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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARCOS ANTÔNIO AZEVEDO CARNEIRO

A OFERTA ONLINE DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO


POR MEIO DE SUBSCRIÇÃO:
ANÁLISE DA DEFINIÇÃO DE SEU REGIME JURÍDICO A PARTIR DE TEORIAS
SOBRE REGULAÇÃO NA PÓS-CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA

Salvador- BA
2022
MARCOS ANTÔNIO AZEVEDO CARNEIRO

A OFERTA ONLINE DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO


POR MEIO DE SUBSCRIÇÃO:
ANÁLISE DA DEFINIÇÃO DE SEU REGIME JURÍDICO A PARTIR DE TEORIAS
SOBRE REGULAÇÃO NA PÓS-CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA

Trabalho de conclusão de curso Graduação em


Direito, Programa de Graduação em Direito,
Universidade Federal da Bahia, como requisito para a
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Celso Luiz Braga de Castro

Salvador

2022
MARCOS ANTÔNIO AZEVEDO CARNEIRO

A OFERTA ONLINE DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO POR MEIO


DE SUBSCRIÇÃO: ANÁLISE DA DEFINIÇÃO DE SEU REGIME JURÍDICO A
PARTIR DE TEORIAS SOBRE REGULAÇÃO NA PÓS-CONVERGÊNCIA
TECNOLÓGICA

Trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito, Programa de Graduação


em Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau
de Bacharel em Direito.

Aprovada em 19 de dezembro de 2022

Salvador, 2022

Banca Examinadora

Celso Luiz Braga De Castro – Orientador ________________________________________


Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Pernambuco.
Universidade Federal da Bahia

Durval Carneiro Neto ________________________________________


Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.
Universidade Federal da Bahia

Marco Aurélio De Castro Júnior ________________________________________


Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal da Bahia.
Universidade Federal da Bahia
CARNEIRO, M. A. A. A oferta online de conteúdo audiovisual programado por meio
de subscrição: análise da definição de seu regime jurídico a partir de teorias sobre
regulação na pós-convergência tecnológica. 98f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) – Curso de Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2022.

RESUMO

Este trabalho versa sobre a oferta online de conteúdo audiovisual programado por
meio de subscrição. Tem como principal objetivo analisar o regime jurídico-regulatório
atualmente aplicável ao serviço em decorrência do entendimento fixado no acórdão
nº 472, proferido pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações
em 10 de setembro de 2020. O marco teórico do presente trabalho é composto pelo
que ora se chama de teorias de regulação de serviços pós-convergência. Essas
teorias, em suma, se debruçam sobre a questão do modo como o Estado Regulador
deverá regulamentar serviços de telecomunicações e internet no contexto da pós-
convergência tecnológica. Este trabalho pretende verificar se a atuação da agência
reguladora brasileira na definição do regime jurídico regulatório da oferta online de
conteúdo audiovisual programado observou as prescrições normativas estabelecidas
nestas teorias. Para viabilidade da empreitada, a análise do objeto deste estudo tem
como vetor de orientação a proposta do professor Victor Fernandes (2018) de
agrupamento das prescrições normativas em três variáveis conceituais que as
caracterizam (2018). A metodologia é pautada em revisão bibliográfica e análise
qualitativa de fontes secundárias. No que tange a estrutura da investigação, de início,
o trabalho traz uma breve revisão de literatura sobre os serviços over the top, categoria
da qual decorre o objeto deste estudo. Em seguida, analisa a suposta
substitutibilidade entre os serviços over the top e a TV por assinatura tradicional, em
especial, a substitutibilidade entre esta e o serviço over the top de conteúdo
programado. Ato contínuo, aborda a dicotomia existente no direito brasileiro entre
serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado e as controvérsias
envolvendo a atuação da ANATEL no que diz respeito à observância da linha
demarcatória existente entre essas duas espécies normativas. Esta discussão
introduz e dá suporte a análise acerca do atual enquadramento jurídico regulatório
conferido pela agência reguladora ao serviço over the top de conteúdo audiovisual
programado no Brasil à luz de prescrições normativas para regulação dos novos
serviços no contexto da pós-convergência tecnológica (FERNANDES,2018). Da
análise empreendida, observou-se a insuficiência da dicotomia normativa entre
serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado; o caráter
incrementalista na atuação da entidade reguladora e a não observância dos princípios
prescritivos-normativos de horizontalidade e estabilidade na definição do regime
jurídico do serviço over the top de conteúdo audiovisual programado.

Palavras-chave: serviço over the top, regulação, pós convergência.


CARNEIRO, M. A. A. The online distribution of subscription-based scheduled
audiovisual content: an analysis of its legal regime definition based on post-convergent
technology regulation theories. 98l. Completion work (University graduate) – Law
Degree Course, Faculty of Law, Federal University of Bahia, Salvador, 2022.

ABSTRACT

This monography deals with the online offer of programmed audiovisual content
through subscription. Its main objective is to analyze the legal and regulatory regime
currently applicable to the service as a result of the understanding established in
judgment nº 472, issued by the Board of Directors of the Brazilian National
Telecommunications Agency (ANATEL) on September 10, 2020. The theoretical
framework of this work it is composed of what is now called post-technological
convergence theories of service regulation. These theories address the question of
how the Regulatory State should regulate telecommunications and internet services in
the context of the post-technological convergence era. This work intends to verify if the
performance of the Brazilian regulatory agency in the definition of the regulatory legal
regime of the online offer of programmed audiovisual content observed the normative
prescriptions established in these theories. For the feasibility of the undertaking, the
analysis of the object of this study has as a guiding vector the proposal of Professor
Victor Fernandes (2018) of grouping normative prescriptions into three conceptual
variables that characterize them (2018). The methodology is based on bibliographic
review and qualitative analysis of secondary sources. With regard to the structure of
the investigation, at first, the work brings a brief review of the literature on over-the-top
services, the category from which the object of this study stems. Then, it analyzes the
supposed substitutability between over-the-top services and traditional pay TV, in
particular, the substitutability between this and the over-the-top service of programmed
content. Then, it addresses the dichotomy existing in Brazilian law between
telecommunications services and value-added services and the controversies
involving ANATEL's performance with regard to the observance of the existing
demarcation line between these two legal categories. This discussion introduces and
supports the analysis of the current regulatory legal framework conferred by the
regulatory agency to the over-the-top service of audiovisual content programmed in
Brazil in the light of normative prescriptions for the regulation of new services in the
context of technological post-convergence (FERNANDES, 2018). From the analysis
carried out, it was observed the insufficiency of the normative dichotomy between
telecommunications services and value-added services; the incremental nature of the
regulatory entity's actions and the non-compliance with the prescriptive-normative
principles of horizontality and stability in defining the legal regime of the over-the-top
service of programmed audiovisual content.

Keywords: over the top service, regulation, post-convergence era.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1: Evolução de acessos/ Densidade de TV por assinatura. .........................................23


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

ANCINE – Agência Nacional do Cinema

AVod – Advertising-Based Video on Demand

BEREC – Body of European Regulators for Eletronic Communications

CBT – Código Brasileiro de Telecomunicações

CGI – Comitê Gestor da Internet no Brasil

CPRP – Gerência de Monitoramento das Relações entre Prestadoras

DTH – Direct-To-Home

EESPT – Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de Telecomunicações

HD – High-definition

IAP – Internet Access Provider

IN – Instrução Normativa

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMO – Comitê do Mercado Interno e da Defesa do Consumidor

ISP – Internet Service Providers

LGT – Lei Geral de Telecomunicações

LGT – Lei Geral de Telecomunicações

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OTT – Over the top

PERT – Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações

PGMC – Plano Geral de Metas de Competição

PSCI – Serviços de Provimento de Acesso à Internet xi


RGI – Regulamento Geral de Interconexão

RST – Regulamento dos Serviços de Telecomunicações

RTI – Regulamento de Telecomunicações Internacionais

SCM – Serviço de Comunicação Multimídia

SCP – Superintendência de Competição

SeAC – Serviço de Acesso Condicionado

SEI – Sistema Eletrônico de Informações

SMP – Serviço Móvel Pessoal

SMS – Short Message Service

STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado

SVA – Serviços de Valor Adicionado

SVoD – Subscription on Video on Demand

TVA – Serviço Especial de Televisão por Assinatura

TVC – Serviço de TV a Cabo

TVLAI – Televisão linear por assinatura na Internet

TVoD – Transactional Video on Demand

UIT – União Internacional de Telecomunicações

URD – Unidade Receptora Decodificadora

vMVPD – Virtual Multichannel Video Programming Distributor

VoD – Video on Demand


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

2.1 SERVIÇOS OVER THE TOP: ESTABILIZAÇÃO SEMÂNTICA....................... 14

2.2 A EMERGÊNCIA DE UM NOVO SERVIÇO OVER THE TOP DE VÍDEO E O


PARADIGMA DO SEU POTENCIAL DE SUBSTITUTIBILIDADE EM RELAÇÃO À
TELEVISÃO POR ASSINATURA .............................................................................. 20

2.2.1. O arrefecimento do mercado de TV por assinatura ................................ 22

2.2.2 A emergência de soluções over the top para consumo de conteúdo


audiovisual e as especificidades técnicas que permitiram a sua escalada:...... 25

2.2.3 A questão do possível potencial de substitutibilidade dos serviços over


the top de conteúdo audiovisual ao serviço da TV por assinatura: ................... 27

2.2.4 Da assimilação de recursos e funcionalidades próprias da tv por


assinatura pelos OTT de vídeo à emergência de um serviço funcionalmente
equivalente à tv paga .............................................................................................. 33

2.2.5 Dos resultados do Informe nº 461/2020/CPRP/SCP da Área Técnica da


Anatel sobre as relações de substitutibilidade ou de complementaridade entre a
TV por assinatura e o serviço OTT de conteúdo audiovisual programado: ...... 41

2.3 EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL E ASSIMETRIA JURÍDICO-REGULATÓRIA .. 43

3. A ATUAÇÃO DA ANATEL NO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO SERVIÇO


OVER THE TOP DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO POR
SUBSCRIÇÃO .......................................................................................................... 45

3.1 A ATUAÇÃO DA ANATEL NA DEFINIÇÃO DAS MODALIDADES DE


SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES .................................................................. 45

3.2 O SERVIÇO DE ACESSO CONDICIONADO ENQUANTO SERVIÇO DE


TELECOMUNICAÇÕES ............................................................................................ 50

3.3 O SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (SVA) ............................................... 55

3.4 A DICOTOMIA “SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E NO SVA” NO


CONTEXTO DE EMERGÊNCIA DOS OTT............................................................... 57
3.5 O ACÓRDÃO Nº 472 DO CONSELHO DIRETOR DA ANATEL E A DEFINIÇÃO
DO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO OTT DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL
PROGRAMADO ........................................................................................................ 59

3.5.1 Da Tomada de Subsídios Pública: ............................................................ 59

3.5.2 O Acórdão nº 472 do Conselho Diretor da Anatel: .................................. 60

3.6 REFLEXÕES SOBRE A DECISÃO E APRESENTAÇÃO DE COORDENADAS


NECESSÁRIAS ......................................................................................................... 63

4. TEORIAS DA REGULAÇÃO NA PÓS CONVERGÊNCIA ............................. 66

4. 1 AS TRÊS PRESCRIÇÕES NORMATIVAS EXTRAÍDAS DAS TEORIAS DA


REGULAÇÃO NA PÓS-CONVERGÊNCIA ............................................................... 70

4.1. 1 O diagnóstico de insuficiência e a necessidade de superação dos modelos


jurídicos baseados em silos verticais ou da inadequação das molduras jurídicas
tradicionais: ............................................................................................................. 70

4.1.2 A rejeição do incrementalismo regulatório e da tirania das pequenas


decisões ................................................................................................................... 71

4.1.3 A redefinição de regimes jurídicos estáveis e horizontais em mercados


funcionalmente equivalentes ................................................................................. 72

5 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA ANATEL NA DEFINIÇÃO DO REGIME


JURÍDICO DO SERVIÇO OTT DE VÍDEO A PARTIR DAS PRESCRIÇÕES PARA
REGULAÇÃO DE SERVIÇOS NO PÓS CONVERGÊNCIA ..................................... 75

5.1 DO ESMAECIMENTO DE CATEGORIAS NORMATIVAS NO ÂMBITO DA PÓS


CONVERGÊNCIA ..................................................................................................... 75

5.2 O ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS SERVIÇOS OVER THE TOP DE


CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO: UMA DECISÃO DE VIÉS
INCREMENTALISTA? ............................................................................................... 80

5.3 REGIMES JURÍDICOS ESTÁVEIS E HORIZONTAIS PARA MERCADOS


FUNCIONALMENTE EQUIVALENTES? ................................................................... 83

5.3.1 Regime Jurídico do Serviço de Acesso Condicionado: ......................... 85


5.3.2 Regime jurídico-regulatório do serviço over the top de conteúdo
audiovisual programado ......................................................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 95

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 97
10

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar as controvérsias em torno da regulação do


serviço online de canais de televisão por assinatura a partir da internet.
Especificamente aqui buscar-se-á investigar, sob a perspectiva das teorias da
regulação no pós-convergência, o regime jurídico-regulatório atualmente aplicável ao
serviço em decorrência do entendimento fixado no Acórdão nº 472, proferido pelo
Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em 10 de
setembro de 2020.

O marco teórico do presente trabalho é composto pelo que ora se chama de


teorias de regulação de serviços pós-convergência. Essas teorias, em suma, se
debruçam sobre a questão do modo como o Estado Regulador deverá regulamentar
serviços de telecomunicações e internet no contexto da pós-convergência tecnológica.

Em que pese “pós-convergência tecnológica” não se tratar de um conceito


unívoco, a dimensão da formulação teórica proposta por Fernandes serve de esteio
aos propósitos do presente trabalho:

“...mutação qualitativa e estrutural dos mercados de comunicações e


tecnologia como um todo, que se desenvolve a partir do incremento
da capacidade de prestação de serviços de mesma natureza por meio
de estruturas de redes diferentes” (FERNANDES, 2018)

Com o aporte desse substrato teórico, este trabalho pretende verificar se a


atuação da agência reguladora brasileira na definição do regime jurídico regulatório
da oferta online de conteúdo audiovisual programado observou as prescrições
normativas estabelecidas nestas teorias.

Para viabilidade da empreitada, a análise da conformidade da supracitada


atuação terá como vetor de orientação a proposta do professor Victor Fernandes
(2018) de agrupamento das prescrições normativas em três variáveis conceituais que
as caracterizam (2018): (i) O diagnóstico de insuficiência dos modelos jurídicos
baseados em silos verticais ou da inadequação das molduras jurídicas tradicionais, a
rejeição do incrementalismo regulatório e da tirania das pequenas decisões e a
11

redefinição de regimes jurídicos estáveis e horizontais em mercados funcionalmente


equivalentes.

No que tange ao arsenal metodológico do trabalho, este foi composta de revisão


bibliográfica. Foram usadas como fontes não só a legislação, mas também dados
produzidos pelo governo, notícias de jornais, artigos em periódicos, notas técnicas,
livros, monografias, teses entre outros, com pertinência temática para essa
construção. Utilizou-se principalmente de fontes secundárias e fez-se revisão
bibliográfica das obras dos autores aqui trabalhados.

Delimitado o objeto de estudo, são necessários alguns apontamentos sobre a


estrutura da investigação aqui empreendida.

Em razão da escassez de trabalhos acadêmicos que adotem como objeto de


estudo o serviço de oferta online de canais de televisão pela internet, o primeiro
capítulo buscará delimitá-lo conceitualmente, desenvolvendo uma breve revisão de
literatura sobre os serviços over the top (OTT) de vídeos, categoria da qual decorre o
objeto desta pesquisa.

Sem pretensão de esgotar o tema, buscar-se-á apresentar os serviços


emergentes de comunicação audiovisual mais usuais no mercado com o intuito de
localizar o objeto de pesquisa dentro desse universo e precisar os caracteres técnicos
que o diferenciam das demais espécies do ramo.

Para além de uma revisão conceitual, natureza ontológica ou classificação dos


representantes da categoria OTT de vídeo, esse capítulo também se voltará para
análise de uma questão recorrente em diferentes estudos sobre o assunto: a suposta
substitutibilidade desses novos serviços em relação aos tradicionais serviços de
telecomunicações, em especial, a substitutibilidade entre a TV por assinatura
convencional e o serviço OTT de conteúdo audiovisual programado, como doravante
será chamada à oferta online de canais de televisão pela internet.

Para promoção do intento, a discussão trazida a seguir está amparada nas


preleções de autores especializados e nos dados extraídos de diversas pesquisas,
estudos e relatórios de instituições governamentais brasileiras e internacionais que
ajudam a verificar, no plano fático, o argumento do potencial de substituição dos novos
serviços.
12

Pretende-se com essa discussão entender se há entre os dois serviços (TV paga
e OTT de vídeo programado) aspectos funcionais equivalentes que possam ensejar
questionamentos relativos à eventual incidência de determinados regramentos
jurídicos e regulações setoriais.

O segundo capítulo aborda a dicotomia existente no direito brasileiro entre


Serviços de Telecomunicações e Serviços de Valor Adicionado e as controvérsias
envolvendo a atuação da Anatel no que diz respeito à observância da linha
demarcatória existente entre essas duas espécies. Esta discussão introduz e dá
suporte a análise acerca da atual formatação jurídica conferida pela Anatel aos
serviços over the top de conteúdo audiovisual programado no Brasil, que culminou na
assimetria existente entre este e a TV por assinatura.

Conforme veremos, na Reunião Extraordinária do dia 09 de setembro de 2020,


O Conselho Diretor da Anatel entendeu que o serviço over the top de conteúdo
audiovisual programado não se enquadra como Serviço de Acesso Condicionado
(SeAC), nos termos propostos pelo Conselheiro Emmanoel Campelo de Souza
Pereira consubstanciados no Voto nº 22/2020, que integrou o Acórdão n° 472 do
Conselho Diretor da Anatel, publicado em 10 de setembro de 2020.

A caracterização do serviço over the top de conteúdo audiovisual programado


enquanto SVA implica em sua exclusão do regime jurídico do serviço de acesso
condicionado e, consequentemente, do âmbito da competência regulatória da Anatel.
Em outros termos, a decisão do Conselho Diretor da Agência lhe destinou a um
verdadeiro vácuo regulatório, caracterizado pela não incidência de obrigações
setoriais típicas, frequentemente aplicadas aos serviços de telecomunicações e
radiodifusão.

Essa qualificação jurídica de quase nenhuma carga regulatória tende a se tornar


mais controversa na medida em que se evidencia semelhanças de atributos ou
aspectos funcionais entre o novo incumbente, não regulado, e a televisão por
assinatura, objeto de extensa regulação estatal.

Nesse cenário em que a internet vem exercendo o papel da infraestrutura básica


de telecomunicações como suporte para a prestação de serviços de distribuição de
conteúdo, é necessário questionar a adequação da dicotomia promovida pelo Acórdão
13

nº 472 do Conselho Diretor da Anatel, considerando os seus efeitos no que diz


respeito à regulação dos dois serviços.

Visando o cumprimento desse intento, no terceiro capítulo serão apresentadas


contribuições de diversos autores que servirão de aporte teórico para o enfrentamento
da questão aqui apresentada. Esses trabalhos buscam entender e propor prescrições
acerca do como regular serviços de telecomunicações e serviços de internet
considerados funcionalmente equivalentes em um ambiente de digitalização dos
serviços e pós convergência tecnológica. Essa análise culminará nas três prescrições
normativas propostas por Victor Fernandes (2018) derivadas desse arcabouço teórico:
(i) a superação dos modelos jurídicos baseados em silos verticais ou da inadequação
das molduras jurídicas tradicionais; (ii) a rejeição do incrementalismo regulatório e da
tirania das pequenas decisões; (iii) o estabelecimento de regimes jurídicos estáveis e
horizontais para mercados funcionalmente equivalentes

Por fim, no quarto e último capítulo analisará a atuação da Anatel na definição


do regime jurídico aplicável ao serviço over the top de conteúdo audiovisual
programado no Brasil à luz das três variáveis teórico-conceituais propostas por
Fernandes apresentadas no capítulo antecedente.
14

2 O SERVIÇO OVER THE TOP DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL


PROGRAMADO: ASPECTOS CONCEITUAIS E CONTROVÉRSIA JURÍDICA

Dada a escassez de trabalhos acadêmicos que adotem como objeto de estudo


a temática da oferta online de canais de televisão pela internet, o presente capítulo
buscará delimitá-lo conceitualmente, desenvolvendo uma breve revisão de literatura
sobre os serviços over the top (OTT) de vídeos, categoria da qual decorre o objeto.

Sem pretensão de esgotar o tema, aqui buscar-se-á apresentar os serviços


emergentes de comunicação audiovisual mais usuais no mercado com o intuito de
localizar o objeto de pesquisa dentro desse universo e precisar os caracteres técnicos
que o diferenciam das demais espécies do ramo.

Para além de uma revisão sobre a semântica, natureza ontológica ou


classificação dos representantes da categoria OTT de vídeo, esse capítulo também
se voltará para análise de uma questão recorrente em diferentes estudos sobre o
assunto: a suposta substitutibilidade desses novos serviços em relação aos
tradicionais serviços de telecomunicações, em especial, a substitutibilidade entre a TV
por assinatura convencional e o serviço OTT de conteúdo audiovisual programado,
como doravante será chamada à oferta online de canais de televisão pela internet.

Pretende-se com essa discussão entender se há entre os dois serviços (TV paga
e OTT de vídeo programado) aspectos funcionais equivalentes que possam ensejar
questionamentos relativos à eventual incidência de determinados regramentos
jurídicos e regulações setoriais.

Para promoção do intento, a discussão trazida a seguir está amparada nas


preleções de autores especializados e nos dados extraídos de diversas pesquisas,
estudos e relatórios de instituições governamentais brasileiras e internacionais que
ajudam a verificar, no plano fático, o argumento do potencial de substituição dos novos
serviços.

2.1 SERVIÇOS OVER THE TOP: ESTABILIZAÇÃO SEMÂNTICA


15

Não há registros na literatura de trabalhos dedicados especificamente à temática


da regulação do serviço de oferta de canais de televisão por assinatura pela internet
enquanto objeto autônomo de pesquisa. Apesar de não identificados estudos que se
debruçam estritamente a esse tipo de atividade, foram mapeadas investigações que
se dedicaram a analisar a questão da possível incidência de regulações setoriais
consolidadas sobre novos serviços prestados a partir da internet.

Em regra, esses estudos abordam os novos serviços como tecnologias


disruptivas, que incorporam padrões e esquemas novos de atuação e que não se
amoldam facilmente às categorias normativas pré-concebidas1. Para a grande parte
desses autores, esses novos agentes modificam a dinâmica de um mercado regulado
que habitualmente condiciona os prestadores da atividade econômica a uma série de
restrições2. Essas condicionantes são impostas por uma normatização de cunho
interventiva, construída para finalidades variadas, como a correção de falhas de
mercado até a promoção de direitos fundamentais e proteção de valores sociais.

Contudo, em que pese oferecerem funcionalidades semelhantes aos serviços


convencionais, os novos entrantes acabam atuando sem obedecer às condicionantes
aplicadas aos demais agentes. Para tanto, argumentam existir um suposto
descompasso entre a normatividade vigente e o novo formato de execução do
serviço3.

A doutrina frequentemente utiliza-se da expressão americana over the top para


qualificar esse rol de aparentes anomalias jurídicas promovidas pelas inovações

1 Entre alguns destes estudos, podemos destacar a análise de Fernandes (2018) sobre os serviços
over the top de voz, assim entendidos como os serviços oferecidos a partir da internet que
disponibilizam capacidades de comunicação baseada no tráfego de sinais de voz, entregando aos seus
usuários funcionalidades semelhantes aos tradicionais serviços de telefonia fixa e móvel, mas que não
são juridicamente considerados serviços de telecomunicações e, portanto, não estão submetidos ao
mesmo regime jurídico setorial.
2 Essas são as conclusões do estudo de Ragazzo e Oliveira (2017) ao analisarem o atual status legal

e regulatório do ordenamento brasileiro no que tange à restrição da propriedade cruzada no âmbito do


serviço da TV por assinatura em face da emergência dos serviços over the top de vídeo e a
consequente assimetria regulatória que se ergue entre os velhos e os novos serviços
3 Esse discurso que suscita a natureza disruptiva do serviço e sua incompatibilidade com a

normatividade vigente foi um argumento constante no debate travado entre a Claro S/A e TOPSPORTS
no âmbito do processo administrativo nº SEI 53500.057279/2018-66 instaurado pela Superintendência
de Fiscalização da ANATEL em razão de supostas ilegalidades da FOX na prestação de serviços de
televisão por assinatura (ANATEL, 2018)
16

tecnológicas. Diante da dimensão global que atinge a prestação de serviços baseados


na internet, essa foi a terminologia que acabou sendo popularizada pela literatura,
órgãos reguladores e organismos internacionais. O termo passou a ser adotado como
uma espécie de conceito-chave, que engloba toda forma de conteúdo, serviço ou
aplicativo ofertados a partir da internet e que desponta como uma alternativa a um
antigo modo de executar uma atividade.

