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Clarice Macieira1
Introdução
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Bacharel em Interpretação Teatral, Curso de Graduação Em Teatro , EBA/UFMG.
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Professor Mestre Eduardo Andrade, Curso de Graduação em Teatro, EBA/UFMG.
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Tradução nossa do original em francês: “Lors d'une création de costumes, je fonde toujours ma
recherche sur deux impératifs: le sens et le corps. Le costume est évidemment un outil de narration, il
permet de définir le personnage, de l'inscrire dans une réalité propre au spectacle. Grâce au costume, on
détermine des groupes, des accords et des répulsions, on marque aussi la temporalité du spectacle,
Este artigo tem o propósito de avaliar o processo de criação do espetáculo “Sob
os olhos dos outros”, no qual o figurino é colocado em foco, como força motriz do
processo de criação. Pretende-se investigar as funções e possibilidades do figurino, não
apenas como vetor ativo na constituição do discurso cênico, mas como instrumento
atuante no processo de criação. Assim é que as reflexões a respeito do figurino serão
feitas através de minhas percepções como atriz ao longo do processo de montagem do
exercício prático, apresentado como trabalho final do Curso de Graduação em Teatro da
EBA- UFMG.
l'évolution de ses personnages”. Retirada do site: http://www.julie-d.levillage.org/costumes.htm.
EMERECIANO, Juliana. A comunicação através das roupas: uma compreensão do design de moda além
da superficialidade, Salvador, Revista Design em Foco, vol.II número 001,p.11
condição dada. Além disso, percebemos o quanto a construção da imagem e da
concepção do que é feminino ou masculino, na sociedade, perpassa a roupa.
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A crinolina foi um tipo de armação para sustentar e conferir volume das saias sem a necessidade do uso
de anáguas. Eram confeccionadas com crina de cavalo, barbatanas de baleia ou ferro. Foi utilizada na
segunda metade do século XIX, sendo posteriormente substituída pela Anquinha.
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O traje proposto por Amélia Bloomer no século XIX consistia em calça sobreposta de saia, porém foi
ridicularizado em público.
Interessante notar que a androgenia feminina desde a década de 1970 é comumente
aceita, enquanto que o contrário continua sendo um tabu.
Quando nos anos 1980 surge a noção do homem metrossexual, que cuida de sua
aparência, a primeira chamada nas revistas de moda aponta para o fato de que o uso de
roupas coloridas pelos homens, em detrimento a roupas sóbrias, não afetaria sua
masculinidade. Ao ressaltar que o fato de que se cuidar não torna um homem
homossexual, a revista reforça o que diz Miguel Vale de Almeida:
No teatro, a troca de roupa abre o jogo para o ator ser outro sem
deixar de ser o mesmo, para poder viver um “significante
flutuante” onde o sentido vai sendo composto com o decorrer da
ação. (CORTINHAS, 2010, p.34)
O corpo, quando vestido, é moldado através das roupas. Sendo assim, é plausível
pensar o figurino como um elemento capaz de afetar não só a criação e a construção da
personagem, como também de acentuar a percepção do ator em relação ao seu corpo. As
capacidades expressivas são, então, ampliadas em função do figurino, uma vez que ele
pode atuar de forma a restringir ou ampliar movimentos. Para Pavis, “o figurino é tão
vestido pelo corpo quanto o corpo é vestido pelo figurino. O ator ajusta sua
personagem, afina sua subpartitura ao experimentar seu figurino: uma ajuda o outro a
encontrar sua identidade” (PAVIS,2010, p.164). A reflexão de Pavis reflete o que
buscamos ao longo do semestre na construção do espetáculo “Sob os olhos dos outros”:
um corpo diferenciado, modificado pela roupa e pelo figurino.
A estrutura proposta pelos dramaturgos/diretores Tomaz Yanomani e Adriana
Januário, a partir do que construímos em sala, era de um universo fantástico que,
mesmo beirando o surreal, dialoga com a realidade. Em cena estão os atores Bruno
Pontes, Fabiano Rabelo, Igor Leal e Clarice Macieira. A peça conta a história de dois
homens que nunca viram uma mulher (Bruno Pontes e Fabiano Rabelo) e, por isso,
fantasiam sobre como ela se parece, pelo vislumbre da silhueta de roupas femininas. As
mulheres haviam fugido, e a eles restava retalhar as roupas deixadas para trás,
representando aqui a opressão imposta pelas roupas e pela sociedade. Paralelamente, há
um homem que conhece o que é uma mulher, porém ele é cego e, portanto, não poderia
descrevê-las exatamente. O confronto se dá quando surge uma mulher que não se
reconhece como tal e que vai aos poucos sendo manipulada por cada um dos
personagens, até que se liberta e percorre caminhos na busca de sua identidade. Todos
os personagens mantem costumes que vão sendo colocados em cheque à medida em que
eles se encontram. O cego é um vendedor que carrega uma mala que, segundo lhe
disseram, nunca poderia ser aberta; um dos homens idealiza a mulher perfeita, que não
existe; o outro se descobre mulher a partir do momento em que entra em contato com
uma.
Por fim, temos a figura da esfinge, que caracteriza um ser atemporal. Composta
por dois atores (Igor Leal e Bruno Pontes), a esfinge veste-se de branco, como em um
cerimonial e imagens são projetadas sobre o figurino. Há dois contrapontos: o ator que
fica na base (Bruno Pontes) veste uma calça-saia até os pés que se abre como se fossem
patas. Ao mesmo tempo, o ator que está no suporte de cima também traja um figurino
que alonga seus movimentos, remetendo à ideia da águia e do leão que compõem a
esfinge em várias mitologias, como a Grega e a Egípcia.
Considerações Finais
Quanto à discussão de gênero, notamos que ainda existe forte influência das
roupas no que diz respeito às fronteiras que existem entre homens e mulheres. A
androgenia no vestuário é ainda tabu no vestuário masculino e feminino, embora seja
mais aceitável no segundo caso. A construção das imagens de homens e mulheres ainda
aparecem enquadradas no estereótipo da “mulher frágil” e do “homem viril”, e essas
construções permeiam a roupa na medida em que à mulher cabe o vestido e ao homem a
calça.
A montagem do espetáculo “Sob os olhos dos outros” foi uma experiência única
na minha formação, uma oportunidade de vivenciar o figurino e a roupa em primeiro
plano, e deixar com que estes elementos afetassem o trabalho.
Referências
CORTINHAS, Rosangela. Figurino: um objeto sensível na produção do personagem,
Dissertação de Mestrado, UFRGS, 2010.
CRAINE, DIANA. A moda e seu papel social: Classe, gênero e identidade das roupas.
São Paulo: Senac /São Paulo, 2006.
VIANNA, Fausto. O Figurino teatral e as renovações do século XX, São Paulo: Estação
das Letras e Cores, 2010.
XIMENES, Maria Alice. Moda e arte na reinvenção do corpo feminino no século XIX,
Baueri/SP: Estação das Letras e Cores, 2009
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