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Os Dons do Espirito Santo:


(1) Perguntas Gerais
Que são dons espirituais? Quantos dons existem? Algum dom
teria desaparecido? Buscando e usando os dons espirituais.

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A . P E R G U N T A S RELACIONADAS AOS DONS ESPIRITUAIS EM GERAL

N a s gerações passadas, os livros de teologia sistemática não tinham capítulos sobre


dons espirituais, pois havia poucas perguntas relacionadas à natureza e ao uso dos dons
espirituais na igreja. Mas o século X X tem visto u m notável crescimento do interesse pelos
dons espirituais, principalmente por causa da influência dos movimentos pentecostais e
carismáticos dentro da igreja. Neste capítulo vamos examinar primeiro algumas perguntas
genéricas relacionadas a dons espirituais e, depois, estudar de f o r m a mais específica se
alguns dons (miraculosos) teriam desaparecido. No próximo capítulo, vamos analisar o
ensino do Novo Testamento sobre dons específicos.
Antes de começar a discussão, porém, podemos definir os dons espirituais da seguinte
maneira: Dom espiritual é qualquer talento potencializado pelo Espírito Santo e usado no ministério
da igreja. Essa definição ampla inclui tanto os dons relacionados a talentos naturais (tais
como ensino, misericórdia e administração) quanto os que p a r e c e m mais "miraculosos"
e menos relacionados a talentos naturais (tais c o m o profecia, cura ou discernimento de
espíritos). A razão disso é que quando Paulo alista os dons espirituais (em R m 12.6-8; ICo
7.7; 12.8-10, 28; e Ef 4.11), inclui os dois tipos de dons. Contudo, n e m todos os talentos
naturais que as pessoas têm foram incluídos aqui, pois Paulo deixa claro que todos os dons
espirituais d e v e m ser distribuídos p o r " u m só e o m e s m o Espírito" ( I C o 12.11), são
concedidos "visando ao b e m c o m u m " (ICo 12.7 NVI) e d e v e m ser todos usados para a
" e d i f i c a ç ã o " ( I C o 14.26) d a i g r e j a . 1

1. D o n s espirituais na história da r e d e n ç ã o . C o m certeza o Espírito Santo agia


no Antigo Testamento, c o n d u z i n d o as pessoas à fé e a t u a n d o de m a n e i r a notável em
alguns p o u c o s indivíduos c o m o Moisés e Samuel, Davi e Elias. M a s em geral havia

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(52) A Doutrina da Igreja

atividade menos poderosa do Espírito Santo n a vida da maioria dos crentes. A evangelização
eficaz das nações havia sido reduzida, a expulsão de demônios 2 era desconhecida, as curas
miraculosas eram incomuns (embora t e n h a m acontecido de m o d o especial no ministério
de Elias e Eliseu), a profecia era restrita a p o u c o s profetas ou a p e q u e n o s g r u p o s de
profetas, e o " p o d e r d a ressurreição" sobre o p e c a d o no sentido de R o m a n o s 6.1-14 e
Filipenses 3.10 era raramente experimentado.
M a s e m vários pontos o Antigo Testamento aponta para u m t e m p o em que haveria
u m a capacitação maior do Espírito Santo que se estenderia a todo o povo de Deus. Moisés
disse: "Tomara todo o p o v o do S E N H O R fosse profeta, que o S E N H O R lhes desse o seu
Espírito!" (Nm 11.29). E o Senhor profetizou por meio de Joel:

E acontecerá, depois,
que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne;
vossos filhos e vossas filhas profetizarão,
vossos velhos sonharão,
e vossos jovens terão visões;
até sobre os servos e sobre as servas
derramarei o meu Espírito naqueles dias (J1 2.28-29).

J o ã o Batista a u m e n t a a expectativa do povo pelo c u m p r i m e n t o da profecia de J o e l


q u a n d o anuncia que depois dele virá alguém que "batizará com o Espírito Santo e com
fogo" (Mt 3.11; cf. M c 1.8; Lc 3.16; J o 1.33; At 1.5).
Q u a n d o Jesus inicia seu ministério, vem com a plenitude e o p o d e r do Espírito Santo
em sua pessoa. Lucas escreve: "Então,Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia"
(Lc 4.14). O resultado disso é que ele ensina com grande p o d e r (Lc 4.15-22), faz curas e
expulsa demônios de todos os oprimidos (Lc 4.31-41). De m o d o claro,Jesus veio no poder
maior do Espírito Santo, da nova aliança, e veio para subjugara reino de Satanás.
Aliás, Jesus diz que o poder do Espírito Santo atuando nele, capacitando-o a expulsar
demônios, é u m sinal de que o reino de Deus havia chegado com poder: "Se, porém, eu
expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre
vós" (Mt 12.28). R e c o r d a n d o a vida e o ministério de Jesus, J o ã o nos diz: "Para isto se
manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo" ( l j o 3.8).
M a s esse poder do Espírito Santo que pertence à nova aliança não se limita apenas
ao ministério de Jesus. Ele enviou seus discípulos, dizendo "está próximo o reino dos céus"
e lhes ordenou: "Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios"
(Mt 10.7-8). E n t r e t a n t o , esse p o d e r do Espírito Santo p r ó p r i o d a n o v a aliança não é
distribuído ainda a todos os que crêem em Jesus ou o seguem, mas somente aos seus doze
discípulos ou aos setenta (Lc 10.1-12).
O d e r r a m a m e n t o do Espírito Santo sobre a igreja n a plenitude e no p o d e r d a nova
aliança ocorreu n o Pentecostes. Antes de subir ao céu, Jesus o r d e n o u aos seus apóstolos
q u e n ã o se a u s e n t a s s e m de J e r u s a l é m , m a s q u e e s p e r a s s e m a p r o m e s s a d o Pai, e o
conteúdo dessa promessa era: "... vós sereis batizados c o m o Espírito Santo, não muito
depois destes dias" (At 1.4-5). Ele lhes prometeu: "... recebereis poder, ao descer sobre vós o
Espírito Santo"(At 1.8). Q u a n d o o Espírito foi d e r r a m a d o sobre a igreja no Pentecostes,

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(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

Pedro reconheceu que a profecia de Joel estava sendo cumprida, pois disse "o que ocorre
é o que foi dito por intermédio do profetaJoel" (At 2.16) e depois citou a profecia de Joel
(v. 17-21). Pedro reconheceu que a capacitação do Espírito Santo que pertence à nova
aliança tinha chegado sobre o povo de Deus e a era da nova aliança havia começado
como resultado direto da atividade de Jesus no céu, pois disse:

A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois,
à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou
isto que vedes e ouvis (At 2.32-33).

Pelo p a n o de fundo do ministério d e j e s u s e do ministério inicial dos discípulos com


Jesus, os discípulos presentes no Pentecostes teriam e n t e n d i d o c o r r e t a m e n t e q u e a
pregação evangelística poderosa, a libertação da opressão demoníaca, a cura física e talvez
também a profecia, os sonhos e as visões começariam todos e continuariam entre os que
crêem e m Cristo, e que essas coisas seriam características da era da n o v a aliança que
começou no Pentecostes. Outra característica desse derramamento do Espírito Santo era
u m a ampla distribuição dos dons espirituais a todas as pessoas — filhos e filhas, jovens e
velhos, servos e servas, segundo as palavras de Joel - todos receberam u m a capacitação
da nova aliança pelo Espírito Santo, e haveria também a expectativa de que depois disso
todos igualmente receberiam dons do Espírito Santo. 3 De fato, é isso que aconteceu na
igreja primitiva (veja ICo 12-14; G1 3.5; Tg 5.14-15). C o m o B. B. Warfield disse:

Temos razão de considerar como característica das igrejas apostólicas o fato de


esses dons miraculosos serem exercidos nelas. A exceção seria não uma igreja com,
mas uma igreja sem esses dons. [...] A igreja apostólica era caracteristicamente uma igreja
que operava milagres.4

(Isso é verdade, independentemente da visão que a pessoa tenha acerca da conti-


nuação dos dons miraculosos após os tempos apostólicos.)

2. O propósito dos dons espirituais na era do Novo Testamento. Os dons


espirituais são dados para equipar a igreja a fim de que ela desenvolva seu ministério até que Cristo
volte. Paulo diz aos coríntios: "não lhes falta nenhum dom espiritual, enquanto vocês aguardam
que o nosso Senhor Jesus Cristo seja revelado"[ ICo 1.7 NVI). Aqui ele relaciona a posse dos dons
espirituais e a situação deles na história da redenção (aguardando o retorno de Cristo),
dando a entender que os dons são dados à igreja para o período entre a ascensão de Cristo
e sua volta. De maneira semelhante, Paulo olha adiante para o tempo da volta de Cristo
e diz "quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado" (ICo
13.10), dando a entender também que esses dons "imperfeitos"(mencionados nos v. 8-9)
estarão em operação até a volta de Cristo, ocasião em que serão superados por algo muito
maior. 5 De fato, o derramamento do Espírito Santo com "poder" no Pentecostes (At 1.8)
teve por finalidade equipar a igreja visando à pregação do evangelho (At 1.8) — algo que
c o n t i n u a r á até q u e Cristo volte. E Paulo l e m b r a aos crentes que d e v i a m p r o c u r a r
progredir no uso que faziam dos dons espirituais, para a edificação da igreja" (ICo 14.12).

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(52) A Doutrina da Igreja

Por fim, ao escrever aos efésios, ele especifica que, q u a n d o Cristo a s c e n d e u ao céu,
c o n c e d e u d o n s " c o m vistas ao aperfeiçoamento dos santos p a r a o d e s e m p e n h o d o seu
serviço, p a r a a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4.12).
P o r é m , os d o n s espirituais n ã o só e q u i p a m a igreja p a r a o p e r í o d o até a volta d e
Cristo, mas t a m b é m proporcionam um antegozo da era vindoura. Paulo l e m b r a aos coríntios
que eles foram "enriquecidos"em toda a palavra e em todo o conhecimento, e que c o m o
resultado desse enriquecimento não lhes faltava " n e n h u m d o m espiritual" (ICo 1.5, 7).
É claro que esse enriquecimento em sua palavra e conhecimento não lhes deu a palavra
perfeita ou o conhecimento perfeito que teriam n o céu, mas somente u m antegozo ou a
garantia da perfeição celestial. De m o d o semelhante, Paulo lembra aos coríntios que os
dons espirituais são "imperfeitos", e q u a n d o vier o caminho "perfeito" do conhecimento
p o r ocasião d a volta de Cristo, esses dons d e s a p a r e c e r ã o ( I C o 13.10). Assim c o m o o
próprio Espírito Santo é nesta era u m a "garantia" (2Co 1.22, NVI; cf. 2 C o 5.5; Ef 1.14) da
o b r a mais c o m p l e t a d o Espírito Santo d e n t r o d e nós n a era v i n d o u r a , os d o n s que o
Espírito Santo nos dá são u m antegozo parcial da operação mais completa do Espírito Santo
que será nossa n a era vindoura.
Desse m o d o , os dons de p e r c e p ç ã o ^ d e discernimento prefiguram o discernimento
muito maior que teremos q u a n d o Cristo voltar. O s dons de conhecimento e de sabedoria
prefiguram a sabedoria muito maior que será nossa q u a n d o "conheceremos como tam-
b é m somos conhecidos" (cf. I C o 13.12). O s dons de cura proporcionam u m antegozo da
cura perfeita que será nossa q u a n d o Cristo nos conceder u m corpo ressurreto. Paralelos
semelhantes p o d e m ser encontrados para todos os dons do Novo Testamento. Mesmo a
diversidade de dons deve conduzir-nos a maior unidade e interdependência n a igreja (veja
I C o 12.12-13, 24-25; Ef 4.13), e essa diversidade n a unidade será em si u m antegozo da
u n i d a d e que os crentes terão n o céu.