Entretanto, em que pese ser bastante empregado, não há um consenso


semântico sobre a definição de over the top4. Muitas vezes o termo acaba sendo
utilizado para se referir ao próprio grupo de novos agentes econômicos (tais como
Netflix™, Youtube™, WhatsApp™ e congêneres), que ofertam aplicações na internet
capazes de concorrerem com os serviços prestados tradicionalmente por
concessionárias, permissionárias ou autorizatárias do setor das telecomunicações5.

Não raro, também é corriqueiro encontrar a expressão over the top sendo
utilizada por agências reguladoras, organismos nacionais e internacionais para se
referir aos próprios serviços, as características técnicas que os identificam ou a forma
específica de sua execução6.

Estas duas abordagens diferentes para a mesma terminologia levaram


Fernandes (2018) a desenvolver uma classificação conceitual que engloba esses dois
segmentos. Segundo o autor, ao se atribuir, ora ao agente, ora ao serviço, o traço
característico ou distintivo que agrupa diferentes serviços em uma mesma categoria,

4
A mesma observação foi feita pelo Relatório sobre os Serviços OTT do Organismo de Reguladores
Europeus das Comunicações Eletrônicas (BEREC): “OTT é um termo frequentemente usado, mas
muitas vezes não definido de forma precisa” (BEREC, 2016, tradução livre).
5 O uso da expressão calcado na figura do agente econômico foi empregado, por exemplo, na Avaliação

da Comissão Europeia sobre o quadro regulamentar das comunicações eletrônicas e que acompanhou
a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia para o
Estabelecimento do Código Europeu de Comunicações Eletrônicas. Diversas vezes, o documento
utiliza a expressão OTT players para se referir aos agentes que “estão atualmente fora do âmbito de
intervenção do quadro regulamentar (embora existam divergências de abordagem quanto à linha
divisória) e que teria atrapalhado em parte o negócio modelo de fornecedores de comunicações
electrónicas "tradicionais". (EUROPEAN COMMISSION, 2016)
6 Esse foi o conceito adotado pelo Estudo desenvolvido para o Comitê do Mercado Interno e da Defesa

do Consumidor (ICMO) do Parlamento Europeu: nós usamos o termo over the top (OTT) para nos
referirmos a serviços online que podem substituir em algum grau os serviços tradicionais de mídia e
telecomunicações” (GODLOVITCH et al. 2016, tradução livre). Nesse sentido, a União Internacional de
Telecomunicações (UIT) já usou o termo para se referir a aplicações e serviços acessíveis através da
Internet e transmitidos por provedores de acesso à Internet, como redes sociais, e sites de agregação
de vídeos amadores, dentre outros” (UNIÃO INTERNACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (UIT),
2013)
17

estes autores estão, em linhas gerais, elegendo uma entre duas perspectivas para
analisar um mesmo fenômeno, as quais foram qualificadas em sua obra como os
sentidos subjetivo e objetivo do conceito de over the top (FERNANDES, 2018).

Em que pese sua relevância, o sentido subjetivo não será desenvolvido no


presente trabalho, uma vez que as perspectivas subjetivistas estão muito mais
focadas na análise do conflito econômico entre agentes de mercados potencialmente
substitutivos do que precisamente na discussão acerca do regime jurídico aplicável
aos serviços ofertados (FERNANDES, 2018).

Por outro lado, o sentido objetivo é que o melhor se adequa à investigação em


curso, pois as abordagens construídas a partir dessa perspectiva se dedicam
justamente a perquirir os caracteres técnicos que identificam o modelo de prestação
dos serviços over the top e que os diferenciam de outros espécimes de serviços.

Contudo, tão somente qualificar como objetivista a perspectiva escolhida não é


suficiente, se faz necessário adjetivá-la para entendê-la por completo, uma vez que
se está diante de um campo plúrimo, habitado por perspectivas próximas, porém não
semelhantes, tratando-se, em verdade, de um universo de concepções objetivistas e
não de um ponto de vista absoluto.

Diante dessa constatação, se faz necessário ter consciência do fator agregador


dessa pluralidade. Para tanto, a doutrina especializada aponta alguns traços como os
elementos caracterizantes desse universo. Em regra, as perspectivas objetivistas
qualificam como serviços over the top aqueles que são (i) ofertados diretamente a um
usuário final; (ii) executados a partir da internet; (iii) e prestados por agentes de
mercado que não detêm o controle de uma rede de telecomunicações (FERNANDES,
2018).

De fato, essa tríade de caracteres se repete nas mais variadas concepções


objetivistas, sendo observada facilmente nos mais corriqueiros serviços over the top:
diariamente, (i) empresas como a Netflix™, Youtube™ e WhatsApp™ formalizam
relações comerciais diretas com os consumidores, os quais contratam seus produtos
onerosa ou gratuitamente. No que diz respeito à execução do serviço, se observa que
(ii) não há da parte dessas empresas qualquer tipo de aporte de capital ou
investimento direcionado ao desenvolvimento de uma infraestrutura de rede de
18

telecomunicações, visto que (iii) esses agentes de mercado são necessariamente


usuários de um fornecedor de Serviços de Internet (ISP) ou Provedor de Acesso à
Internet (IAP), responsáveis por garantir-lhes à exploração direta da atividade na rede
mundial de computadores, meio pelo qual se torna viável a disponibilização do serviço
para usufruto imediato de seus usuários.

Contudo, em que pese a existência de caracteres compartilhados entre


diferentes serviços over the top, já destacamos que este campo comporta as
especificidades de cada serviço/aplicativo/conteúdo, especificamente no que
concerne à utilidade final da atividade ao usuário (mensagens de texto, chamadas de
áudio, conteúdo em vídeo, redes sociais, e-commerce, dentre outros).

Nesse ponto, importa esclarecer que o presente trabalho adotará uma


concepção de serviços over the top restrita e específica, voltada apenas para uma das
espécies de serviços de comunicação audiovisual que despontaram como
complementares ou, pelo menos, potencialmente substituíveis em relação a outros
serviços tradicionais de telecomunicações.

Essa escolha não ignora, contudo, a existência da categoria serviços over the
top e que esta abrange outros tipos de serviços não analisados no presente trabalho.
Ao contrário, aqui se reconhece os serviços over the top enquanto um gênero do qual
se extrai o objeto de estudo dessa pesquisa - a oferta onerosa de canais de televisão
por assinatura pela internet - na condição de uma espécie derivada da categoria.

Postas essas delimitações conceituais, evitar-se-á qualquer tipo de confusão


entre o substrato teórico com outras espécies do mercado de serviços OTT, em
especial com algumas espécies que concorrem ou emergem como substitutos
potenciais de outros serviços de telecomunicações. Nesse sentido, excluímos
expressamente do escopo desta investigação os serviços fornecidos por aplicativos
como o Telegram™, Skype™ e WhatsApp™ e, por conseguinte, qualquer discussão
atinente a uma suposta substitutibilidade ou complementaridade desses aplicativos
em relação aos tradicionais serviços de telefonia fixa e móvel.

Também não é do interesse do presente trabalho ampliar o debate para outras


categorias de OTT voltados ao mercado do audiovisual como é o caso do serviço de
video on demand (VoD), prestado por provedores globais de filmes, programas e
19

séries de televisão, a exemplo da Netflix™, Amazon™, Disney+™ e Mubi™. Bem


como também não é pretensão desta pesquisa se debruçar sobre plataformas de
compartilhamento de conteúdo audiovisual como o Youtube™, o Periscope™, a
Twitch™ ou TikTok™, nos quais o próprio catálogo do serviço é constantemente
alimentado pelos próprios usuários.

Outra ressalva é quanto ao modelo do negócio tratado neste trabalho, que


consiste em um sistema de contratação por assinatura (subscription business model),
escapando dos propósitos desta análise, portanto, examinar quaisquer serviços over
the top que não sejam diretamente remunerados pelo usuário ou que disponibilizem
pelo menos um plano gratuito para fruição do conteúdo.

Ciente das especificidades do objeto sob análise, se faz necessário esclarecer


que, neste estudo, toda e qualquer passagem dedicada às outras espécies de OTT
de vídeo não busca examiná-las em si mesmas enquanto entidades autônomas, mas
instrumentalizá-las, no sentido de utiliza-las como um suporte para compreensão do
objeto de estudo aqui explorado - os canais de televisão por assinatura no ambiente
da internet - que deve ser encarado enquanto fenômeno situado em um tempo e um
espaço e que não pode ser perfeitamente compreendido quando isolado da realidade
e do contexto que o contêm.

A televisão por assinatura disponibilizada diretamente na internet é uma


evolução de outros serviços OTT de conteúdo audiovisual, interage com outros que
lhe são contemporâneos e somente poderá ser completamente singularizado quando
posto à frente de outras espécies que compõem o mercado ao qual pertence, é nesse
sentido que pretendemos utilizar todo e qualquer dado ou fonte citada adiante relativos
às demais espécies de OTT de vídeo.

Essa diferenciação, contudo, não corrompe o núcleo conceitual de serviço over


the top aqui proposto. Todos (inclusive o serviço online de canais de televisão por
assinatura) são oferecidos diretamente ao usuário final, executados a partir da internet
pública e prestados por agentes de mercado que não detêm o controle de uma rede
de telecomunicações. Em outras palavras, todos são considerados serviços over the
top, mas somente o serviço online de oferta de canais por assinatura constitui o
verdadeiro objeto de estudo de nossa investigação.
20

Feita essa estabilização semântica, a próxima seção irá desenvolver uma breve
revisão de literatura sobre a emergência dos OTT de vídeos e seu potencial
substitutibilidade em desfavor dos serviços de telecomunicações, em especial a tv por
assinatura. Sem pretensão de esgotar o tema, buscar-se-á apresentar os serviços
emergentes de comunicação audiovisual mais recorrentes (serviços OTT de vídeo)
com vistas a localizar o objeto dessa pesquisa dentro desse universo de novos
entrantes, buscando entre semelhanças e/ou diferenças, identificar a sua real posição
nesse mercado e as controvérsias que advieram desde o nascedouro dessa espécie
de serviço OTT.

2.2 A EMERGÊNCIA DE UM NOVO SERVIÇO OVER THE TOP DE VÍDEO


E O PARADIGMA DO SEU POTENCIAL DE SUBSTITUTIBILIDADE EM RELAÇÃO
À TELEVISÃO POR ASSINATURA

Nos últimos anos, diferentes organismos nacionais7 e internacionais8 têm se


debruçado sobre a questão atinente à necessidade de revisão do marco legal e
regulatório hoje incidente sobre os serviços over the top. Guardadas as devidas
especificidades de cada estudo, essas pesquisas costumam suscitar o argumento de
que a alta demanda pelos OTT transformou a dinâmica do mercado das
telecomunicações de modo a desencadear um forte descompasso entre este mercado
e o aparato jurídico e regulatório aplicável ao setor.

7
Dentre diversos trabalhos nacionais voltados à temática, destaca-se o Estudo Preliminar Sobre os
Serviços de Vídeo sob Demanda (VoDs) publicado pela ANCINE em 2019 como forma de contribuir
com o debate travado no Brasil sobre a modelagem de um marco regulatório que fosse capaz de lidar
com a “maturidade e sofisticação da estrutura dos serviços de VoD no país" (ANCINE, 2019, p. 66).
Segundo o referido documento, essa espécie de serviço over the top enseja o “enquadramento legal
de suas características e a definição de obrigações de forma mais articulada e integrada ao
ordenamento da comunicação audiovisual'' e que, a despeito da obrigação de obediência dos novos
players aos “preceitos gerais dessa disciplina jurídica”, também se faz necessário um “tratamento
regulatório específico” que verse sobre a “estrutura e a organização lógica de funcionamento” da
cadeia de atividades dos Serviços de VoD (ANCINE, 2019).
8 Nesse sentido, a “Avaliação da OCDE sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil” constatou

que o setor de comunicações do país não dispõe de uma política pública abrangente para a
radiodifusão, a TV por assinatura e os serviços emergentes de OTT/VoD e que essa política se faz
necessária em um “ambiente cada vez mais convergente” (OECD, 2020).
21

Uma constante nesses estudos é o argumento de que os serviços emergentes


teriam forte potencial de substitutibilidade em relação aos serviços tradicionais, em
que pese aqueles não estariam submetidos ao mesmo tratamento legal e regulatório
imposto aos primeiros, o que criaria certo desequilíbrio nas condições de
competitividade9.

Esse argumento, inclusive, é reproduzido reiteradamente por diversos agentes


do setor de telecomunicações. Não raro, empresas da área denunciaram prestadores
dos serviços OTT aos órgãos de regulação sustentando que atividades de cunho
potencialmente substitutivos ou funcionalmente equivalentes estão sendo executadas
sem a observância da regulação setorial aplicada.

Por seu turno, agentes incumbidos dos serviços OTT contestam essa alegação
sob o argumento de que os serviços prestados diretamente na internet não estariam
submetidos ao regime jurídico das telecomunicações ou qualquer regulação setorial,
se tratando, em verdade de serviços disruptivos que não foram antevistos pelo direito
vigente e que, portanto, estariam isentos, até o momento, de regulamentação 10.

Feita essa breve digressão da questão sob uma perspectiva ampliada, ressalta-
se que este estudo irá trabalhá-la dentro do contexto da disputa protagonizada pelos
prestadores de conteúdo audiovisual no ambiente da internet e o tradicional serviço
de televisão por assinatura. Debate do qual decorre as discussões sobre uma nova
forma de ofertar canais de televisão para o usuário final, sua eventual equiparação à
tradicional televisão paga e, por conseguinte, a incidência de regulações setoriais
decorrentes da aludida qualificação.

9 O argumento acima foi utilizado no Relatório Final do Ministério das Comunicações voltado para a
questão da necessidade de atualização da Lei nº 12.485/2011, que unificou os serviços de TV paga no
Brasil sob o mesmo regramento jurídico. Segundo o referido relatório, a lei supracitada não abarca as
aplicações e produtos OTTs e que este vácuo normativo enseja o desbalanceamento em termos de
carga regulatória entre a televisão por assinatura tradicional e os novos modelos de negócio (Brasil,
2021).
10 A natureza disruptiva do serviço e sua incompatibilidade com a normatividade vigente também foi um

argumento constante no debate travado entre a Claro S/A e Fox Latin America Channels do Brasil Ltda.
no âmbito do processo administrativo nº SEI (Processo SEI nº 53500.056473/2018-24) instaurado pela
Superintendência de Fiscalização da ANATEL em razão de supostas ilegalidades da TOPSPORTS na
prestação de serviços de televisão por assinatura (ANATEL, 2018)
22

2.2.1. O arrefecimento do mercado de TV por assinatura

Com a edição da Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, estabeleceu-se um


novo marco legal com foco prescritivo na uniformização das regras atinentes à
prestação do serviço de televisão por assinatura. O propósito da lei se consolidou no
ano subsequente com o advento da regulamentação do serviço pela Anatel através
da Resolução n° 581/12.

Após a edição e implementação desse regramento setorial, se observou


alterações substanciais no que diz respeito ao incremento dos números relativos à
disponibilidade e alcance do serviço, duas variáveis que possibilitaram a ampliação
da base de assinantes da tv por assinatura no Brasil, permitindo que ela atingisse o
seu ápice em novembro de 2014, com quase 20 milhões de acessos11, conforme
indicadores extraídos do Painel de Dados da Anatel:

Desde então, o mercado de TV por assinatura experimentou um movimento de


retração, com perdas sucessivas na base conquistada. Esse retraimento atingiu o seu
ápice em junho de 2021, quando o serviço registrou o seu pior desempenho desde a
implementação da regulação setorial: 13.910.149 acessos totais (ANATEL, 2022).

11 Especificamente, 19. 842.737 acessos totais (ANATEL, 2022)


23

Gráfico 1: Evolução de acessos/ Densidade de TV por assinatura.

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados extraídos do Painel de Dados da Anatel
(ANATEL, 2022)

A partir daí, tem-se um movimento curioso: os dados fornecidos pela Anatel


indicaram uma melhora substancial e repentina no mercado da TV por assinatura, que
totalizou 16.843.837 acessos ao serviço ainda em setembro de 2021, um número pelo
menos 20% maior do que aquele registrado ao fim do trimestre anterior (ANATEL,
2022).

Contudo, esse crescimento expressivo na base de acessos não encontra


respaldo em um substrato fático e foi artificialmente criada por uma mudança na
metodologia de agregação de dados implementada pela agência reguladora 12, que
consistiu na equiparação dos acessos a TV por assinatura aos acessos a
determinados serviços de distribuição de sinais de televisão via satélite (DTH - Direct

12 Inclusive, esse crescimento pontual verificado à época foi veiculado com ressalvas pelos maiores
portais do Brasil sobre Telecomunicações. A maior parte da mídia especializada destacou que a
mudança na metodologia de cálculo tornou mais complexo a análise dos dados veiculados e que o
crescimento experimentado se deve à inclusão do Serviço de TV Livre Via Satélite na base do serviço
tradicional da Televisão por assinatura. (FLESCH, 2022)
24

to Home)13, especificamente a modalidade chamada “TV Livre Via Satélite”14- um


segmento que disponibiliza canais abertos e obrigatórios ao usuário final, via
tecnologia satelital, sem a cobrança de uma mensalidade, desde que o cliente se
comprometa a adquirir a antena e o decodificador usados na captação do sinal.

Essa mudança na metodologia teve respaldo em uma decisão colegiada exarada


pelo Conselho Diretor da Anatel em 02 de janeiro de 2019, que equiparou o modelo
de negócio "Sky Livre" e similares ao serviço de tv por assinatura e estipulou a
igualdade de direitos e condições para os usuários de ambos os serviços (ANATEL,
2014).

Contudo, ainda que o crescimento artificial da base de assinantes tenha ajudado


a inflacionar os números do mercado da TV por assinatura, esse recurso foi se
demonstrando insuficiente para se sobrepor a crescente baixa de acessos e retração
do segmento a ponto de, ainda em outubro de 2021, o Painel de Dados da Anatel
revelar uma nova baixa nos números relativos à densidade do serviço, não obstante
a contabilização dos novos entrantes (ANATEL, 2022).

Esse movimento foi se intensificando com o decorrer dos meses, revelando uma
evidente tendência ao arrefecimento do mercado, que se apresentava menor a cada
medição. Nessa toada, a crise do mercado de TV por assinatura atingiu um novo
marco quando, em setembro de 2022, registrou-se o mais baixo patamar na base de
acessos da tv paga desde a implementação da mudança na metodologia de
agregação dos dados: 14.443.558 acessos (ANATEL, 2022).

13
O Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite - DTH é uma
modalidade especial de serviço de acesso condicionado que distribui os sinais de televisão ou de áudio,
bem como de ambos, por meio de satélites, a assinantes localizados na área de prestação. Antes do
processo de unificação dos serviços de televisão por assinatura pela Lei de Comunicação Audiovisual
de Acesso Condicionado (Lei n 12.485/11), a TV por satélite (DTH) era regida pela Norma no 008/1997
aprovada pela Portaria no 321/1997 do Ministério das Comunicações.
14 Essa nomenclatura é recorrentemente usada por agentes do mercado, mídia e não raro pela própria

ANATEL em seus documentos e relatórios oficiais disponíveis em sua página eletrônica na internet.
Inclusive, os painéis de dados da agência sobre o serviço de TV paga no Brasil costumam segmentar
as informações em dois grupos, o “Padrão” e o “Livre Via Satélite”, sendo que o primeiro se refere à
televisão paga tradicional e o segundo faz alusão ao modelo de negócio "Sky Livre" e similares
(ANATEL, 2022)
25

2.2.2 A emergência de soluções over the top para consumo de conteúdo


audiovisual e as especificidades técnicas que permitiram a sua escalada:

Enquanto a última década desenhava um cenário de crise no consumo da


televisão por assinatura tradicional, um outro mercado experimentou uma realidade
diametralmente oposta: o setor dos provedores de conteúdo audiovisual na internet
ou dos serviços over the top de vídeo. De fato, nas últimas décadas, o Brasil
experimentou um exponencial crescimento da demanda por serviços de conteúdo
audiovisual para consumo direto na internet em contraste com uma evidente jornada
de retração do consumo de alguns tradicionais serviços de telecomunicações, dentre
os quais a TV por assinatura15.

Esse fenômeno de engajamento do público no consumo de conteúdo audiovisual


ofertado diretamente na internet não é uma especificidade nacional, mas faz parte de
uma tendência comportamental global. Somente em 2022, mais de 74 milhões de
domicílios com internet consumiram conteúdo audiovisual online na área territorial
abrangida pelos países Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e
Uruguai (BUREAU, 2022). Desse universo de domicílios, cerca de 74% acessaram
pelo menos duas plataformas com conteúdo audiovisual condicionado à assinatura
(BUREAU, 2022).

Seguindo a mesma tendência, no último trimestre de 2021, pelo menos 89% dos
brasileiros conectados à internet afirmaram utilizá-la para assistir conteúdo
audiovisual na forma de programas, séries e filmes, segundo dados extraídos do
Módulo Temático de Comunicação e Informação da mais recente Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios Contínua do IBGE, a " PNAD Contínua" (IBGE, 2021).

15Esta premissa fática é verificada por diferentes estudos. Nesse sentido, o Relatório do GT-SeAC do
Ministério das Comunicações indicou que, no Brasil, a televisão por assinatura passa por um processo
de redução da sua base de assinantes (BRASIL, 2021), enquanto se observa o aumento no consumo
dos serviços de transmissão de vídeo na internet dentro de um contexto de avanços no ambiente
tecnológico que propiciam o desenvolvimento de novas empresas, modelos de negócio e iniciativas
voltadas ao mercado de transmissão de vídeos online (BRASIL, 2021).Essas duas tendências inversas
também foram esquadrinhadas pela ANCINE em estudo preliminar sobre os serviços de vídeo sob
demanda (ANCINE, 2019). Naquela ocasião, o documento já previa que essa espécie de serviço OTT
seria o “segmento com horizonte de expansão mais significativo” (ANCINE, 2019).
26

A análise conjunta dessas informações parece útil para evidenciar um


impulsionamento de todo um mercado de novos modelos de negócios voltados à
oferta de conteúdo audiovisual. A emergência desses novos provedores faz parte de
um movimento mais amplo de ebulição de inovações tecnológicas que viabilizaram a
difusão do vídeo pela internet e, por conseguinte, a sua exploração comercial16. Muitas
dessas especificidades técnicas, inclusive, ajudam a buscar sentidos para a
compreensão desse movimento de penetração dos novos entrantes.

Nesse ponto, se faz salutar o resgate da análise proposta por Fernandes (2018)
sobre a questão do aumento exponencial da demanda por serviços OTT de voz
(Telegram™, WhatsApp™, dentre outros). Nela, o referido autor indicou algumas
características econômicas, intrínsecas ao modelo de negócio online, que explicariam
o sucesso comercial dos provedores dessa modalidade de serviços (FERNANDES,
2018).

Mesmo que suas observações tenham sido direcionadas aos OTT de voz,
ressalta-se que essas características são sim observáveis em outras modalidades de
serviço OTT, uma vez que estão menos atreladas à utilidade ou à finalidade gerada
(vídeo, voz, texto) e mais associadas ao próprio modo de execução do serviço (a
oferta online do serviço). Ou seja, guardadas as devidas proporções e sem
desconsiderar as especificidades contidas em cada caso, o modus operandi dos
serviços over the top é, em regra, compartilhado ou reproduzido com mais ou menos
semelhanças entre as suas diferentes espécies, ocupando o próprio núcleo identitário
do conceito amplo de serviços OTT.

Partindo da premissa acima, passa-se a análise de algumas características


apontadas por Fernandes. A primeira delas seria a dissociação entre o valor agregado
desses serviços e a detenção de ativos tangíveis (FERNANDES, 2018). Segundo o
autor, o alcance global da internet permitiu que empresas e plataformas
conquistassem espaço no mercado com poucos funcionários, bens materiais ou
mesmo presença geográfica, muitas vezes, dispensando toda uma lógica de
departamentalização encontrada no organograma de empresas tradicionais

16
O Relatório Final do GT- SEAC pormenorizou alguns desses melhoramentos, destacando a
importância dessas inovações para o desenvolvimento do mercado serviços over the top, dos quais
destacamos a otimização das tecnologias de compressão de vídeo, a expansão da capacidade de rede,
o aperfeiçoamento dos protocolos de comunicação para suporte à transmissão (BRASIL, 2021).
27

(transporte, logística, dentre outros), o que possibilitou a esses provedores operarem


a partir de baixos custos fixos.

De outro lado, a desnecessidade de toda essa infraestrutura ensejou uma


elevada economia de escala em favor dessas empresas, pois os custos fixos incutidos
na execução do desses serviços foram diluídos à medida que a base de clientes foi
sendo expandida (FERNANDES, 2018). Ademais, sendo os custos marginais
inversamente proporcionais à ampliação da oferta do serviço, esse modelo de negócio
tornou-se ainda mais atrativo em valor de mercado à medida em que mais clientes
foram sendo adicionados à sua base (FERNANDES, 2018).

