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HISTÓRIA DO ESCUTISMO

I
lha de Brownsea, o berço do escutismo. Ninguém poderia imaginar, nem mesmo Baden-
-Powell, que um acampamento com vinte rapazes nesta ilha inglesa iria ser a porta de
entrada para um mundo onde os jovens se organizam e se tornam capazes para a vida em
sociedade, ganham valores e inspiram os outros à sua volta deixando uma pegada única e com
uma energia contagiante. De forma muito autónoma e em pouco tempo as sementes deram
fruto e os escuteiros espalharam-se no mundo e perduraram pelo tempo. Mas para conhecer
um pouco da história que trouxe um novo olhar sobre a educação e formação dos jovens, uma
ilustre obra de humanidade, temos primeiro de conhecer o homem que a sonhou.
Robert Stephenson Smith Baden-Powell nasceu no dia 22 de fevereiro de 1857 em Lon-
dres. Viveu uma infância divertida, tinha na sua família sete irmãos — tendo sido ele o quinto
entre eles —, e aproveitou as oportunidades de atividades ao ar livre que Londres da segunda
metade do séc. XIX tinha para oferecer, desde caminhadas na natureza a acampamentos. Des-
de muito jovem aprendeu a manobrar um barco, a cozinhar e a acatar as ordens dadas. De-
senvolveu as suas capacidades de sobrevivência num bosque perto da escola, onde observava
animais, seguia pistas e caçava coelhos, que assava em fogueiras sem fumo de modo a não ser
denunciado.
Aos 19 anos ingressou no Exército e como oficial pôde viajar pelo mundo e conhecer di-
versos povos: tribos de guerreiros da África, vaqueiros americanos, índios
da América e do Canadá. A sua carreira militar foi brilhante, toda ela
impulsionada pelas suas nobres atitudes, imbuídas de valores como
honestidade, competência e espírito de exemplo e de liderança.
Com apenas 26 anos tinha já conquistado no Exército a res-
ponsabilidade de Capitão.
O célebre cerco de Mafeking é o ilustre exemplo das suas
capacidades enquanto líder e foi uma pequena semente para o es-
cutismo. Foi capaz de defender a cidade — que era um entroncamento
ferroviário de elevada importância estratégica — contra os ata-
ques dos Boares durante 217 dias com a ajuda de poucos oficiais
britânicos. Com uma força inimiga muito maior à sua e na au-
sência de capacidade militar para aguentar o cerco, instruiu
os cidadãos capazes de combater em pequenas tarefas de
apoio como cozinha, comunicação e primeiros socorros.
Graças a estes jovens cadetes, adolescentes da cida-
de que desempenhavam as missões dadas com dedica-
ção, lealdade, coragem e responsabilidade, conseguiram
suportar o duro cerco até aos reforços chegarem. Tal
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Percurso Maria do Céu Guerra Rúben Marques, Falcão Peregrino

prontidão não passou despercebida e até sur-


preendeu Baden-Powell, que uma vez venci-
do o confronto organizou a Polícia Montada
Sul Africana. Desenhou-lhes também o seu
respetivo uniforme, que mais tarde seria o
uniforme básico dos escuteiros.
Sem que se apercebesse, as suas conquistas
militares orientaram o seu país natal a vê-lo
como um herói e o seu livro para treinamen-
to de soldados «Aids to Scouting» — “Auxi-
liar do Explorador” — estava a ser utilizado
tanto em escolas inglesas como em organiza-
Mapa estratégico referente ao cerco de Mafeking
ções juvenis e os jovens utilizavam-no para
fazer as suas brincadeiras. Assim, quando de regresso a Londres e em conversa com amigos,
surgiu uma ideia sobre educar os jovens em diversas aptidões que lhes seriam úteis na vida
adulta. Mas só havia uma forma de saber se aquela ideia poderia dar frutos: tinham de a testar.
Em 1907, durante o verão na Ilha de Brownsea, Baden-Powell assistido por B. W. Green,
H. Robson e P. W. Everett fizeram o que mais tarde se refletiria como o primeiro acampa-
mento escutista. Ao longo de duas semanas ensinaram vinte rapazes entre os 12 e os 16 anos
de idade em conhecimentos técnicos de primeiros socorros, observação e segurança para a
vida na cidade e na floresta. Embora não passasse de uma atividade experimental, o sucesso
foi enorme. Então Baden-Powell escreveu o livro “Escutismo para Rapazes”, pois se o Auxiliar
do Explorador, destinado a adultos sobre atividade militares de batedores exercia tanta atração
nos rapazes, um livro escrito propriamente para eles poderia despertar muito maior interesse!
Começou a ser publicado no início de 1908 e o sucesso foi imediato. Mais de um milhão de
cópias foram vendidas. Começando por ser apenas um método de formação para os rapazes,
um livro que pudesse ser utilizado pelas organizações de jovens já existentes, rapidamente se
transformou numa organização autónoma, com milhares de jovens inspirados que se discipli-
navam entre si e construíam o que atualmente é o maior movimento de voluntariado de todo
o mundo. No final do ano 1908, número de escuteiros ascendia aos 60 000.
Em 1909 foi traduzido para cinco línguas
e captou a atenção do Rei Eduardo VII. Em
reconhecimento do seu trabalho para com os
jovens, investindo-os em técnicas e conhe-
cimentos práticos e de grande utilidade em
sociedade, o Rei concedeu a Baden-Powell o
título de Cavaleiro e fê-lo ver que o movi-
mento escutista era de grande importância;
tão grande que prestaria um grande serviço
ao país se resignasse o seu cargo no Exército e
Robert Baden-Powell, Chefe do Escutismo, e sua esposa se dedicasse integralmente ao escutismo. Ele
Olave Baden-Powell, Chefe das Guias assim fez e algo de maravilhoso aconteceu. Se
de forma independente os jovens consegui-
ram-se organizar por eles mesmos e dar sozinhos os primeiros passos do escutismo, quando
o fundador dedicou todas as suas forças do seu ser à Força de Ser posta em movimento, esta
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multiplicou-se e espalhou-se por toda a terra, galgando continentes e atravessando oceanos.