3. Q u a n t o s d o n s existem? As cartas do Novo Testamento alistam dons espirituais


específicos em seis passagens. Veja adiante a tabela.
É óbvio que essas listas são todas b e m diferentes. N e n h u m a lista tem todos os dons,
e n e n h u m d o m exceto a profecia é m e n c i o n a d o em todas as listas (a profecia não é men-
cionada em I C o 7.7, e m que apenas o assunto do casamento e celibato está em discussão,
m a s c o m certeza está incluída n a frase "se alguém fala" d e IPe 4.11). Na realidade,
1 Coríntios 7.7 m e n c i o n a dois dons que não se e n c o n t r a m e m n e n h u m a outra lista: no
contexto e m que fala de casamento e celibato, Paulo diz: "... cada u m tem de Deus o seu
próprio domf u m , n a verdade, de u m m o d o ; outro, de outro".
Esses fatos indicam que Paulo não estava tentando elaborar listas exaustivas de dons
q u a n d o especificou os que enumerou. E m b o r a haja às vezes sinais de alguma ordem (ele
coloca os apóstolos e m primeiro lugar, os profetas e m segundo e os mestres em terceiro,
m a s as línguas e m último em I C o 12.28), parece que em geral Paulo ia alistando aleato-
r i a m e n t e u m a série de diferentes e x e m p l o s de d o n s à m e d i d a que eles lhe vinham à
mente.

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(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

!Coríntios 12.28 Efésios 4.118 1 Pedro 4.11


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1. apóstolo (1) apóstolo todo aquele que fala (abran-
2. profeta (2) profeta gendo vários dons)
3. mestre —14. evangelista todo aquele que serve (abran-
4. milagres 15. pastor-mestre gendo vários dons)
5. variedades de curas
Romanos 12.6-8
6. socorros
(2) profecia
7. administração
16. serviço
8. línguas
(3) ensino
!Coríntios 12.8-10 17. encorajamento
9. palavra da sabedoria 18. contribuição
10. palavra do conhecimento 19. liderança
11. fé 20. misericórdia
(5) dons de curar
1 Coríntios 7.7
(4) milagres
21. casamento
(2) profecia
22. celibato
12. discernimento de espíritos
(8) línguas
13. interpretação de línguas

Além disso, há certo grau de superposição entre os dons alistados em vários lugares.
Sem dúvida, o dom de governo (kybcrnõsis, ICo 12.28) é semelhante ao dom de liderança
(hoproistamenos, R m 12.8), e provavelmente ambos os termos p o d e m ser aplicados a
muitos que têm o ofício de pastor-mestre (Ef 4.11). Além disso, em alguns casos Paulo
alista u m a atividade e, em outros casos, um substantivo relacionado que descreve a pessoa
(tal como "profecia" em Rm 12.6 e ICo 12.10, mas "profeta" em I C o 12.28 e Ef 4.11).'J
O u t r a razão p a r a pensar que Paulo poderia ter feito listas muito mais longas se
quisesse é que alguns dons alistados têm muitas expressões diferentes à medida que são
encontrados em pessoas diversas. C o m certeza o dom de servir (Rm 12.6) ou de prestar
ajuda (ICo 12.28) assumirá muitas formas diferentes em situações diversas e entre pessoas
distintas. Alguns p o d e m servir ou ajudar d a n d o conselho sábio, outros p r e p a r a n d o
refeições, outros cuidando de crianças ou amparando u m necessitado dentro da igreja.
Esses dons diferem grandemente. Entre aqueles que possuem o d o m de evangelização,
alguns vão b e m em evangelização pessoal entre os vizinhos, outros se destacam n a
evangelização escrevendo folhetos e literatura cristã, e outros em evangelização por meio
de grandes campanhas e reuniões públicas. Outros ainda vão b e m em evangelização por
meio de rádio e televisão. Esses dons evangelísticos não são todos idênticos entre si,
mesmo que sejam classificados na categoria mais ampla de "evangelização". O mesmo
poderia ser dito sobre dons de ensino ou de administração. 1 " Tudo isso significa simples-
mente que não há duas pessoas cujos dons sejam exatamente iguais.
Então, quantos dons diferentes existem? Simplesmente depende do quão específicos
desejamos ser. Podemos fazer u m a lista muito curta com somente dois dons como Pedro
faz em IPedro 4.11: "todo aquele que fala"e "todo aquele que serve". Nessa lista de apenas
dois itens Pedro inclui todos os dons mencionados em todas as demais listas, pois todos

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(52) A Doutrina da Igreja

eles encaixam-se em u m a dessas duas categorias. Por outro lado, podemos tomar os ofícios
de profeta, rei e sacerdote, do Antigo Testamento, e ter u m a lista de três espécies de dons:
os d o n s proféticos (nesse sentido mais amplo) incluiriam q u a l q u e r coisa que envolva
ensinar, e n c o r a j a r , e x o r t a r ou r e p r e e n d e r os outros. O s d o n s sacerdotais incluiriam
qualquer coisa que envolva mostrar misericórdia e cuidado para aqueles e m necessidade
ou que envolva intercessão diante de Deus (tal como orar em línguas). O s dons reais envol-
veriam qualquer coisa que tenha a ver com administração ou governo ou ordem n a igreja.
Outras classificações de dons são dons de conhecimento (tais c o m o discernimento de
espíritos, palavra de sabedoria e palavra de conhecimento), dons de poder (tais como cura,
milagres e fé) e d o n s de palavra (línguas, interpretação e profecia). 11 E então d e novo
poderíamos fazer u m a lista muito mais longa, tal como a lista de vinte e dois dons enume-
rados acima. Mas mesmo essa lista não inclui todos os dons possíveis (nenhuma lista inclui
u m d o m de oração intercessória, por exemplo, que p o d e ser relacionado ao d o m de fé,
mas que não é a m e s m a coisa que esse d o m ; n e n h u m d o m musical é incluído em nenhu-
m a lista, e t a m b é m n e n h u m d o m de expulsão de demônios, e m b o r a Paulo devesse saber
que alguns cristãos eram mais eficazes do que outros nessa área). E se desejássemos dividir
as diferentes espécies de serviço ou administração ou evangelização ou ensino, poderíamos
c o m muita facilidade ter u m a lista com cinqüenta ou m e s m o cem itens. 12
O objetivo de tudo isso é simplesmente dizer que Deus d á à igreja u m a variedade
admirável de dons espirituais, e todos eles derivam de sua multiforme graça. De fato, é
isso m e s m o que Pedro diz: "Servi uns aos outros, cada u m conforme o d o m que recebeu,
c o m o b o n s despenseiros d a multiforme graça de Deus" (IPe 4.10; a palavra "multiforme"
aqui é poikilos, cujo significado é "que possui muitas facetas ou aspectos; que possui rica
diversidade").
O resultado parcial dessa discussão é que d e v e m o s estar dispostos a reconhecer e
apreciar as pessoas que t ê m d o n s diferentes dos nossos, m e s m o que esses dons não
c u m p r a m nossas expectativas com relação a como eles devem ser. Além disso, u m a igreja
sadia terá u m a grande diversidade de dons, e essa diversidade não deve levar à fragmen-
tação, mas à maior unidade entre os salvos n a comunidade. O ponto principal de Paulo
n a analogia do corpo com muitos m e m b r o s ( I C o 12.12-26) é dizer que Deus nos colocou
n o corpo com essas diferenças de modo que possamos depender uns dos outros. "Não podem
os olhos dizer à mão: N ã o precisamos de ti; n e m ainda a cabeça, aos pés: N ã o preciso
de vós. Pelo contrário, os m e m b r o s do corpo que parecem ser mais fracos são necessários"
( I C o 12.21-22; cf. v. 4-6). Vai contra o m o d o de pensar d o m u n d o dizer que desfrutamos
maior unidade quando nos juntamos intimamente com aqueles que são diferentes de nós,
m a s é exatamente isso que Paulo enfatiza e m 1 Coríntios 12, d e m o n s t r a n d o a glória da
sabedoria de Deus em não permitir que alguém tenha sozinho todos os dons necessários
p a r a a igreja, exigindo de nós que d e p e n d a m o s uns dos outros p a r a o funcionamento
a d e q u a d o d a igreja.

4. O s d o n s p o d e m variar q u a n t o a o poder. Paulo diz que se temos o dom da


profecia, d e v e m o s usá-lo "segundo a proporção da fé"{ R m 12.6), d a n d o a entender que o
d o m p o d e ser desenvolvido com mais força ou com menos força em diferentes indivíduos,
ou n o m e s m o i n d i v í d u o d u r a n t e u m t e m p o . É p o r isso que Paulo p o d i a lembrar a
Timóteo: "... não te faças negligente para c o m o d o m que h á em ti" ( l T m 4.14), e dizer-

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(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

lhe: "... admoesto que reavives o d o m de Deus que h á em ti" (2Tm 1.6). Era possível
Timóteo deixar seu d o m enfraquecer, aparentemente pelo pouco uso, e Paulo lembra-
lhe que devia avivá-lo, mediante uso e conseqüente fortalecimento. Isso não nos deve
surpreender, pois percebemos que muitos dons têm sua força e eficiência aumentadas à
m e d i d a q u e são utilizados, c o m o os d e e v a n g e l i z a ç ã o , e n s i n o , e n c o r a j a m e n t o ,
administração ou fé. Apolo tinha um grande dom de pregação e ensino, pois lemos que
ele era "poderoso (gr. dynatos) nas Escrituras" (At 18.24). E Paulo aparentemente tinha
u m d o m de falar em línguas muito eficaz, usado com muita freqüência, pois diz: "Dou
graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós" (ICo 14.18).13
Todos esses textos indicam que os dons espirituais podem variar quanto ao poder. Se
pensamos em qualquer dom, seja ensino ou evangelização por um lado, seja profecia ou
cura por outro, devemos perceber que em qualquer igreja é provável que no exercício
de determinado d o m haja pessoas muito eficazes (talvez por meio de longa utilização e
experiência), outros com força moderada e ainda outros que provavelmente possuem o
dom, mas estão apenas começando a usá-lo. Essa variação no poder dos dons espirituais
d e p e n d e de u m a combinação de influência divina e h u m a n a . A influência divina é a
operação soberana do Espírito Santo que distribui os dons "como lhe apraz, a cada um,
individualmente" (ICo 12.11). A influência h u m a n a vem da experiência, treinamento,
sabedoria e capacidade natural no uso daquele dom. E m geral, não é possível saber em
que proporção as influências divina e h u m a n a combinam-se em determinado momento,
n e m é r e a l m e n t e necessário saber isso, pois m e s m o as aptidões que p e n s a m o s ser
"naturais" são de Deus (ICo 4.7) e estão sob seu controle soberano (veja sobre a provi-
dência de Deus e a responsabilidade h u m a n a no capítulo 16).
Mas isso nos leva a u m a pergunta interessante: em que nível de poder deve mani-
festar-se um talento para que venha a ser considerado um dom espiritual? Por exemplo,
quanta capacidade para ensino alguém deve possuir para poder dizer que tem dom de
ensino? O u quanta eficiência n a evangelização alguém deve ter para que possamos
reconhecer nela o d o m de evangelização? O u com que freqüência alguém devfe obter
resposta às suas orações por cura para que se possa dizer que tal pessoa tem dom de curar?
As Escrituras não respondem diretamente a essa pergunta, mas o fato de Paulo falar
desses dons como úteis para a edificação da igreja (ICo 14.12) e o fato de Pedro dizer de
m o d o semelhante que cada pessoa que recebeu algum dom deve se lembrar de empregá-
lo para servir "uns aos outros" (IPe 4.10) dão a entender que tanto Paulo como Pedro
pensavam em dons como talentos fortes o suficiente para funcionar em benefício da igreja, seja
em relação à igreja reunida (como a profecia ou o ensino), seja em relação a indivíduos
da igreja em determinados momentos (como socorros ou encorajamento).
Provavelmente, não se pode traçar n e n h u m a linha definida nessa matéria, mas Paulo
lembra-nos de que ninguém tem todos os dons e não há nenhum dom que seja comum a todos. Ele
é b e m claro quanto a isso n u m a série de perguntas que pressupõem a resposta "não" a
cada ponto: "Porventura, são todos apóstolos? Ou, todos profetas? São todos mestres? Ou,
o p e r a d o r e s de milagres? T ê m todos dons de curar? Falam todos em outras línguas?
Interpretam-nas todos?" (ICo 12.29-30). O texto grego (com a partícula mê antes de cada
pergunta) pressupõe claramente um "não" como resposta a todas as perguntas. Portanto,
n e m todos são mestres, por exemplo, e também n e m todos possuem dons de curar ou
falam em línguas.