Uma outra característica citada por Fernandes decorre necessariamente da


anterior: a rápida escalada das plataformas de conteúdo na internet, conjugada à
baixa despesa com infraestrutura e operação, que permitiu aos novos entrantes
adotarem estratégias comerciais de preço bastante atrativas para seu público alvo.
Não raro, esses provedores de conteúdo sequer cobram mensalidades dos seus
usuários. Para que essa benesse fosse possível, os novos incumbentes adotaram
diferentes estratégias de arrecadação como a veiculação de anúncios de terceiros em
suas plataformas e a criação de funcionalidades adicionais de acesso restrito àqueles
que se disponham a pagar para utilizá-las (FERNANDES, 2018).

Diante do reconhecimento dessa atratividade dos serviços over the top de vídeo
para o consumidor final e, por conseguinte, do crescimento exponencial desse modelo
de negócio, alguns estudos vêm se debruçando sobre uma eventual relação causal
existente entre o sucesso dos novos entrantes e o arrefecimento do mercado da TV
por assinatura, especialmente no que tange há uma eventual relação de
substitutibilidade entre os serviços, aqui entendida como a capacidade desses
serviços concorrerem potencialmente entre si.

2.2.3 A questão do possível potencial de substitutibilidade dos serviços


over the top de conteúdo audiovisual ao serviço da TV por assinatura:
28

Enquanto os serviços OTT têm operado em um ambiente com pouca


regulamentação, historicamente, os serviços de telecomunicações estão submetidos
a uma normatização de cunho interventiva fundada em finalidades diversas como a
correção de falhas de mercado, a promoção de direitos fundamentais e sociais e a
maior eficiência na alocação de recursos escassos essenciais (espectro, canalização,
numeração e órbita).

Esse tratamento jurídico diferenciado ganha um novo significado quando os OTT


players passam a assimilar recursos e funcionalidades próprias dos prestadores de
serviços de telecomunicações. A partir de então, essa assimetria regulatória entre
serviços semelhantes ensejou a produção de trabalhos acadêmicos voltados à análise
de um eventual grau de substituição e complementaridade existente entre os novos e
antigos incumbentes, buscando examinar em que medida, estes poderiam ser
considerados integrantes do mesmo mercado relevante.

É nesse contexto que se destacam trabalhos acadêmicos como o estudo de


Sadana e Sharma (2021), sobre plataformas OTT disponibilizadas na Índia que
estariam se tornando a opção preferida de entretenimento de jovens consumidores
em detrimento do serviço tradicional de TV por assinatura (TV a cabo/DTH). Outra
pesquisa recente bastante representativa desse movimento é a de Kim et al. (2016),
que se debruçou sobre a concorrência no mercado de plataformas de vídeo na Coréia,
em particular a concorrência entre os OTT e a TV paga convencional.

Esses diferentes estudos geraram informações quantitativas e qualitativas úteis


sobre a situação dos serviços tradicionais de telecomunicações e os OTT de vídeo,
destacando, respeitadas as suas especificidades, uma aparente competição entre as
espécies. Contudo, Escobar-Briones e Conde-Menchaca (2019) salientam que o
número de trabalhos sobre a questão da eventual substituição ou complementaridade
ainda é pouco significativo e que, em regra, as pesquisas encontradas estão limitadas
à realidade de um país em específico, dois fatores que, segundo os referidos autores,
não permitem estabelecer um parecer absoluto sobre a relação de substitutibilidade
entre OTT e serviços de telecomunicações (ESCOBAR-BRIONES e CONDE-
MENCHACA, 2019).

No Brasil, ainda é bastante diminuto o número de estudos que avaliam e


comparam dados relativos aos mercados da TV por assinatura e serviços over the top,
29

especialmente no que tange às investigações sobre um possível grau de substituição


ou complementaridade entre os serviços. Em regra, são encontradas apenas
pesquisas isoladas sobre os dados trafegados na rede, o número de acessos ou
subscrições e até de receitas auferidas pelos novos entrantes em comparação aos
dados do mercado de televisão tradicional. Variáveis que por si só não são suficientes
para a emissão de um parecer conclusivo sobre a questão.

Uma espécie bastante representativa desse universo de pesquisa, é o


levantamento da Telecom Advisory Services de 2019 sobre as transformações do
mercado audiovisual brasileiro. Embora o estudo tenha demonstrado alguma
correlação entre o crescimento econômico do Brasil e o número de assinantes de
televisão por assinatura (especificamente entre os anos de 2016 e 2019), o fator
econômico por si só não justificaria a crise enfrentada pelo setor, pois esta mostrou
consistente durante todo o período apurado, mesmo quando o Brasil experimentou
oscilações positivas nos índices econômicos (KATZ, 2019).

Para a pesquisa em comento, dois fenômenos correlatos ajudariam a explicar


melhor a tendência nacional de retração da TV paga, sendo eles o aumento na oferta
de serviços OTT e o crescimento no número de adesões aos serviços de vídeo online
(KATZ, 2019)17.

Nesse sentido, a Telecom Advisory Services relacionou as ondas de desconexão


dos assinantes de TV paga com os dados sobre o consumo de OTT de vídeo no Brasil
e obteve evidências sobre uma possível migração dos usuários da TV por assinatura
para os novos players: somente no quarto semestre de 2015, pelo menos 73% das
pessoas que cancelaram o serviço de televisão por assinatura teriam passado a
consumir conteúdo audiovisual pela internet nos seis meses subsequentes.
Confirmando essa tendência, no final de 2018, o número de egressos da TV paga que
aderiram aos OTT de vídeo já alcançava o percentual de 80 % (KATZ, 2019).

Contudo, mesmo que os dados fornecidos pela aludida pesquisa indiquem um


potencial de substitutibilidade existente entre os dois mercados. Essa relação de
causalidade é bastante problemática, uma vez que é possível apontar algumas

17As estimativas de 2018, apontavam para um número próximo de 21.3 milhões de assinaturas únicas
de serviços audiovisuais OTT no Brasil (KATZ, 2019)
30

limitações ou fragilidades na metodologia empregada no que tange a desconsideração


de variáveis importantes, o que consequentemente mina a confiabilidade dos
resultados obtidos.

Conforme já salientado por Fernandes (2018), a tendência de substitutibilidade


entre os serviços de TV por assinatura e OTT de vídeo está condicionada a uma série
de fatores, dentre os quais aqueles relacionados ao perfil dos usuários- tais quais faixa
etária, nível de escolaridade e renda-- variáveis não consideradas na pesquisa
americana.

Nesse sentido, a pesquisa longitudinal de Banerjee, Alleman e Rappoport


(2013), feito com 7.655 domicílios americanos, durante os três últimos trimestres de
2011, já apontava a influência desses dados demográficos (idade, renda familiar anual
e raça/etnia) na forma como famílias americanas escolheram visualizar conteúdo de
vídeo em um contexto de concorrência crescente de alternativas. O estudo concluiu
que a adoção pelo serviço OTT é afetada pela idade, o nível de renda e etnia: De um
lado famílias compostas com integrantes mais jovens e de baixa renda se mostraram
mais propensas a deixar os serviços de televisão por assinatura, por sua vez, as
famílias de renda mais alta tendiam a consumir ambos os serviços de forma
complementar18.

Outra pesquisa que apontou a importância dos perfis de usuários para leitura
dos resultados obtidos é a de Fudurić, Malthouse e Viswanathan (2018). Estes autores
usaram os dados de uma importante operadora de TV por assinatura nos Estados
Unidos para identificar e descrever os principais segmentos de telespectadores. A
amostra abrangeu 1,5 milhão de assinantes de 12 estados dos EUA entre 2014 e
2015. Os resultados desta pesquisa apontam que a intenção de substituir ou
complementar o serviço de TV por assinatura com serviço OTT não é uniforme em

18 Cabe salientar que para além da demografia familiar, o referido estudo listou outros fatores que
influenciaram decisões de migração das famílias, como o uso de dispositivos habilitados para OTT, e
a disponibilidade de serviços de streaming de vídeo gratuitos ou baseados em assinatura. De acordo
com a conclusão extraída dos dados coletados no estudo empírico, os fatores considerados mais
importantes para impulsionar a migração entre os segmentos OTT variaram de acordo com a natureza
da própria migração. Por exemplo, os dispositivos parecem desempenhar um papel importante na
migração de famílias que apenas consumiam TV por assinatura e passaram a complementar o
consumo de vídeo com serviços OTTs. Por sua vez, o abandono da TV paga parece estar mais
associado às questões de demografia: famílias relativamente jovens, menos abastadas ou asiático-
americanas (BANERJEE, ALLEMAN e RAPPOPOR, 2013)
31

toda a população estudada, mas também dependia de características demográficas.


O estudo sugeriu que pessoas menos propensas a cancelar o serviço de televisão por
assinatura tradicional são, em média, mais velhas e têm rendimentos mais elevados
e que os integrantes desse nicho tinham mais probabilidade de serem casados e
morar em domicílios com maior número de pessoas.

Fudurić, Malthouse e Viswanathan (2018) também estimaram a probabilidade de


as pessoas mudarem seu status de consumo. Naquele contexto, houve uma maior
redução do consumo da TV por assinatura do que uma substituição completa pelos
serviços OTT: enquanto 29,5% dos usuários dos serviços foram totalmente
desconectados; pelo menos 46,9% dos assinantes se mantiveram fiéis à TV paga)
(FUDURIC, MALTHOUSE e VISWANATHAN, 2018).

Em que pese não terem sido encontradas pesquisas brasileiras sobre um


eventual grau de substituição ou complementaridade entre a TV por assinatura e os
OTT e muito menos estudos que busquem relacionar eventual relação causal entre a
preferência e o perfil dos usuários, a última PNAD Contínua do IBGE demonstrou
como a penetração de serviços over the top de filmes e séries no Brasil está
diretamente associada ao nível de remuneração dos potenciais clientes: O rendimento
real médio per capita nos domicílios que tinham acesso ao serviço de televisão por
assinatura era de pelo menos R$ 2.336,00; montante duas vezes superior à renda per
capita das residências sem esse tipo de serviço, estimada em apenas R$ 1.106,00
(IBGE, 2021).

De acordo com os dados da pesquisa por domicílio do instituto, cerca de 43,5%


do universo de domicílios sem TV por assinatura, teriam alegado não fazer uso do
serviço por considerá-lo caro, enquanto aqueles que substituíram a televisão por
assinatura por vídeos acessados pela internet (inclusive de programas, filmes ou
séries) representavam tão somente 8,7% (IBGE, 2021), estimativa que contrasta em
muito com os resultados da pesquisa da Telecom Advisory Services sobre a
transformação do mercado audiovisual brasileiro.

Para além da influência do perfil do usuário ou da demografia familiar, outro


aspecto que influencia as decisões de substituição dos serviços tradicionais pelos
serviços de vídeo OTT é a questão da possível equivalência ou semelhança funcional
entre os dois incumbentes. No que concerne ao referido argumento, um fator que
32

complexifica ou mesmo impede um parecer conclusivo em tom generalizante sobre a


questão da potencial substitutibilidade existente é a pluralidade dos modelos de
negócio voltados ao consumo de conteúdo audiovisual na internet, uma vez que, sob
o ponto de vista funcional, não há um único modo ou solução de serviço over the top
para o consumo audiovisual, mas várias opções à disposição do usuário19.

Não fosse o bastante, Escobar-Briones e Conde-Menchaca (2019) adicionam


mais uma camada à discussão quando suscitam a multifuncionalidade dos novos
players. Segundo os autores, a aferição do grau de substituição entre os serviços
tradicionais e os OTT perpassa necessariamente pela apuração de cada uma das
funções oferecidas pelos novos agentes, pois os avanços tecnológicos e o grau de
competitividade do mercado estimulam que estes sejam, em sua origem,
multifuncionais 20. Por sua vez, a multifuncionalidade de um OTT de vídeo acrescenta
dificuldades na aferição de uma eventual equivalência funcional deste em relação à
TV paga o que, por conseguinte, torna a questão da substitutibilidade ainda mais
complexa.

Diante dessas constatações, a solução para o paradigma da substitutibilidade


passa necessariamente pelo exame acurado dos aspectos funcionais de cada espécie
de serviço OTT, em relação ao serviço da tradicional TV paga. Somente a partir dessa
análise comparativa é que seria possível apurar a eventual equivalência funcional de
um serviço OTT de vídeo de modo a indicar algum potencial de substitutibilidade em
relação à TV por assinatura que fosse capaz de justificar a incidência dos
condicionamentos de regulação setorial aplicáveis a esta última.

19
Na subseção seguinte, essa pluralidade de serviços será melhor explorada
20 Embora a discussão não esteja sendo tratada no âmbito dos serviços OTTs de vídeo, o trecho
transcrito a seguir ilustra muito bem a observação dos autores sobre multifuncionalidade dos novos
players: “...compleja. Así, por ejemplo, WhatsApp permite la comunicación interpersonal tanto de
mensajería como de voz, en grupo entre los usuarios que cuentan con la aplicación, envío de archivos
y fotografías. El servicio tradicional de SMS se limita a los textos, por lo que su comparación con los
OTT resulta imprecisa, más aún que se necesitarían los datos específicos de mensajes OTT de texto
y/o de voz. Al respecto, Arnold, Hildebrandt, Tas y Kroon (2017) señalan que las aplicaciones como
iMessage, Facebook Messenger y WhatsApp ofrecen más bien una “experiencia integral de Internet”,
con una gama amplia de funciones que rebasa la ofrecida por los servicios tradicionales. Estos autores
mapean 23 diferentes funciones al analizar las aplicaciones más populares en el mundo y agregan que
el uso de los OTT se caracteriza por la interacción (voz, mensajes, fotos y videos), y no solo por la
comunicación entre personas” (ESCOBAR-BRIONES; CONDE-MENCHAÇA, 2019)
33

Nesse sentido, Fernandes (2018) também entende que o cerne da questão está
no desafio de compreender se esses novos entrantes fazem uso de recursos ou
técnicas inovadoras que transformaram a própria essência dos serviços ofertados ou,
se estes, na verdade, apenas propiciam novas formas e configurações para um
mesmo serviço, sem prejudicar ou descaracterizar a sua natureza ontológica.
Segundo o autor, em caso de confirmação da segunda hipótese, o potencial de
substitutibilidade se confirmaria e o debate sobre a possibilidade de aplicação da
regulação específica dos serviços tradicionais aos novos players se justificaria
(FERNANDES, 2018).

Em resumo, a questão do potencial de substitutibilidade ou complementaridade


dos serviços over the top não seria verificável abstratamente, mas a partir do cotejo
entre os aspectos funcionais de cada OTT e o serviço da televisão por assinatura. À
luz desses ensinamentos, a próxima seção passará a esquadrinhar os caracteres do
serviço over the top objeto deste trabalho buscando revelar se há entre ele e a TV por
assinatura aspectos funcionais equivalentes que possam justificar o debate da
assimetria regulatória entre dois serviços semelhantes.

No entanto, essas discussões serão antecedidas por uma breve passagem pelo
movimento de contestação do mercado audiovisual por parte dos OTT players. Esse
exercício tem o intuito de demonstrar, ao avançar das linhas, o contexto de
assimilação de experiências da televisão tradicional pelos serviços de vídeo prestados
a partir da internet, conjuntura que viabilizou o surgimento do OTT de vídeo objeto
deste estudo. Analisar esse contexto contribuirá para a compreensão da natureza
ontológica do serviço de oferta de conteúdo audiovisual programado e, por
conseguinte, a questão do possível grau de substituição desse novo serviço em
relação à TV por assinatura.

2.2.4 Da assimilação de recursos e funcionalidades próprias da tv por


assinatura pelos OTT de vídeo à emergência de um serviço funcionalmente
equivalente à tv paga
34

Em que pese essa seção não tenha o intuito de fazer uma genealogia dos
serviços over the top de vídeo, para efeito de entendimento do processo de
assimilação de recursos e funcionalidades da TV por assinatura, é preciso resgatar o
fato de que esses novos serviços são em sua origem produtos de um movimento de
contestação ao formato televisivo de exibição de conteúdo e, de outro lado, prestígio
à maximização do controle da experiência audiovisual por parte do usuário.

Em sua origem, os serviços over the top de vídeo estão bastante atrelados à
proposta de oferecer ao usuário o poder de determinar o momento mais conveniente
de fruição do conteúdo, viabilizando recursos como o da repetição, pausa, avanço ou
interrupção da reprodução de cada obra. Sob a insígnia de maior representante desse
momento está o serviço over the top de vídeo sob demanda:

Vídeo sob demanda é (a) um serviço de comunicação audiovisual, (b)


prestado por provedores, diretamente ou com a mediação de plataformas de
internet ou empacotadoras de televisão, (c) baseado na oferta e transmissão
não linear (d) de conteúdos audiovisuais avulsos ou agregados em catálogo,
(e) para fruição do público em geral, (f) por meio de redes de comunicação
eletrônica, dedicadas ou não21; serviço que (g) possui finalidade comercial,
remunerado pelo usuário, por meio de compras avulsas ou assinaturas, e/ou
por anúncios publicitários; e que (h) implica algum nível de responsabilidade
editorial do provedor pela seleção, licenciamento, organização e exposição
dos conteúdos. (ANCINE, 2019, p. 17)

Tradicionalmente, os serviços de vídeo sob demanda (VoD) são diferenciados


pela forma como o conteúdo é disponibilizado para o consumo: ora o acesso a cada
obra é negociado diretamente com público, ora o conteúdo é oferecido para aquisição
na forma de catálogo, bem como se tem registros de serviços que concedem acesso
gratuito (ANCINE, 2019). Essas três maneiras diferentes de disponibilização de
conteúdo sob demanda costumam ser identificadas por três categorias terminológicas
bastante recorrentes nos estudos sobre a temática22.

21Percebe-se que a definição de vídeo sob demanda da ANCINE é mais abrangente do que o segmento
de VoD aqui trabalhado. Para a agência, o VoD é um segmento de mercado que abrange modalidades
não adstritas aos serviços de internet (ANCINE, 2019). Contudo, estão excluídas da nossa análise as
espécies de VoD que não são consideradas OTT.
22Essa proposta tripartite de classificação também foi adotada pela ANCINE em seu estudo sobre o

segmento de mercado do vídeo sobre demanda (ANCINE, 2019)


35

A primeira delas, a Transactional Video on Demand (TVoD)23 caracteriza os


modelos de negócios que disponibilizam conteúdo audiovisual específico (filmes,
shows, eventos esportivos) mediante pagamento à la carte do usuário interessado
(ANCINE, 2019). A disponibilização desse conteúdo pode ser pontual ou permanente.
Na primeira hipótese, o usuário aluga a obra para reproduzi-la por um determinado
período de tempo dentro da própria plataforma. Na segunda, o usuário definitivamente
adquire uma cópia do conteúdo audiovisual para o seu consumo doméstico. Não raro,
os TVod oferecem as duas soluções de consumo para o usuário (BRASIL, 2021).
Dentre os ofertantes de serviços de TVoD mais populares estão o iTunes™ e o Google
Play™.

O segundo grupo conceitual, os Subscription on Video on Demand (SVoD)24,


caracterizam os serviços remunerados diretamente pelo usuário mediante o
pagamento fixo mensal ou anual de uma assinatura que lhe garante o acesso aos
conteúdos que compõem o acervo audiovisual do provedor do serviço (ANCINE,
2019). Em regra, o usuário poderá navegar livremente por toda extensão do catálogo,
podendo usufruir filmes, séries e programas de TV quando quiser, na sequência que
preferir e quantas vezes desejar. Dentre os exemplos mais notórios dessa modalidade
de VoD estão a Netflix™, Amazon Prime Video™, HBO GO™, Disney Plus™ e Globo
Play™.

Já o termo Advertising on Video on Demand (AVod)25 engloba os provedores


que disponibilizam conteúdo audiovisual sem efetuar cobrança de mensalidade ou
exigir qualquer outra forma de remuneração direta por parte de seu público (ANCINE,
2019). Em contrapartida, o negócio é remunerado por publicidade de empresas
terceiras que anunciam na plataforma do serviço. Para essa modalidade, quanto maior
o número de usuários, acessos ou engajamento com o conteúdo, mais valioso se torna
a plataforma para o mercado de anunciantes (LOBO et al., 2021). A versão gratuita
do Youtube™ e o aplicativo TikTok™ são dois exemplos de experiências bem-
sucedidas de Avod, ambos detêm audiência e o engajamento de milhões de usuários,
o que lhes permite captar grandes cifras do mercado publicitário.

23 Em tradução livre: vídeo transacional sob demanda


24
Em tradução livre: vídeo sob demanda por assinatura
25 Em tradução livre: vídeo sob demanda com publicidade
36

Contudo, os próprios limites entre as diferentes modalidades de VoD vão se


perdendo em razão da assimilação de funcionalidades semelhantes ou da apropriação
de práticas comerciais comuns entre os diferentes segmentos OTT, de modo a
aproximá-los ou até mesmo confundi-los sob o ponto de vista funcional26.

Um exemplo evidente dessa interseção funcional é o caso de SVoDs que


comercializam um conteúdo inédito cujo acesso não está coberto pelo plano de
assinatura tradicional e que somente estará disponível para aqueles interessados em
usufruí-lo, mediante um pagamento à la carte feito especificamente para o consumo
da respectiva obra27. Também já é bastante comum a prática de cobrança de
assinaturas para o acesso a recursos ou benefícios adicionais em serviços que, por
muitos anos, atuaram integralmente na modalidade gratuita, dando origem a negócios
híbridos28.

Essa convergência funcional experimentada no ambiente dos serviços de VoD


também atingiu as fronteiras existentes entre a TV por assinatura tradicional e estes
novos entrantes, permitindo que a primeira assumisse funcionalidades antes restritas
a essa espécie de OTT. De outro lado, os próprios serviços over the top também
passaram a agregar atributos atrelados a TV paga, com o intuito de emular um
ambiente já conhecido por parte de um público mais tradicional, visando, dessa forma,
atraí-lo29.

26 Ao final de 2018, cerca de 9,4 milhões de domicílios norte-americanos consumiam serviços de sVOD.
Desse universo, mais de 1,3 milhão de lares voltaram a consumir conteúdo no formato tradicional dos
canais de televisão, isto é, com uma programação organizada temporalmente pelo próprio exibidor,
contudo, com a peculiaridade de que a oferta ocorre em ambiente digital (NIELSEN, 2019). No cenário
americano, os denominados Virtual Multichannel Video Programming Distributor (vMVPD) já encontram
diversos representantes, dentre os quais destacamos os serviços Sling TV, Direc TV e Hulu Live (Lobo
et al., 2021). No Brasil, conforme será exposto adiante, serviços similares também vêm ganhando força,
trazendo consigo todo um debate sobre a necessidade de regulamentá-los ou condicioná-los aos
regramentos setoriais vigentes.
27 O SVoD Disney Plus lançou o “Premier Access”, um serviço para assinantes que permitia acesso a

filmes inéditos da empresa no mesmo dia do lançamento nos cinemas mediante o pagamento de uma
quantia adicional. Entretanto, este serviço foi descontinuado em 2021 (BP MONEY, 2021)
28 Em 2018, o Youtube™, uma plataforma de vídeo totalmente gratuita lançava oficialmente a sua

versão paga (CARIACO, 2018)


29 Ao final de 2018, cerca de 9,4 milhões de domicílios norte-americanos consumiam serviços de sVOD.

Desse universo, mais de 1,3 milhão de lares voltaram a consumir conteúdo no formato tradicional dos
canais de televisão, isto é, com uma programação organizada temporalmente pelo próprio exibidor,
contudo, com a peculiaridade de que a oferta ocorre em ambiente digital (NIELSEN, 2019). No cenário
americano, os denominados Virtual Multichannel Video Programming Distributor (vMVPD) já encontram
diversos representantes, dentre os quais destacamos os serviços Sling TV, Direc TV e Hulu Live (Lobo
et al., 2021). No Brasil, conforme será exposto adiante, serviços similares também vêm ganhando força,
37

Um grande exemplo dessa confluência de atributos entre os novos entrantes e


o mercado da televisão é o modelo de negócio denominado Catch-up TV,30 um serviço
atrelado à TV por Assinatura que abarca uma funcionalidade típica dos VODs: a oferta
de conteúdo audiovisual para consumo sob demanda. Nessa modalidade de serviço,
o material audiovisual exibido na grade de um canal de televisão fica disponível em
uma rede autenticada cujo acesso é exclusivo dos usuários do serviço de televisão
paga, os quais, em regra, disporão de uma janela de tempo previamente estabelecida
para acessá-lo e assisti-lo (ANCINE, 2019).

Em que pese as suas semelhanças com o serviço de VoD, a ANCINE não


considera o Catch-up TV um integrante desse segmento, na verdade, sequer o
considera autônomo em relação ao serviço de TV por assinatura, uma vez que, via de
regra, não há licenciamento de conteúdos extras ou externos à grade para a
organização do catálogo31. Pelo contrário, o seu objetivo é justamente disponibilizar
produtos audiovisuais atrelados à programação dos canais, tendo como missão
precípua ampliar o “visionamento do conteúdo, a influência e o valor” da própria
transmissão linear aos olhos do telespectador (ANCINE, 2019).

