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na cabeça
dos cachorros
e outras aventuras
M al col m
Gl a dw e l l
1.
Por que uma criança de 2 anos é tão travessa? Porque está testando
a noção fascinante e, para ela, totalmente nova de que algo que lhe
dá prazer pode não dar prazer a outra pessoa – e a verdade é que,
mesmo adultos, nunca perdemos esse fascínio. Qual é a primeira
coisa que queremos saber quando conhecemos um médico numa
ocasião social? Não é o que ele faz. Até certo ponto, sabemos o
que um médico faz. Em vez disso, queremos saber como é con-
viver com doentes o dia todo. Queremos saber qual é a sensação
de ser médico, porque temos certeza de que não é a mesma de fi-
car sentado diante de um computador o dia todo, de dar aulas em
uma escola ou de vender carros. Tais perguntas não são tolas nem
óbvias. A curiosidade sobre o cotidiano do trabalho alheio é um
dos impulsos humanos mais fundamentais, e foi esse impulso que
me levou a escrever o livro que você tem nas mãos.
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Quando eu era jovem, não queria ser escritor. Meu sonho era
ser advogado, mas, no último ano da faculdade, decidi trabalhar
com publicidade. Deixei meu currículo em 18 agências na cidade
de Toronto e recebi 18 cartas de rejeição. Pensei em fazer pós-
-graduação, mas minhas notas não eram boas o suficiente. Candi-
datei-me a uma bolsa para estudar em um lugar exótico durante
um ano e fui reprovado. Escrever foi o que acabei fazendo no fim
por falta de opção e pela simples razão de que custei a perceber
que isso poderia ser um trabalho. Trabalhos eram coisas sérias e
que intimidavam. Escrever era divertido.
Após a faculdade, trabalhei durante seis meses numa peque-
na revista em Indiana chamada American Spectator. Mudei-me
para Washington, fui freelance por alguns anos, acabei conse-
guindo um emprego no The Washington Post e de lá fui para a
The New Yorker. Ao longo dos anos, escrever nunca deixou de ser
divertido, e espero que esse espírito alegre esteja evidente nestes
artigos. Nada me frustra mais do que alguém que lê um texto
meu ou de outra pessoa e diz, zangado: “Não acredito nisso.”
Por que ficam zangados? O sucesso ou o fracasso de um bom
texto não está em sua capacidade de persuadir. Não o tipo de
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reúnem na cozinha de Ron quando, vez por outra, ele prepara uma
sopa e quer colocar a conversa em dia.
Nos últimos 30 anos, Ron inventou uma série de utensílios
de cozinha, entre eles o Ronco Electric Food Dehydrator (desi-
dratador elétrico de alimentos) e o Popeil Automatic Pasta and
Sausage Maker (preparador automático de macarrão e salsicha).
Ele trabalha incansavelmente, guiado por lampejos de inspira-
ção. Em agosto de 2000, por exemplo, percebeu de repente qual
produto sucederia a churrasqueira. Ele e seu braço direito, Alan
Backus, vinham trabalhando numa máquina de empanar que pe-
garia 4,5kg de asas ou escalopes de frango, camarões ou filés de
peixe e faria todo o trabalho – misturar os ovos, a farinha de trigo,
a farinha de rosca – em poucos minutos, sem sujar a mão do co-
zinheiro nem a máquina.
“Alan estava na Coreia, para onde enviamos grandes enco-
mendas”, explicou Ron há pouco tempo, durante um almoço –
um hambúrguer ao ponto com fritas – no espaço VIP do restau-
rante Polo Lounge, no Hotel Beverly Hills. “Telefonei para Alan,
acordando-o. Eram 2h da madrugada lá. E estas foram minhas
palavras exatas: ‘Pare. Esqueça a máquina de empanar. Este outro
projeto precisa ter prioridade.’”
O outro projeto, sua inspiração, era um dispositivo capaz de
defumar carnes dentro de casa sem espalhar odores pelo ar ou
pelos móveis. Ron tinha uma versão do defumador caseiro em
sua varanda, em que havia trabalhado no ano anterior, e, num
impulso, resolveu preparar um frango. “O frango ficou tão gosto-
so que eu disse para mim mesmo” – e, com a mão esquerda, Ron
começou a bater na mesa – “que era o melhor sanduíche de fran-
go que já tinha comido na vida.” Ele se dirigiu a mim: “Quantas
vezes você já comeu um sanduíche de peru defumado? Talvez
você coma peru ou frango defumado uma vez a cada seis meses.
Uma vez! Quantas vezes você já comeu salmão defumado? Cos-
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após partiu às pressas para Atlantic City, e depois com seu sobri-
nho S.J. Popeil, que Nathan não considerava grato a ele por tê-lo
iniciado no ramo dos utensílios de cozinha. Essa segunda briga
culminou em uma disputa legal em torno do Chop-O-Matic de
S.J. Popeil, um miniprocessador de alimentos com uma lâmina
pregueada em forma de W, girada por um mecanismo de enga-
te especial. O Chop-O-Matic era ideal para preparar salada de
repolho e patê de fígado, e quando Morris lançou um produto
extremamente similar, chamado Roto-Chop, S.J. Popeil proces-
sou o tio por violação de patente. (O Chop-O-Matic, por sua
vez, parecia ter sido inspirado no Blitzhacker, da Suíça, e S.J. mais
tarde foi processado por violação de patente pelos suíços.)
Os dois se enfrentaram em Trenton, em maio de 1958, numa
sala de tribunal repleta de integrantes dos clãs Morris e Popeil.
Quando o julgamento começou, Nathan Morris estava no ban-
co das testemunhas, sendo interrogado pelos advogados de seu
sobrinho, que estavam dispostos a provar que ele não passava
de um mascate e um plagiador. Jack Dominik, há muito tempo
advogado de patentes de Popeil, recorda que, a certa altura do
interrogatório, o juiz se manifestou: “Ele apontou o indicador da
mão direita para Morris e enquanto eu viver nunca esquecerei o
que ele disse. ‘Eu conheço você! Você é um vendedor! Vi você no
calçadão!’ E Morris apontou seu indicador para o juiz e gritou:
‘Não! Sou um fabricante. Sou um fabricante honrado e trabalho
com os advogados mais eminentes!’” (Segundo Dominik, Nathan
Morris era o tipo de homem que se referia a todos com quem tra-
balhava como “eminentes”.) Ele prossegue a narrativa: “Naquele
momento, o rosto do tio Nat foi ficando vermelho e o do juiz,
mais vermelho ainda, e a sessão foi suspensa.” O que aconteceu
mais tarde é mais bem descrito no manuscrito inédito de Domi-
nik, “As invenções de Samuel Joseph Popeil por Jack E. Dominik
– Seu advogado de patentes”. Nathan Morris sofreu um ataque
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