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(52) A Doutrina da Igreja

Mas mesmo que n e m todos tenham o d o m de ensinar, é verdade que todas as pessoas
"ensinam" em algum sentido d a palavra ensinar. M e s m o q u e m n u n c a sonharia em ensinar
u m a classe de escola dominical lê histórias bíblicas para seus próprios filhos e explica-lhes
o significado - n a verdade, Moisés ordenou aos israelitas que fizessem exatamente isso
c o m os filhos (Dt 6.7), e x p l i c a n d o - l h e s as p a l a v r a s d e D e u s e n q u a n t o e s t i v e s s e m
assentados em casa ou a n d a n d o pelo caminho. Dessa forma, devemos dizer por u m lado
que n e m todos têm o dom de ensino. Mas por outro lado devemos dizer que h á alguma
capacidade geral r e l a c i o n a d a ao d o m de ensino q u e todos os cristãos p o s s u e m . O u t r a
m a n e i r a de expressar isso seria dizer que não h á n e n h u m d o m espiritual que todos os
crentes possuam, m a s há u m a capacidade geral semelhante a todo d o m que todos os
cristãos têm.
Podemos ver isso em vários dons. N e m todos os cristãos têm o d o m de evangelização,
mas todos têm a capacidade de compartilhar o evangelho com seus vizinhos. N e m todos
os cristãos têm dons de curar (na verdade, como veremos abaixo, algumas pessoas dizem
que n i n g u é m hoje tem dons genuínos de cura); contudo todos os cristãos p o d e m orar e
o r a m a Deus para que cure amigos ou parentes. N e m todos os cristãos têm o d o m da fé,
mas todos os crentes têm alguma m e d i d a de fé, e e n t e n d e m o s que ela vá crescendo na
vida de u m cristão normal.
P o d e m o s até dizer que outros dons, tais c o m o profecia e falar e m línguas, n ã o só
variam quanto ao poder entre aqueles que os possuem, mas t a m b é m encontram contra-
parte em algumas capacidades que se v ê e m n a vida de todo cristão. Por e x e m p l o , se
e n t e n d e r m o s profecia (de acordo com a definição d a d a no capítulo 53)14 como "relato
de algo que Deus traz à m e n t e de m o d o espontâneo", então é v e r d a d e que n e m todos
e x p e r i m e n t a m isso c o m o u m d o m , pois n e m todos e x p e r i m e n t a m Deus lhes trazendo
coisas à m e n t e de f o r m a espontânea com tal clareza e força que se sintam à vontade para
falar delas n u m g r u p o de cristãos. Porém, p r o v a v e l m e n t e todo salvo tem de vez em
q u a n d o a consciência de que Deus está lhe trazendo à m e n t e a necessidade de orar por
um amigo distante ou de escrever ou de falar por telefone u m a palavra de ânimo a alguém
distante, p a r a mais tarde descobrir que aquilo era e x a t a m e n t e a coisa necessária no
m o m e n t o . Poucos n e g a r i a m que Deus de m a n e i r a s o b e r a n a e e s p o n t â n e a lhe trouxe
aquela necessidade à mente, e, e m b o r a isso não possa ser c h a m a d o d o m de profecia, é
u m a c a p a c i d a d e g e r a l p a r a r e c e b e r d i r e ç ã o especial ou o r i e n t a ç ã o d e D e u s , fato
semelhante ao que ocorre no d o m d a profecia, ainda que n u m nível m e n o s intenso.
P o d e m o s ainda considerar o d o m de falar em línguas a partir dessa perspectiva. Se
pensarmos no falar em línguas como oração em sílabas que não são entendidas por quem
fala (veja I C o 14.2, 14),15 então é verdade que n e m todos os cristãos têm o d o m de falar
em línguas (e deve ser dito mais u m a vez que alguns cristãos p o d e m a r g u m e n t a r que
ninguém tem esse d o m hoje, u m a vez que a era dos apóstolos j á acabou). Mas, por outro
lado, d e v e m o s r e c o n h e c e r que todos os cristãos têm p e r í o d o s d e o r a ç ã o e m que se
expressam não só em palavras e sílabas inteligíveis, como t a m b é m em forma de suspiros,
gemidos ou prantos que sabemos serem entendidos e ouvidos pelo Senhor, e manifestam
necessidades e interesses do nosso coração que não conseguimos traduzir plenamente em
palavras (cf. R m 8.26-27). De novo, não p o d e m o s chamar isso d o m de falar em línguas,
mas parece tratar-se de u m a capacidade geral em nossa vida cristã que em certa medida
está relacionada com o d o m de falar em línguas, no qual a oração se expressa em sílabas

866
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

que não entendemos plenamente, mas que o Espírito Santo transforma em oração eficaz
ouvida por Deus.
O objetivo de toda essa discussão é simplesmente dizer que os dons espirituais não
são tão misteriosos e "coisa do outro mundo" como as pessoas às vezes os retratam. Muitos
deles são apenas intensificações ou exemplos altamente desenvolvidos de fenômenos que
a maioria dos cristãos experimenta em sua vida. Outro ponto importante a ser estabe-
lecido a partir dessa discussão é que mesmo que tenhamos recebido dons de Deus, ainda
temos a responsabilidade de usá-los eficazmente e de procurar crescer no seu uso de tal
maneira que a igreja possa receber mais benefício daqueles dons dos quais Deus permitiu
que sejamos mordomos.
Por fim, o fato de que os dons p o d e m variar quanto ao poder permite-nos reconhecer
que o d o m de u m a pessoa (como o de ensino ou de administração, por exemplo) pode
não ser desenvolvido o suficiente para funcionar em benefício da igreja como um todo
n u m a grande comunidade em que muitos já têm desenvolvido o dom n u m grau elevado.
Mas é possível que essa m e s m a pessoa, m u d a n d o para u m a igreja menor e mais jovem,
em que poucos têm o d o m de ensino ou de administração, descubra que seu dom está
sendo muito necessário e p o d e ser exercido para o benefício de toda a congregação.
(Nesse sentido, algo considerado a p e n a s u m a aptidão geral n u m contexto p o d e r i a
corretamente ser considerado um dom espiritual em outro ambiente.)

5. Os cristãos possuem os dons por um tempo ou de modo permanente? Na


maioria dos casos, parece que o Novo Testamento descreve u m a posse permanente dos
dons espirituais. Encaixa-se a isso a analogia das partes do corpo em ICoríntios 12.12-26,
segundo a qual o olho não se transforma em mão, nem o ouvido se torna um pé, mas
vários m e m b r o s existem n o c o r p o p e r m a n e n t e m e n t e . 1 ( i Além disso, Paulo diz que
algumas pessoas têm títulos que descrevem u m a função contínua. Alguns p o d e m ser
c h a m a d o s "profetas" ou "mestres" (ICo 12.29) ou "evangelistas" (Ef 4.11). Podemos
presumir que essas pessoas tinham posse p e r m a n e n t e de dons de profecia, ensino e
evangelização, a menos que surgisse uma circunstância fora do comum que lhes retirasse
o dom. De m o d o semelhante, Paulo fala em possuir dons espirituais quando diz: "Ainda
que eu tenha o d o m de profecia" (ICo 13.2 NVI). E quando Paulo exige a presença de um
intérprete para alguém p o d e r falar em línguas ( I C o 14.28), dá por certo que a igreja
saberia se está presente alguém com dom de interpretação, o que implica que esse dom
seria possuído por alguém durante certo tempo. Q u a n d o ele diz "se alguém se considera
profeta" (ICo 14.37), está percebendo que alguns em Corinto haviam exercido o dom de
profecia com freqüência suficiente para pensar em si mesmos como "profetas". Todos
esses versículos apontam na direção de uma posse permanente, ou pelo menos duradoura
e contínua, de dons espirituais.
De fato, em Romanos 12, Paulo inicia sua oração dizendo: "... tendo, porém, diferentes
dons segundo a graça que nos foi d a d a " (Rm 12.6). E diz a Timóteo: "... não te faças
negligente para com o dom que está em ft'"(lTm 4.14, tradução literal), indicando mais uma
vez que Timóteo possuía aquele d o m por certo período. Portanto, parece que em geral
o Novo Testamento indica que as pessoas têm dons espirituais que lhes são dados e, u m a
vez de posse deles, normalmente são capazes de continuar a usa-los durante o curso de
sua vida cristã.

867
(52) A Doutrina da Igreja

Entretanto, devem-se fazer algumas restrições importantes, pois h á alguns sentidos


em que os dons não são permanentes. H á alguns dons que não são p e r m a n e n t e s por sua
própria natureza, tais c o m o os dons de casamento e celibato (1 Co 7.7). E m b o r a Paulo os
c h a m e dons, n a vida d a maioria dos crentes h a v e r á t e m p o s em que eles n ã o estarão
casados e tempos em que estarão. Além disso, alguns dons, e m b o r a talvez exercidos com
razoável freqüência, não p o d e m ainda ser exercidos à vontade. Eficiência no d o m de cura,
por exemplo, d e p e n d e d a vontade soberana de Deus em responder à oração pela cura.
De m o d o semelhante, profecia d e p e n d e da concessão de u m a "revelação" espontânea
(ICo 14.30) de Deus, e simplesmente não pode ser exercida à vontade. O mesmo poderia
ainda ser dito a respeito do d o m de evangelização: em última análise é obra do Espírito
Santo produzir a regeneração e ajudar alguém a crer, de m o d o que o evangelista p o d e
orar e pregar, mas só Deus p o d e dar a colheita de almas.
E m outros casos, algum d o m particular p o d e ser d a d o para u m a única necessidade
ou evento. Apesar de, a rigor, não ser u m d o m espiritual no sentido neotestamentário, o
retorno d a força de Sansão u m a última vez n o fim de sua vida (Jz 16.28) foi d a d o tempo-
rariamente para aquele desfecho. E no Novo Testamento, a extraordinária revelação do
céu que Estêvão teve quando, "cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória
de Deus e j e s u s , que estava à sua direita" (At 7.55), era u m a manifestação do Espírito que
lhe foi d a d a somente para aquele m o m e n t o específico.
O u t r o sentido e m que u m d o m p o d e não ser p e r m a n e n t e verifica-se q u a n d o u m a
pessoa negligencia seu d o m e talvez entristeça o Espírito Santo ou caia n u m sério erro
doutrinário ou moral (como Sansão fez no Antigo Testamento, por exemplo). E m tal caso,
o d o m p o d e ser retirado. C o m certeza Paulo advertiu Timóteo: "... não te faças negligente
p a r a c o m o d o m q u e h á e m ti" ( l T m 4.14), e talvez p o s s a m o s a p r e n d e r t a m b é m da
p a r á b o l a dos talentos, e m que J e s u s diz: "... a t o d o o q u e tem se lhe dará, e terá em
abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado" (Mt 25.29). 17
Além disso, devemo-nos lembrar de que o Espírito Santo ainda é soberano ao distribuir
dons‫־‬, ele os "distribui individualmente, a cada um, conforme determina" ( I C o 12.11 NVI). A
palavra traduzida aqui p o r "distribui" é u m particípio presente, que indica atividade
contínua através do tempo, e poderíamos parafrasear: " O Espírito Santo está sempre, de
contínuo, distribuindo ou dando dons a cada pessoa individualmente, assim c o m o ele quer
fazer". Isso significa que, e m b o r a normalmente o Espírito Santo continue a capacitar as
pessoas com o mesmo d o m ou dons ao longo do tempo, há u m constante desejo e decisão
do Espírito Santo de fazer isso ou não, e ele p o d e por suas próprias razões retirar um dom
p o r u m t e m p o ou torná-lo maior ou m e n o r do que era.
Por fim, !Coríntios 13.8-13 (a ser discutido abaixo) indica que os dons espirituais que
temos n o presente são apenas para esta era e serão substituídos por algo maior. Portanto,
nesse sentido n e n h u m d o m é "permanente", u m a vez que todo d o m será considerado
inútil n o t e m p o d a volta do Senhor.
Dentro dessa discussão da pergunta se os dons espirituais são temporários ou perma-
nentes, às vezes é m e n c i o n a d o R o m a n o s 11.29: "... p o r q u e os dons e a vocação de Deus
são irrevogáveis". Entretanto, não parece apropriado usar o versículo n o contexto desta
discussão, pois n a q u e l e caso Paulo está f a l a n d o acerca d a c o n d i ç ã o d o p o v o j u d e u ,
incluindo seu c h a m a d o como povo de Deus e os dons ou bênçãos concedidos a ele como
resultado dessa condição. Ali Paulo está argumentando que Deus ainda tem um propósito

868
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

para o seu povo de Israel, mas as questões dos dons do Espírito Santo no sentido de
ICoríntios 12-14 não estão em foco em Romanos 11.29. E em qualquer caso, esta oração
com certeza não seria verdadeira como u m a declaração totalmente irrestrita concernente
a dons espirituais, pois é óbvio que devido a uso incorreto, negligência ou tristeza causada
ao Espírito Santo, as pessoas p o d e m ter seus dons diminuídos ou removidos por escolha
soberana de Deus.