Muito próximo da solução acima está a “TV everywhere”, um recurso que


concede aos usuários de um serviço de TV paga a possibilidade de assistir os canais
do pacote contratado por meio de aplicativos ou sites, a partir de qualquer dispositivo
em conexão com a internet (ANCINE, 2019). Assim como o Catch-up TV, o acesso a
essa facilidade, também chamada de “tv estendida”, fica restrito aos assinantes dos
respectivos canais de TV por assinatura, traduzindo-se em uma verdadeira estratégia
desse mercado para agregar valor ao serviço prestado e, com isso, reter clientes.

Tanto o Catch-up TV quanto a TV everywhere são símbolos representativos da


transformação do segmento da TV por assinatura nos últimos anos, que assimilou
recursos e soluções até pouco tempo adstritos ao VoD. Ao possibilitar aos seus
usuários a experiência de consumo ubíquo de conteúdo, a TV por assinatura garantiu

trazendo consigo todo um debate sobre a necessidade de regulamentá-los ou condicioná-los aos


regramentos setoriais vigentes
30 O BBC iPlayer, lançado em 2007, foi o serviço pioneiro, dando origem ao modelo padrão de serviços

de catch-up TV reproduzidos em diferentes países (ANCINE, 2019)


31 No Brasil, contudo, o conceito de Catch up TV acaba sendo ampliado, pois alguns serviços não se

restringem à programação do canal linear e acabam disponibilizando conteúdo extrapor tempo


indeterminado (LOBO et al., 2021).
38

não só a sua própria sobrevivência, mas condições de competitividade em relação


aos novos entrantes.

Em que pese esse movimento de incremento de funcionalidades adaptadas dos


OTT, não se pode olvidar a própria capacidade de retenção de clientes por parte da
TV por assinatura, um dado já sustentado por algumas pesquisas como um fator
relevante para entender a própria sobrevivência do segmento dentro desse contexto
de transformação do mercado audiovisual.

Esses estudos32 referendaram o fato de que a TV paga, em que pese a retração


evidente, conseguiu preservar parte de seu público ao reafirmar sua posição no
mercado como o principal provedor de certas experiências e comodidades
tradicionalmente bem quistas pelos seus usuários. Nesse sentido, destaca-se a
manutenção do prestígio do segmento no que tange a exibição de conteúdo em tempo
real. Em que pese a ebulição dos novos serviços, a TV por assinatura ainda se
mantém como o player mais lembrado pelos usuários interessados no consumo desse
tipo de conteúdo, dada a sua histórica eficiência no oferecimento de canais ao vivo,
especializados na veiculação de notícias, eventos esportivos, shows e demais
espetáculos.

Cientes de que esta e outras idiossincrasias do serviço de TV por assinatura


possam ter ajudado este segmento a compor sua própria base de sustentação no
processo de contestação da audiência por parte dos OTT, esses últimos passaram a
assimilar características até então adstritas à TV fechada, de modo a desenvolverem
recursos e funcionalidades próprios dos prestadores de serviço desse segmento e,
por conseguinte, ampliar a sua penetração em nichos que valorizam conteúdo em
formato televisivo.

32 No contexto americano, uma pesquisa de mercado encomendada pela Telaria, Inc. demonstrou que,
apesar do declínio constante de assinantes, uma das principais razões indicadas por aqueles que
optaram por manter o serviço estava na percepção do usuário de que somente uma conexão linear
poderia entregar conteúdo de televisão ao vivo (42%). O segundo e o terceiro motivos mais recorrentes
foram a variedade de canais (34%) e o interesse em conteúdos específicos veiculados por redes
tradicionais (32%). A referida pesquisa foi realizada nos Estados Unidos, entre 6 de abril a 9 de maio
de 2018 e contou com pessoas entre 21 e 54 anos, divididas em três grupos: usuários de televisão por
assinatura (Cable-Keepers), usuários de plataformas do tipo vMVPDs (Live- Streamers) e usuários de
serviços de conteúdo audiovisual sob demanda sem acesso a TV por assinatura tradicional (App/On
Demand Only). O método utilizado foi o da amostragem por quota. (TELARIA, 2022)
39

Portanto, se em um primeiro momento, os serviços over the top contestaram o


espaço da TV por assinatura com o oferecimento de uma facilidade original e
disruptiva - o consumo de vídeo sob demanda - a segunda escalada desses agentes
revela um processo de assimilação e melhoramento dos recursos oferecidos pela
televisão paga - como o da exibição de conteúdos captados em tempo real.

Essa tendência de incorporação de experiências televisivas pelos serviços OTT


ensejou o desenvolvimento de uma nova segmentação dentro desse universo, que é
especializada no fornecimento de conteúdo formatado em moldes similares ao do
serviço de TV por assinatura. Contudo, com algumas peculiaridades que o diferencia
sob o ponto de vista do consumidor final como a transmissão do conteúdo a partir da
internet e a dispensa às infraestruturas para o transporte de dados, (por exemplo,
cabo coaxial, fibra ou tecnologias satelitais), substrato técnico imprescindível na
prestação do serviço nos moldes tradicionais.

Este serviço vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil, onde inicialmente
foi atrelado a soluções de over the top voltadas para o consumo de conteúdos
esportivos. Contudo, aos poucos, também foi se consolidando como uma alternativa
de mercado para o consumo online de diversos canais televisivos tradicionais, muitas
vezes oferecendo recursos altamente atrativos como catálogos mais enxutos e
econômicos ou moldáveis ao gosto do usuário.

Sobre essa nova espécie de serviço OTT não há, de fato, um consenso
semântico. São recorrentes o uso de expressões como TV Linear Online, TVLAI33
(Televisão linear por assinatura na Internet) e até mesmo a expressão americana
Virtual Multichannel Video Programming Distributors (vMVPD)34. Essa imprecisão
terminológica não impede, contudo, melhor entendimento sobre os caracteres básicos
da sua compleição ontológica.

De fato, o serviço online de distribuição de conteúdo audiovisual programado


mediante subscrição é uma modalidade de serviço OTT de vídeo, conceito já
amplamente esquadrinhado no presente estudo. Mas não só. Necessariamente a sua

33 Estas duas denominações são bastante recorrentes no âmbito da Tomada de Subsídios para
Avaliação das Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição
Processo nº 53500.022476.2019-450, que será apresentada no próximo capítulo.
34 Em tradução livre: Distribuidores de programação de vídeo multicanal virtual
40

atividade-fim - a oferta online de canais de televisão - lhe singulariza diante de outras


espécies de OTT (como os VoDs) como lhe aproxima do serviço prestado pelas
operadoras de TV por assinatura.

Do escrutínio dos modelos de negócios confrontados, se extraem determinados


traços técnicos e modos de operação que os aproximam ao menos sob o ponto de
vista do usuário final: (ii) ambos os serviços transmitem ou difundem conteúdo
audiovisual programado, um produto formatado em sequência linear e temporal,
comercializado na forma de canais de televisão ou pacotes de canais; (ii) ambos os
serviços condicionam a oferta do conteúdo audiovisual a um plano de assinatura,
remunerado diretamente pelo usuário contratante.

De fato, não é possível inventariar in abstrato todo o campo de coincidência


funcional entre a TV por assinatura e o serviço OTT de conteúdo audiovisual
programado, em razão da tendência à multifuncionalidade desse último (ESCOBAR-
BRIONES e CONDE-MENCHACA, 2019). Contudo, o exame acurado dos principais
aspectos funcionais do serviço OTT de vídeo sob análise nos permite observar que,
em regra, estes novos incumbentes se predispõem a oferecer um novo formato para
fruição do mesmo conteúdo audiovisual oferecido na TV por assinatura tradicional.

A estratégia desses agentes é, sobretudo, emular a experiência televisiva no


ambiente da internet com vistas a atrair o público mais afeito ao conteúdo
disponibilizado em formato linear e distribuído na forma de canais de televisão. Em
síntese, a espécie de serviço over the top de vídeo ora examinada pretende propiciar
ao assinante da TV por assinatura uma forma alternativa de fruição de um conteúdo
já conhecido por ele.

Portanto, do ponto de vista da funcionalidade, o novo serviço dispõe de um


núcleo de funções que lhe caracteriza ontologicamente e que lhe aproxima
funcionalmente da TV por assinatura, lhe permitindo se posicionar no mercado como
uma possível alternativa ao consumidor para fruição de conteúdo televisivo até então
restrito a um único player.

Não por acaso, a Área Técnica da Anatel promoveu um estudo para delimitar os
mercados relevantes nos quais ambos os produtos estão inseridos, bem como quanto
às relações de substitutibilidade ou de complementaridade existentes entre eles. O
41

resultado da avaliação foi consubstanciado no Informe nº 461/2020, de 6 de julho de


2020, no âmbito da “Tomada de Subsídios para a Avaliação das Ofertas de Conteúdo
Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição” (ANATEL, 2020). A
próxima seção discorrerá brevemente sobre os resultados encontrados.

2.2.5 Dos resultados do Informe nº 461/2020/CPRP/SCP da Área Técnica


da Anatel sobre as relações de substitutibilidade ou de complementaridade
entre a TV por assinatura e o serviço OTT de conteúdo audiovisual programado:

A Área Técnica partiu do arcabouço teórico proposto por Porter (1980), no qual
é proposto o modelo de análise mercadológica conhecido como as “Cinco Forças de
Porter”, para delimitar os mercados relevantes nos quais ambos os produtos estão
inseridos, bem como as relações de substitutibilidade ou de complementaridade
existente entre eles (ANATEL, 2019).

O estudo concluiu que tanto a TV por assinatura quanto o serviço OTT de


conteúdo audiovisual programado oferecem ao consumidor conteúdo audiovisual
linear, na forma de canais programados, cujas licenças de exploração da propriedade
intelectual de tal conteúdo estão sujeitas à jurisdição da ANCINE (ANATEL, 2019).

No entendimento da Área Técnica, tanto sob a perspectiva da oferta quanto sob


a perspectiva da demanda, percebe-se a substitutibilidade entre as diversas formas
de disponibilização onerosa de conteúdo audiovisual programado,
independentemente do meio utilizado para a fruição do serviço. E que, portanto, sob
a perspectiva da natureza do produto ou utilidade proporcionada, os dois serviços
contrapostos fazem parte do mesmo mercado relevante (ANATEL, 2019).

Contudo, ao analisar a substitutibilidade entre os dois serviços pela ótica da


demanda, o estudo salientou a necessidade de se fazer distinções no âmbito da
dimensão geográfica, segmentando seu lócus analítico em dois grupos regionais. O
primeiro grupo concentrou os municípios nos quais há garantia de infraestrutura para
o acesso dos dois serviços contrapostos com um padrão de qualidade mínima e um
42

segundo grupo no qual os consumidores não dispõem de requisitos mínimos para


fruição de serviços de internet (ANATEL, 2019)

A Área Técnica entendeu por “infraestrutura ou qualidade mínima” a existência


de rede de transporte em fibra óptica e velocidade de acesso à internet de 5 Mbps.
Dos dois critérios escolhidos para a segmentação dos municípios, apenas a escolha
do segundo foi justificada. De acordo com o o órgão, a velocidade de 5Mbps é a
indicada por grandes plataformas de mídia para a fruição de conteúdo audiovisual
com a qualidade em alta definição (HD 1080p) (ANATEL, 2019).

Partindo de tal segmentação, a Área Técnica averiguou o quantitativo de


municípios que possuem rede de transporte em fibra óptica e velocidade média de
acesso acima ou igual a 5 Mbps35. Da consulta empreendida, restou verificado que
2.939 municípios teriam a infraestrutura considerada necessária para permitir a fruição
de conteúdo audiovisual por meio da Internet e que, por exclusão, 2.631 municípios
não atenderiam o padrão mínimo de qualidade (ANATEL, 2019).

A partir desses dados, a Área Técnica concluiu que os dois serviços contrapostos
fazem parte do mesmo mercado relevante, desde que haja a efetiva oferta do produto
de acesso pago a conteúdo audiovisual programado (ANATEL, 2019). Contudo,
aponta que a verificação da substitutibilidade esbarra no impedimento fático de que
em 2.631 municípios brasileiros não há efetiva oferta de produtos alternativos ao
SeAC (ANATEL, 2019).

Conforme dito anteriormente, o estudo produzido pela Área Técnica da Anatel


foi encomendado pelo Conselho Diretor da Agência no âmbito da Tomada de
Subsídios para a Avaliação das ofertas de conteúdo audiovisual programado via
internet (ANATEL, 2019).

Em posse dos resultados, o referido conselho se debruçou sobre os dados


apresentados e teceu uma série de comentários sobre as limitações da metodologia
empreendida, sobretudo no que diz respeito ao corpus de análise e aos critérios
técnicos tomados como parâmetro para avaliação do substrato técnico dito essencial
à fruição do serviço. Pela excelência e assertividade da análise elaborada pelo Relator

35Os dados foram extraídos do levantamento realizado para elaboração do Plano Estrutural de Redes
de Telecomunicações (PERT).
43

Vicente Bandeira de Aquino Neto merecem aqui destaque os argumentos mais


relevantes.

No que diz respeito à qualidade mínima do serviço, o Relator assentou que, de


fato, há bastante confiabilidade na relação de substitutibilidade verificada entre o
SeAC e os serviços over the top nos municípios onde existe fibra óptica e nos quais a
velocidade média das conexões à internet são superiores a 5 Mbps (ANATEL, 2019).

Por outro lado, questionou a exclusão automática dos municípios que não
possuem o backhall de fibra óptica, mas que atendem à velocidade mínima
considerada essencial, uma vez que, da perspectiva do consumidor, não há influência
direta das características da infraestrutura e da tecnologia na experiência de utilização
de uma plataforma de vídeo, desde que a rede que lhe sirva de substrato atenda as
supostas condições mínimas de velocidade arbitradas pelo estudo (ANATEL, 2019).

Outro ponto levantado foi o da desconsideração da contribuição das redes


móveis na delimitação do mercado relevante quanto à dimensão geográfica, tendo em
vista que a expansão da tecnologia 4G e 5G possibilitam a oferta de banda larga móvel
com velocidades superiores a 5 Mbps na maior parte dos municípios brasileiros
(ANATEL, 2019).

Para além desses argumentos, cabe ressaltar que o estudo sob a análise é de
2019 e desconsidera a grande expansão no consumo de plataformas de vídeo via
dados móveis 36.

2.3 EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL E ASSIMETRIA JURÍDICO-


REGULATÓRIA

Em que pese a complexidade da dinâmica estabelecida entre os velhos e os


novos incumbentes impeça um parecer conclusivo sobre o assunto, a grande maioria
dos estudos tendem a apontar certo grau de substitutibilidade entre os dois serviços.

36
Vide dados registrados pela última PNDA CONTÍNUA do IBGE e comentados na seção 2.2.2
44

Embora o próprio Conselho Diretor reconheça a existência de dados que


indiquem o caráter substitutivo do serviço OTT de canais programado em relação ao
serviço da televisão paga, atualmente, no Brasil, a oferta online de canais de televisão
por assinatura está submetida a um tratamento jurídico-regulatório diferenciado em
relação à oferta pela via tradicional.

Conforme será analisado em maiores detalhes nos próximos capítulos, enquanto


os serviços prestados pelo novo entrante estão submetidos apenas à aplicação de
legislações gerais, como aquelas atinentes à defesa da concorrência e à proteção do
consumidor, o serviço de TV por assinatura em seus moldes tradicionais continua
sujeito a uma série de restrições, vedações e obrigações legais advindas de um
regime jurídico especial, que também consubstancia todo um controle regulatório
setorial.

Alinhado ao objetivo de pesquisa e às premissas teóricas adotadas no presente


trabalho, buscar-se-á a partir de agora entender como está definido o regime jurídico
setorial hoje aplicável ao serviço over the top de conteúdo audiovisual programado e
em que medida a Anatel atuou para a construção do regime-jurídico regulatório desse
serviço.
45

3. A ATUAÇÃO DA ANATEL NO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO


SERVIÇO OVER THE TOP DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO POR
SUBSCRIÇÃO

Conforme as premissas assentadas nos tópicos anteriores, o serviço over the


top de conteúdo audiovisual programado é um serviço funcionalmente equivalente ao
serviço de televisão por assinatura. Por conseguinte, ambos os serviços podem ser
considerados potencialmente substituíveis ou permutáveis em algum grau relevante.
Entretanto, em que pese o referido grau de substitutibilidade percebida, no Brasil,
cada um desses players recebe um tratamento jurídico e regulatório específico.

Nesse sentido, este capítulo aborda a dicotomia existente no direito brasileiro


entre Serviços de Telecomunicações e Serviços de Valor Adicionado e as
controvérsias envolvendo a atuação da Anatel no que diz respeito à observância da
linha demarcatória existente entre essas duas espécies.

Esta discussão introduz e dá suporte a análise acerca da atual formatação


jurídica conferida pela Anatel aos serviços over the top de conteúdo audiovisual
programado no Brasil, que culminou na assimetria existente entre este e a TV por
assinatura.

3.1 A ATUAÇÃO DA ANATEL NA DEFINIÇÃO DAS MODALIDADES DE


SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES

A oferta de televisão por assinatura é considerada uma espécie de serviço de


telecomunicações, atividade prevista expressamente no art. 21, inc. XI da Constituição
46

Federal37, com redação dada pela Emenda Constitucional 8, de 15 de agosto de


199538.

Por sua vez, a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (A Lei Geral de


Telecomunicações - LGT) regulamentou o referido inciso, dispondo sobre a
organização do serviço de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão
regulador e outros aspectos referentes à matéria (BRASIL, 1997). Inclusive, coube ao
legislador infraconstitucional a própria definição da atividade, a qual restou demarcada
conceitualmente no caput do art. 60 da LGT:

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que


possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético,
de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza. (BRASIL, 1997)

Com espeque no referido dispositivo, todo o agrupamento de atividades capaz


de viabilizar a oferta de telecomunicação está sob a insígnia do conceito jurídico de
serviços de telecomunicações (art. 60, caput, LGT). Contudo, quando posta de modo
apartado, a conceituação jurídica sob exame impede a perfeita compreensão da
natureza ontológica do serviço, uma vez que carrega consigo a indeterminação do
que seria a própria atividade de telecomunicação. Daí o porquê do existir do parágrafo
primeiro do art. 60 da LGT, incumbido de perfectibilizar semanticamente o elemento
conceitual indeterminado disposto no caput- a “telecomunicação”39. (BRASIL, 1997)

37 Art. 21. Compete à União: [...] XI- Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (BRASIL, 1988)
38 A referida emenda alterou a redação dos incisos XI, XII, do art. 21, oportunizando à União a

possibilidade de conceder às empresas privadas a exploração dos serviços de telecomunicações, até


então restrita à empresa estatal por meio de delegação (DIAS, 2012)
39
Por muito tempo, existiu no direito brasileiro uma imprecisão terminológica que equiparava
indistintamente o conceito de telecomunicação com a própria atividade econômica que viabiliza a sua
existência e desenvolvimento. Em outros termos, o ordenamento jurídico brasileiro não distinguia a
prestação do serviço de sua própria utilidade (ARANHA, 2021). Da leitura do art. 4º do Código Brasileiro
de Telecomunicações (CBT), depreende-se que os serviços de telecomunicações eram caracterizados
como a própria ideia de transmissão (emissão ou recepção) de convenções diversas (símbolos,
caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza) por meios de
processos eletromagnéticos indeterminados (rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro) — que
é tradicionalmente vinculada à noção de telecomunicação. Curiosamente, o texto do referido artigo teve
inspiração no direito estrangeiro, porém, desacompanhada da precisão técnica do original, que fazia
47

Destaca-se, a propósito, que se trata de um conceito normativo abrangente que


engloba todo um universo de atividades que não estão limitadas a um código ou
formato comunicacional específico (transmissão/emissão/ recepção de imagens, sons
e escritos, entre outras) e muito menos adstritas a um único substrato técnico (por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético).

Segundo o professor Marques Neto (2000), esta plasticidade normativa foi


antevista propositadamente pelo legislador ordinário, que se preocupou em não
restringir ou mesmo antever as múltiplas variações e possibilidades da atividade tele
comunicacional no mundo hodierno. Ao invés de apresentar um rol taxativo de todas
as possíveis espécies do gênero “serviços de telecomunicações”, a LGT formulou um
conceito jurídico “aberto e abrangente”, com o intuito de possibilitar que a
regulamentação destes serviços se desse de forma “cambiante o suficiente para
seguir o fluxo da inovação tecnológica” (MARQUES NETO, 2000, p. 309).

Não por acaso, o art. 69 da LGT concedeu à Anatel a incumbência de definir as


modalidades de serviço de telecomunicações em função de critérios ou atributos como
a (i) finalidade/utilidade final do serviço para o usuário, (ii) o âmbito de sua prestação,
(iii) a forma ou meio de transmissão e a (iv) tecnologia empregada, sem prejuízo de
outros.

Sendo assim, em que pese haja um grau de indeterminação normativa no que


diz respeito à forma de organização e aos substratos vinculados à prestação dos
serviços de telecomunicações, foi dada a esta agência reguladora a responsabilidade
de constituir as normas de prestação próprias para cada espécie de serviços de
telecomunicações, considerando nessa tarefa, de forma não exaustiva, os atributos
estabelecidos no já mencionado art. 69 da LGT (FERNANDES, 2018). Trata-se, em

alusão ao conceito de telecomunicação e não ao serviço em si. A redação do art. 4º é semelhante a


definição encontrada no item 1012 do anexo à Constituição da União Internacional de
Telecomunicações (UTI) e do art. 2º do Regulamento de Telecomunicações Internacionais (RTI), que
foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo n. 67/1998 e pelo Decreto
n. 2.962/1999. Essa semelhança não é uma coincidência eventual, pois apesar destes documentos
serem posteriores ao CBT, a definição proposta pelo referido código e pelas outras normas citadas
provém de uma mesma fonte de inspiração: o conceito de telecomunicação presente no tratado
constitutivo da UIT, de 9 de dezembro de 1932 (LAENDER, 2005), que foi atualizado e aperfeiçoado
conforme à época em que cada uma dessas concepções foi desenvolvida. Somente com o advento
da Lei Geral de Telecomunicações – LGT é que a imprecisão terminológica do CBT foi sanada e os
dois conceitos aqui discutidos foram reconhecidos como categorias autônomas e tecnicamente mais
precisos.
48

verdade, de uma “reserva normativa qualificada” conferida à Anatel, conforme


terminologia proposta por Aranha (2021).

Em síntese, no âmbito da LGT, a distinção entre serviços de telecomunicações


não é um fator relevante (QUELHO, 2011), o diploma legal cuida tão somente do
pressuposto ontológico da categoria disposta no caput do art. 60. Por sua vez, com
fulcro em expressa disposição legal, a Anatel restou incumbida de estabelecer as
modalidades de serviços, que por ela serão conformadas de acordo com os atributos
do art. 6940. Esses atributos, no que lhes concernem, são escolhidos de acordo com
a sua relevância para efeitos regulatórios, conforme previsto no art. 22, § 1°e §2° do
Regulamento dos Serviços de Telecomunicações – RST (ANATEL, 1998).

Nesse ponto, Laender (2005) sustenta que há uma distinção entre as espécies
de serviços de telecomunicações e as “modalidades de serviços de
telecomunicações”. Segundo o autor, a ANATEL teria estipulado como elemento
característico ou pressuposto qualitativo dos serviços de telecomunicações o tipo de
utilidade que estes proporcionam. Dessa forma, seriam considerados semelhantes os
serviços que conferissem o mesmo benefício/ utilidade aos seus usuários. A contrário
sensu, este mesmo critério seria utilizado para distingui-los quando verificado
diferenças na utilidade proporcionada por cada um (LAENDER, 2005). Ainda
seguindo as preleções do referido autor, a eleição do critério finalístico enquanto linha
demarcatória de cada espécime de serviço de telecomunicações, teria restado
consignada no art. 22 do RST:

Art. 22. Os serviços de telecomunicações serão definidos em vista da


finalidade para o usuário, independentemente da tecnologia empregada e
poderão ser prestados através de diversas modalidades definidas nos termos
do art. 69 da Lei nº 9.472, de 1997.
§ 1º A escolha de atributos para definição das modalidades do serviço
será feita levando-se em conta sua relevância para efeitos
regulatórios.

40
Laender esquadrinhou cada atributo previsto no art. 69. Pela precisão da escrita e a qualidade das
informações segue na íntegra a descrição por ele elaborada: “A LGT cita os seguintes atributos que
podem ser ponderados na definição das modalidades: finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de
transmissão e tecnologia empregada, bem como outros atributos a serem escolhidos pelo ente
regulador. Forma, meio de transmissão e tecnologia empregada dizem respeito unicamente à rede de
telecomunicações. Âmbito de prestação é característica do serviço, porém intimamente ligada à
abrangência geográfica da rede”. Conforme veremos a seguir, o autor não considera a “finalidade” um
atributo, mas o próprio pressuposto qualificante do serviço de telecomunicações (LAENDER, 2005).
49

§ 2º As recomendações dos organismos internacionais relativas à


definição de atributos deverão ser observadas sempre que forem
compatíveis com o disposto no parágrafo anterior. (ANATEL, 1998)

Em síntese, seria o aspecto finalístico de cada serviço de telecomunicações


o seu traço distintivo ou caracterizante (LAENDER, 2005). Todavia, esse elemento
ou pressuposto qualificante não se confunde com as possíveis modalidades que a
respectiva espécie de serviço pode assumir com base nos atributos do art. 69 da
LGT. Desse modo, independente da finalidade (logo, independente da espécie),
os serviços de telecomunicações poderão ser prestados em diferentes
modalidades, que por sua vez serão definidas no âmbito administrativo pela
agência regulatória (LAENDER, 2005)41.

