Resumo: O projeto propõe uma análise do Palavras-chave: Campinas, patrimônio
estado atual do patrimônio ferroviário de ferroviário, urbanismo, gestão, preservação Campinas, a partir do estudo do potencial Área do Conhecimento: Ciências Sociais de uso dos edifícios, equipamentos e do Aplicadas - Arquitetura e Urbanismo espaço urbano definido pelo traçado da antiga Cia Paulista de Estradas de Ferro, incluindo a Estação Central, seu entorno e o 1. INTRODUÇÃO conjunto de referências ainda existentes ao longo da antiga linha, que teve seu primeiro trecho, entre Campinas e Jundiaí, A partir da segunda metade do século XIX, inaugurada em 1872. O objetivo geral é o desenvolvimento industrial no Brasil, compreender o papel da estrada de ferro na caminhou juntamente com produção e conformação do tecido urbano da cidade, exportação do café, concentrado levantar e avaliar o seu estado atual. principalmente na região sudeste, em Pretende-se aprofundar a leitura sobre o especial, no estado de São Paulo, este que uso, ocupação e estado de conservação sofreu várias mudanças diretamente hoje das áreas cortadas pela linha - onde relacionadas ao cultivo de café, conforme ainda se conservam as habitações e os afirma Benincasa: equipamentos relacionados ao seu funcionamento - e sua relação com os O período entre 1834 e 1860 apresentou setores urbanos de seus entornos, além de diversas inovações, entre as quais o realizar um levantamento de diretrizes e de desenvolvimento de uma propensão legislação propostas em planos, projetos e empresarial nos cafeicultores. E a cultura programas oficiais para estes setores. Entre do café tem um papel fundamental nessa outros aspectos, serão discutidos critérios nova mentalidade que vem se formando, de preservação de conjunto, tendo em ela é uma das responsáveis em aprimorar o conta que, além do conjunto central, tratam- cotidiano de racionalização do processo se de patrimônios dispersos ao longo dos produtivo, a disciplinarização do espaço do trilhos e hoje localizados em bairros trabalho e da vida privada do trabalhador distintos, que perderam a relação entre si, [1]. mas que possuem um valor para a memória da cidade. Como resultado, pretende-se Neste cenário, Campinas se destacou refletir sobre formas de resgate do apresentando um avanço técnico patrimônio ferroviário e referências culturais diferenciado em relação ao cultivo de café e na gestão do produto, gerando a ele vinculadas e contribuir com um comparações positivas em relação à área conjunto de critérios técnicos de do Vale do Paraíba, área pioneira na preservação e gestão do mesmo. atividade. A cidade contemplava-se ainda com a característica de servir de moradia Saldanha Marinho, empenharam-se em familiar, fenômeno que se iniciou no séc. fundar a Companhia Paulista de estrada de XX na região de Ribeirão Preto. ferro de Jundiaí a Campinas (Processo de tombamento nº 004/ 89). [3] Devido à necessidade de exportação e transporte do café, houve a necessidade de Assim, os 45 quilômetros aproximadamente se expandir os trilhos das ferrovias propostos pelo projeto, tiveram início no dia instaladas no final do Séc.XIX. 15 de março de 1870, sob a Impulsionando o desenvolvimento desse responsabilidade do engenheiro Brunlees. tipo de transporte, possível a partir de Vale ressaltar que grande parte do material investimentos de infraestrutura em vários e da tecnologia utilizada na construção da níveis e do início do processo de Paulista, foi procedente da Inglaterra e da diversificação de investimentos e da Alemanha. especulação por parte dos empreendedores. Sua estação foi construída em meio a um “campo de barba de bode”, ficando a “O decreto que estabeleceu a garantia de construção, no início, completamente juros favoreceu o surgimento de ferrovias isolada do centro da cidade, situada atrás sem finalidade que justificasse sua do corpo central, ou do lado sudoeste da construção; sem possibilidade de retorno cidade, onde permaneciam os edifícios econômico, foram construídas quase insalubres, ou seja, o lado feio e escuro da exclusivamente para atender a fins políticos cidade, junto ao cemitério, ao matadouro, e obter o retorno financeiro garantido pelo ao curtume e ao leprosário. governo [2]” Posteriormente, com o desenvolvimento Diante dessa realidade fazendeiros, das ferrovias, tais edificações acabaram por comerciantes e homens públicos criaram ser incorporadas nas áreas ocupadas por expectativas em relação ao futuro bairros de operários, como a Vila Industrial, desenvolvimento da cidade de Campinas. que por sua vez foram transferidas para Neste sentido, bastava criar um importante outras localizações. empreendimento, como a construção de Assim, os 45 quilômetros aproximadamente uma ferrovia capaz de servir “ a capital do propostos pelo projeto, tiveram início no dia distrito do café”, para obter-se as vantagens 15 de março de 1870, sob a do governo. responsabilidade do engenheiro Brunlees, vale ressaltar que grande parte do material É nesse contexto que no dia 11 de agosto e da tecnologia utilizada na construção da de 1872, em Campinas, ocorre a Paulista, foram procedentes da Inglaterra e inauguração da Cia. Paulista, linha que da Alemanha. ligava Campinas à Jundiaí. No entanto, para que esta ferrovia fosse construída com Sua estação foi instalada em, foi construída capital nacional, foi necessário que os em meio de um campo de barba de bode, ingleses abrissem mão da concessão que ficando o início da construção havia sido autorizada em 1860. completamente isolada do centro da cidade. Fazendeiros, capitalistas e homens públicos Situando atrás do corpo central, ou do lado de São Paulo, sob a orientação da sudoeste da cidade, onde permaneciam os edifícios insalubres, ou seja, lado feio e O trecho inicial da ferrovia, era de escuro da cidade, como o, cemitério, o Campinas à Jundiaí e posteriormente tal matadouro, o coturme e o leprosário. linha conectaria ao porto de Santos.