6. Os d o n s são miraculosos o u n ã o miraculosos? A resposta a essa pergunta


realmente d e p e n d e da definição da palavra milagre. Se definimos milagre como "uma
atividade direta de Deus no m u n d o " , então todos os dons espirituais são miraculosos
porque eles são todos potencializados pelo Espírito Santo (ICo 12.11; cf. v. 4-6). Mas nesse
sentido tudo o que acontece no m u n d o poderia ser considerado miraculoso, porque tudo
se realiza pela obra providencial de Deus na criação (veja Ef 1.11; D n 4.35; Mt 5.45).111
Portanto, a palavra milagre perde sua utilidade, pois é difícil encontrar algo que acontece
no m u n d o que não seja miraculoso nesse sentido.
E melhor definir milagre n u m sentido mais estreito, como fizemos no capítulo 17,
acima: "milagre é u m gênero menos comum da atividade divina pela qual Deus desperta
a admiração e o espanto das pessoas, dando testemunho de si mesmo". 19 De acordo com
essa definição, só alguns dons são "miraculosos", ou seja, aqueles dons que as pessoas
pensam serem miraculosos porque ficam assombradas com a atividade de Deus que opera
neles. C o m certeza devemos incluir nessa categoria a profecia (observe o assombro do
incrédulo em I C o 14.24-25), a cura (de m o d o semelhante, observe a resposta do povo em
At 3.10 et al.), a expulsão de demônios (veja At 19.11-13, 17) e o falar em línguas quando
se trata d e u m a língua estrangeira real e n t e n d i d a p o r outros (veja a descrição d o
Pentecostes em At 2.7). Provavelmente, outros fenômenos notáveis também poderiam ser
incluídos no d o m de milagres (ICo 12.10).
Por outro lado, de acordo com essa definição, alguns dons seriam considerados não
miraculosos. Dons de serviço, ensino, encorajamento, contribuição e praticar atos de
misericórdia (em R m 12.7-8) entrariam nessa categoria, b e m como os dons daqueles que
agem como prestadores de ajuda e administradores (ICo 12.28). Mas ainda é o mesmo
Espírito Santo que os concede e opera por meio deles.
O propósito desta análise é advertir-nos contra a distinção sobrenatural/natural em
nossa m e n t e pela qual p e n s a m o s que alguns dons são "sobrenaturais" e outros são
m e r a m e n t e "naturais". A Bíblia n ã o faz tal distinção, e o perigo de fazê-la está em
podermos nos inclinar a pensar que alguns dons (que julgamos serem "sobrenaturais") são
mais importantes ou são de Deus de m o d o mais claro, e podemos desvalorizar ou não
enfatizar os dons que pensamos serem "naturais". Se fizermos isso, vamos deixar de ver
a m ã o de Deus no exercício de todos os dons e deixar de demonstrar-lhe gratidão por
todos eles.
Por outro lado, a distinção enganosa sobrenatural/natural poderia também levar-nos
a ser muito desconfiados em relação àqueles que p e n s a m o s ser "sobrenaturais", ou
poderia levar-nos a pensar que é muito improvável que se manifestem em nossa própria
experiência. Nesse caso, tenderíamos a enfatizar os dons que pensamos serem "naturais"
e ter u m nível muito baixo de expectativa ou fé com respeito a qualquer coisa que
pensamos ser "sobrenatural".

869
(52) A Doutrina da Igreja

Contrastando com essa perspectiva, as Escrituras afirmam que "todos" os dons são
produzidos em nós pelo m e s m o Espírito Santo, o m e s m o Senhor e o m e s m o Deus ( I C o
12.4-6). A cosmovisão das Escrituras pressupõe a continuidade e contínua interação entre
o mundo visível, que p o d e m o s ver e tocar, e o mundo invisível, que a Bíblia nos diz que existe
e é real. Deus opera em ambos, e prestamos a nós mesmos e à igreja u m grande desserviço
ao separar esses aspectos da criação em "sobrenatural" e "natural".
Por fim, devemos buscar os dons mais extraordinários ou miraculosos ou d e v e m o s
buscar os dons mais comuns? Mais u m a vez, as Escrituras não fazem esse tipo de distinção
quando nos dizem que espécie de dons devemos procurar. Paulo diz aos coríntios: "Assim,
t a m b é m vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja"
(ICo 14.12). Isso significa que devemos aprender quais dons são mais necessários n a igreja
de que participamos e então orar para que Deus dê aqueles dons para nós mesmos ou para
outros. Se esses dons são considerados miraculosos ou não miraculosos não é de m o d o
n e n h u m o que realmente importa. 2 0

7. D e s c o b r i n d o e b u s c a n d o os dons espirituais. Paulo parece dar por certo que


os crentes sabem quais são seus dons espirituais. Ele simplesmente diz aos da igreja de
R o m a que usem seus dons de várias maneiras: "... se profecia, seja segundo a p r o p o r ç ã o
da fé [...] o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; q u e m exerce
misericórdia, c o m alegria" (Rm 12.6-8). De m o d o semelhante, Pedro simplesmente diz
aos leitores c o m o usar seus dons e não diz n a d a sobre c o m o descobrir quais são eles:
"Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, c o m o b o n s despenseiros d a
multiforme graça de Deus" (IPe 4.10).
Mas e se muitos m e m b r o s n u m a igreja não souberem qual o d o m espiritual ou quais
os dons que Deus lhes deu? N u m caso como esse, os líderes da igreja precisam perguntar
se estão p r o p o r c i o n a n d o suficientes oportunidades p a r a que a variedade de dons seja
utilizada. E m b o r a as listas de d o n s dadas no Novo Testamento n ã o sejam exaustivas,
certamente fornecem u m b o m ponto de partida para que as igrejas se perguntem se pelo
menos existe oportunidade para esses dons serem usados. Se Deus colocou pessoas com certos
dons n u m a igreja e ali não se incentiva ou até mesmo não se permite que esses dons sejam
usados, elas vão se sentir frustradas e insatisfeitas em seu ministério cristão e talvez m u d e m
para outra igreja em que seus dons possam ser exercidos para o benefício do corpo.
No caso de indivíduos que n ã o s a b e m quais são seus dons, eles p o d e m c o m e ç a r
p e r g u n t a n d o que necessidades e o p o r t u n i d a d e s d e ministério existem e m sua igreja.
P o d e m perguntar especificamente quais os dons mais necessários p a r a a edificação d a
igreja n o m o m e n t o . J u n t a m e n t e com isso, cada crente que não sabe quais são seus dons
d e v e fazer a l g u m tipo de a u t o - e x a m e . Q u e interesses, desejos e a p t i d õ e s ele t e m ?
Poderiam os outros dar-lhe conselhos ou incentivo, a p o n t a n d o dons específicos? Além
disso, h o u v e bênçãos no passado ao ministrar n u m tipo específico de serviço? E m tudo
isso, a p e s s o a q u e p r o c u r a descobrir seus d o n s d e v e orar e pedir s a b e d o r i a a Deus,
confiando e m que ela lhe será d a d a de acordo com sua promessa: "Se, p o r é m , algum de
vós necessita d e sabedoria, peça-a a Deus, que a todos d á l i b e r a l m e n t e e n a d a lhes
impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em n a d a duvidando" (Tg 1.5-6).
As vezes D e u s c o n c e d e essa s a b e d o r i a e m f o r m a d e p e r c e p ç ã o mais a g u d a d e suas
próprias capacidades. E m outras ocasiões, ela p o d e vir mediante conselhos de terceiros

870
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

ou pela constatação de bênção cada vez maior n u m a área de ministério. E Paulo mostra
que em alguns casos pode haver profecia indicando um dom específico, pois ele diz a
T i m ó t e o : "Não negligencie o dom que você tem, o qual lhe foi dado mediante profecia com
imposição de mãos do conselho de presbíteros" ( l T m 4.14, tradução do autor).
Por fim, a pessoa que pergunta quais são os seus dons deve simplesmente começar
a tentar ministrar em várias áreas e ver onde Deus abençoa. Ensinar numa classe de escola
dominical ou em estudos bíblicos nos lares é u m a excelente maneira de começar a usar
o d o m de ensino. Toda c o m u n i d a d e tem oportunidades para maior uso do d o m de
evangelização. As pessoas que pensam que talvez tenham dom de cura poderiam pedir
oportunidades de acompanhar os presbíteros quando estes forem orar pelos doentes. As
pessoas que pensam que talvez tenham dom de fé ou de oração intercessória poderiam
começar a perguntar a alguns amigos cristãos se não teriam necessidades específicas pelas
quais orar. E m tudo isso, as igrejas p o d e m dar incentivo e oportunidades para que as
pessoas experimentem vários dons e também fornecer ensino e treinamento prático sobre
os métodos adequados de uso. Aliado a isso, as igrejas devem continuamente orar para
que Deus permita que as pessoas encontrem seus dons e, depois, sejam capacitadas para
usá-las. E m tudo isso, o alvo é que o corpo de Cristo em cada local cresça até a matu-
ridade, n u m processo em que "todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de
toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a
edificação de si mesmo em amor" (Ef 4.16).
Acima da questão da descoberta dos dons que cada um tem está a questão da busca
de mais dons espirituais. Paulo ordena aos cristãos "procurai, com zelo, os melhores dons"(ICo
12.31) e diz mais tarde: "Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas prin-
cipalmente que profetizeis (ICo 14.1). Nesse contexto, Paulo define o que ele quer dizer
com "melhores dons" ou "maiores dons", pois em 1 Coríntios 14.5 repete a palavra que
em 12.31 foi traduzida por "melhores" (gr. meizõn), q u a n d o diz: "... quem profetiza é
superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba
edificação"(ICo 14.5). Aqui os "melhores" dons são aqueles que mais edificam a igreja. Isso
é coerente com a declaração de Paulo alguns versículos depois, onde ele diz: "... visto que
desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja" (ICo 14.12). O s
melhores dons são aqueles que mais edificam a igreja e trazem mais benefício aos outros.
Mas como devemos procurar mais dons espirituais? Primeiro, devemos pedi-los a Deus.
Paulo diz de m o d o direto que "o que fala e m outra língua deve orar para que a possa
interpretai (ICo 14.13; cf. Tg 1.5, em que Tiago diz às pessoas que devem pedir sabedoria
a Deus). E m seguida, pessoas que buscam mais dons espirituais d e v e m ter motivações
corretas. Se os dons espirituais forem buscados só para que a pessoa seja mais proeminente
ou tenha mais influência ou poder, isso com certeza está errado aos olhos de Deus. Tal
era a motivação de Simão em Atos 8.19, quando disse: "Concedei-me também a mim este
poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo" (veja a
repreensão de Pedro nos v. 21-22). De modo semelhante, Ananias e Safira buscaram glória
para si mesmos quando fingiram estar dando à igreja todo o produto d a venda de sua
terra, mas isso não era verdade e ambos perderam a vida (At 5.1-11). É algo terrível desejar
dons espirituais ou proeminência na igreja só para nossa glória, e não para a glória de
D e u s e benefício dos outros. Portanto, aqueles que buscam d o n s espirituais d e v e m
primeiro perguntar a si mesmos se os estão buscando por amor aos outros e pelo interesse

