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“A primeira tentação do estudante é fazer uma tese que fale de muitas coisas.

Se ele
se interessa por literatura, o seu primeiro impulso é fazer uma tese do género A
literatura hoje, tendo de restringir o tema, quererá escolher A literatura italiana desde
o pós-guerra até aos anos 60.

Estas teses são perigosíssimas. […]

E posso dizer já qual seria o ideal: não Os romances de Fenoglio, mas As diversas
redações de «Il partigiano Johnny». Enfadonho? É possível, mas como desfio é mais
interessante.

Sobretudo, se se pensar bem, trata-se de um ato de astúcia. Com uma tese


panorâmica sobre a literatura de quatro décadas, o estudante expõe-se a todas as
contestações possíveis. Como pode resistir o orientador ou o simples membro do júri à
tentação de fazer saber que conhece um autor menor que o estudante não citou?
Basta que qualquer membro do júri, consultando o índice, aponte três omissões, e o
estudante será alvo de uma rajada de acusações que farão com que a sua tese pareça
uma lista de desaparecidos.

Se, pelo contrário, o estudante trabalhou seriamente num tema muito preciso,
consegue dominar um material desconhecido para a maior parte dos juízes. Não estou
a sugerir um truquezito de dois vinténs: será um truque, mas não de dois vinténs, pois
exige esforço. Sucede simplesmente que o candidato se apresenta como «Perito»
diante de uma plateia menos perita do que ele, e já teve o trabalho de se tornar perito,
é justo que goze as vantagens dessa situação.

Entre os dois extremos da tese panorâmica sobre quarenta anos de literatura [A


literatura italiana desde o pós-guerra até aos anos 60] e da tese rigidamente
monográfica sobre as variantes de um texto curto [As diversas redações de «Il
partigiano Johnny»], há muitos estádios intermédios.”

ECO, Umberto – Como se faz uma tese em ciências humanas. Editorial Presença,
1998, pp. 39-40.

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