Posteriormente com o desenvolvimento das A estação foi inserida na parte sudoeste da
ferrovias, tais edificações acabaram por ser cidade, área que naquele momento era substituída por bairros de operários, dentre desvalorizada, como já dito, por ser onde se eles a Vila Industrial, estas que por sua vez localizavam como o cemitério, o matadouro, foram transferidas para outras localizações. o curtume e o leprosário. 1.1. A Linha férrea Paulista, do projeto à inserção urbana No aspecto construtivo, a introdução de uma tipologia arquitetônica mais especifica A linha Paulista nasce da necessidade de e até mesmo a transformação da um meio de transporte que ligasse arquitetura já existente só ocorreu devido à Campinas ao porto de Santos. Assim, em presença das ferrovias: estações, oficinas, seu projeto inicial a linha contemplava o depósitos, casas de máquinas, cabinas de transporte de cargas, já que este era o sinalização, residências para funcionários, principal motivo para a criação desta. etc. No que diz respeito às estações paulistas vale ressaltar que a grande O traçado da ferrovia era projetado maioria é de “passagem” (em contraposição inicialmente para ligar as fazendas à aos terminais), unilaterais, com o edifício estação e posteriormente ao porto, visando geralmente retangular e de alvenaria de facilitar o escoamento da produção agrícola, tijolo, situado de um dos lados da linha de modo que contemplava apenas em um paralelamente aos trilhos, uma escolha segundo momento os interesses públicos, adequada para linhas continuamente em já que a população se beneficiaria expansão. indiretamente com a expansão e consolidação do comércio.
Fig. 2. Estação FEPASA. Fonte: Acervo
Fig.1. Tronco principal da antiga CIA próprio 2016. [4] Paulista de Estradas de Ferro. [3] 1.2. - Desenvolvimento urbano em dentro da própria cidade, profissionais de relação ao leito férreo nível superior buscando atrair clientela através de estratégias de propaganda —um Campinas cresceu em extensão e dentista anunciava aplicar cocaína em seus população. Segundo relatos, no ano de pacientes devido às qualidades anestésicas 1900 chegou a abrigar 19.000 habitantes, deste pó—, gente da elite se organizando que induziram à formação de novas em prol de um estabelecimento modelar de paisagens: os bancos, os teatros, as lojas, ensino, resultando no Colégio Culto à escolas e hospitais passaram a fazer parte Ciência, e também em prol de iluminação do cenário campineiro. O comércio, que pública, de gasômetro, além do persistente inicialmente se desenvolveu em torno do incentivo à vinda das mais fortes novidades largo do Rosário, em decorrência da tecnológicas daqueles dias, como o estrada de ferro, passou a ocupar as áreas fonógrafo e o telefone. [5] próximas da estação. Percebe-se que a cidade de Campinas A parte sul da estação, onde anteriormente passou por várias transformações tanto se localizavam os terrenos pouco urbanísticas como culturais, percebe-se que valorizados, com a chegada da ferrovia, foi surgia uma figura de cidade que não se ocupada pelos operários das oficinas e dos limitava apenas a igreja, casa de câmara e armazéns da Cia Paulista e da Cia cadeia, pequenos comércios e uma estação Mogiana. ferroviária. O surgimento da vila Industrial ocorreu De fato, as décadas de 1870 e 1880 devido à migração de operários e formaram uma época de inaugurações, funcionários das ferrovias, pois, era mais sempre tratadas triunfalmente pela eficiente morar próximo a essa. O bairro imprensa contemporânea. A julgar pelos abrigou construções de casas de pequeno e registros jornalísticos daquele tempo, a médio porte, sendo que a maior parte cidade passou aqueles dias ornada e destas casas seguia o estilo arquitetônico e embandeirada, sob contínuos estrondos de acompanhava o traçado linear da estação. fogos de artifício usualmente Devido à crise do café na década de 1930, acompanhados da presença musical de a cidade de Campinas começa a incorporar bandas locais e de inflamados e floreados uma fisionomia mais industrial e de discursos de uma elite a permanentemente serviços. No plano de melhoramentos empregar os termos progresso e civilização urbanísticos, mais conhecido como “ Plano para caracterizar o grau de Prestes Maia” (1938), que tinha como uma desenvolvimento atingido por Campinas. de suas diretrizes um amplo conjunto de Era realmente inédito o aparato urbano ações voltado a reordenar suas vocações exposto na cidade: a ferrovia vencendo o urbanas, sempre buscando impulsionar secular problema da distância, hospitais velhas e novas vocações, como o de polo experimentando recentíssimas terapêuticas, tecnológico do interior do Estado de São casas bancárias facilitando o acesso a Paulo. créditos e financiamentos, companhias de transportes urbano diminuindo as distâncias Com isso, a cidade passou a concentrar A partir da leitura do traçado do leito uma população mais significativa, ferroviário da Cia Paulista em Campinas, constituída de migrantes e imigrantes que assim como da análise dos processos de chegavam à Campinas atraídos pela tombamento, bibliografia geral e pesquisa instalação de um novo parque produtivo em campo, foi definido uma área envoltória, (composto de fábricas, agro-indústrias e para um maior aprofundamento urbanístico estabelecimentos diversos). Entre 1930 e Para definir a dimensão do recorte de 1940 a cidade de Campinas presenciou um estudo foi usado os seguintes critérios, a momento histórico, marcado pela migração estação como uma das extremidades e o e pelo surgimento de novos bairros nas cemitério da Saudade como o outro ponto, redondezas das fábricas, estabelecimentos devido a sua criação estar diretamente e das grandes rodovias em implantação - ligada a inserção da Estação no tecido Via Anhanguera, (1948), Rodovia urbano de Campinas e além desses Bandeirantes (1979) e Rodovia Santos critérios foi definido uma distância de duas Dumont, (década de 1980). ou três quadras do entorno imediato do leito ferroviário. A área apresenta um grande conjunto de edificações tombadas além de Os bairros que surgiam não apresentavam um bem preservado. infraestrutura urbana, estes por sua vez só conquistaram uma melhor condição de urbanização entre as décadas de 1950 a 2. METODOLOGIA 1990, simultaneamente com o crescimento da cidade. Dentre as décadas de 1970 e 1980, os fluxos migratórios levaram a Inicialmente, foi realizado o levantamento população a praticamente dobrar de bibliográfico, de teses e artigos que tamanho. abordavam a atividade cafeeira no estado de São Paulo e respectivamente na cidade 1.3. Recorte de Estudo de Campinas, também foi levantado os processos de tombamento do patrimônio ferroviário de Campinas.
A partir do levantamento da bibliografia
sobre a história do café, obtido através de bibliotecas on line como UNICAMP, UFSCAR UNESP e USP, tais informações foram analisadas e sintetizadas. A partir disto, foram levantados os processos de tombamento do Complexo ferroviário de Campinas, ao modo de auxiliar a determinação de critérios mais gerais para análise dos edifícios e tecido urbano Figura 3. Trecho da base cartográfica de presente no recorte adotado. Campinas. Em destaque (em vermelho) o Num segundo momento verificara-se os recorte adotado para a identificação do pontos positivos e negativos decorrentes patrimônio ferroviário [4]. dos usos atuais levando-se em conta sua adequação em relação à capacidade dos patrimônios, levando em conta sua e sua conservação ao longo do tempo. Além do estudo dos usos nos edifícios, foram levantados dados urbanos como uso real do solo e gabarito. Como elemento de base para a discussão foram utilizados documentos teóricos do patrimônio ferroviário, bibliografia sobre o tecido urbano de Campinas, a elaboração de cartografias, além da análise de outros contextos em que se implementaram planos ou programas de reabilitação integrada.
Fig. 4. Mapa de uso e ocupação do solo
3. RESULTADOS [4].
A partir dos levantamentos, foi possível a
confecção de quatro mapas para a análise. A fim de se obter um melhor entendimento do entorno da Cia Paulista e compreender o surgimento desse tecido urbano. Um dos mapas se refere ao uso real do solo de Campinas no recorte adotado. Um segundo refere-se ao gabarito, o terceiro trata se da pontuação de edificações com valor para a memória urbana do conjunto ferroviário e o quarto se resume no grau de alteração que essas edificações sofreram ao longo dos anos. Tal área foi levada em consideração para a confecção de fichas de levantamento de campo e mapeamento dos edifícios de valor histórico para o patrimônio ferroviário de Campinas. Fig. 5. Mapa de gabarito [4] históricos no Brasil, de forma a compreender os problemas e possibilidades da gestão atual de conjuntos urbanos históricos, além de se pretender contribuir para uma reflexão sobre a efetividade da aplicação dos planos e programas de preservação vigentes.