871
(52) A Doutrina da Igreja

em ser capazes de ministrar-lhes e m suas necessidades; pois se alguém tiver grandes dons
espirituais, mas "não tiver amor", n ã o será "nada" aos olhos d e Deus (cf. 1 C o 13.1-3). É
por isso que Paulo diz "segui o amor" e só depois acrescenta "e procurai, com zelo, os dons
espirituais" ( I C o 14.1). Ele repete o m e s m o t e m a q u a n d o diz: "... visto que desejais d o n s
espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja" (ICo 14.12). Toda pessoa que buscar
em Deus mais u m d o m espiritual deve sondar seu coração com freqüência, p e r g u n t a n d o
por que deseja esse d o m específico. É realmente por a m o r aos outros e pelo desejo d e
edificar a igreja e ver Deus glorificado?
Depois disso, é b o m procurar oportunidades para experimentar o dom, a exemplo d e u m a
pessoa que tenta descobrir o seu d o m , c o m o foi explicado acima. Estudos bíblicos e m
p e q u e n o s grupos ou reuniões d e oração nos lares muitas vezes p r o p o r c i o n a m u m b o m
ambiente em que as pessoas p o d e m experimentar dons d e ensino ou oração intercessória
ou exortação ou profecia ou cura, por exemplo.
Finalmente, aqueles que buscam mais dons espirituais d e v e m continuar a usar os dons
que já possuem e ficar satisfeitos se Deus resolver não lhes dar mais. O senhor aprovou o servo
cuja mina "rendeu dez", mas condenou aquele que escondeu sua mina n u m lenço e n a d a
fez c o m ela (Lc 19.16-17, 20-23) — c o m certeza nos m o s t r a n d o que temos a responsa-
bilidade de usare tentar aumentar qualquer talento ou aptidão que Deus tenha concedido
a nós, seus m o r d o m o s .
Para equilibrar essa ênfase n a busca dos d o n s espirituais e n o crescimento nessa
matéria, d e v e m o s lembrar t a m b é m que Paulo diz de m o d o claro que os d o n s espirituais
são distribuídos pelo Espírito Santo a cada pessoa individualmente, "como Uie apraz"{ICo
12.11) e que " D e u s dispôs os m e m b r o s , c o l o c a n d o c a d a u m deles n o c o r p o , como lhe
aprouve" ( I C o 12.18). Ele diz que D e u s colocou vários d o n s n a igreja e n e m todos são
apóstolos ou profetas ou mestres ( I C o 12.28-30). Dessa forma, l e m b r a aos coríntios que
em última análise a distribuição d e dons é assunto d a vontade soberana de Deus, é para
o b e m d a igreja e para o nosso b e m que n i n g u é m possui todos os dons, e precisamos
d e p e n d e r continuamente dos outros que têm dons diferentes dos nossos. Essas conside-
rações devem fazer que nos contentemos se Deus resolver não nos dar os outros dons que
procuramos.

8. Os dons são ferramentas para o ministério e não se relacionam neces-


sariamente c o m a maturidade cristã. Devemos reconhecer que os dons espirituais são
d a d o s a todo crente (ICo 12.7, 11; IPe 4.10). M e s m o os cristãos imaturos r e c e b e m dons
espirituais d o Senhor — isso com certeza era evidente n a igreja de Corinto, que tinha u m a
a b u n d â n c i a de dons espirituais (ICo 1.7), m a s ainda era muito imatura e m muitas áreas
d e d o u t r i n a e c o n d u t a . Paulo diz: "Eu, p o r é m , i r m ã o s , n ã o vos p u d e falar c o m o a
espirituais, e sim c o m o a carnais, c o m o a crianças em Cristo" ( I C o 3.1). Portanto, dons
espirituais n ã o são necessariamente sinais de maturidade espiritual. E possível ter dons
espirituais n o t á v e i s e m u m a á r e a ou outra, m a s m e s m o assim ser b e m i m a t u r o n o
entendimento doutrinário ou n a conduta cristã, como era o caso em Corinto. Na verdade,
eventualmente m e s m o os incrédulos são capazes de profetizar, expulsar demônios e fazer
milagres, pois Jesus diz que no último dia muitos lhe dirão: "Senhor, Senhor! Porventura,
não temos nós profetizado em teu n o m e , e e m teu n o m e não expelimos demônios, e em
teu n o m e n ã o fizemos muitos milagres?". M a s J e s u s lhes r e s p o n d e r á : "... nunca vos

872
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mt 7.22-23). Não é quejesus
os tenha conhecido u m a vez e mais tarde não os conhecia mais; ele diz: "... nunca vos
conheci". Eles nunca foram cristãos, apesar de terem realizado muitas obras notáveis.
Portanto, não devemos avaliar maturidade espiritual com base nos dons espirituais. A maturidade
vem quando se anda perto de Jesus, e resulta em obediência às suas ordens na vida diária:
"... aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou"
( l j o 2.6).
Por que então o Espírito Santo nos dá dons espirituais? Eles são dados para a obra
do ministério e constituem simplesmente ferramentas a serem usadas para esse fim. Não
devem nunca ser u m a fonte de orgulho pessoal por parte daqueles que os possuem nem
devem ser encarados como sinal de maturidade. Devemos lutar simplesmente por nos
destacar em amar os outros, cuidar dos necessitados, edificar a igreja e viver u m a vida de
conformidade com o padrão da vida de Cristo. Se assim fizermos, e se Deus decidir dar-
nos os dons espirituais que nos equipem para essas tarefas, devemos agradecer-lhe e orar
para que ele nos guarde do orgulho por causa dos dons que não merecemos e nos foram
dados livre e graciosamente.

B . TERIAM ALGUNS DONS DESAPARECIDO? O DEBATE CESSACIONISTA

No m u n d o evangélico hoje há diferentes posições quanto à seguinte pergunta: "Todos


os dons mencionados no Novo Testamento são válidos hoje para serem usados na igreja?".
Alguns diriam sim. 71 Outros diriam não e argumentariam que alguns dons mais mira-
culosos (tais como profecia, línguas e interpretação, e talvez cura e expulsão de demônios)
foram dados somente durante a era apostólica, como "sinais" para credenciar os apóstolos
durante o estágio inicial de pregação do evangelho. Afirmam que esses dons não são mais
necessários hoje como sinais e cessaram no final da era apostólica, provavelmente no final
do primeiro século d.C. ou começo do segundo.
Devemos t a m b é m notar que existe um grande grupo "intermediário" com relação a
essa pergunta, o grupo dos "evangélicos históricos", que não sãcrnem carismáticos ou
pentecostais por u m lado nem estão entre os "cessacionistas" 22 por outro lado, mas estão
simplesmente indecisos e inseguros de que essa questão possa ser decidida a partir das
Escrituras. 23
E m b o r a alguns aspectos dessa questão tenham sido discutidos no capítulo 17, que
trata de milagres, há algumas considerações relacionadas especificamente ao tópico dos
dons espirituais que p o d e m ser apresentadas aqui.

1. Será que ICoríntios 13.8-13 nos diz quando os dons miraculosos desapa-
recerão? Paulo diz:

O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas,


cessarão; havendo ciência, passará; porque, em parte, conhecemos e, em parte,
profetizamos. Quando, porém, vier o que éperfeito, então, o que é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como
menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.
Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face.

873
(52) A Doutrina da Igreja

Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora,
pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é
o amor (ICo 13.8-13).

Essa passagem é importante para a discussão, pois nela Paulo m e n c i o n a o d o m da


profecia c o m o algo que é "em parte" ou "imperfeito" e depois diz que "o que é e m parte
será aniquilado" ( I C o 13.10). Ele diz inclusive q u a n d o isso irá acontecer: " q u a n d o vier o
que é perfeito". Mas quando será isso? E mesmo que possamos determinar quando se dará
esse fato, isso significaria que Paulo tinha em mente algo que desse hoje à igreja a resposta
a essa pergunta sobre o desaparecimento dos dons? E será que o d o m d a profecia nessa
passagem representaria os dons miraculosos em geral n a era d a igreja?

a. O propósito de ICoríntios 13.8-13. Paulo interrompe sua discussão sobre os dons


espirituais com o capítulo 13 de ICoríntios, em que pretende colocar toda a discussão a
respeito dos dons n a perspectiva correta. N ã o basta simplesmente "procurar os maiores
dons" (12.31a, tradução do autor). Deve-se t a m b é m "procurar o a m o r " (14.1, tradução d o
autor), u n i n d o assim alvos corretos c o m m o t i v a ç õ e s corretas. Sem o a m o r , os d o n s
espirituais não têm valor (13.1-3). Na verdade, Paulo argumenta, o amor é superior a todos
os d o n s e, por isso, é mais importante agir em amor do que possuir qualquer dos dons.
A fim de mostrar a superioridade do amor, Paulo argumenta que ele permanece para
sempre, enquanto os dons são temporários (13.8). O s versículos 9-12 explicam melhor por
que os dons são temporários. Nosso conhecimento e profecias no presente são parciais
e imperfeitos (v. 9), mas u m dia virá algo perfeito para substituí-los (v. 10). Isso se explica
mediante a analogia de u m a criança que desiste dos pensamentos e conversas infantis,
substituindo-os pelos pensamentos e conversas de adulto (v. 11). Paulo então acrescenta
p o r m e n o r e s sobre os versículos 9-10, explicando que nossa percepção e conhecimento
do presente são indiretos e imperfeitos, mas algum dia serão diretos e perfeitos (v. 12).
Nesse argumento, Paulo associa a função da profecia com o t e m p o de seu desapare-
cimento. Ela p r e e n c h e u m a certa necessidade agora, m a s o faz de m o d o a p e n a s im-
perfeito. Q u a n d o "o perfeito" vier, aquela função será mais b e m c u m p r i d a por algo, e a
profecia cessará porque ficará obsoleta ou inútil (esta é a provável n u a n ç a do termo grego
usado aqui, katargeõ, "desaparecer" e "passar" nos v. 8, 10 [NVI]). Desse m o d o , a função
geral de ICoríntios 13.8-13 é mostrar que o amor é superior aos dons c o m o a profecia
p o r q u e esses dons desaparecerão, mas o amor jamais acabará.

b. ICoríntios 13.10: O desaparecimento da profecia quando Cristo voltar. Paulo


escreve n o versículo 10: " Quando, porém, vier o que éperfeito, então, o que é em parte será
aniquilado". A frase "o que é em parte" (gr. ek merous, "parcial", "imperfeito") refere-se
mais claramente a conhecimento e profecia, duas atividades de que se diz n o versículo
9 que são realizadas "em parte" (também usando nos dois casos a m e s m a frase grega, ek
merous). Para expor essa relação, poderíamos traduzir:

O a m o r n u n c a acaba. Se houver profecias, desaparecerão; se houver línguas,


cessarão; se houver conhecimento, desaparecerá, porque conhecemos de modo

874
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

imperfeito e profetizamos de modo imperfeito — mas quando vier o que é perfeito, o


que é imperfeito desaparecerá.