Como um organismo vivo, o movimento escutista cresceu, e como se fosse próprio com a
natureza, brotou e deu frutos.
Em Portugal apareceu no ano 1912. Foi também nesse ano que Baden-Powell conheceu
Miss Olave Soames, a mulher com quem acabou por partilhar vida lado a lado em casamento
e que veio a tornar-se a Chefe das Guias. E viajou pelo mundo, para contactar com os escutas
de todos os países, procurando firmar uma fraternidade mundial.
Mas nem tudo foram vitórias. Assim como as mais belas flores de um jardim são incomo-
dadas por insetos, também o escutismo foi inquietado. Conheceu o primeiro abalo em 1914
por motivo da Primeira Guerra Mundial. Ainda assim, como que prova da sua autenticidade,
como se o próprio escutismo fosse parte integrante da pessoa humana, manteve-se firme e
indelével. Quando os dirigentes voluntários foram chamados para a servir a pátria nas frentes
de batalha, os guias assumiram a liderança das unidades confiando na formação providenciada
pelo sistema de patrulhas. Além disso, os escuteiros contribuíram na Grande Guerra de mui-
tas formas. A mais notável entre todas foi levada a cabo pelos escuteiros marítimos: ficaram
responsáveis pelo patrulhamento da costa, libertando assim os guardas-costeiros para que
estes pudessem estar nas frentes de batalha em reforço dos exércitos.