Outros autores não fazem esta dissociação entre a finalidade e os atributos dos
serviços de telecomunicações. Simplesmente tratam o elemento finalístico como mais
um dos atributos do serviço, apesar de distingui-lo em relação aos demais em grau de
importância por força do art. 22 do RST. Nesse segmento, há consenso relativamente
estável de que a finalidade é o critério de maior preponderância na definição de
classificações. Caso, por exemplo, de Mascarenhas (2008) e Fernandes (2018).

Independentemente de qualquer posição tomada acerca da discussão


aventada, todos esses autores reconhecem a existência de uma atuação criativa da
Anatel no que tange a função que lhe foi conferida pelo art. 69 da LGT, a de atuar sob
estrutura normativa aberta dos pressupostos qualitativos de cada espécie de serviços
de telecomunicações.

Nesse sentido, Fernandes (2018) ressalta que embora a agência não disponha
de poder para ultrapassar o núcleo legal do conceito de serviços de telecomunicações,
nos últimos anos, esta entidade vem exercendo um papel relevante na adaptação de
regimes de cada espécie desses serviços diante das mudanças associadas à
emergência de novas tecnologias. Segundo o autor, a indefinição normativa no que
diz respeito aos limites de cada espécie de serviços de telecomunicações vem sendo

41
O autor ainda sustenta que distinção entre serviços e modalidades de serviços pode ser percebida
na própria LGT, embora de maneira oblíqua: “O art. 64, parágrafo único, da LGT, ao dispor sobre a
prestação em regime público, a impõe como compulsória às modalidades do Serviço Telefônico Fixo
Comutado (STFC). O STFC, portanto, não é modalidade, mas sim um serviço” (LAENDER, 2005)
50

constantemente preenchida pela agência reguladora no âmbito de sua competência,


e servindo como verdadeira “válvula de reconfiguração do espaço regulatório”
(FERNANDES, 2018)

Não coincidentemente a grande maioria das classificações de serviços de


telecomunicações estão hoje apoiadas em atos infra legais da agência, a exemplo do
Serviço Móvel Pessoal (SMP) - cujo regulamento tem como base a Resolução da
Anatel nº 477, de 7 de agosto de 2007 e do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM)
- o qual teve o seu regulamento aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de março de
2013.

3.2 O SERVIÇO DE ACESSO CONDICIONADO ENQUANTO SERVIÇO DE


TELECOMUNICAÇÕES

Representando uma das poucas exceções à regra do art. 69 da LGT, o serviço


de telecomunicações caracterizado pelo provimento remunerado de conteúdos
audiovisuais arranjados de forma linear (canais de programação), juridicamente
conceituado como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), e popularmente
chamado de “televisão por assinatura”, se encontra plenamente caracterizado pela Lei
12.485/2011-- A Lei da Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado ou Lei do
SeAC. (BRASIL, 1997)

Por expressa previsão legal, o Serviço de Acesso Condicionado é qualificado


como um serviço de telecomunicações, estando, portanto, sujeito às competências
legislativa e regulatória da União, com base respectivamente na Lei n° 12.485/2011 e
nas normas infra legais da ANATEL, agência regulatória legalmente incumbida de
fiscalizá-lo e regulamentá-lo nos termos do art. 29 do referido diploma legal42.

42
“Art. 29. A atividade de distribuição por meio do serviço de acesso condicionado é livre para empresas
constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, sendo regida pelas disposições
previstas nesta Lei, na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, e na regulamentação editada pela Agência
Nacional de Telecomunicações - ANATEL. Parágrafo único. A ANATEL regulará e fiscalizará a
atividade de distribuição” (BRASIL, 2011)
51

Antes da edição do referido diploma normativo, o regramento anterior


dispensava tratamentos distintos para cada modalidade de serviço de oferta de tv por
assinatura, sob a justificativa de uma constatável pluralidade de tecnologias possíveis
de serem empregadas na consecução da finalidade pretendida.

Juridicamente, os prestadores do referido serviço eram organizados em quatro


modalidades, cujas condições de exploração estavam dispostas em regulamentos
autônomos, ora vindouros de decretos do Presidente da República, ora consecutivos
de Portarias do Ministérios das Comunicações, a saber: a) o Serviço Especial de
Televisão por Assinatura (TVA), baseado em sinais UHF codificados, regido pelo
Decreto nº 95.744/1998; b) o Serviço de TV a Cabo (TVC), distribuído por meios
físicos (como os cabos coaxiais e as fibras ópticas), regido pela Lei nº 8.977/1995 e
regulamentado pelo Decreto nº 2.206/1997; c) o serviço de transmissão via micro-
ondas, formalmente conhecido como Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto
Multicanal (MMDS), regido pela Norma 002/94, aprovada pela Portaria nº 254/1997
do Ministério das Comunicações; e por fim, d) o Serviço de Distribuição de Sinais de
Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH), regido pela Norma 008/1997,
aprovada pela Portaria nº 321/1997 do Ministério das Comunicações. (BRASIL, 1997).

Com a edição da Lei nº 12.485/11, estabeleceu-se um novo marco legal para o


setor com foco prescritivo na uniformização das regras atinentes à prestação do
serviço de televisão por assinatura e, por conseguinte, na eliminação das assimetrias
existentes entre os prestadores de diferentes modalidades de serviços de TV por
assinatura que, embora sob denominação e regulação diversas, propiciavam a
mesma utilidade para os usuários finais: a fruição de canais de televisão. (BRASIL,
2011)

Em decorrência da institucionalização dos traços que os aproximam - a


distribuição de conteúdo audiovisual programado a um consumidor final - as
semelhanças compartilhadas entre estes serviços ganharam status de elementos
fundantes de um novo tipo jurídico que desconsiderou o substrato tecnológico do seu
núcleo ontológico, dando espaço para que os diferentes serviços de TV paga,
prestados sob quaisquer que sejam as tecnologias, processos, meios eletrônicos e
protocolos de comunicação pudessem ser qualificados como Serviço de Acesso
Condicionado (SeAC):
52

XXIII - Serviço de Acesso Condicionado: serviço de telecomunicações


de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é
condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à
distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais
nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo
programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de
tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de
comunicação quaisquer (BRASIL, 2011)43

Como se depreende da leitura do dispositivo acima, o objeto da atividade


empreendida pelo prestador do serviço de acesso condicionado é a distribuição de
conteúdos audiovisuais, cuja definição pode ser extraída da leitura conjunta dos
incisos VII e X do art. 2º, da Lei nº 12.485/2011. Desse modo, para um completo
entendimento do serviço, se faz imprescindível indagar sobre em que consiste a ação
e o conteúdo informacional que define a matriz de responsabilidade daquele que
pretende executar tal atividade. (BRASIL, 2011)

A distribuição é um conceito amplo que abrange as atividades de entrega,


transmissão, veiculação, difusão ou provimento de conteúdos audiovisuais a
assinantes. As referidas atividades estão desassociadas de quaisquer substratos
tecnológicos, podendo ser prestadas por quaisquer meios, que inclusive poderão ser
de terceiros proprietários (BRASIL, 2011).

Há uma preocupação do legislador em não definir a propriedade do meio no qual


o prestador de SeAC executará o serviço contratado. A presente indefinição garante
necessariamente uma multiplicação das chances de aplicação da norma a diferentes
contextos de propagação. Em outras palavras, a referida lei optou por desprover de

43
No mesmo sentido, o Regulamento do SeAC , aprovado pela Resolução nº 581/2012, refletindo a
definição da Lei nº 12.485/2011, define o serviço da seguinte maneira: “Art. 4º O SeAC é o serviço de
telecomunicações de interesse coletivo, prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à
contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma
de pacotes, de canais de programação nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo
programado e de Canais de Programação de Distribuição Obrigatória, por meio de tecnologias,
processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer. § 1º Incluem-se no serviço a
interação necessária à escolha de conteúdo audiovisual, à aquisição de canais de programação nas
modalidades avulsas e outras aplicações inerentes ao serviço. §2º Entende-se como interação qualquer
processo de troca de sinalização, informação ou comando entre a URD e os equipamentos e sistemas
da Prestadora; § 3º O SeAC é considerado, para todos os efeitos, serviço de televisão por assinatura.
[...]” (BRASIL, 2011)
53

significância jurídica a qualidade do componente tecnológico que viabiliza a existência


do serviço.

Neste diapasão, Ayres de Britto também entende que a compleição normativa


do serviço de acesso condicionado tem, na transmissão, entrega ou provimento do
conteúdo, o seu verdadeiro traço distintivo, extirpando do núcleo conceitual do serviço
de telecomunicações qualquer especificação prévia do eventual processo técnico que
venha a viabilizar a entrega do material televisivo (BRITTO, 2019).

No que diz respeito à definição de conteúdo audiovisual importa observar que


este não está associado ao segmento da distribuição, mas ao da atividade de
produção, definida pelo art. 2º, inciso VII, da Lei nº 12.485/2011 como a atividade que
consiste na fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de som,
independentemente de quais sejam os processos de captação ou o suporte técnico
utilizado para captá-las ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução,
transmissão ou difusão (BRASIL, 2011).

Embora um conteúdo audiovisual possa ser percebido independentemente de


uma forma, no âmbito da Lei nº 12.485/11, este necessariamente assumirá o formato
específico previsto em seu bojo - a de canal de televisão ou, em linguagem técnico
legislativa, de conteúdo audiovisual organizado em uma sequência linear temporal
com exibição condicionada a horários predeterminados (BRASIL, 2011).

Esses canais poderão ser comercializados nos modelos de pacotes, na


modalidade de venda avulsa de conteúdo programado ou na forma de vídeo por
demanda programado. Os pacotes consistem no agrupamento de canais de televisão
ofertados pelas empacotadoras às distribuidoras e que são, em regra,
comercializados pelas operadoras de tv por assinatura na forma de planos
condicionados à contratação do assinante (BRASIL, 2011).

Já a modalidade de venda avulsa, comercialmente conhecida como a venda de


“canais à la carte'', consiste basicamente no oferecimento de canais de programação
para aquisição de forma avulsa aos planos tradicionais (BRASIL, 2011). Por último, a
modalidade de vídeo por demanda programado consiste na comercialização de canais
voltados para a transmissão de conteúdos exclusivos, geralmente em tempo real e
54

por um período pré-determinado, usualmente utilizados para transmissão de eventos


esportivos e realities shows (como o Big Brother Brasil).

Além da matriz substancial que caracteriza o SeAC - a distribuição de conteúdo


audiovisual programado - mister ressaltar que esta espécie de serviço de
telecomunicações é também caracterizada por outro atributo obrigatório: a
onerosidade. O SeAC é uma atividade remunerada. A oferta de canais de
programação está condicionada ao pagamento de uma assinatura, que é precedida
por um contrato. Há uma dimensão propriamente obrigacional, que serve de ponto de
contato entre o ofertante do conteúdo audiovisual e do seu assinante, este último mais
do que um espectador, um clássico ou ortodoxo sujeito de Direito, investido em
posição jurídica ativa. Um assinante, é como dispõe a lei, para aludir ao contratante
do Serviço de Acesso Condicionado (BRASIL, 2011)44.

Percebe-se assim o cuidado minucioso do legislador em qualificar o conteúdo


audiovisual distribuído pelo prestador do SeAC. A todo tempo, a Lei 12.485/11
preocupou-se em investir seu potencial prescritivo na conformação desse conteúdo e
no vínculo de responsabilização jurídica formado entre o distribuidor ofertante e o
usuário assinante em detrimento de preocupações com quaisquer suportes
tecnológicos (BRASIL, 2011).

Esta seção não pretende esmiuçar as regras legais ou infra legais do Serviço de
Acesso Condicionado ou adentrar nas especificidades do regime jurídico de sua
espécie. A tarefa aludida resta reservada aos próximos capítulos desse estudo. Por
ora, basta o estabelecimento de duas premissas.

A primeira diz respeito a sua localização dentro da categoria “serviços de


telecomunicações”, atividade de matriz constitucional, cujo pressuposto ontológico
restou definido na LGT e que deve ser regulada pela Anatel por força do caput do art.
8° da mesma lei45 competência que, inclusive, é ratificada na legislação especial da
atividade (BRASIL, 2011).

44
“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - Assinante: contratante do serviço de acesso
condicionado” (BRASIL, 2011)
45
“Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração
Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das
Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal,
podendo estabelecer unidades regionais” (BRASIL, 1997)
55

A segunda premissa versa sobre a especificidade do serviço, cujos


pressupostos qualitativos estão delineados na Lei do SeAC e das quais as condições
de exploração e fruição estão disciplinadas pelo Regulamento do Serviço de Acesso
Condicionado, aprovado pela Resolução n° 581/2012 em 26 de março de 2012.

3.3 O SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (SVA)

O RST forneceu um conceito negativo de serviços de telecomunicações ao


dispor em seu art. 3º sobre um rol de atividades que não são consideradas
pertencentes a este grupo. Além de não ser taxativo, o parágrafo único do referido art.
3° delegou expressamente competência à ANATEL para ampliar o rol das situações
que não constituem serviços de telecomunicações. Entre as figuras expressamente
citadas, destacamos aquela de maior relevância para esta análise -- o serviço de valor
adicionado:

Art. 3º Não constituem serviços de telecomunicações:


I - O provimento de capacidade de satélite;
II - A atividade de habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento
para acesso a serviços de telecomunicações;
III - os serviços de valor adicionado, nos termos do art. 61 da Lei
9.472 de 1997.
Parágrafo único. A Agência poderá estabelecer outras situações que
não constituam serviços de telecomunicações, além das previstas
neste artigo. (BRASIL, 1997)

Por seu turno, o art. 61 da LGT define como Serviço de Valor Adicionado (SVA)
qualquer serviço que esteja relacionado com o acesso, armazenamento,
apresentação, movimentação ou recuperação de informações, mas que necessitem
necessariamente de um serviço de telecomunicações como suporte para o
processamento de suas funcionalidades. Ou seja, enquanto se servem do substrato
tecnológico dos serviços de telecomunicações, os SVAs lhe agregam valor,
melhorando o processamento de informações e outras atividades relacionadas. Não
coincidentemente receberam o nome de “serviço de valor adicionado” ou “serviço de
valor agregado”.
56

Para fugir da abstração e viabilizar o integral entendimento da natureza do


serviço explicitado, recorre-se, neste ponto, a uma exemplificação da espécie. Apesar
de obsoletos no mercado, dado o avanço dos smartphones, foi muito recorrente no
Brasil, em meados dos anos 2000, os serviços de toque de celular personalizados
(ringtones) ou de envio de notícias por SMS que eram contratados pelos usuários de
Serviço Móvel Pessoal (SMP). Estes recursos agregavam valor ao serviço de
telecomunicações que lhes servia de suporte, mas não compunham o núcleo
essencial do serviço. Ademais, dependiam do acesso à respectiva rede de
telecomunicações para execução de suas atividades. Portanto, clássicos exemplos
de SVA.

Ainda no que diz respeito a natureza do serviço, o art. 61, § 1 º da LGT


estabelece que os SVAs não devem ser confundidos com os serviços de
telecomunicações propriamente ditos e se caracterizam como meros usuários destes
últimos, com os direitos e os deveres inerentes a essa condição (BRASIL, 1997).

No que concerne a sua regulamentação, em regra, os SVAs não são atividades


fiscalizadas ou reguladas pela Anatel, estando, portanto, dispensados da outorga ou
de condicionamentos adicionais para serem ofertados ao público em geral. A única
exceção está disposta no art. 62, § 2º, da LGT, que estabelece a intervenção da
agência na asseguração do direito de acesso às redes de telecomunicações e na
regulamentação do relacionamento entre SVAS e as prestadoras de serviço de
telecomunicações (BRASIL, 1997). Tal interferência se justifica pelo fato de que os
SVAs são usuários das redes e o uso desse substrato se faz ferramenta
imprescindível para execução de suas atividades, por corolário, o acesso a este
suporte precisa ser garantido, o que implica na intervenção da Anatel nesse sentido.

Aqui se faz preciso destacar que não há um conceito legal para Rede de
Telecomunicações. Em que pese a LGT versar sobre a sua implantação,
funcionamento e organização, a única definição jurídica existente no ordenamento
brasileiro é encontrada no art. 3º, VII, do Regulamento Geral de Interconexão – RGI,
aprovado pela Resolução do Conselho Diretor da Anatel nº 693, de 17 de Julho de
2018: “conjunto operacional contínuo de circuitos e equipamentos, incluindo funções
de transmissão, comutação, multiplexação ou quaisquer outras indispensáveis à
operação de serviço de telecomunicações” (ANATEL, 2018).
57

3.4 A DICOTOMIA “SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E NO SVA” NO


CONTEXTO DE EMERGÊNCIA DOS OTT

Em que pese o SVA seja um conceito positivado, há nele uma abertura normativa
intrínseca, tal qual a encontrada no conceito de “serviços de telecomunicações”, que
abre um importante espaço para atuação da ANATEL no que tange a materialização
da linha demarcatória posta in abstrato entre os serviços de telecomunicações e os
serviços de valor adicionado (FERNANDES, 2018).

Conforme salienta Fernandes, além de não se preocupar com a definição de


quais seriam as atividades econômicas enquadradas no conceito de SVA, a LGT
também concedeu à Anatel a competência para regular o relacionamento estabelecido
entre estes e os prestadores de serviços de telecomunicações no âmbito do uso das
redes para prestação de serviços de valor adicionado (61, §2º). (BRASIL, 1997).
Segundo o autor, este mandato de supervisão é relativamente aberto, o que enseja
uma série de controvérsias sobre os limites da atuação da Anatel no âmbito da
prestação de serviços de valor adicionado, que são considerados atividade econômica
sob o pálio da iniciativa privada (FERNANDES, 2018).

Outra vertente controversa da atuação da Anatel no campo da dicotomia Teles


x SVA diz respeito à competência legal conferida à agência para deliberar em esfera
administrativa sobre questões relativas à interpretação da legislação de
telecomunicações ou os seus casos omissos (art. 19, LGT). (BRASIL, 1997)

Não raro, no âmbito da referida competência, a Anatel entra em contato com os


próprios limites dos SVAs e, por vezes, mesmo que de forma oblíqua, acaba
influenciando a demarcação de suas fronteiras. Nas palavras do professor e
pesquisador Fernandes “a própria definição do espaço reservado a esses serviços
[SVAS] invariavelmente perpassa a atuação institucional do órgão regulador”
(FERNANDES, 2018).

Um caso representativo da atuação da Anatel sobre os limites dispostos entre


serviços de telecomunicações e os SVAs é o da recente intervenção da agência no
58

que diz respeito à classificação jurídica de serviços de acesso à internet. Em 2013, o


seu Conselho Diretor qualificou como serviço de telecomunicações o Serviço de
Provimento de Acesso à Internet (PSCI) prestado por entidade integrante do mesmo
grupo econômico de provedores de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM)
(ANATEL, 2013). A decisão em questão contrariou o tratamento que até então era
concedido a todos os serviços de conexão à internet por força da Norma 004/95 46 do
Ministério das Comunicações que enquadrou expressamente o serviço de conexão à
internet como serviço de valor adicionado (BRASIL, 1995).47

Mais recentemente, a questão dos reais limites da atuação da Anatel na linha


demarcatória entre os serviços de telecomunicações e os SVAs vem ganhando uma
camada adicional de complexidade com o advento do serviço over the top de conteúdo
audiovisual programado. Isso porque essa nova espécie de OTT de vídeo, em que
pese oferecer um serviço funcionalmente equivalente à TV por assinatura, não está
legalmente submetida às condicionantes jurídicas e regulamentares aplicadas aos
provedores da televisão paga.

Consoante o já exposto, o serviço de TV por assinatura convencional é


juridicamente qualificado como Serviço de Acesso Condicionado. Sendo por esta
condição submetido ao regramento da Lei n° 12.485/11 (Lei do SeAC) e ao seu
respectivo regulamento, aprovado pela Resolução n° 581/2012 da Anatel. (ANATEL,
2012; BRASIL, 2011).

Por outro lado, o serviço over the top de conteúdo audiovisual programado não
é legalmente regulado. Hoje, a clarificação do seu atual status jurídico demanda uma
análise mais minudente sobre a qualificação jurídica que lhe foi atribuída por parte do
Conselho Diretor da Anatel no âmbito do julgamento do Acórdão nº 472/2020, que

46 Fernandes destaca que, apesar do principal objetivo da Norma 004/95 tenha sido regulamentar o
relacionamento entre as chamadas “Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de
Telecomunicações (EESPT) e os “Provedores e Usuários de Serviços de Conexão à Internet”, o
documento em questão foi pioneiro no uso e conceituação da expressão “serviço de valor adicionado”
(FERNANDES, 2018)
47 Em nota pública sobre a Consulta nº 41/2022 da ANATEL, que acerca da simplificação da
regulamentação de serviços de telecomunicações, o COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL
(CGI.br) no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 4.829/2003, reiterou a relevância da Norma
004/1995 para a “expansão e democratização dos Serviços de Conexão à Internet no país, tornando o
Brasil referência em qualidade, conectividade e resiliência”, apoiando ainda a decisão da agência
reguladora de não incluir a revisão da norma no debate da simplificação da regulamentação de serviços
(COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2022).
59

tomou como ponto de partida justamente a linha demarcatória posta in abstrato entre
os serviços de telecomunicações e os serviços de valor adicionado. Na próxima
seção, serão apresentadas brevemente as razões de decidir que embasaram o
referido julgamento.

3.5 O ACÓRDÃO Nº 472 DO CONSELHO DIRETOR DA ANATEL E A


DEFINIÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO OTT DE CONTEÚDO
AUDIOVISUAL PROGRAMADO

3.5.1 Da Tomada de Subsídios Pública:

A Anatel instaurou Tomada de Subsídios por meio do Informe nº


81/2019/PRRE/SPR, de 13 de junho de 2019, em razão das Denúncias endereçadas
à Superintendência de Fiscalização da Anatel pela Claro S.A, nas quais se relatou que
as empresas Fox Latin America Channels do Brasil Ltda. (Processo SEI nº
53500.056473/2018-24) e a Topsports Ventures Ltda. (Processo SEI nº
53500.057279/2018-66) estariam prestando serviços de telecomunicações
clandestinamente, mediante a oferta online de canais com conteúdo programado via
internet, denominados respectivamente de Fox+48 e Esporte Interativo Plus (Ei Plus)49,
sem a devida outorga para prestação de Serviço de Acesso Condicionado (ANATEL,
2019).

A ampliação do escopo das instruções de cada um dos processos a partir da


realização da Tomada de Subsídios permitiu que entidades públicas e privadas

48
Anunciado em abril de 2018, o serviço de streaming FOX+ (Fox Plus) chegou ao Brasil oferecendo o
conteúdo de canais de televisão por uma assinatura mensal. Na ocasião, o serviço só estava disponível
para quem já era cliente de alguma empresa prestadora de Serviço de Acesso Condicionado.
Entretanto, não demorou para que a Fox Latin American Channels do Brasil LTDA (Fox Brasil)
disponibilizasse o serviço para qualquer usuário independentemente da referida autenticação
(ANATEL, 2018)
49
O Esporte Interativo era uma antiga marca regional de esportes da programadora Turner Brasil,
empresa de mídia e entretenimento pertencente à WarnerMedia, que contava com dois canais de TV
por assinatura (Esporte Interativo e Esporte Interativo 2) e um canal na TV aberta (Esporte Interativo
BR), todos com programações dedicadas exclusivamente à cobertura esportiva. A partir de agosto de
2018, a referida programadora passou a oferecer ao público a plataforma de vídeo “Esporte Interativo
Plus” (EI Plus), identificado como um serviço online que dava acesso ilimitado a todos os conteúdos
dos três canais em tempo real (ANATEL, 2018)
60

contribuíssem com o enriquecimento do debate, proporcionando à agência reguladora


um amplo acervo de informações e evidências advindas de diferentes fontes, as quais
incrementaram e consubstanciaram a análise final sobre as denúncias apresentadas.

A referida consulta pública teve como principal objetivo avaliar o arcabouço


jurídico-regulatório aplicável aos serviços over the top de vídeo que oferecem, via
internet, acesso a canais de televisão por assinatura, sem a intermediação de uma
prestadora de Serviço de Acesso Condicionado, empresa que detém a outorga
necessária para distribuição desse tipo de conteúdo na cadeia tradicional da
comunicação audiovisual estabelecida pela Lei do SeAC.

Com a abertura da consulta pública, foram analisadas cerca de 177


contribuições, advindas de diversas empresas e entidades representativas do
mercado do audiovisual brasileiro, todas devidamente analisadas pela Área Técnica
da Anatel por meio do Informe nº 201/2019/PRRE/SPR, de 31 de janeiro de 2020
(ANATEL, 2019).