Dessa forma, os estreitos laços entre as declarações se tornam claros pela repetição
de dois termos essenciais, "desaparecer" e "imperfeito".
Sem dúvida, Paulo pretendia incluir t a m b é m no sentido do versículo 9 as línguas
como u m a das atividades "imperfeitas", mas omitiu a repetição excessivamente pedante
por razões estilísticas. Contudo, as línguas devem ser entendidas como parte do sentido
do versículo 9, que constitui a explicação do versículo 8, como mostra a palavra "porque"
(gr. gar). Dessa maneira, o versículo 9 deve dar a razão pela qual as línguas vão cessar,
tal como o conhecimento e a profecia. De fato, a repetição de "se [...] se [...] se" no versí-
culo 8 sugere que Paulo poderia ter alistado mais dons aqui (sabedoria, cura, interpre-
tação?) se quisesse.
Portanto, ICoríntios 13.10 poderia ser assim parafraseado: " Q u a n d o vier o que é
perfeito, profecia e línguas e outros dons imperfeitos desaparecerão". O único problema que
resta é determinar o tempo a que se refere a palavra "quando". Vários fatores no contexto
mostram que Paulo tem em mente a época da volta do Senhor.
(1) Primeiro, o significado do versículo 12 parece exigir que o versículo 10 esteja
falando acerca da época da segunda vinda do Senhor. A palavra "então" (gr. tote) no
versículo 12 refere-se ao tempo em que virá "o que é perfeito" no versículo 10. Isso fica
evidente ao se examinar o versículo 12: "Porque, agora vemos obscuramente, como em
espelho; mas então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei
como também sou conhecido" (tradução do autor).
Q u a n d o veremos "face a face"? Q u a n d o conheceremos "como t a m b é m somos co-
nhecidos"? Esses eventos só p o d e m ocorrer quando o Senhor voltar.
A frase "ver face a face" é usada várias vezes no Antigo Testamento para se referir ao
fato de ver a Deus pessoalmente 2 4 — não de m o d o pleno ou exaustivo, pois n e n h u m a
criatura finita jamais pode fazer isso, mas assim mesmo de m o d o pessoal e verdadeiro.
Por isso, quando Paulo diz "então, veremos face a face", quer dizer claramente: "mas então
veremos a Deus face a face". Na verdade, essa será a grande bênção do céu e nossa maior
alegria por toda a eternidade (Ap 22.4: "contemplarão a sua face").
A segunda metade do versículo diz: "Agora, conheço em parte; então, conhecerei
como também sou conhecido". A segunda e a terceira palavra traduzida por "conhecer"
— a que é usada em "então, conhecerei como também sou conhecido" — é u m termo um tanto
mais forte para o ato de conhecer (gr. cpiginõskõ), mas com certeza não implica conhe-
cimento infinito ou onisciência. Paulo não espera conhecer todas as coisas e não diz
"então, conhecerei todas as coisas", algo que teria sido fácil dizer em grego." Antes, ele
quer dizer que, quando o Senhor voltar, espera se ver livre das interpretações incorretas
e da incapacidade de entender (em especial de entender Deus e sua obra), coisas que são
parte da vida no presente. Seu conhecimento vai ser parecido com o conhecimento que
Deus tem dele no presente, pois não conterá nenhuma falsa impressão e não será limitado
ao que p o d e ser percebido nesta era. Mas tal conhecimento só vai ocorrer quando o
Senhor voltar.
O r a , a que se refere a palavra "então" no versículo 12? Paulo diz: "Porque, agora
vemos obscuramente, como em espelho; mas então, veremos face a face. Agora, conheço

875
(52) A Doutrina da Igreja

em parte; mas então, conhecerei como t a m b é m sou conhecido" (tradução do autor). Sua
palavra "então" só p o d e se referir a algo nos versículos anteriores que ele j á explicou.
O l h a m o s primeiro para o versículo 11, mas p e r c e b e m o s que n a d a ali p o d e ser a época
futura a que Paulo se refere como "então": " Q u a n d o eu era menino, falava como menino,
sentia c o m o menino, pensava como menino; q u a n d o cheguei a ser h o m e m , desisti das
coisas próprias de menino". Tudo isso se refere ao passado, não ao futuro. Fala de eventos
passados n a vida de Paulo à título de ilustrações h u m a n a s naturais do que ele havia dito
n o versículo 10. Mas n a d a no versículo fala de u m a época futura e m que algo irá acon-
tecer.
Assim, olhamos mais para trás, para o versículo 10: " Q u a n d o , p o r é m , vier o que é
perfeito, então, o que é em parte será aniquilado". Aqui temos u m a declaração acerca do
futuro. Paulo diz que, em algum ponto do futuro, virá "o que é perfeito" e "o que é em
parte" irá desaparecer, irá se tornar inútil. Q u a n d o isso vai acontecer? Isso é o que se
explica por meio d o versículo 12. Então, no tempo em que vier o que é perfeito, veremos
"face a face" e conheceremos "como t a m b é m somos conhecidos".
Isso significa que o t e m p o em que virá "o que é perfeito" deve ser o t e m p o d a volta
de Cristo. 2 '‫ ׳‬Portanto, p o d e m o s parafrasear o versículo 10: "Mas quando Cristo voltar, o que
é imperfeito desaparecerá". 27 Ou, para usar nossa conclusão acima de que "o que é imper-
feito" inclui profecia e línguas, p o d e m o s parafrasear: "Mas quando Cristo voltar, profecia e
língua (e outros dons imperfeitos) desaparecerão". Dessa forma, temos e m ICoríntios 13.10 u m a
declaração definida acerca do t e m p o de desaparecimento dos dons imperfeitos como a
profecia: eles vão "se tornar inúteis" ou "desaparecer" quando Cristo voltar. E isso implica
que eles vão existir e ser úteis à igreja através da era da igreja, incluindo hoje, e exatamente
até o dia e m que Cristo voltar.
(2) O u t r a razão pela qual o t e m p o em que virá "o que é perfeito" deve ser o tempo
em que Cristo vai voltar evidencia-se a partir do propósito d a p a s s a g e m : Paulo está
tentando enfatizar a grandeza do amor e, ao fazê-lo, deseja estabelecer que "o amor jamais
acaba" ( I C o 13:8). Para provar isso, alega que o amor p e r m a n e c e r á além d a época em
que o S e n h o r voltar, ao contrário dos d o n s espirituais d o presente. Isso constitui u m
argumento convincente: o amor é tão fundamental aos planos de Deus p a r a o universo
que p e r m a n e c e r á além d a transição desta era para a era vindoura por ocasião da volta
de Cristo — continuará por toda a eternidade.
(3) U m a terceira razão pela qual esta passagem se refere ao tempo da volta do Senhor
p o d e ser encontrada n u m a declaração mais geral de Paulo acerca do propósito dos dons
espirituais na era do Novo Testamento. E m ICoríntios 1.7, Paulo associa a posse de dons
espirituais (gr. charismata) à atividade de esperar a volta do Senhor: "... de m o d o que não
lhes falta n e n h u m d o m espiritual, enquanto vocês aguardam que o nosso Senhor Jesus
Cristo seja revelado" (NVI).
Isso sugere que Paulo via os dons c o m o provisão temporária feita para equipar os
crentes para o ministério até que o Senhor volte. Assim, esse versículo fornece u m paralelo
b e m próximo ao p e n s a m e n t o de ICoríntios 13.8-13, em que a profecia e o conhecimento
(e sem dúvida as línguas) são vistos, de m o d o semelhante, como úteis até a volta de Cristo,
mas desnecessários depois disso.
Portanto, ICoríntios 13.10 refere-se ao t e m p o d a volta de Cristo e diz que esses dons
espirituais irão p e r m a n e c e r entre os crentes até essa hora. Isso significa que temos u m a

876
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

clara afirmação bíblica de que Paulo esperava que esses dons continuassem através de
toda a era da igreja e fossem exercidos para o benefício da igreja até que o Senhor volte.

c. Objeções. Têm-se levantado várias objeções a essa conclusão, normalmente por


aqueles que sustentam que esses dons cessaram na igreja e não devem mais ser usados.

(1) Essa passagem não especifica quando os dons vão desaparecer


A primeira objeção à nossa conclusão acima vem do sério estudo de Richard Gaffin,
Perspectives on Pentecost. E m b o r a concorde em que a frase "quando vier o que é perfeito"
refere-se ao tempo da volta de Cristo, o Dr. Gaffin não pensa que esse versículo especi-
fique o tempo do desaparecimento de certos dons. Pensa, antes, que Paulo está apenas
considerando "todo o período até a volta de Cristo, sem se preocupar com a questão se
interrupções p o d e m ou não intervir durante o curso desse período".'‫״ י‬,
Na verdade, Gaffin argumenta, o propósito geral de Paulo é enfatizar as qualidades
duradouras da fé, esperança e amor, especialmente amor, e não especificar o tempo em
que certos dons irão desaparecer. Ele diz:

Paulo não pretende especificar o tempo em que alguma modalidade particular irá
desaparecer. O que ele afirma é o fim do conhecimento presente e fragmentado
do crente [...] quando vier "o que é perfeito". O tempo do desaparecimento da
profecia e das línguas é uma questão não concluída nessa passagem e terá de ser
decidida com base em outras passagens e considerações.2U

Ele diz a i n d a que, ao lado de profecia, línguas e c o n h e c i m e n t o , Paulo p o d e r i a


t a m b é m ter acrescentado a "escrituração" - e se ele tivesse feito isso, a lista teria então
incluído u m elemento que cessou muito tempo antes da volta de Cristo. (Escrituração é
o processo pelo qual se registraram as Escrituras.) Dessa forma, Gaffin conclui, isso
poderia ser verdade t a m b é m com relação a algumas outras coisas na lista.
E m resposta a essa objeção, deve ser dito que ela não faz justiça a palavras reais do
texto. O s evangélicos têm insistido corretamente (e sei que Dr. Gaffin concorda com isso)
que as passagens das Escrituras são verdadeiras não só no ponto principal de cada u m a
delas, mas também nos detalhes menores afirmados. O ponto principal da passagem pode
muito b e m ser q u e o a m o r p e r m a n e c e p a r a sempre, mas outro ponto, com certeza
t a m b é m importante, é que o versículo 10 declara não apenas que esses dons imperfeitos
vão desaparecer algum dia, mas que eles vão cessar "quando vier o que é perfeito". Paulo
especifica um tempo: "Quando, porém, vier o que éperfeito, então, o que é em parte será
aniquilado". Mas o Dr. Gaffin parece alegar que Paulo não está realmente dizendo isso.
Todavia, n ã o se p o d e escapar da força das palavras a f i r m a n d o que o tema geral do
contexto mais amplo é outro.
Além disso, a sugestão do Dr. Gaffin não parece adequar-se à lógica da passagem.
Paulo argumenta que é especificamente a vinda do "que é perfeito" que põe fim à profecia,
às línguas e ao conhecimento, porque então haverá um meio novo, muito superior, de
aprender e conhecer as coisas como também somos conhecidos. Mas antes desse tempo,
o meio novo e superior de conhecimento ainda não terá chegado, e portanto esses dons

877
(52) A Doutrina da Igreja

imperfeitos ainda serão válidos e úteis. Finalmente, é precário colocar muito peso e m
alguma coisa que p e n s a m o s que Paulo poderia ter dito, mas que n a realidade não disse.
Dizer que Paulo poderia ter incluído a "escrituração" nessa lista significa que ele poderia
ter escrito: " Q u a n d o Cristo voltar, a escrituração cessará". M a s n ã o consigo crer de
maneira n e n h u m a que Paulo poderia ter escrito tal declaração, pois ela teria sido falsa —
na verdade, u m a "falsa profecia" segundo as palavras das Escrituras. Pois a "escrituração"
cessou h á muito tempo, q u a n d o o livro de Apocalipse foi registrado pelo apóstolo J o ã o .
Portanto, a o b j e ç ã o d o Dr. Gaffin n ã o p a r e c e d e r r u b a r nossas conclusões sobre
ICoríntios 13.10. Se "o que é perfeito" se refere ao t e m p o d a volta de Cristo, então Paulo
diz que os dons tais c o m o a profecia e as línguas desaparecerão nesse tempo, implicando
dessa f o r m a que eles continuarão através d a era d a igreja.