4. CONCLUSÕES
Assim, é possível concluir que a cidade de
Campinas sofreu diversas mudanças desde do auge da cafeicultura, que provocou o Fig. 6. Mapa de edificações com valor surgimento do leito férreo da Cia Paulista e para a memória urbana do conjunto posteriormente a organização de um ferroviário [4] traçado urbano norteado por ela.
Campinas, apresenta um acervo de
patrimônios tombados bem considerável, dentre esses temos o Complexo ferroviário central da FEPASA, composto pela estação, galpões e casas de maquinas, objeto de estudo. Ao analisar os processos de tombamento, e gestão, observa o esforço da cidade de Campinas, de ter uma política de preservação patrimonial, com a criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) com a finalidade de definir uma política de defesa e proteção do Fig. 7. Mapa de grau alteração das patrimônio histórico, artístico, estético, edificações. [4] arquitetônico, arqueológico, documental e ambiental do município de Campinas.
As fichas foram organizadas a partir de No entanto observamos, que o espaço do
quadras e informam os usos do solo, altura edifício da estação de Campinas, encontra- e características de cada edificação e o se sublocado, pois, as atividades presentes, estado de conservação de tais. Deste passam a sensação de uma ocupação modo, foi possível uma discussão em torno informal, devido à falta de um projeto, da identidade urbana presente no recorte visando a melhor vocação do equipamento, relacionando com vestígios da identidade talvez o melhor uso nem sempre seja algo deixada pelo advento do período ferroviário. precisamente cultural, até por que se trata Também foram levantados documentos de uma estação ferroviária, ou seja um teóricos sobre a preservação de conjuntos edifício que apresenta em sua essência uma característica de lugar de passagem, possível trem de passageiros passando perdendo a sua identidade, mesmo hoje pela linha de 30 em 30 minutos em média, abrigando usos, que lhe configuram uma o transporte de cargas se submeteria a certa identidade, esta não é tão forte quanto passar pela cidade somente a noite , não a de uma estação de abriga passageiros sendo muito viável. Talvez uma possível que estão sempre a movimentar o edifício. proposta de um anel ferroviário na região de Campinas, traria benefícios para cidade em Dentre os patrimônios de Campinas, questões de mobilidade, uma vez que destaca-se o Cemitério da Saudade, esse abriria espaço para o trem de passageiros e que tem o seu surgimento, diretamente além disso uma preservação dos edifícios ligado a estação, devido a escola do lugar presentes nos redores da linha. onde ela seria implantada, já que existiam três cemitérios no local onde foi definido para a sua implantação. Além do cemitério, temos outras edificações que também se REFERÊNCIAS relacionam com a ferrovia mesmo que indiretamente, de modo a compor um [1] BENINCASA, Vladimir. Velhas complexo que mesmo não reconhecido Fazendas: arquitetura e cotidiano nos como patrimônio, mas que expressa em sua campos de Araraquara 1830 – 1930. arquitetura um momento da história da São Carlos. EDUFSCAR. São Paulo. evolução urbana de Campinas e do Imprensa Oficial do Estado. 2003. patrimônio ferroviário e industrial. [2] TELLES, P.C. da S., História da Engenharia no Brasil. Clube de Engenharia. 2v. Rio de Janeiro: Clavero Com base nos dados levantados no recorte Editoração, 1994. proposto, nota-se que o tecido urbano envoltório do leito ferroviário, ainda [3] Processos de Tombamento do apresenta a mesma característica de Complexo Ferroviário de Campinas. décadas passadas, apresentando um uso Processo de tombamento nº 004/ 89. quase predominantemente residencial e Portal Prefeitura de Campinas: baixo gabarito, ou seja, apesar da área hoje http://www.campinas.sp.gov.br/ não apresentar uma identidade definida, [4] Acervo Próprio, produzido entre pois, não se encaixa nem como centro ou 20/11/2015 à 26/07/2016. periferia, nota-se vestígios da identidade [5] Plano diretor de Campinas/20016. Portal deixada pelo advento do período ferroviário. Prefeitura de Campinas: http://www.campinas.sp.gov.br/ Observa-se uma intenção por trás de moradores e órgãos públicos de Campinas, de uma possível volta do transporte sob trilhos, no entanto o leito ferroviário hoje comporta apenas o transporte de cargas sendo assim a dificuldade de conciliar cargas e passageiros é grande, pois, o trem de cargas passa pela cidade de Campinas de uma a três vezes por dia, com um