A Anatel orientou o sentido das contribuições especialmente para a questão da


natureza jurídica do objeto de estudo, perquirindo especificamente se a permissão de
acesso a esse tipo de conteúdo audiovisual seria uma espécie de SVA ou uma oferta
de SeAC e, portanto, neste último caso, um serviço de telecomunicações. Depois de
oportunizadas as manifestações e após o trabalho de análise da matéria promovido
pelo corpo técnico, os autos finalmente seguiram conclusos para deliberação do
Conselho Diretor da Agência.

3.5.2 O Acórdão nº 472 do Conselho Diretor da Anatel:

Na Reunião Extraordinária do dia 09 de setembro de 2020, o órgão colegiado


entendeu que o serviço over the top de conteúdo audiovisual programado não se
enquadra como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), nos termos propostos pelo
Conselheiro Emmanoel Campelo de Souza Pereira consubstanciados no Voto nº
22/2020/EC, que integrou o acórdão n° 472 do Conselho Diretor da Anatel, publicado
em 10 de setembro de 2020. (ANATEL, 2020)
61

Restaram vencidos o Conselheiro Relator Vicente Bandeira de Aquino Neto, nos


termos da Análise nº 84/2020/VA, também integrante do referido Acórdão, e Moisés
Queiroz Moreira, que acompanhou o Relator (ANATEL, 2020). No que tange a
fundamentação empregada, a Análise nº 84/2020/VA aplicou uma abordagem
consequencialista, procedendo ao exame dos efeitos, custos e benefícios de cada
uma das duas interpretações jurídicas confrontadas, de maneira a considerar não
somente os aspectos jurídicos, mas também o impacto socioeconômico da eventual
decisão proferida. (ANATEL, 2020)

Para o Relator, restou incontroverso que o SeAC e novo modelo de negócio são
serviços integrantes de um mercado relevante e que a relação de substitutibilidade
entre os dois serviços pode ser verificada quando estes estão disponíveis em uma
mesma dimensão geográfica. (ANATEL, 2020)

O Relator também reconheceu a existência de assimetrias legais e regulatórias


entre o SeAC e o novo serviço, especialmente no que diz respeito às obrigatoriedades
impostas aos prestadores de SeAC em relação ao fomento da produção de conteúdo
audiovisual brasileiro, incluindo o incentivo à produção audiovisual nacional
independente.

Por conseguinte, reconheceu que, em razão da substitutibilidade verificada, as


assimetrias legais e regulamentares poderão oportunizar condições competitivas mais
favoráveis ao serviço over the top de conteúdo audiovisual programado, tal como
apontado pela Área Técnica da Anatel no Informe nº 461/2020/CPRP/SCP. (ANATEL,
2020)

No que diz respeito às assimetrias observadas, salientou que a revisão das


obrigações impostas legalmente ao SeAC foge da competência da agência. No âmbito
regulamentar, sugeriu a atuação da Anatel na esfera administrativa no sentido de
reavaliar as normas aplicáveis ao SeAC, de modo a diminuir o peso regulatório
incidente sobre tal serviço, observados, é claro, os ditames legais, o interesse público
e os direitos dos consumidores. (ANATEL, 2020)

No entanto, o voto vencedor, divergiu neste aspecto entendendo pela


desnecessidade de suspensão de dispositivos da regulamentação aplicável ao SeAC,
julgando suficiente a iniciativa prevista no item 51 da Agenda Regulatória da Anatel
62

do Biênio 2019-202050, sem a expedição de determinações adicionais (ANATEL,


2020).

No que tange ao enquadramento do serviço over the top de conteúdo


audiovisual programado, ressalta-se o entendimento unânime no sentido de qualificá-
lo como um SVA. A referida qualificação partiu de um exercício lógico de subsunção
dos atributos técnicos do novo serviço ao conceito legal que lhe foi associado.

O Voto nº 22/2020/EC apontou que os novos players não possuem


infraestrutura própria para ofertar seus serviços e que a disponibilização online de
conteúdo por parte desses provedores depende necessariamente do suporte das
redes de banda larga fixa ou móvel. Por sua vez, o acesso a estes substratos técnicos
é viabilizado, respectivamente, pelo Serviço de Comunicação Multimídia e pelo
Serviço Móvel Pessoal, ambos juridicamente considerados serviços de
telecomunicações (ANATEL, 2020).

Ademais, restou consubstanciado que, além do provedor de conteúdo, o usuário


dos novos serviços precisa estar igualmente conectado à internet e, por corolário,
contratar serviço que garanta o seu acesso à rede mundial de computadores.
(ANATEL, 2020)

Consequentemente, registrou-se que a relação comercial estabelecida entre os


novos players e os seus respectivos usuários é necessariamente antecedida pelas
relações comerciais desses dois sujeitos com os seus respectivos provedores de
conexão à internet. (ANATEL, 2020)

Tendo em vista o quadro acima, o fornecedor de conteúdo audiovisual


programado pela internet estaria isento de qualquer responsabilidade no que tange às
falhas ou qualidade do serviço prestado pela provedora da rede que foi contratada

50
De fato, o item 51 da agenda do referido biênio estipulava como meta a reavaliação do mercado
relevante de distribuição de pacotes ou conteúdos audiovisuais, no entanto, o referido item foi revogado
pela Resolução Interna nº 1, de 04 de dezembro de 2020, sem sequer ser implementado, esvaziando,
desse modo, a prescrição contida no voto vencedor. Apesar de ter revogado o item 51, a Resolução
interna da ANATEL nº 1, de 04 de dezembro de 2020 também aprovou a agenda regulatória para o
biênio 2021-2022, na qual restou incluída a Revisão dos mercados relevantes e das medidas
regulatórias assimétricas previstas no Plano Geral de Metas de Competição - PGMC. Entre os diversos
mercados a serem analisados, a revisão inclui a reavaliação do mercado relevante de distribuição de
pacotes ou conteúdos audiovisuais, em linha com as determinações constantes do Processo SEI nº
53500.079841/2017-21. (ANATEL, 2017)
63

pelo usuário, sendo esta exclusivamente responsável pelo cumprimento dessas


obrigações. (ANATEL, 2020)

Desse modo, levando em consideração todas essas peculiaridades atinentes ao


modelo de distribuição de conteúdo do novo serviço, restou sedimentado que a oferta
de conteúdo audiovisual programado pela internet não está compreendida na
atividade de distribuição definida pela Lei do SeAC.

Tanto o Voto nº 22/2020/EC quanto à Análise nº 84/2020/VA chegaram a essa


conclusão partindo da premissa de que o conceito legal de serviços de
telecomunicações abarca necessariamente o provimento do substrato técnico ou
infraestrutura que viabiliza o processo tele comunicativo.

Logo, considerando o SeAC uma espécie de serviços de telecomunicações, o


Conselho Diretor consolidou o entendimento de que este serviço também pressupõe
a ingerência do seu prestador sobre as redes que viabilizam a fruição dos canais de
televisão e sua responsabilidade final no que tange à instalação e manutenção de
dispositivos necessários à disponibilização do conteúdo.

Portanto, por silogismo, o Conselho Diretor da Anatel entendeu pela


impossibilidade de categorização dos novos entrantes como prestadores de serviços
de acesso condicionado.

No que tange a sua qualificação enquanto um SVA, o Conselho Diretor entendeu


pela sua compatibilidade com ordenamento tendo em vista que este é um serviço
acessado por meio da Internet e transportado sobre a rede de um prestador de
telecomunicações, sendo, portanto, juridicamente caracterizado como um usuário do
serviço de telecomunicações, nos termos do art. 61 da LGT.

3.6 REFLEXÕES SOBRE A DECISÃO E APRESENTAÇÃO DE


COORDENADAS NECESSÁRIAS

A caracterização do serviço over the top de conteúdo audiovisual programado


enquanto SVA implica em sua exclusão do regime jurídico do serviço de acesso
condicionado e, consequentemente, do âmbito da competência regulatória da Anatel.
64

Em outros termos, a decisão do Conselho Diretor da Agência lhe destinou a um


verdadeiro vácuo regulatório, caracterizado pela não incidência de obrigações
setoriais típicas, frequentemente aplicadas aos serviços de telecomunicações e
radiodifusão.

Essa qualificação jurídica de quase nenhuma carga regulatória tende a se tornar


mais controversa na medida em que se evidencia semelhanças de atributos ou
aspectos funcionais entre o novo incumbente, não regulado, e a televisão por
assinatura, objeto de extensa regulação estatal.

Quando contrapostos, esses dois serviços divergem quanto à forma pela qual
são postos à disposição dos seus usuários. Enquanto a televisão por assinatura é
distribuída sobre uma rede de telecomunicações condicionada à contratação, o
serviço de distribuição online de conteúdo audiovisual se caracteriza como um
verdadeiro meta-serviço (WIMMER, PIERANTI, ARANHA, 2009), do qual a oferta e a
fruição dependem da prévia adesão do usuário a um provedor de conexão à internet.

Em que pese se diferenciarem em formato, estes se aproximam em essência.


Como vimos, o novo serviço over the top de vídeo simula a experiência televisiva no
ambiente da internet com vistas a atrair o público mais afeito ao conteúdo distribuído
na forma de canais de televisão. Esse novo modelo de negócio é produto do
movimento de migração de serviços tradicionais de telecomunicações para o
ambiente da internet, processo que se relaciona intimamente com emergência de
tecnologias disruptivas que culminaram no processo de digitalização que possibilitou
o tráfego de qualquer tipo de imagens, sons e textos na forma de bits (FERNANDES,
2018)

Nesse cenário em que a internet vem exercendo o papel da infraestrutura básica


de telecomunicações como suporte para a prestação de serviços de distribuição de
conteúdo, é necessário questionar a adequação da dicotomia jurídica promovida pelo
Acórdão nº 472 do Conselho Diretor da Anatel, considerando os seus efeitos no que
diz respeito à regulação de dois serviços considerados potencialmente substituíveis.

Visando o cumprimento desse intento, nas páginas que se seguem, serão


apresentadas contribuições de diversos autores que servirão de aporte teórico para o
enfrentamento da questão aqui apresentada. Esses trabalhos buscam entender e
65

propor prescrições acerca do como regular serviços de telecomunicações e serviços


de internet considerados funcionalmente equivalentes em um ambiente de
digitalização dos serviços e pós convergência tecnológica.
66

4. TEORIAS DA REGULAÇÃO NA PÓS CONVERGÊNCIA

Como explica Blackman (1998), no século passado, diferentes meios de


transmissão definiam a atividade de comunicação correlata. Sendo cada suporte
projetado para transportar diferentes tipos de informações separadamente: a telefonia
para comunicação bidirecional por voz, radiodifusão para o tráfego de conteúdo
audiovisual de massa, correios para texto e assim por diante.

A partir dessa compreensão, havia uma verdadeira tendência no regime jurídico


dos serviços de telecomunicações de tentar esquadrinhar toda a cadeia de valor de
um determinado serviço. Partia-se do pressuposto de que era possível dispor com
clareza, tanto no âmbito legal quanto no infralegal, de todo o conjunto de atividades e
agentes econômicos envolvidos na prestação de uma determinada atividade do ramo
(FERNANDES, 2018).

Esse pressuposto de absoluta previsibilidade da cadeia de valor de um serviço


de telecomunicações decorria, em partes, da própria realidade circundante: as
condições tecnológicas da época conformavam os serviços de telecomunicações em
estruturas apartadas uma das outras.

Cada estrutura promovia uma utilidade comunicacional específica, que se


destacava enquanto uma unidade autônoma capaz de integrar verticalmente a
infraestrutura necessária, a produção de dados ou o ato tele comunicacional
propriamente dito, além do acesso ao conteúdo ou ao produto da atividade tele
comunicacional em si (FERNANDES, 2018).

Não por acaso, Richard Whit criou a alegoria dos silos verticalizados para ilustrar
esta tendência regulatória no âmbito do mercado de comunicações que consiste em
formular políticas públicas e estruturas normativo-regulatórias a partir de um serviço
tecnologicamente delimitado pela sua rede ou infraestrutura base. Segundo o autor,
as referidas molduras jurídicas partem da premissa de que há uma relação biunívoca
entre os serviços de telecomunicações e a infraestrutura de rede que lhe caracteriza
(WHIT, 2004).

Em síntese, a partir dessa proposta segmentada e verticalizada, os marcos


regulatórios tradicionais presumiam para cada atividade econômica uma definição
67

apriorística de serviço que, por sua vez, estava vinculada a uma estrutura normativa
e seu respectivo conjunto de obrigações regulatórias. Nesse sentido, ao analisarem a
conformação do quadro legal e regulatório concernente às telecomunicações na
realidade norte-americana, Bar e Sandvig ilustraram muito bem essa diversificação de
tratamento jurídico com base no suporte tecnológico:

“leis e as políticas públicas que regem as comunicações nos Estados Unidos


da América têm se orientado, ao longo do tempo, para o tratamento de
diferentes meios de comunicação por meio de doutrinas distintas. A imprensa,
os correios, a radiodifusão e a telefonia são regidos por padrões normativos
próprios e distintos entre si. Tais regras definem, caso a caso, questões como
quem pode construir e operar a infraestrutura dos sistemas de comunicação,
quem pode utilizá-los, assim como quais os parâmetros técnicos e normativos
para transmissão de determinadas informações” (BAR, SANDVIG, 2009, p.
78)

Contudo, essa tendência de formação de políticas públicas isoladas e


verticalizadas, passa a ser confrontada a partir da segunda metade do século XX em
decorrência de um processo que ficou teoricamente conhecido pela alcunha de
convergência tecnológica.

Embora a expressão não tenha assumido um sentido unívoco, esse trabalho


parte da ideia de convergência tecnológica proposta em Fernandes (2018), a qual
emprega a expressão em um sentido amplo para se referir a uma “ mutação
qualitativa e estrutural dos mercados de comunicações e tecnologia” que tem como
ponto de inflexão o surgimento de inovações ou irrupções tecnológicas que
viabilizaram diferentes estruturas de rede a assumirem igualmente a posição de
substrato técnico compatível para um mesmo processo de telecomunicação.

Em síntese, o fenômeno em questão está umbilicalmente associado a


revoluções tecnológicas que permitiram a um mesmo serviço de telecomunicações a
desenvolverem suas atividades a partir de diferentes suportes ou redes.

Esse fenômeno impactou sobretudo o relacionamento das atividades de


computação eletrônica com as atividades de telecomunicações.

Apesar de em suas origens se desenvolverem de forma isolada, os dois


segmentos tiveram seus laços estreitados, graças a capacidade da internet permitir
que diferentes tipos de dados trafeguem em seu âmago de forma absolutamente
68

independente do seu conteúdo. Tal característica permitiu que, no mundo virtual, toda
e qualquer forma de comunicação preexistente ganhasse um serviço digital
correspondente.

Do ponto de vista técnico, esse processo de imersão dos serviços de


telecomunicação na esfera do online está intimamente ligada à noção de digitalização
que, por sua vez, diz respeito à implementação de um conjunto de tecnologias que
permitiram aos mais variados modos de telecomunicações (voz, imagens, vídeo)
desenvolverem a capacidade de tráfego em diferentes elementos de redes na forma
de bits ou dígitos binários (MUELLER, 2004).

O impacto da digitalização dos serviços e da convergência das redes sobre as


dinâmicas de mercado de telecomunicações também repercutiu na esfera jurídica.
Com os serviços de telecomunicações cada vez menos associados a uma rede ou
substrato técnico específico, a efetividade das molduras jurídicas tradicionais, tanto
no nível legal como infralegal, passaram a ser contestadas (BAR E SANDVIG, 2009).

À medida em que o fenômeno da confluência tecnológica se expandiu, regimes


jurídicos calcados na lógica dualista do “serviço-tecnologia” se mostraram cada vez
mais obsoletos. Ao se pautarem no pressuposto de que cada serviço é conformado
pela rede que lhe serve de substrato, essas estruturas normativas se revelaram
extremamente engessadas e inflexíveis à dinamicidade do mundo hodierno. Nesse
prisma, Bar e Sandvig estabelecem que

“...as antigas distinções entre os meios de comunicação tradicional foram


petrificadas nos departamentos de diferentes agências reguladoras e em
regimes de política regulatória. Hoje, o aparato regulador continua a aplicar
princípios do passado em setores industriais nos quais tais critérios fazem
cada vez menos sentido, e para os quais, já não há a menor razão de ser”
(BAR E SANDVIG, 2009)

Consequentemente, essa forma anacrônica de percepção dos serviços e a


produção legislativo-regulatório dela decorrentes criaram verdadeiros “bolsões”
dedicados a esquadrinhar juridicamente a cadeia de valor de determinados setores
ou espécies de serviços, vinculando-lhes direitos e obrigações específicas. Essa
segmentação legislativo-regulatória do mercado de telecomunicações contrasta com
o mundo moderno cada vez mais convergente. É nesse sentido que Bar e Sandvig
69

falam em “ilhas regulatórias” para se referirem ao isolamento e a obsolescência


desses regimes jurídicos frente a um mundo cada vez mais cambiante (BAR E
SANDVIG, 2009)

Nesse ambiente em que as fronteiras entre as redes se tornam cada vez mais
nebulosas e no qual os serviços são digitalizados e adaptáveis a diferentes substratos
técnicos, torna-se pertinente se debruçar sobre os desafios envolvidos na
estruturação de novos modelos jurídicos-regulatórios.

Nesse sentido, diferentes autores têm se debruçado sobre o modo como o


Estado Regulador deverá regulamentar serviços de telecomunicações e internet no
contexto da pós-convergência tecnológica.

Esses estudos partem do pressuposto de que o formato da estrutura jurídica


regulatória tradicional do setor de telecomunicações é insuficiente ou incapaz de lidar
com toda a complexidade atinente à emergência de novos agentes que se propõem a
executar determinadas espécies de serviços funcionalmente equivalentes àqueles já
prestados pelos tradicionais incumbentes do setor das telecomunicações.

Essas contribuições teóricas tiveram como precursores juristas americanos que,


entre o final da década de 1990 e início do decênio subsequente se debruçaram sobre
a questão da regulação estatal a exemplo de autores como John Nakahata, Richard
Whitt, François Bar, Christian Sandvig, Lawrance Solum e Minn Chung,

O uso das teorias sobre regulação no ambiente da pós-convergência como


aporte teórico desse estudo se justifica pelo fato de que aqui se parte da hipótese de
insuficiência do modelo jurídico e regulatório tradicional para lidar com os novos
serviços potencialmente substitutivos aos tradicionais incumbentes dos serviços de
telecomunicações.

Assim, o uso deste arsenal teórico acerca dos desafios e parâmetros a serem
discutidos no contexto de regulação de serviços funcionalmente equivalentes em um
cenário de pós-convergência pode, de alguma maneira, consubstanciar a análise da
atuação da ANATEL na definição do regime jurídico do serviço over the top de
conteúdo audiovisual programado.

Para viabilidade da empreitada, a análise do objeto deste estudo tem como vetor
de orientação a proposta do professor e pesquisador brasileiro Victor Fernandes
70

(2018) de agrupamento das prescrições normativas em três variáveis conceituais que


as caracterizam (i) a superação dos modelos jurídicos baseados em silos verticais
ou da inadequação das molduras jurídicas tradicionais; (ii) a rejeição do
incrementalismo regulatório e da tirania das pequenas decisões; (iii) o
estabelecimento de regimes jurídicos estáveis e horizontais para mercados
funcionalmente equivalentes. As próximas seções serão dedicadas a maiores
pormenores sobre cada prescrição.

4. 1 AS TRÊS PRESCRIÇÕES NORMATIVAS EXTRAÍDAS DAS TEORIAS DA


REGULAÇÃO NA PÓS-CONVERGÊNCIA

4.1. 1 O diagnóstico de insuficiência e a necessidade de superação dos


modelos jurídicos baseados em silos verticais ou da inadequação das molduras
jurídicas tradicionais:

Segundo Fernandes (2018), um elemento constante nas teorias que avaliam ou


refletem modelos de regulação em um contexto de pós-convergência é o diagnóstico
de insuficiência normativa das legislações de telecomunicações tradicionais diante da
alvorada dos serviços over the top, que não se amoldam facilmente às categorias
jurídicas consolidadas pelos respectivos ordenamentos.

Em regra, nessas jurisdições tradicionais são observáveis regimes jurídicos


particulares cujo raio de incidência de direitos e obrigações tem como métricas
serviços de telecomunicações que, por sua vez, são delimitados ontologicamente por
uma rede que lhe serve de substrato técnico ou elemento tecnológico.

É dessa constatação de categorias normativas de serviços baseados em nichos


tecnológicos que surge a alegoria dos silos verticalizados, teorizada de forma
magistral por Richard Whitt e que foi apresentada neste trabalho na seção
antecedente. Como vimos, este modelo teórico faz alusão ao processo de formação
de regimes jurídicos baseados na relação biunívoca entre os serviços de
telecomunicações e a infraestrutura de rede que lhe caracteriza.
71

Contudo, esta delimitação de regime jurídicos a partir de nichos tecnológicos se


revelou insuficiente perante os processos de convergência das redes e digitalização
dos serviços, que desfizeram fronteiras estáticas entre as atividades de
telecomunicações tradicionais e os serviços de internet e culminaram na
obsolescência de categorias normativas engessadas e seus respectivos regramentos.

Este diagnóstico comum a diversos autores no campo das teorias da regulação


no pós-convergência ensejou uma série de reflexões sobre a necessidade de
mudanças abrangentes ou revisões estruturais das atuais molduras jurídicas
tradicionais incidentes sobre os serviços de telecomunicações e internet.

Nesse contexto, surgem propostas teóricas como a do autor Nakahata, que


sugere a criação de um regime regulatório unificado no qual se abandone a incidência
de regimes jurídicos calcados nas respectivas tecnologias empregadas e que versem
sobre questões econômicas e sociais em mercados convergentes (NAKAHATA,
2002,).

4.1.2 A rejeição do incrementalismo regulatório e da tirania das pequenas


decisões

Depois do enfoque dado às molduras jurídicas tradicionais, a segunda prescrição


das teorias regulatórias n pós convergência está centrada no modo como o regulador
reage a assimetria verificada entre as molduras jurídicas e a dinâmica dos mercados
convergentes, em especial, a forma como os reguladores de telecomunicações
enfrentam o embate das novas tecnologias sobre legislações obsoletas.

Fernandes (2018) mapeia os dois comportamentos mais comuns entre os


reguladores de telecomunicações na lida com as novas tecnologias. A primeira
conduta catalogada consiste no incremento de novas categorias normativas ao
ordenamento vigente com fim de conformar juridicamente tecnologias disruptivas não
antevistas e, por conseguinte, submetê-las a um conjunto de direitos e obrigações
aplicáveis à nova atividade regulamentada.
72

A segunda prática consiste na tentativa de subsunção das inovações


tecnológicas às classificações jurídicas tradicionais. Esta tática de enquadramento
busca acomodar novas atividades em regimes jurídicos que foram concebidos
previamente para outras tecnologias similares. As molduras jurídicas poderão ainda
sofrer ajustes com a finalidade de compatibilizá-las à natureza ou às peculiaridades
do novo entrante.

No entanto, Fernandes (2018) ressalta que estes dois comportamentos


alternativos, são considerados como manifestações de uma tendência de
incrementalismo regulatório.

O incrementalismo consiste em uma estratégia institucional de tomada de


decisões baseadas em seus próprios méritos, sem a consideração do impacto
cumulativo de decisões semelhantes (SOLUM e CHUNG, 2004). Na seara regulatória,
essas estratégias incrementalistas são responsáveis pela adoção de medidas que,
apesar de pontuais e casuísticas, geram impactos de grande escala.

Um dos grandes problemas do incrementalismo está no enfraquecimento de


políticas públicas mais abrangentes. A postura incrementalista rechaça a visão global,
foca em problemas específicos e propõe soluções imediatas, sufocando assim
qualquer debate mais profundo como o da revisão do arcabouço jurídico e regulatório
em um cenário de pós-convergência tecnológica (FERNANDES, 2018).

Dessas considerações, se extrai a segunda prescrição normativa de regulação


na pós convergência: a intervenção do Estado na era da internet não pode se basear
em tendências incrementalistas, devendo este tipo de conduta, portanto, ser rejeitada.

4.1.3 A redefinição de regimes jurídicos estáveis e horizontais em


mercados funcionalmente equivalentes

A próxima prescrição necessariamente decorre das outras duas. A superação de


regime jurídicos baseados no modelo de silos verticalizados perpassa pela
reformulação estrutural de todo o sistema que, por sua vez, seria inviabilizada pela
adoção de estratégias institucionais incrementalistas.
73

Para Fernandes (2018), a suplantação do diagnóstico de modelos jurídicos


verticalizados e marcados pelo incrementalismo institucional requer necessariamente
a reformulação de todo um status quo, visando estabelecer regimes jurídicos estáveis
e que respeitam mercados funcionalmente equivalentes.