(2) "Quando vier o que é perfeito" em ICoríntios 13.10 refere-se a um tempo


anterior ao da volta do Senhor
O s que fazem essa segunda objeção argumentam que " q u a n d o vier o que é perfeito"
significa u m a das várias coisas, tais como " q u a n d o a igreja estiver m a d u r a " ou " q u a n d o
as Escrituras estiverem completas" ou " q u a n d o os gentios forem incluídos n a igreja".
Provavelmente, a mais cuidadosa afirmação desse ponto de vista encontra-se no livro de
R o b e r t L. R e y m o n d , What About Continuing Revelations and Miracles in the Presbyterian
Church Today?30 mas outra exposição clara d e u m a posição semelhante encontra-se no
livro de Walter Chantry, Signs of the Apostles.31
O argumento de Chantry depende do fato de que em outros trechos de ICoríntios a
palavra aqui traduzida por "perfeito" (gr. tcleios) é usada p a r a se referir à m a t u r i d a d e
h u m a n a (ICo 14.20, "quanto ao juízo, sede h o m e n s amadurecidos") ou à maturidade na
vida cristã (como e m I C o 2.6). Contudo, aqui devemos observar n o v a m e n t e que u m a
palavra não tem de se referir à mesma coisa toda vez que é usada nas Escrituras — em alguns
casos teleios pode se referir à humanidade "madura" ou "perfeita", em outros casos a alguma
outra espécie de "completitude" ou "perfeição". A palavra teleiosé usada em Hebreus 9.11,
por exemplo, para se referir ao "mais perfeito tabernáculo" — porém, não podemos concluir
disso que "perfeito" em ICoríntios 13.10 deve referir-se ao tabernáculo perfeito. O referente
exato d a palavra deve ser d e t e r m i n a d o pelo contexto específico, e ali, c o m o vimos, o
contexto indica que "quando vier o perfeito" designa o tempo da volta de Cristo.
O argumento do Dr. Reymond é u m pouco diferente. Ele raciocina como segue (p. 34):
(a) A s coisas imperfeitas m e n c i o n a d a s nos versículos 9-10 — profecia, línguas e
conhecimento - são meios incompletos de revelação, "todos eles relacionados com o ato
pelo qual Deus torna sua vontade conhecida à sua igreja".
(b) " O que é perfeito" nesse contexto deve referir-se a algo n a m e s m a categoria de
"o que é imperfeito".
(c) Portanto, "o que é perfeito" nesse contexto deve referir-se a u m meio de revelação,
mas u m meio completo. E esse meio completo pelo qual Deus dá a conhecer sua vontade
à igreja é a Bíblia.
(d) Conclusão: " q u a n d o vier o que é perfeito" refere-se ao tempo em que o cânon das
Escrituras estiverem completos.

878
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

R e y m o n d observa que ele não está dizendo que "o que é perfeito" designa exata-
m e n t e o cânon das Escrituras (p. 32). E em resposta ã objeção de que a frase "então, ve-
remos face a face" no versículo 12 refere-se à visão de Deus face a face, diz que ela pode
não querer dizer isso, mas simplesmente que veremos "de maneira plena" em oposição
ao "obscuramente" (p. 32).
E m resposta, pode ser dito que esse argumento, embora cuidadoso e coerente em si,
ainda d e p e n d e de u m a pressuposição que é o ponto realmente em debate em toda essa
discussão: a autoridade da profecia e dos dons relacionados do Novo Testamento. U m a
vez que Reymond dá por certo que a profecia (e línguas e o tipo de "conhecimento" men-
cionado aqui) é revelação com caráter de Escritura, todo o argumento torna-se aparen-
temente razoável. O argumento poderia ser refundido como segue:
(a) Profecia e línguas são revelações com caráter de Escritura.
(b) Portanto, essa passagem em seu todo trata da revelação com caráter de Escritura.
(c) Portanto, "o que é perfeito" refere-se à perfeição ou ao completar da revelação com
caráter de Escritura, ou ao completar das Escrituras.
N u m a r g u m e n t o c o m o esse, a pressuposição inicial determina a conclusão. En-
tretanto, antes que essa pressuposição possa ser feita, precisa ser demonstrada a partir de
análise indutiva dos textos do Novo Testamento sobre a profecia. 32 Todavia, pelo que eu
saiba, não foi feita n e n h u m a demonstração indutiva de que a profecia nas igrejas do Novo
Testamento tinha autoridade de Escritura.
Além disso, há alguns outros fatores no texto de 1 Coríntios 13.8-13 que dificilmente
p o d e m ser harmonizados com a posição de Reymond. Continua sem explicação o uso
regular, no Antigo Testamento, da visão de Deus "face a face" como expressão não apenas
da experiência de ver de m o d o claro, mas da experiência de ver pessoalmente a Deus (veja
acima). E o fato de que Paulo inclui a si mesmo nas expressões "então, veremos face a face"
e "então, conhecerei como também sou conhecido" torna difícil ver essas frases como
referências ao t e m p o em que as Escrituras estarão completas. Será que Paulo pensa
m e s m o que, quando os outros apóstolos finalmente terminarem suas contribuições para
o Novo Testamento, ele vai adquirir de repente u m a m u d a n ç a notável em seu conhe-
cimento de modo que conhecerá como é conhecido e passará da visão obscura como num
espelho para a visão face a face?
Além das posições de R e y m o n d e Chantry, tem havido outras tentativas de ver
" q u a n d o vier o que é perfeito" como algum t e m p o antes da volta de Cristo, mas não
vamos tratá-las em detalhes aqui. Todas essas visões sucumbem no versículo 12, em que
Paulo indica que os crentes verão a Deus "face a face" "quando vier o que é perfeito". Isso
não p o d e ter sido dito acerca do tempo sugerido em n e n h u m a dessas outras propostas.
A proposta acerca do fechamento do cânon das Escrituras do Novo Testamento (o
grupo de escritos que vieram a ser incluídos no Novo Testamento) também não consegue
se adequar ao propósito de Paulo no contexto. Se considerarmos 90 d.C. como a data
aproximada do registro de Apocalipse, o último livro do Novo Testamento a ser escrito,
então o fim da escrituração da Bíblia deu-se trinta e cinco anos depois de Paulo produzir
ICoríntios (cerca de 55 d.C.). Mas seria convincente argumentar como segue: "Podemos
estar certos de que o amor nunca acaba, pois sabemos que ele vai durar mais de trinta e
cinco anos"? Isso dificilmente seria u m argumento convincente. O contexto exige que
Paulo faça contraste entre a era presente e a era vindoura e diga que o amor vai perma-

879
(52) A Doutrina da Igreja

necer pela eternidade. 33 Na verdade, vemos u m procedimento semelhante em outro lugar


de 1 Coríntios. Q u a n d o Paulo quer demonstrar o valor eterno de alguma coisa, faz isso
argumentando que ela permanecerá além do dia da volta do Senhor (cf. I C o 3.13-15; 15.51-
58). E m contraste com isso, profecia e outros dons não permanecerão além daquele dia.
Por fim, essas p r o p o s t a s n ã o c o n s e g u e m e n c o n t r a r n e n h u m a p o i o n o c o n t e x t o
imediato. E n q u a n t o a volta de Cristo é m e n c i o n a d a claramente n o versículo 12, n e n h u m
versículo nesse trecho m e n c i o n a alguma coisa sobre o f e c h a m e n t o das Escrituras ou
coleção de livros do Novo Testamento ou ainda sobre a inclusão dos gentios n a igreja ou
acerca d a " m a t u r i d a d e " d a igreja (qualquer que seja o significado disso - a igreja é
realmente m a d u r a m e s m o hoje?). Todas essas sugestões introduzem novos elementos não
encontrados n o contexto a fim de substituir o único elemento — a volta de Cristo — que
j á está b e m ali de m o d o claro. Na verdade, o próprio Richard Gaffin, que sustenta que o
d o m da profecia não é válido para hoje, diz no entanto que "o que é perfeito" no versículo
10 e o "então" n o versículo 12 "sem dúvida referem-se ao t e m p o da volta de Cristo. A
visão d e q u e eles d e s c r e v e m o p o n t o e m que o c â n o n do N o v o T e s t a m e n t o estará
completo n ã o p o d e ser aceita como exegeticamente defensável". 3 4
O Dr. D. Martyn L l o y d j o n e s observa que o ponto de vista que identifica o t e m p o
e m q u e v e m "o que é perfeito" c o m o o t e m p o d o f e c h a m e n t o d o N o v o Testamento
enfrenta outra dificuldade:

Significa que você e eu, que temos as Escrituras abertas diante de nós, conhecemos
a verdade de Deus muito mais que o apóstolo Paulo. [...] Significa que nós todos
somos superiores [...] até mesmo aos próprios apóstolos, incluindo o apóstolo
Paulo! Significa que estamos agora numa posição em que [...] "conhecemos como
também somos conhecidos" por Deus [...] Realmente, só existe uma palavra para
descrever tal ponto de vista: absurdo. 33

J o ã o Calvino, referindo-se a 1 Coríntios 13.8-13, diz: "É estupidez as pessoas aplicarem


toda essa discussão ao período intermediário". 31 '

2. A continuação da profecia hoje desafia a suficiência das Escrituras?

a. A autoridade d o d o m da profecia. O s que adotam o ponto de vista cessacionista


a r g u m e n t a m que u m a vez que o último livro do Novo Testamento foi escrito (prova-
velmente o livro de Apocalipse por volta de 90 d.C.), não deve haver mais "palavras de
Deus" faladas ou escritas n a igreja. Isso é especialmente pertinente n o caso do d o m da
profecia, de acordo com a posição que defende o desaparecimento dos dons, pois a partir
daquele ponto as Escrituras passaram a ser a fonte completa e suficiente das palavras de
Deus p a r a o seu povo. Acrescentar algumas palavras dadas p o r declarações proféticas
contínuas seria, c o m efeito, ampliar as Escrituras ou competir c o m elas. E m a m b o s os
casos, a suficiência das Escrituras seria desafiada e, n a prática, sua autoridade única em
nossa vida ficaria comprometida.
O r a , se a profecia das igrejas do Novo Testamento era igual em autoridade à profecia
do Antigo Testamento e às palavras apostólicas do Novo Testamento, então essa objeção
dos que d e f e n d e m o desaparecimento dos dons seria m e s m o verdadeira. Se os profetas

880
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

hoje, por exemplo, falassem palavras que soubéssemos serem verdadeiras palavras de
Deus, então elas seriam iguais às Escrituras em autoridade, e seríamos obrigados a registrá-
las e acrescentá-las à Bíblia sempre que as ouvíssemos. Mas se estamos convencidos de
que Deus parou de fazer com que as Escrituras fossem registradas quando o livro de
Apocalipse se completou, então temos de dizer que essa espécie de discurso, declarando
as verdadeiras palavras de Deus, não p o d e ocorrer hoje. E qualquer alegação de ter
"nova" Escritura, "novas" palavras de Deus, deve ser rejeitada como falsa.
Essa questão é muito importante, pois a alegação de que a profecia das igrejas do
Novo Testamento tem autoridade igual à das Escrituras é a base de muitos argumentos
a favor do desaparecimento dos dons. Contudo, deve ser observado que as próprias
pessoas contrárias ao desaparecimento não parecem ver a profecia desse modo. George
Mallone escreve: "Pelo que eu saiba, ninguém do cristianismo histórico que é contra o
desaparecimento alega que a revelação hoje seja igual às Escrituras". 37 Talvez fosse bom
para aqueles que argumentam contra a continuidade da profecia hoje ouvir com mais boa
vontade os autores carismáticos mais responsáveis, simplesmente com o propósito de
serem capazes de responder àquilo em que os carismáticos realmente crêem (mesmo que
isso n e m sempre seja expresso de forma teologicamente exata), em vez de responder
àquilo que os cessacionistas dizem que os carismáticos acreditam ou devem acreditar.
Além disso, com exceção da questão da prática ou crença corrente, argumentei de
m o d o b e m extenso em outro lugar que a profecia normal nas igrejas do Novo Testamento
não tinha a autoridade das Escrituras. 3 " Ela não era proferida em palavras que eram as
palavras do próprio Deus, mas em meras palavras humanas. E como ela tem essa auto-
ridade menor, não há n e n h u m a razão para pensar que não continuará na igreja até Cristo
voltar. Ela não ameaça as Escrituras nem compete com a Bíblia em autoridade; antes, está
sujeita às Escrituras b e m como ao julgamento maduro da congregação.