Baden-Powell instruindo uma patrulha de escoteiros

Após o rescaldo do conflito global, o escutismo voltou a radiar, desta vez com um acam-
pamento mundial, o Jamboree, que reuniu oito mil jovens vindos de diversos países. Juntos
partilharam experiências, culturas e ideais, e em uníssono aclamaram Baden-Powell como
Chefe Escuta Mundial. Depois dele não houve mais ninguém que recebesse igual título — foi
o único de sempre a vestir essa responsabilidade.
Dois anos mais tarde deu-se o Congresso Eucarístico Internacional em Roma. A represen-
tar Portugal foi D. Manuel Vieira de Matos, Arcebispo de Braga. Este viu nascer em si uma
vontade de criar um movimento derivado, adicionando um pilar religioso que fosse capaz de
prover maior conformo e sustento espiritual. Ao ver os escuteiros católicos italianos, soube
que tinha de trazer para a sua nação o movimento escutista católico português. E assim, a 27
de maio de 1923 na cidade de Braga, nasceu o Corpo Nacional de Escutas.
Até à Segunda Guerra Mundial o escutismo teve um grande momento de expansão e,
curiosamente, durante a guerra, consolidação. Tanto nos países ocupados pelas nações que
desencadearam o conflito global como nos países em regime de ditadura, o escutismo foi ini-
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bido. Sendo ele baseado em princípios livres, atitudes construtivas em sociedade, dotado de
capacidades autónomas e responsáveis, de valores democráticos e espírito de voluntariado,
apresentava-se nefasto para as nações cujo poder girava em torno da ditadura. O movimento
teve, então, de tomar uma postura secreta. Ainda assim, não perdeu o seu fulgor, uma vez
que os escuteiros desempenharam tarefas como mensageiros, vigilantes de fogos, maqueiros e
socorristas. E uma vez mais, como que a validar a sua força de verdade, como se o caminho do
escuta fizesse natural parte da integridade humana, qual árvore que se enraíza em solo fértil,
descobriu-se, depois da guerra terminar, que o número de jovens escuteiros nos países onde
estes eram reprimidos tinha aumentado!
Nas década posteriores, designadamente as de 60, 70 e 80, o escutismo desenvolveu-se
adaptando-se gradualmente às nações onde estavam inseridos, muitas delas conquistando a
independência, moldando o movimento às necessidades da realidade e especificidades cultu-
rais. Em países desenvolvidos houve uma maior atividade no âmbito da saúde infantil, ha-
bitação social, literacia, agricultura, educação para as questões ambientais e para a paz. As
sementes plantadas por Baden-Powell tinham crescido, dado frutos e plantavam elas mesmas
novas sementes.
O Fundador do Escutismo viajou pelo mundo, brotando associações do movimento
em vários países e inspirando jovens ao longo de gerações — o seu caminho
excedeu no espaço e foi fecundo no tempo. Acreditava que esta era uma
potencial Força para a paz, uma fra- ternidade que não conhece
fronteiras nem respeita línguas, coalescendo culturas e iden-
tidades para a construção de um organismo tão vivo que se
parece próprio com a Natu- reza.
Quando a sua saúde come- çou a diminuir retirou-se para o
Quénia. A sua vida foi profundamen- te enriquecida pelo seu serviço,
graciosamente distinguida por quem o seguia e, por certo,
humildemente partilhada. O seu espírito permanece
vivo entre os Escuteiros, mas o seu corpo faleceu
na madrugada de 8 de ja- neiro de 1941 enquanto
dormia. Na sua pe- dra tumular figuram os
símbolos dos Movi- mentos Escutistas e das
Guidistas. Está também gravado um círculo com
um ponto no meio: Fim de Pista.

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EFEMÉRIDES ILUSTRES

1907 — 1.º Acampamento Escutista na Ilha de Brownsea. Os nomes das Patrulhas eram Cor-
vos, Touros, Maçaricos e Lobos.
1908 — Publicação do livro “Escutismo Para Rapazes”.
1909 — Primeira concentração de 11 000 Escuteiros no Crystal Palace em Londres.
1910 — A instâncias do Rei Eduardo VII, Baden-Powell deixa o Exército para se dedicar intei-
ramente ao Escutismo.
1911 — Dão-se os primeiros passos do Escutismo em Portugal.
1912 — Funda-se em Lisboa a Associação de Escoteiros de Portugal (AEP).
1916 — Início oficial do Lobitismo. Aparece o livro “Manual do Lobito”.
1918 — Início Oficial do Caminheirismo.
1919 — Abertura do Campo Escola Internacional de Dirigentes, em Gilwell Park.
1920 — 1.º Jamboree Mundial em Olímpia, Londres. Neste Jamboree Baden-Powell foi acla-
mado Chefe Escuta Mundial.
1923 — A 27 de maio dá-se a fundação Corpo Nacional de Escutas (CNE) em Braga pelo Ar-
cebispo D. Manuel Vieira de Matos.
1929 — Baden-Powell visita Portugal pela primeira vez.
1934 — BP visita Portugal pela segunda vez.
1941 — A 8 de janeiro morte de Baden-Powell no Quénia.
1957 — Ano Jubilar – Centenário do Nascimento de Baden-Powell, Cinquentenário do Escu-
tismo e realização do 9.º Jamboree Mundial.
1982 — Ano Mundial do Escuteiro.
1983 — O CNE é declarado Instituição de Utilidade Pública.
2007 — Centenário do Escutismo, 150.º Aniversário do Nascimento de Baden-Powell e rea-
lização em Londres do Jamboree Mundial do Centenário com a participação de mais
de 40 000 Escuteiros.
BIBLIOGRAFIA

• https://www.escutismo.pt/dirigentes/movimento/historia/historia:99
• https://www.escutismo.pt/dirigentes/movimento/fundador/fundador-do-escutismo:85
• https://pt.slideshare.net/Andreia_Crispim/histria-do-escutismo
• https://agrupamento.webnode.com/fundador-do-escutismo/
• http://escuteirar.blogspot.com/2011/11/historia-do-escutismo-e-vida-de-bp-seu.html
• http://www.cne-escutismo.pt/Escutismo/Oque%C3%A9oEscutismo/Hist%C3%B3ria-
doEscutismo/tabid/1705/Default.aspx
• https://en.wikipedia.org/wiki/Siege_of_Mafeking

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