurado após ter sofrido um in- Dimas 2004
cêndio na década de 1980. Abrigou por muitos anos
A área onde foi implantado o projeto da Praça da
a biblioteca municipal da cidade, e atualmente –
Bandeira, era um brejo e o terreno havia sido aban-
após novos reparos – passou a ser a Estação das
donado pelo antigo proprietário.
Artes, um espaço de exposições.
Foi palco de muitas transformações desde seu proje-
to inicial, no século XIX. Modificações ocorreram
tanto no plano arquitetônico como no paisagístico,
quando este, que era um espaço livre, foi gradeado e
teve seu horário de funcionamento restrito por moti-
vos de segurança. Em 1991, o paisagista Roberto
Burle Marx fez uma intervenção no local de modo a
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atender as necessidades de lazer da cidade. Muitos dos edifícios residenciais localizados no en-
torno do parque abrigam comércio e serviço no tér-
O conjunto, que hoje constitui um dos principais pe- reo provocando assim uma super lotação do mesmo,
rímetros históricos da cidade, é integrado pela pre- e em outros alguns moradores chegam a oferecer
sença da praça que também constitui um patrimônio pequenos serviços, como costura e alfaiataria dentro
construído da cidade. A sua preservação, entretanto, de suas próprias moradias. Essa super lotação dos
não considerou este aspecto e os edifícios sofreram edifícios faz com que inclusive a entrada dos mesmo
reformas, reabilitações e restaurações de forma iso- fique perdida em meio a tantas aberturas comerciais.
lada, sem que houvesse uma discussão sobre a Em alguns lugares como nos lotes lindeiros a ferrovia
preservação da paisagem que constituem no entorno não se sabe ao certo ocupação dos andares superi-
da praça. ores, e em alguns deles estes não tem saída para a
rua, sendo acessível somente por dentro a edifica-
ção.
Outra constante observada foi a quantidade de imó-
2. METODOLOGIA veis que estão desocupados, estes edifícios estão
acima de comércios e serviços e encontram-se ina-
Para realizar este trabalho foi necessário levantar cabados. Se fossem terminados, esses edifícios
vários dados atuais sobre a cidade, buscando-os em poderiam estar integrados à dinâmica da cidade e
órgãos municipais, como Secretaria de Obras, Fun- seriam atrativos, pois estão localizados em uma re-
dação Cultura, Museu de História da Cidade, Grêmio gião privilegiada.
e Academia de História, além de acervos pessoais Não obstante, o levantamento de campo também
de professores e personalidades que contribuíram evidenciou que o estado de preservação dos edifí-
para a história da cidade. A partir desse primeiro cios é em sua maioria bom. Existem outras edifica-
levantamento foi feito um levantamento em fontes ções sob responsabilidade da prefeitura no perímetro
secundarias como livros, que tiveram de ser busca- estudado, além dos imóveis que são considerados
dos em acervos pessoais por não existirem exempla- patrimônio histórico, e estão entre médio e bom es-
res dos mesmos na Biblioteca Municipal, além de tado de conservação, só que estes estão em estado
periódicos e jornais. precário. Foram identificados no perímetro, outros
A realização de levantamento de campo permitiu edifícios com características de distintos períodos, a
constatar o estado atual deste espaço da cidade, maioria de propriedade particular e em bom estado
tendo sido feito a atualização da área central na base de conservação, como os inúmeros exemplares de
cadastral existente, após a realização deste trabalho. edificações da década de vinte.
Ao juntar as informações obtidas nos levantamentos Há certo esforço por parte da prefeitura em realizar
bibliográfico, iconográfico e de campo foi possível os projetos referentes aos patrimônios, porém, como
realizar um cruzamento de informações, para então foi confirmado por um dos funcionários da prefeitura,
estabelecer uma leitura da cidade com o objetivo de falta estrutura dentro da própria prefeitura para coor-
chegar a um diagnóstico da situação em que se en- denar os projetos existentes, e a secretaria que está
contram os edifícios que integram o conjunto, e a encarregada da manutenção, no momento, tem ou-
relação destes com a cidade e sua dinâmica atual. tras prioridades, como as obras de viadutos e outras
obras de infraestrutura distribuídas na cidade. Ape-
3. RESULTADOS sar de existirem leis, diretrizes e grandes propostas
no Plano Diretor, sua eficácia é limitada. Nem foi
criado ainda o Instituto das Cidades, ação prevista
O levantamento bibliográfico e os levantamentos de
no Plano, sendo que se passaram seis anos desde a
campo comprovaram que há uma falta de fiscaliza-
sua aprovação.
ção e respeito em relação à própria legislação do
município. Haja vista os mapas que foram elabora-
dos e comprovam que a lei vinha sendo desrespeita- 4. CONCLUSÕES
da desde a década de oitenta.
Como exemplo da falta de respeito com a legislação, A reabilitação de edifícios históricos e a implantação
podemos apontar alguns edifícios cujo gabarito ex- de programas integrados que estabeleça uma rela-
cede o previsto no processo de tombamento da câ- ção entre eles, reforça a identidade dos mesmos e a
mara municipal. unidade de conjunto. A respeito da ideia de preser-
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vação de conjunto, em vários momentos suscitada


neste trabalho, existem exemplos não só no Brasil
como em outros lugares do mundo que hoje são
referência.
Pode-se observar isso no Circuito Cultural Liberdade,
em Belo Horizonte – MG, onde os edifícios localiza-
dos no entorno da praça da Liberdade, alguns anti-
gos e outros novos, foram financiados por entidades
privadas e passaram a abrigar programas culturais
que vão desde museus até um planetário. Nesse
mesmo contexto também podemos citar a Praça da
Alfândega em Porto Alegre, que tem em seu entorno
museu e memorial do Estado, algumas instituições e
centros culturais, além de ser palco de atividades
como teatro, dança e realização de feira de livros.
Em maior escala podemos citar a Praça XV, no cen-
tro do Rio de Janeiro, que apresenta um conjunto de
150 edificações tombadas e inúmeros centros cultu-
rais como a Casa França Brasil, o Centro Cultural
Banco do Brasil.
Na China, o 798, na cidade de Pequim, que hoje é
um distrito de arte que tomou o lugar de uma antiga
fábrica de mesmo nome, possui galpões que se tor-
naram galerias de arte, outros restaurantes e ateliers
de artistas, sendo inclusive cortado por uma linha
férrea, mostrando que isso não impede a integração
dos edifícios como conjunto.
Este trabalho procurou mostrar, através da análise
de bibliografia, documentos e levantamentos do es-
tado atual dos bens, como Barra Mansa tem vivido e
tratado sua história, e como a cidade e seus habitan-
tes manifestam-se quanto à construção de sua iden-
tidade, ao comparar resultados, servir de instrumento
para reflexão e para nortear a futura discussão de
planos de ação.

REFERÊNCIAS

[1] ATHAYDE, J. B. Parte Histórica de Barra Mansa.


In: Barra Manda em Revista. Barra Mansa, 3 out.
1956
[2] INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Cultu-
ral – Processo de Tombamento da Câmara Municipal
de Barra Mansa. Rio de Janeiro: 1979.
[3] MOREIRA, Andréa Auad. Barra Mansa: Imagens
e Identidades Urbanas. Rio de Janeiro, 2002.
[4] REIGL, Alois. O culto modern dos monumentos:
sua essência e sua gênese. Goiás; Sociedade Goia-
na de Cultura – UCG, 2006, 120 pág.

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