O autor ainda salienta que a missão desenhada acima ganha camadas de


complexidade quando inserida em um mundo constantemente modificado pelas
transformações da pós-convergência, dado o desafio de se estruturar regimes
regulatórios a partir de cenários cambiantes (FERNANDES, 2018)

Depois de assentadas estas premissas, Fernandes se volta para a forma como


a reformulação estrutural dos regimes deve ocorrer. Segundo o autor, a magnitude e
abertura da tarefa, impõe a adoção de dois “princípios prescritivo-normativos” como
vetores de orientação (FERNANDES, 2018)

O primeiro deles, nomeado de “estabilidade”, está vinculado à necessidade de


consolidação de obrigações regulatórias gerais, porém duradouras. Em outras
palavras, um regime jurídico estável requer a constituição de um quadro regulatório
que, de um lado, seja capaz de projetar criações inovadoras ou padrões
comunicativos alternativos, evitando, por conseguinte, a obsolescência programada
de categorias normativas pré-estabelecidas e, do outro, que não seja
demasiadamente aberto a ponto de estimular incrementalismos institucionais. Nas
palavras do autor:

“Deve-se, assim, buscar um fino equilíbrio, evitando-se tanto o extremo da


definição de regras “engessadas” e opacas ao desenvolvimento de novas
tecnologias quanto o extremo da consolidação de padrões normativos
ancorados em princípios variáveis.” (Fernandes, 2018)

Além do princípio prescritivo normativo de estabilidade, outro termo crucial para


o entendimento integral da prescrição normativa analisada nesta seção é o conceito
de horizontalidade. A perspectiva horizontal faz um contraponto direto aos modelos
regulatórios verticalizados, nos quais um conjunto de obrigações é vinculado à cadeia
de valor de um determinado serviços de telecomunicações que é, em regra, definido
pelo seu substrato tecnológico.
74

A prescrição da horizontalidade advém da ideia de paridade de tratamento a


agentes econômicos potencialmente substituíveis. A perspectiva horizontal abandona
o critério clássico de diferenciação do serviço ou atividade pela identificação de seu
substrato tecnológico e propõe regulá-los a partir da funcionalidade ou utilidade
econômica gerada.

Segundo Fernandes (2018), a aplicação do princípio prescritivo da


horizontalidade em mercados funcionalmente equivalentes no âmbito da
convergência implica, de um lado, na ampla reformulação do quadro regulatório
historicamente aplicável aos serviços tradicionais de telecomunicações e, do outro, na
reflexão sobre a possibilidade de regulação dos serviços de internet tradicionalmente
acobertados pelo pálio da livre iniciativa.
75

5 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA ANATEL NA DEFINIÇÃO DO REGIME


JURÍDICO DO SERVIÇO OTT DE VÍDEO A PARTIR DAS PRESCRIÇÕES PARA
REGULAÇÃO DE SERVIÇOS NO PÓS CONVERGÊNCIA

Este capítulo analisará a atuação da Anatel na definição do regime jurídico do


serviço over the top de conteúdo audiovisual programado a partir das três variáveis
teórico-conceituais propostas por Fernandes apresentadas no capítulo anterior.

5.1 DO ESMAECIMENTO DE CATEGORIAS NORMATIVAS NO ÂMBITO


DA PÓS CONVERGÊNCIA

Como vimos, alguns autores defendem que a LGT é dotada de uma relativa
plasticidade normativa que foi projetada propositadamente pelo legislador ordinário,
preocupado em não restringir ou mesmo antever as múltiplas variações e
possibilidades da telecomunicação no mundo hodierno. Por essa razão, no lugar de
apresentar um rol taxativo com todas as possíveis espécies do gênero “serviços de
telecomunicações”, o legislador elaborou um conceito jurídico “aberto e abrangente",
cuidando tão somente do pressuposto ontológico da categoria disposta no caput do
art. 60.

Não por acaso, Quelho (2011) caracteriza a LGT como uma lei-quadro que
estabelece estruturas conceituais e principiológicas direcionadas aos formuladores e
implementadores da política nacional de telecomunicações, com o fim de que estes
editem normas ditas substantivas (como aquelas relativas a políticas públicas e à
regulação de serviços de telecomunicações); para concretização das diretrizes do
marco legal.

A ideia de lei-quadro de Quelho advém do seu exercício teórico de


decomposição da estrutura normativa da LGT sob a perspectiva de camadas. Através
desse exercício, a autora buscou analisar diversos segmentos da lei com vistas a
verificar a adaptabilidade do referido diploma legal a um contexto de convergência.
76

Da perspectiva escolhida, a autora segmentou a LGT em três grupos ou


camadas: (i) uma “camada física”, na qual se dispõe sobre os suportes de transmissão
e o transporte das informações (redes de telecomunicações, radiofrequência; e as
órbitas); (ii) uma “camada de aplicações”, que versa sobre os serviços de
telecomunicações; (iii) e uma camada de conteúdo que, apesar de não definida,
dispõe sobre a abrangência do marco geral às telecomunicações em sentido amplo
(telecomunicações em sentido estrito + meios de comunicação social ou de massa51)

Da análise empreendida, observou-se que: na camada de serviços, há um certo


grau de indeterminação normativa no que diz respeito à forma de sua organização e
os seus respectivos substratos tecnológicos (QUELHO, 2011). Não por acaso, a LGT
conferiu à Anatel a responsabilidade de constituir as novas modalidades de serviços
de telecomunicações, considerando nessa tarefa os atributos estabelecidos em seu
art. 69. Segundo a autora, este e outros exemplos demonstram uma verdadeira
tendência do legislador em flexibilizar a adaptação da lei, concedendo-lhe uma
abertura ínsita a reconfigurações diante dos desafios impostos pela convergência
tecnológica.

Com relação à camada de conteúdo, entretanto, a autora relata que a LGT não
revogou a disciplina legal e regulatória previamente existente dos serviços de
radiodifusão e os serviços de televisão por assinatura. Segundo a autora, a opção
feita pelo legislador preservou diversas “ilhas regulatórias” que diversificam o
ecossistema jurídico das telecomunicações no Brasil (QUELHO, 2011).

No que concerne ao serviço de acesso condicionado, este está submetido a


regras, princípios e obrigações umbilicalmente ligados à sua espécie, os quais estão
consubstanciados no bojo da Lei 12.485/11 e o seu respectivo regulamento. No caso

51
Assim como Barroso (2011) este trabalho adotará as expressões como sinônimas. Segundo o autor,
a Comunicação Social está inserida em um amplo universo formado pelas liberdades de expressão, de
informação e de empresa e tem sido frequentemente associada ao desenvolvimento dos meios
midiáticos veiculadores de conteúdo, sobretudo aqueles que propiciam uma “comunicação coletiva” ou
“multicast” (BARROSO, 2008). Para o ilustre professor, o termo “comunicação social” vem sendo
frequentemente associado à ideia de “comunicação de massa”, expressão entendida em sua obra como
o ato de transmitir mensagens/conteúdo a um grupo heterogêneo e indiferenciado de pessoas. Barroso
ainda preleciona que o texto constitucional prevê a distinção entre meios de comunicação de massa
(para cuja regulamentação abriu um capítulo específico: Comunicação Social) e os meios de
comunicação “interpessoal” ou “unicast” (serviços postais, telefônicos, telegráficos...) e que há um
tratamento especial do texto constitucional dispendido em relação ao primeiro grupo em razão do risco
potencial que este oferece aos direitos fundamentais (BARROSO, 2008).
77

dos serviços de radiodifusão, a sua outorga permaneceu no âmbito de competências


do Poder Executivo, ficando a atuação da Agência adstrita a gerenciar os planos de
canalização a serem utilizados pelos prestadores de radiodifusão e pelos serviços
ancilares à atividade.

Segundo a autora, essas “legislações e regulamentações divergentes”


dificultam sobremaneira o estabelecimento de políticas públicas abrangentes no setor
das telecomunicações, bem como incrementa complexidade à função de
normatização dos entes reguladores.

Outro ponto crucial na análise de Quelho sobre a camada de conteúdo da LGT,


diz respeito às suas observações acerca da “imunidade” regulatória concedida aos
SVAs. Como vimos, a LGT estabelece que os SVAs não devem ser confundidos com
os serviços de telecomunicações propriamente ditos e se caracterizam como meros
usuários das redes de telecomunicações que lhe dão suporte, com os direitos e os
deveres inerentes a essa condição (BRASIL, 1997)52. Em decorrência dessa
qualificação jurídica, não são atividades fiscalizadas ou reguladas pela Anatel,
estando, portanto, dispensados da outorga ou de condicionamentos adicionais para
serem ofertados ao público em geral.

Vimos também que a LGT não estabelece um rol taxativo de atividades


consideradas SVA e que, historicamente, o conceito foi estendido a novos serviços
prestados a partir da internet. Segundo a autora, os serviços online de distribuição de
conteúdo audiovisual, aqui definidos como OTT de vídeo, estão entre uns dos maiores
agraciados com a extensão do conceito, uma vez que estes novos players prestam, a
partir da internet, atividades historicamente mantidas sob regramento jurídico e
regulatório especial em razão de suas implicações sobre a cultura, a soberania
nacional e a democracia53.

52
Vide art. 61, § 1, da LGT (BRASIL, 1997)
53
Caso dos serviços de radiodifusão sonora e de imagens e da televisão por assinatura como também
todo e qualquer meio técnico que permita veicular mensagens a um público amplo, ou seja, que possa
ser qualificado como espécie da “comunicação de massa” ou comunicação social. A diversificação das
possíveis plataformas midiáticas insertas neste conceito é uma das preocupações da nossa Carta
Magna, que serve de guarida para regras e princípios específicos que norteiam todo o setor, a ponto
de se falar em um Regime Constitucional de Comunicação Social (BARROSO, 2008).
78

Para Quelho, em que pese estes serviços serem formalmente qualificados como
SVA, da análise dos seus pressupostos ontológicos, se depreende que estes não
constituem verdadeiramente um “valor adicionado”, mas, ao contrário, caracterizam a
própria utilidade buscada pelo usuário. Constatações empíricas que, segundo a
autora, denunciam a incompatibilidade dos novos serviços com o conceito in abstrato
do art. 61 da LGT (QUELHO, 2011).

Wimmer, Pieranti e Aranha (2009) também se debruçaram sobre a adequação


ou adaptabilidade do conceito de SVA no contexto em que a internet substituiu a
infraestrutura básica dos serviços de telecomunicações e assumiu a posição de
substrato para a prestação de serviços de distribuição de conteúdo audiovisual.

Assim como Quelho, estes autores entenderam que a imunidade regulatória


dada ao SVA se torna controversa à medida que estes novos players vão se revelando
funcionalmente equivalentes aos tradicionais serviços de telecomunicações
(WIMMER, PIERANTI E ARANHA, 2009)

Com a convergência tecnológica e o intenso deslocamento do serviço de


distribuição de conteúdo audiovisual para internet, o uso indiscriminado do conceito
de SVA para qualificar aplicações ou serviços no ambiente virtual, sem uma reflexão
mais aprofundada sobre a pertinência do enquadramento dessas espécies aos limites
semânticos da categoria jurídica proposta pelo legislador, fomentou um cenário de
aumento no número dos serviços desregulados e de arrefecimento do serviço
praticado em seus moldes tradicionais (WIMMER, PIERANTI, ARANHA, 2011).

Para além do impacto mercadológico54, este processo de desregulamentação


ganha novas nuances quando se acrescenta à análise, a constatação de que, até
então, a atividade de distribuição de conteúdo audiovisual era prestada
exclusivamente por serviços qualificados como espécies da dita “comunicação de
massa” ou comunicação social (WIMMER, PIERANTI E ARANHA, 2009).

Segundo Wimmer, Pieranti e Aranha (2009), apesar de questões históricas,


políticas ou socioeconômicas terem impedido uma regulação dos meios de

54
Para Wimmer, Pieranti e Aranha (2009), o quadro desenhado acima ainda contribuiu para o
deslocamento do foco da intervenção estatal, que deixa de abarcar o serviço de produção ou
distribuição do conteúdo propriamente dito e fica adstrito à regulação da infraestrutura ou substrato
técnico que lhe serve de suporte.
79

comunicação social no Brasil de forma mais abrangente, não se deve olvidar a posição
central que esta temática ocupa no ordenamento brasileiro. Não por acaso, Barroso
defende a ideia de que há um verdadeiro Regime Constitucional de Comunicação
Social e explicita com maestria a razão de sua existência (BARROSO, 2008):

“A razão para o tratamento constitucional diferenciado aos meios de


comunicação de massa é intuitiva. É que eles têm imensa capacidade de
influenciar a formação da opinião, da ideologia e da agenda social, política e
cultural de um determinado povo. Além disso, oferecem maior risco potencial
de lesão a direitos subjetivos que a Constituição quer proteger, como a vida
privada, a honra, a imagem, os direitos autorais, dentre outros. Por isso, a
Carta de 1988 dedicou atenção especial aos meios que, à época de sua
promulgação, eram capazes de veicular mensagens a um público amplo,
caracterizando-se como meios de comunicação de massa” (BARROSO,
2008).

Em complemento às considerações transcritas, registra-se ainda que a própria


Carta Magna serve de guarida para regras e princípios específicos que norteiam toda
a Comunicação Social. Nos segmentos de produção e programação de conteúdo
audiovisual, por exemplo, restaram assentadas diretrizes relativas à (i) preferência do
conteúdo a ser veiculado ( artístico, educativo, informativo); (ii) à promoção da cultura
nacional e regional; (iii) incentivo à produção independente (iv) e respeito aos valores
éticos e sociais da família (BRASIL, 1988).

Tendo em vista este quadro jurídico incidente sobre a Comunicação Social e a


importância desta matéria para a soberania, democracia e cultura de um povo;
Wimmer, Pieranti e Aranha (2009) defendem a necessidade de se repensar o conceito
de SVA hoje aplicado indistintamente aos serviços de internet, tendo em vista que a
categoria jurídica ora discutida põe a salvo de qualquer regulamentação serviços
online de distribuição de conteúdo audiovisual funcionalmente semelhantes aos
distribuidores de conteúdo tradicionais, que por sua vez também são caracterizados
como serviços de telecomunicação social sob uma perspectiva constitucional
(BARROSO, 2008).

Para Wimmer, Pieranti e Aranha (2009), o esmaecimento de fronteiras entre as


categorias normativas postas pela estrutura jurídica vigente (SVA x serviços de
telecomunicações) suscita a necessidade de se discutir propostas relativas à
80

redefinição ou abandono dos conceitos normativos obsoletos e, por conseguinte,


enseja a avaliação de propostas de regulação para os novos players.

Segundo estes mesmo autores, as aludidas propostas deverão ser capazes de


conjugar tanto o respeito às especificidades da internet, quanto às regras e princípios
aplicáveis à comunicação de massa, desde que, é claro, estas últimas normas sejam
cabíveis ou adequadas à natureza do serviço prestado a partir da internet (WIMMER,
PIERANTI E ARANHA, 2009).

Contudo, enquanto essas reformas estruturais não saírem do papel, a tendência


é que posturas incrementalistas se intensifiquem. Pois, como visto, este modo de
atuação dos agentes decorre, sobretudo, do engessamento das molduras jurídicas
tradicionais ou da insuficiência de categorias normativas pré-concebidas
(FERNANDES, 2018)

5.2 O ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS SERVIÇOS OVER THE TOP


DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO: UMA DECISÃO DE VIÉS
INCREMENTALISTA?

À luz das reflexões antecedentes, não se pode cometer o erro de se adotar um


simples raciocínio de subsunção, pois a realidade é complexa demais para ser
reduzida em uma mera sentença.

Como vimos, a LGT não apresentou um rol taxativo das espécies do gênero
“serviços de telecomunicações”. Esta escolha é interpretada por diferentes autores
como uma opção do legislador em estabelecer um conceito jurídico “aberto e
abrangente” de modo a possibilitar que a regulamentação destes serviços se desse
de forma cambiante o suficiente para seguir o fluxo da inovação tecnológica”
(MARQUES NETO, 2000)

De fato, a LGT confere grande discricionariedade à Anatel quando lhe atribui


competências como a do já discutido art. 69 da LGT, que nas palavras de Márcio
Aranha representa uma verdadeira “reserva normativa qualificada” (ARANHA, 2021).
81

Outro grande baluarte da discricionariedade administrativa da Anatel está na


importante atribuição que a lei lhe conferiu para deliberar na esfera administrativa
sobre a interpretação da legislação de telecomunicações. Incrementando o seu
arsenal de possibilidades, o ato administrativo geral e normativo decorrente da LGT55,
o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações também lhe concedeu poderes
para estabelecer outras situações que não constituam serviços de telecomunicações.

De fato, das observações feitas acima, percebe-se uma preocupação do aludido


marco-legal em se manter relativamente aberto à realidade cambiante e que uma das
estratégias adotadas pelo legislador para concretizar tal diretriz foi justamente a de
atribuir ao agente regulador o papel de verdadeira “válvula de reconfiguração do
espaço regulatório” (FERNANDES, 2018), o que favoreceu certa adaptabilidade do
regime jurídico e regulatório das telecomunicações ao processo de convergência
tecnológica. Não por acaso, Quelho fala em “Norma-Quadro” ao se referir à LGT
(QUELHO, 2011).

Contudo, conforme visto na seção anterior, em que pese a lei brasileira não ser
necessariamente verticalizada, isso não impede a existência de determinadas ilhas
regulatórias ou limitações normativas no que tange à aderência da legislação
brasileira às repercussões da pós-convergência tecnológica.

Nesse ponto, vem sendo observado por diferentes autores uma importante
limitação da lei no que tange à dicotomia normativa entre SVA e serviços de
telecomunicações. Como visto, novos players vêm contestando a suposta linha
demarcatória entre as duas espécies jurídicas ao levarem para o ambiente da internet
utilidades até então restritas a um substrato tecnológico específico e tradicionalmente
associado a um serviço de telecomunicações.

Embora sejam recorrentemente qualificados como serviço de valor adicionado,


estes novos incumbentes se caracterizam por se confundirem com a própria utilidade
buscada pelo usuário e por se fazerem funcionalmente equivalentes aos incumbentes

55
Art. 3º Não constituem serviços de telecomunicações: I - o provimento de capacidade de satélite; II -
a atividade de habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de
telecomunicações; III - os serviços de valor adicionado, nos termos do art. 61 da Lei 9.472 de 1997.
Parágrafo único. A Agência poderá estabelecer outras situações que não constituam serviços de
telecomunicações, além das previstas neste artigo (ANATEL, 1998)
82

dos serviços tradicionais. Constatações empíricas que, segundo o parecer de diversos


autores, denunciam a incompatibilidade desses novos entrantes com o conceito in
abstrato do art. 61 da LGT (QUELHO, 2011).

Como vimos no segundo capítulo, a Anatel foi instada a se manifestar sobre a


natureza do serviço over the top de conteúdo audiovisual programado. Na ocasião, a
sua atuação foi fortemente marcada pela reafirmação das categorias jurídicas postas
na legislação e regulamentação infralegal, se traduzindo basicamente em uma
tentativa de acomodação do novo player dentro desse arcabouço jurídico consolidado.

Conforme registrado no segundo capítulo, o Conselho Diretor entendeu, por


unanimidade, que o SeAC e novo modelo de negócio são serviços integrantes de um
mesmo mercado relevante e que a relação de substitutibilidade entre os dois serviços
pode ser verificada quando estes estão disponíveis em uma mesma dimensão
geográfica.

Entretanto, conferiu tratamento jurídico distintos a ambos os serviços partindo


do pressuposto de que há uma linha demarcatória rígida que põe os serviços de
telecomunicações e os serviços de valor adicionado em dois campos diametralmente
opostos e inconciliáveis, desconsiderando todas as repercussões advindas dos
processos de digitalização dos serviços e convergência de redes que contesta a
rigidez dessas fronteiras.

Como visto, o enquadramento proposto partiu de um raciocínio de exclusão ou


de negação da possibilidade de subsunção da atividade prestada pelo novo
incumbente à categoria normativa “serviços de telecomunicações". Embora diversos
autores defendam a abertura ínsita do conceito jurídico proposto pela, a Anatel parte
de uma concepção mais restritiva que considera a ingerência, o controle e a
responsabilidade final sob uma rede condição sine qua non para caracterização de
uma atividade como serviço de telecomunicação.

De fato, parte da doutrina trabalha a concepção de serviço de telecomunicação


enquanto provedor de acesso a uma rede. Contudo, não se pode olvidar a ausência
de um conceito legal para este substrato tecnológico. Em que pese a LGT versar sobre
a sua implantação, funcionamento e organização (Título IV da LGT), a única definição
jurídica existente no ordenamento brasileiro é encontrada no art. 3º, VII, do
83

Regulamento Geral de Interconexão – RGI, aprovado pela Resolução do Conselho


Diretor da Anatel nº 693, de 17 de julho de 2018. Ainda que não se negue a
complexidade do debate, sobretudo no contexto do conceito jurídico de serviço de
acesso condicionado56, forçoso reconhecer que em grande parte esta tendência à
interpretação restritiva se apoia menos no marco legal e mais nos atos infralegais do
próprio ente regulador 57.

Desse modo, considerando a atuação do Conselho Diretor da Anatel no âmbito


da definição do regime jurídico setorial do serviço over the top de conteúdo
audiovisual, vislumbra-se que seu modus operandi foi marcado sobretudo pela
tendência de reafirmação das categorias postas na legislação e na regulamentação
infralegal. A escolha da agência reguladora em buscar acomodar a nova tecnologia
dentro das estruturas normativas pré-existentes revelou uma postura incrementalista
que esvaziou um debate mais profundo sobre a assimetria jurídica-regulatória
verificada entre dois serviços funcionalmente equivalentes.

5.3 REGIMES JURÍDICOS ESTÁVEIS E HORIZONTAIS PARA


MERCADOS FUNCIONALMENTE EQUIVALENTES?

À luz das teorias regulatórias, Fernandes (2018) estabelece que a suplantação


do diagnóstico de modelos jurídicos verticalizados e marcados pelo incrementalismo
institucional requer necessariamente a reformulação de todo um status quo, visando
estabelecer regimes jurídicos estáveis e que respeitam mercados funcionalmente
equivalentes.

56De fato, o conceito legal da atividade de distribuição engloba a responsabilidade final do distribuidor
pelas atividades complementares de comercialização, atendimento ao assinante, faturamento,
cobrança, instalação e manutenção de dispositivos, entre outros. O conceito vem sendo utilizado pelos
defensores da tese da inaplicabilidade da Lei do SeAC aos serviços over the top (BRASIL, 2011). Para
aqueles que se opõem ao argumento, o dispositivo traz atividades meramente exemplificativas que não
comprometem a compleição normativa do serviço de acesso condicionado: a transmissão, entrega ou
provimento do conteúdo, sendo irrelevante a especificação prévia do eventual processo técnico que
venha a viabilizar a entrega do material televisivo (BRITO, 2020)
57 O Regulamento do SeAC prevê, por exemplo, que a Prestadora é responsável perante o Assinante
e a Anatel pela execução e qualidade do serviço, inclusive no que concerne ao correto funcionamento
da Rede de Telecomunicações, ainda que essa seja de propriedade de terceiros (ANATEL, 2012)
84

No primeiro capítulo deste trabalho, foi avaliada uma série de estudos empíricos
sobre a questão da substitutibilidade existente entre os serviços over the top de vídeo
e a tv por assinatura, aqui juridicamente qualificada como serviço de acesso
condicionado. No que tange especificamente ao serviço over the top de conteúdo
audiovisual programado, ainda nos debruçamos sobre uma Análise da Área Técnica
da Anatel que versou sobre a temática.

Em que pese a complexidade da dinâmica estabelecida entre os velhos e os


novos incumbentes impeça um parecer conclusivo sobre o assunto, a grande maioria
dos estudos tendem a apontar certo grau de substitutibilidade entre os dois serviços.

Diante de tal cenário justifica-se a discussão suscitada pelos agentes de


mercado sobre a manutenção de condições competitivas e o expurgo de assimetrias
legais ou regulatórias encontradas, ainda que se considerem controversos os
diagnósticos sobre a real desvantagem existente na diferença de tratamento jurídico
entre os players.

Em que pese se reconheça a aludida controvérsia, o marco teórico aqui


escolhido elege a ideia de horizontalidade como um importante vetor de orientação na
regulação de mercados funcionalmente equivalentes

Como vimos anteriormente, esse conceito transmite uma ideia de paridade no


tratamento de agentes econômicos potencialmente substituíveis (Fernandes, 2018) e
que o conjunto de direito e obrigações impostos a determinado agente não deve ter
como base os padrões tecnológicos empreendidos, mas a sua funcionalidade ou
utilidade econômica gerada (FERNANDES, 2018).

Sob a perspectiva da horizontalidade, destaca-se que atualmente o regime


jurídico-regulatório aplicável à televisão por assinatura (serviço de acesso
condicionado) coexiste com uma quase imunidade regulatória do serviço over the top
de conteúdo audiovisual programado. Nos próximos segmentos, se analisa mais
detidamente o conjunto de regras e obrigações incidentes na atividade de cada
incumbente:
85

5.3.1 Regime Jurídico do Serviço de Acesso Condicionado:

O conceito jurídico de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) foi apresentado


na seção 2.2 deste trabalho. Na ocasião, restaram fixadas duas importantes
premissas sobre esta espécie normativa.

Primeiramente, o SeAC é um “serviço de telecomunicações”, atividade de matriz


constitucional, cujo pressuposto ontológico restou assentado na LGT e que está
submetida à fiscalização e regulação da ANATEL.

A segunda premissa versa sobre a especificidade do serviço, cujos pressupostos


qualitativos estão delineados na Lei do SeAC e cujas condições de exploração estão
disciplinadas pelo Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado, aprovado pela
Resolução n° 581/2012, em 26 de março de 2012 e alterado pela Resolução nº 720,
de 10 de fevereiro de 2020.

Com assentamento destas duas premissas, busca-se agora analisar o conjunto


de regras legais e infralegais que compõem o regime jurídico do SeAC,
especificamente às condicionantes impostas aos prestadores do serviço no âmbito da
execução de suas atividades.

5.3.1.1 Vedação à propriedade cruzada e a vedação à verticalização da cadeia


de valor do audiovisual:

Conforme exposto acima, tendo em vista a autonomia entre as atividades


desenvolvidas na cadeia de segmentos que envolvem a comunicação audiovisual de
acesso condicionado e, considerando os princípios estruturantes do segmento da
comunicação do audiovisual de acesso condicionado, a Lei nº 12.485/11 impôs
limitações ao exercício simultâneo, de um lado, da atividade de distribuição, e de
outro, das atividades de produção e programação (BRASIL, 2011).

O artigo 5º da Lei 12.485/11 estabelece em seu caput que permissionárias ou


concessionárias de radiodifusão, produtoras e programadoras com sede no Brasil não
podem controlar nem deter, direta ou indiretamente, ou por meio de empresa sob
86

controle comum, mais de 50% do capital votante total de empresas prestadoras de


serviços de telecomunicações de interesse coletivo (BRASIL, 2011).

Na mesma senda, o § 1º desse mesmo artigo determina que as prestadoras de


serviços de telecomunicações de interesse coletivo não podem controlar nem deter,
direta ou indiretamente, ou por meio de empresa sob controle comum, mais de 30%
do capital votante total das radiodifusoras, produtoras e programadoras com sede no
Brasil (BRASIL, 2011).

De acordo com Oliveira e Ragazzo (2017), o debate acerca da restrição à


participação cruzada de capital entre empresas de telecomunicações e do audiovisual
teve início no âmbito do Projeto de Lei (PL) nº 70/2007, apensado posteriormente ao
PL nº 29/2007, apresentado pelo então deputado Paulo Bornhausen (PFL/SC) em
cinco de fevereiro de 2007.

Segundo estes mesmos autores, durante a tramitação deste último PL, uns dos
principais argumentos veiculados no bojo dos pareceres publicados pelas Comissões
da Câmara para justificar a imposição da referida restrição foi o referente à intenção
de promover a competitividade do setor a partir da ampliação do número de atores
deste segmento e da limitação à capacidade de alguns agentes econômicos com
excessivo poder de mercado (OLIVEIRA e RAGAZZO, 2017)

Da análise dos documentos atinentes à tramitação do PL n° 29/2007, Oliveira e


Ragazzo (2007) demonstram a existência de um entendimento majoritário entre os
legisladores da época de que as empresas de telecomunicações teriam faturamentos
muito maiores do que as empresas produtoras, o que poderia supostamente distorcer
negativamente a formatação do mercado por força de um eventual desequilíbrio de
poderio econômico entre seus agentes.

Na visão dos parlamentares, as restrições na participação cruzada entre os


setores de audiovisual e telecomunicações seriam capazes de direcionar o referido
do setor para um mercado diametralmente oposto, com a ampliação do número de
players, mais concorrência e, por conseguinte, melhor qualidade dos serviços
(RAGAZZO e OLIVEIRA, 2017). Durante a tramitação, diversas emendas
parlamentares foram apresentadas com o intuito de flexibilizar a referida limitação. No
87

entanto, nenhuma obteve sucesso e a regra da proibição da propriedade cruzada


permaneceu (RAGAZZO e OLIVEIRA, 2017).

Na ADI 467958, o Ministro Relator Luiz Fux versou justamente sobre as referidas
medidas de restrições, asseverando que a vedação à propriedade cruzada entre as
empresas de telecomunicações e do audiovisual, bem como a vedação à
verticalização da cadeia de valor do audiovisual pretendem, de forma imediata,
concretizar as diretrizes constitucionais voltadas a coibir o abuso do poder econômico,
bem como realizam, de forma mediata, a dimensão objetiva do direito fundamental à
liberdade de expressão e de informação, especialmente no que tange à atividade
diretiva do Estado de promover a diversificação das fontes de produção e a redução
da concentração do poder comunicativo:

“as regras proibitivas da propriedade cruzada entre os setores de radiodifusão


e de telecomunicações, bem como aquelas impeditivas da verticalização da
cadeia de valor do audiovisual nada mais fazem do que, direta e
imediatamente, concretizar os comandos constitucionais inscritos no art. 170,
§4º e 220, §5º, da Lei Maior, no sentido de coibir o abuso do poder econômico
e evitar a concentração excessiva do mercado. Cuida-se, portanto, de regras
antitruste que buscam prevenir a configuração de falhas de mercado
(monopólios e oligopólios) e a distorção alocativa que lhes é correlata. De
forma mediata, as aludidas regras contribuem ainda para promover a
diversificação do conteúdo produzido, justamente porque tendem a evitar que
o mercado de TV por assinatura se feche, ampliando as fontes de informação
disponíveis e o espaço para a manifestação de novos entrantes. Na linha já
apontada pela Procuradoria-Geral da República, trata-se de reconhecer que
as proibições veiculadas pelo art. 5º, caput e §1º, e pelo art.6º, I e II, ambos
da Lei nº 12.485/11, realizam a dimensão objetiva do direito fundamental à

58
Em 18 de novembro de 2011, o Partido Democratas (DEM) ajuizou perante o Supremo Tribunal
Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4679) contra diversos dispositivos da Lei
12.485/2011. Em seu bojo, o partido alegou que o amplo poder de regulação do conteúdo audiovisual
conferido à ANCINE pela lei em debate infringia o direito de liberdade de expressão garantido pela
Constituição, em seu art. 5°, inc. IX; bem como restringia o direito de criação artística, assegurado no
artigo 220. A legenda sustentou que a norma questionada também fulminaria regras basilares da ordem
econômica. Com esses argumentos, o Democratas pediu a declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 9º (parágrafo único); 10; 12; 13; 15, na parte em que acrescenta o inciso VIII ao artigo 7º da
Medida Provisória 2.228-1, de 2001; 16; 17; 18; 19; 20; 21; 22; 23; 24; 25; 31; 32 (parágrafos 2º, 13 e
14); 36; 37 (parágrafos 5º, 6º e 7º); e 42, da Lei 12.485/11. O DEM ainda pediu que fosse dada
interpretação ao artigo 29 da supracitada lei de modo a declarar que o a existência do aludido
dispositivo não afastaria as diretrizes constitucionais para as contratações públicas contidas nos artigos
21 (inciso XI), 175 (caput) e 37 (caput e inciso XXI) da CRFB/88. Em oito de novembro de 2017, por
maioria e nos termos do voto do Ministro Relator Luiz Fux, o Plenário do STF julgou a referida ação
parcialmente procedente apenas para declarar a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 12.485.
88

liberdade de expressão e de informação, no que tem destaque o papel


promocional do Estado no combate à concentração do poder comunicativo.”

Na ocasião do julgamento da referida ADI, concluiu-se, que as vedações eram


legítimas e tinham origem na ponderação entre os princípios da livre iniciativa, da
ordem econômica e da proteção ao consumidor e que tais normas se destinariam a
evitar a concentração de mercado e definir balizas da própria democracia, tendo em
vista a importância da TV e seu conteúdo como elementos formadores de opinião.
Pois no mercado de produtos audiovisuais, os efeitos deletérios da concentração
excessiva de poder econômico suscitam problemas adicionais e de inegável
sensibilidade constitucional, em decorrência de eventuais desdobramentos nocivos da
concorrência imperfeita sobre o direito à liberdade de expressão e à liberdade de
informação

Além do aporte de restrições à chamada propriedade cruzada entre os setores


de telecomunicações, radiodifusão sonora de sons e imagens e de produção e
programação de conteúdo para as TVs por assinatura, a lei coibiu a chamada
verticalização da cadeia de valor do audiovisual. O art. 6º da Lei do SeAC proíbe que
as prestadoras de telecomunicações de interesse coletivo, bem como suas empresas
controladas, controladoras e afiliadas, com a finalidade de produzir conteúdo
audiovisual a ser veiculado no SeAC ou em serviços de radiodifusão, de adquirir ou
financiar a aquisição de direitos para explorar imagens de eventos de interesse
nacional e contratar talentos artísticos brasileiros de qualquer natureza. A única
exceção a essas restrições refere-se ao uso desses direitos e talentos para a
produção de propaganda (BRASIL, 2011).

5.3.1.2 Regras de carregamento de canais obrigatórios ou must carry:

O art. 32 da Lei 12.485/11 prevê uma série de canais de carregamento


obrigatório pelas empresas de TV por assinatura. Diz-se obrigatório porque tais canais
deverão constar de todo e qualquer pacote oferecido, sem quaisquer ônus ou custos
adicionais para seus assinantes, independentemente de tecnologia de distribuição
empregada pela prestadora de SeAC. (BRASIL, 2011)
89

Quanto a natureza qualificativa dos referidos canais, em regra, estes foram


escolhidos pelo legislador em decorrência de seu significativo interesse público — o
que justifica a escolha de canais voltados, por exemplo, ao aprimoramento do ensino
à distância de alunos e à capacitação de professores, bem como para a transmissão
de produções culturais e programas regionais ou de canais de caráter institucional,
caso da TV Câmara (inciso II), TV Senado (inciso III), a TV Justiça (inciso IV) e o
canal reservado para a prestação de serviços de radiodifusão pública pelo Poder
Executivo (inciso VI). (BRASIL, 2011)

Para além de canais delimitados pelo interesse público de sua matéria ou por
uma vinculação de ordem institucional, o inc. I do art. 32 incluiu, no âmbito de
incidência do carregamento obrigatório, os canais das estações geradoras locais de
radiodifusão de sons e imagens59. Trata-se de uma política de incentivo ao consumo
da produção audiovisual local que opera pela imposição de um grau interventivo
considerável nas atividades empresariais da prestadora de SeAC, mas que já foi
referendada pelo STF quando do julgamento da ADI 4679.

Na ocasião, a Suprema Corte reconheceu que as regras de must carry ou


carregamento obrigatório apresentam-se como um importante instrumento de
promoção dos princípios constitucionais da comunicação televisiva, tais como a
promoção de finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (art, 221, §1º,
da CRFB/88), bem como a valorização da cultura nacional e regional (art, 221,§2,
CRFB/88).

Contudo, ressalta-se que a referida lei cuidou de estabelecer uma hipótese


exceptiva ao dever de carregamento obrigatório. Conforme o art. 32, §8º da Lei nº
12.485, nos casos de inviabilidade técnica ou econômica comprovada, a Anatel
poderá determinar a não obrigatoriedade da distribuição de parte ou da totalidade dos
canais de que trata o mencionado dispositivo, nos meios de distribuição considerados

59
O art. 6° do Regulamento do Serviço de Retransmissão de Televisão e do Serviço de Repetição de
Televisão, aprovado pelo Decreto Federal nº 5.371/2005, define a Estação Geradora de Televisão
como um o conjunto de equipamentos, incluindo os acessórios, que realiza emissões portadoras de
programas que têm origem em seus próprios estúdios (BRASIL, 2005). Essa premissa é importante,
pois o inc. I do art. 32 não versa sobre as Estações Repetidoras e as Estações Restramissoras de
Televisão, uma vez que estas não produzem conteúdo próprio em seus estúdios e consistem em
apenas um conjunto de aparelhos que, não balizado por um contrato de concessão, simplesmente
reproduz/ repete os sinais de uma geradora de televisão ou de outras repetidoras ou retransmissoras.
90

inapropriados para o transporte desses canais em parte ou na totalidade das


localidades servidas pela distribuidora.

Subsidiariamente à Lei nº 12.485/11, o seu regulamento disciplina em mais


detalhes as condições para limitar ou isentar as obrigações de carregamento às
operadoras do serviço em caso de inviabilidade técnica ou econômica devidamente
justificada pelas operadoras em análise. Esses casos são avaliados pela Anatel que,
baseada em instrumento decisório específico da Agência, determinará a não
obrigatoriedade da distribuição de parte ou da totalidade dos canais ou a adoção de
medida substitutiva60.

5.3.1.3 Da política de fomento à produção e veiculação de conteúdo audiovisual


brasileiro:

Com o objetivo de incentivar a expansão e o fortalecimento da cadeia produtiva


do audiovisual brasileiro, a Lei nº 12.485/11 criou uma política de fomento à produção
e a veiculação do conteúdo audiovisual nacional, que exige o esforço conjunto de
programadores, empacotadores e distribuidores e que está fundada em três
obrigações fundamentais: (i) veiculação mínima de conteúdo brasileiro nos canais de
TV por assinatura (art. 16)); (ii) existência de um número mínimo de canais brasileiros
nos pacotes ofertados aos assinantes (art. 17); e, por fim, (iii) a disponibilização de,
pelo menos, um canal alternativo de jornalismo sempre que, no pacote vendido,

60
A título de exemplificação, a operação de TV por satélite (DTH) tem, necessariamente, abrangência
nacional, de modo que o conteúdo transmitido é o mesmo para todo o País. O que torna, realmente,
inviável a entrega direcionada dos canais de geradoras de TV locais para as suas respectivas áreas de
concessão, sendo igualmente claro que não seria nem técnica, nem economicamente factível a
imposição de que as operadoras de TV por satélite incluíssem, em seus pacotes, uniformemente para
todo o Brasil, todos os canais de geração local do País. Ainda assim, a Anatel concebeu uma fórmula
regulatória para viabilizar o carregamento de alguns (mas não todos) canais de geração local pelas
prestadoras de SeAC via satélite: uma geradora local de radiodifusão de sons e imagens poderá se
habilitar ao carregamento obrigatório de uma distribuidora de TV por assinatura via satélite desde que
essa geradora local passe a se estruturar como um conjunto de estações integrado por outras
geradoras afiliadas ou mesmo por meras retransmissoras. Mas não só, é necessário que esse conjunto
de estações cumpra requisitos específicos, sendo eles: a presença em todas as regiões geopolíticas
do país, o alcance mínimo de pelo menos um terço da população brasileira e o provimento da maior
parte da programação por uma das estações para as demais (ANATEL, 2012)
91

houver outro canal de programação gerado por programadora brasileira que veicule
majoritariamente conteúdos jornalísticos no horário nobre (art. 18).

De acordo com Heverton Souza Lima (2015), o elemento basilar dessa política
de fomento é a ideia de “espaço qualificado” sobre o qual incidem as cotas.
Legalmente, o espaço qualificado é definido pela via da exceção, sendo qualificado
como toda e qualquer programação veiculada no canal programado que não se
confunda com conteúdo religioso ou político, eventos esportivos, concursos,
publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política
obrigatória, conteúdo jornalístico e programas de auditório ancorados por
apresentador (BRASIL, 2011).

Dada a relativa indeterminação desse conceito legal, o art. 8º da Instrução


Normativa nº 100 da Ancine (IN 100) definiu positivamente como espaço qualificado
as obras audiovisuais seriadas ou não, dos tipos ficção, documentário, animação,
reality show, videomusical e de programa de variedade (ANCINE, 2011)

Com a função de subsidiar a produção brasileira de conteúdo qualificado, o art.


16 da Lei nº 12. 485/11 deu origem à "cota de conteúdo” (LIMA, 2015) criada
especialmente com o objetivo de transformar alguns canais de programação em
espaço de constante divulgação da produção nacional:

Art. 16 Nos canais de espaço qualificado 61, no mínimo 3h30 (três horas e
trinta minutos) semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre 62
deverão ser brasileiros e integrar espaço qualificado, e metade deverá ser
produzida por produtora brasileira independente (BRASIL, 2011)

Da leitura do artigo supracitado, observa-se o incremento de mais uma condição:


metade do conteúdo brasileiro de espaço qualificado veiculado em horário nobre
deverá ser proveniente de produtora nacional independente, entendida como aquela

61Art. 2, II, da Lei do SeAC qualifica como Canais de Espaço Qualificado os canais de programação
que, no horário nobre, veiculem majoritariamente conteúdos audiovisuais que constituam espaço
qualificado;
62 Por horário nobre, o art. 13 da IN 100 define as sete horas compreendidas entre as 11h às 14h e
entre às 17h e às 21h nos canais direcionados para crianças e adolescentes. Já nos demais canais, o
horário é definido pelas seis horas compreendidas entre as 19h às 24h (ANCINE, 2012).
92

que atenda cumulativamente os requisitos dispostos no art. 2, inciso XIX, da Lei do


SeAC:

Art.2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:


XIX - Produtora Brasileira Independente: produtora brasileira que atenda os
seguintes requisitos, cumulativamente:
a) não ser controladora, controlada ou coligada a programadoras,
empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de serviço de
radiodifusão de sons e imagens;
b) não estar vinculada a instrumento que, direta ou indiretamente, confira
ou objetive conferir a sócios minoritários, quando estes forem
programadoras, empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de
serviços de radiodifusão de sons e imagens, direito de veto comercial ou
qualquer tipo de interferência comercial sobre os conteúdos produzidos;
c) não manter vínculo de exclusividade que a impeça de produzir ou
comercializar para terceiros os conteúdos audiovisuais por ela produzidos
(BRASIL 2011);

Em que pese a obrigação do art. 16 da Lei do SeAC está necessariamente


vinculada à etapa da programação, se percebe que esta exigência influi indiretamente
na atividade das empacotadoras e operadoras de serviço de acesso condicionado
quando conjugada com a regra disposta no art. 17 do mesmo diploma: o cumprimento
da cota de pacote (LIMA, 2015).

Esta última regra impõe que a cada três canais de espaço qualificado
disponibilizados aos usuários, pelo menos um deles deverá ser formatado por
programadora brasileira. O diploma legal ainda exige que, no mínimo, 1 ⁄ 3 dos canais
brasileiros oferecidos seja formatado por programadora brasileira independente.

5.3.2 Regime jurídico-regulatório do serviço over the top de conteúdo


audiovisual programado

A discussão acerca da natureza jurídica do serviço OTT de vídeo programado já


foi largamente explorado neste trabalho, por isso, aqui evitar-se-á repisar a matéria
em seus pormenores. Para análise pretendida, basta rememorar que, por força do
entendimento do Conselho Diretor da Anatel que o qualificou como SVA, esta espécie
de serviço não está submetida à fiscalização ou regulação pela Anatel, estando,
portanto, dispensado de condicionamentos adicionais, como aqueles voltados à
93

obtenção de outorgas, ao cumprimento dos critérios de qualidade técnica, direitos dos


usuários, entre outros.

Conforme informado anteriormente, a única exceção à regra acima está disposta


no art. 62, § 2º, da LGT, o qual estabelece a intervenção da Anatel para assegurar o
uso das redes de telecomunicações aos prestadores de serviços de valor adicionado,
cabendo a esta mesma agência, para assegurar esse direito, regular o relacionamento
entre os SVAs e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

Desse modo, partindo da premissa de que o serviço OTT de vídeo programado


é potencialmente substitutivo ao serviço de acesso condicionado, a assimetria jurídico
regulatória, de fato, se revela bastante evidente. Diante de tal cenário justifica-se a
discussão suscitada pelos agentes de mercado sobre a manutenção de condições
competitivas e o expurgo de assimetrias legais ou regulatórias encontradas ainda que
se considerem controversos os diagnósticos sobre a real desvantagem existente na
diferença de tratamento jurídico entre os players.

Para além da questão da manutenção das condições competitivas, a


caracterização deste novo OTT como um SVA implica necessariamente em
reconhecê-lo, por corolário, como um usuário de um serviço de telecomunicações,
com os direitos e obrigações inerentes a essa posição, por força do quanto previsto
no art. 61, §1º da LGT (BRASIL, 1997).

Apesar dessa qualificação encontrar esteio no ordenamento, a sua repercussão


prática demanda maiores ponderações. Aqui se está diante de um usuário que, por
exemplo, exige dos provedores de internet cada vez mais investimento em
infraestruturas de rede de alta performance, tendo, contribuindo significativamente
com a própria remodelagem deste setor (FERNANDES, 2018).

Mas não só: como vimos, o serviço over the top de vídeo programado leva para
o ambiente da internet conteúdo audiovisual de natureza constitucional: a
comunicação social ou de massa, matéria com imensa capacidade de impacto sobre
a formação da opinião, da ideologia e da agenda social de um povo.

Desse modo, sob o ponto de vista do princípio prescritivo da estabilidade, se faz


necessário a estruturação de um quadro regulatório que, de um lado, seja capaz de
projetar criações inovadoras ou padrões comunicativos alternativos, evitando, por
94

conseguinte, a obsolescência programada de categorias normativas pré-


estabelecidas. Porém, que não seja demasiadamente aberto a ponto de estimular
incrementalismos institucionais em áreas tão sensíveis e deveras prestigiadas pelo
Constituinte Originário como aquelas relativas às matérias do Capítulo V da nossa
Carta Magna (BRASIL, 1988).
95

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou analisar, sob a perspectiva das teorias da regulação no


pós-convergência, o regime jurídico-regulatório atualmente aplicável ao serviço over
the top de conteúdo programado em decorrência do Acórdão nº 472, proferido pelo
Conselho Diretor da Anatel, em 10 de setembro de 2020.

Para o desenvolvimento da empreitada, o estudo buscou analisar a atuação da


Anatel na definição do regime jurídico do serviço over the top de conteúdo audiovisual
programado a partir das três prescrições normativas advindas das teorias de
regulação na pós convergência: (i) O diagnóstico de insuficiência dos modelos
jurídicos baseados em silos verticais, (ii) a rejeição do incrementalismo regulatório e
da tirania das pequenas decisões e a (iii) redefinição de regimes jurídicos estáveis e
horizontais em mercados funcionalmente equivalentes

No que concerne ao diagnóstico de insuficiência dos modelos jurídicos baseados


em silos verticais, foi visto que a LGT não apresenta uma estrutura verticalizada
propriamente dita. Não há na lei definições apriorísticas de serviços vinculados a um
suporte tecnológico específico. O referido diploma legal elaborou um conceito para
serviços de telecomunicações aberto e abrangente, sem se preocupar em antever as
múltiplas variações e possibilidades da atividade no mundo hodierno.

Também restou constatado que o referido diploma legal transferiu para a Anatel
a incumbência de definir no âmbito administrativo cada modalidade de serviços de
telecomunicações (BRASIL, 1997). Por sua vez, no âmbito infralegal, a agência
reguladora passou a fixá-las levando em consideração a utilidade final de cada serviço
ao usuário, independentemente da tecnologia empregada (ANATEL, 1998).

Desse modo, ao atuar sob estrutura normativa aberta dos pressupostos


qualitativos dos serviços de telecomunicações, a ANATEL vem exercendo um papel
relevante na definição dos regimes de cada modalidade, o que contribui com a
adaptabilidade do ordenamento em relação às mudanças proporcionadas pela
emergência de novas tecnologias.

Contudo, em que pese a estrutura da LGT não ser em sua origem verticalizada,
a potencial capacidade de adaptabilidade da estrutura jurídico regulatória ao mundo
convergente vem sendo comprometida pela imunidade regulatória dada aos SVAs.
96

Com a convergência tecnológica e a digitalização de atividades econômicas para


o ambiente da internet, diversos autores estão contestando o uso indiscriminado
desse conceito jurídico para qualificar aplicações ou serviços online a medida em
esses novos serviços são funcionalmente equivalentes aos incumbentes tradicionais,
como é o caso do objeto desse estudo.

O esmaecimento de fronteiras entre as categorias normativas postas pela


estrutura jurídica vigente (SVA x serviços de telecomunicações) suscita a necessidade
de se discutir propostas relativas à redefinição ou abandono da dicotomia existente.

A partir desse diagnóstico, também se faz necessário avaliar eventuais modelos


de regulação para o serviço over the top de conteúdo audiovisual programado,
considerando questões relativas ao seu impacto econômico sobre o mercado
audiovisual brasileiro, sobretudo, no que concerne ao fomento à produção nacional e
a produção de conteúdo independente, bem como à relevância da matéria para o
ordenamento jurídico, dado seu status constitucional de comunicação social
eletrônica.

Contudo, no âmbito da definição do regime jurídico setorial do serviço over the


top de conteúdo audiovisual, a atuação do Conselho Diretor da Anatel foi marcada
sobretudo pela tendência incrementalista de reafirmação da dicotomia teles x SVA e,
por corolário, de isenção regulatória ao novo player.

Ao afastá-lo do âmbito de incidência da Lei do SeAC e de todo o regime


regulatório dela decorrente, a Anatel dispensou um debate mais profundo sobre
possíveis desdobramentos ou impactos relevantes decorrentes da assimetria jurídica-
regulatória promovida entre dois serviços funcionalmente equivalentes.

O acórdão do Conselho Diretor da Anatel focou em problemas específicos e


propôs uma solução imediata para um problema que enseja debates mais profundos
como o da revisão do arcabouço jurídico e regulatório em um cenário de pós-
convergência tecnológica.

Conforme aqui mencionado, a suplantação do diagnóstico de molduras


normativas engessadas e reforçadas pelo incrementalismo institucional requer
necessariamente a reformulação de todo um status quo, visando estabelecer regimes
jurídicos estáveis e que respeitam mercados funcionalmente equivalentes.
97

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