b. A questão da direção. Outra objeção se levanta às vezes nesse ponto. Alguns


argumentam que mesmo que as pessoas que usam o dom da profecia hoje digam que ela
não é igual às Escrituras em autoridade, funciona de fato n a vida delas de tal m o d o que
compete com as Escrituras e até a substitui na tarefa de dar direção acerca da vontade de
Deus. Portanto, a profecia hoje, dizem, desafia a doutrina da suficiência das Escrituras para
a orientação de nossa vida.
Aqui se deve admitir que muitos enganos têm sido cometidos na história da igreja. John
MacArthur aponta a maneira pela qual a idéia de revelações tem dado origem a muitos
movimentos heréticos n a igreja. 3 "
Mas a pergunta que se deve fazer aqui é esta: os abusos são necessários para o exercício
do d o m de profecia? Se tivermos de afirmar que os enganos e abusos de um dom invalidam
o próprio dom, então teríamos de rejeitar também o ensino bíblico (pois muitos professores
da Bíblia têm ensinado erros e dado origem a seitas) bem como a administração eclesiástica
(pois muitos líderes de igreja têm desencaminhado pessoas) e assim por diante. O mau uso
de um dom não significa que devamos proibir o uso apropriado do dom, a menos que possa
ser demonstrado que é impossível haver uso apropriado — que todo uso é um mau uso.4"
Além disso, especificamente com relação à direção, é b o m observar como muitos no
movimento carismático são cautelosos acerca do uso da profecia para orientação espe-
cífica. Várias citações servem para ilustrar esse ponto.

881
(52) A Doutrina da Igreja

Michael H a r p e r (Igreja Anglicana):

Profecias que dizem a outras pessoas o que elas devem fazer — precisam ser enca-
radas com muita suspeita. 41

Dennis e Rita Bennett (episcopais americanos):

Devemos também tomar cuidado com a profecia pessoal, diretiva, especialmente


fora do ministério de um homem de Deus maduro e submisso. A "profecia pessoal"
desenfreada contribuiu muito para minar o movimento do Espírito Santo que se
iniciou na virada do século. [...] Os cristãos com certeza são palavras dadas uns aos
outros "no Senhor" [...] e tais palavras podem ser muitíssimo revigoradoras e úteis,
mas deve haver um testemunho do Espírito Santo por parte da pessoa que recebe
as palavras, e é preciso usar de extrema cautela ao receber qualquer pretensa
profecia diretiva ou preditiva. Nunca empreenda qualquer projeto simplesmente
porque lhe disseram isso por meio de suposta declaração profética ou interpretação
de línguas ou por suposta palavra de sabedoria ou de conhecimento. Nunca faça
algo só porque um amigo vem a você e diz: "O Senhor me mandou dizer a você
que deve fazer assim e assado". Se o Senhor tem instruções para você, ele lhe dará
um testemunho em seu coração, e nesse caso as palavras que vêm do seu amigo
[...] serão uma confirmação do que Deus^a estava mostrando a você. A orientação
que você recebe também deve concordar com as Escrituras... 42

Donald Gee (Assembléia de Deus)

[Há] problemas graves suscitados pelo hábito de dar e receber "mensagens"


pessoais de orientação mediante os dons do Espírito. [...] A Bíblia dá espaço para
essa direção do Espírito Santo. [...] Mas isso deve ser mantido na devida proporção.
Um exame das Escrituras irá nos mostrar que na verdade os cristãos primitivos não
recebiam continuamente essas vozes do céu. Na maioria dos casos, tomavam suas
decisões pelo uso do que costumamos chamar "bom senso santificado" e levavam
vidas bem normais. Muitos de nossos erros relacionados a dons espirituais surgem
quando desejamos que o extraordinário e o excepcional se tornem freqüentes e
habituais. Todos os que desenvolvem desejo excessivo por "mensagens" dadas
mediante os dons devem extrair lições do naufrágio tanto das gerações passadas
como das contemporâneas.[...] As Sagradas Escrituras são uma lâmpada para os
nossos pés e luz para o nosso caminho. 43

Por o u t r o lado, m e s m o e n t r e os r e f o r m a d o s , v e r d a d e i r o s cessacionistas, existe


disposição para admitir algum tipo de "iluminação" contínua pelo Espírito Santo na vida
dos crentes. Por exemplo, o professor Richard Gaffin do Westminster Seminary diz:

Muitas vezes também, aquilo que é visto como profecia é na realidade u m a


aplicação espontânea das Escrituras, produzida pelo Espírito, uma compreensão
mais ou menos repentina do significado que o ensino bíblico tem para uma situação

882
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

ou problema particular. Todos os cristãos precisam estar abertos para essas


operações mais espontâneas do Espirito.44

E Robert Reymond define iluminação como "capacitação do Espírito Santo dada aos
cristãos em geral para que possam entender, trazer de volta à mente e aplicar as Escrituras
que estudaram". 4 5
Mas se esses escritores admitem a atividade presente do Espírito Santo capacitando
os cristãos para "entender" ou "trazer à mente" ou "aplicar" ou "compreender" os ensinos
das Escrituras, então não parece haver em princípio u m a diferença tão grande entre o que
eles dizem e o que muitos no movimento carismático fazem (mesmo que provavelmente
p e r m a n e ç a m algumas diferenças sobre a maneira exata pela qual a orientação funciona
- isso não é tanto u m a diferença acerca da profecia, mas acerca da orientação em geral
e, em particular, sobre a maneira pela qual a direção das Escrituras se relaciona com a
orientação por meio de conselho, recomendação, consciência, circunstâncias, sermões,
etc.). O maior problema é este: o que Gaffin e Reymond chamam aqui "iluminação", o
Novo Testamento parece chamar "revelação", e o que eles chamariam relato falado de
tal iluminação, o Novo Testamento parece chamar "profecia".
Assim, eu m e pergunto se não poderia haver mais reflexão teológica conjunta nessa
área. O s carismáticos precisam perceber que os cessacionistas são céticos quanto ao
escopo e freqüência de tal "iluminação", se é correto chamá-la profecia do Novo Testa-
mento, se ela realmente tem valor para a igreja e se deve ser procurada. E os cessacionistas
precisam perceber que sua doutrina altamente desenvolvida e cuidadosamente formulada
da suficiência das Escrituras para orientação não é n o r m a l m e n t e compartilhada nem
m e s m o entendida por muitos evangélicos, incluindo os que fazem parte do movimento
carismático. Porém, talvez a idéia r e f o r m a d a de "iluminação" leve e m conta o que
acontece na profecia hoje e possa proporcionar um meio de entendê-la que não seja visto
como u m desafio à suficiência das Escrituras.
Q u e devemos concluir então acerca da relação entre o dom de profecia e a suficiência
das Escrituras? Devemos dizer que admiramos o desejo dos cessacionistas de proteger a
unidade das Escrituras e de não admitir que algo venha a competir com a autoridade delas
em nossa vida. Devemos ser gratos também pelo desejo deles de que os cristãos entendam
e sigam princípios sadios de orientação em sua vida diária e não caiam n u m a área de
subjetivismo excessivo sem o controle das Escrituras. Por outro lado, há com certeza um
perigo que a c o m p a n h a o ponto de vista cessacionista, se ele errar aqui. É o perigo muito
real de se opor a algo que Deus está fazendo na igreja hoje e não lhe dar glória por essa
obra. Deus tem ciúmes de suas obras e por meio delas busca glória para si mesmo, e
d e v e m o s orar continuamente não só para que ele nos guarde de aprovar o erro, mas
t a m b é m para que nos guarde de nos opor a algo genuinamente dele.

3. Os dons miraculosos estavam limitados aos apóstolos e seus companheiros?


Outro argumento dos cessacionistas é que os dons miraculosos limitaram-se aos apóstolos
e seus companheiros mais próximos. C o m o j á tratei desse argumento longamente no
capítulo 17, não repetirei aqui essa discussão. 41 '

883
(52) A Doutrina da Igreja

4. Os dons miraculosos só acompanharam a concessão das novas Escrituras?


Outra objeção consiste em dizer que os dons miraculosos a c o m p a n h a r a m a concessão das
Escrituras e, c o m o n ã o h á novas Escrituras s e n d o d a d a s hoje, n ã o d e v e m o s esperar
milagres novos.
M a s em resposta a isso d e v e ser dito que esse n ã o é o único propósito dos d o n s
miraculosos. C o m o observamos no capítulo 17, os milagres têm vários outros propósitos
nas Escrituras: (1) eles autenticam a m e n s a g e m do evangelho através da era d a igreja; (2)
ajudam os que se encontram em necessidade e, dessa forma, d e m o n s t r a m a misericórdia
e o a m o r de Deus; (3) capacitam as pessoas para o ministério; e (4) glorificam a Deus. 47
D e v e m o s observar t a m b é m que n e m todos os milagres a c o m p a n h a r a m a concessão
de outras Escrituras. Por exemplo, os ministérios de Elias e Eliseu foram caracterizados
por muitos milagres no Antigo Testamento, mas eles não escreveram n e n h u m livro n e m
trechos da Bíblia. No Novo Testamento ocorreram muitos milagres não a c o m p a n h a d o s
pela concessão d e Escrituras. No livro de Atos, tanto Estêvão c o m o Filipe o p e r a r a m
milagres, mas não escreveram n e n h u m a Escritura. H o u v e profetas que não escreveram
n e n h u m a Escritura em Cesaréia (At 21.4), Tiro (At 21.9-11), R o m a (Rm 12.6), Tessalônica
(lTs 5.20-21), Efeso (Ef 4.11) e nas comunidades para as quais l j o ã o foi escrita ( l j o 4.1-
6). H o u v e aparentemente muitos milagres nas igrejas da Galácia (G13.5). H o u v e muitas
coisas miraculosas ocorrendo em Corinto (ICo 12.8-10), mas em ICoríntios 14.36 Paulo
nega que alguma Escritura tenha saído da igreja coríntia. 48 E Tiago d á por certo que curas
iriam ocorrer pelas mãos dos presbíteros em todas as igrejas para as quais ele escreve (veja
Tg 5.14-16).

5. É um fato histórico que os dons miraculosos desapareceram cedo na história


da igreja? Alguns defensores do desaparecimento têm argumentado que os dons mira-
culosos cessaram na v e r d a d e q u a n d o os apóstolos m o r r e r a m , p o r q u e o propósito dos
milagres era dar autenticação aos apóstolos. Por essa razão, argumenta-se, não deve haver
dons miraculosos hoje. B. B. Warfield discute isso longamente em seu livro Counterfeit
Miracles.4!)
E m resposta, deve-se dizer primeiro que a premissa que acaba de ser exposta é muito
duvidosa do ponto de vista d a história. H á evidências históricas cada vez mais fortes1"‫ ׳‬d e
que os dons miraculosos ocorreram ao longo da história da igreja e m maior ou m e n o r
grau, m e s m o descontando as alegações exageradas ou evidentemente espúrias. Muitas
vezes são registradas curas e outras espécies de respostas miraculosas à oração. T a m b é m
h o u v e pessoas alegando ser profetas através da história da igreja primitiva - o p r o b l e m a
era que c o m d e m a s i a d a freqüência elas e n t e n d i a m mal os seus dons, ou os outros os
e n t e n d i a m mal, de tal m o d o que suas declarações e r a m (erradamente) tratadas c o m o
palavras verdadeiras de Deus. Às vezes eles eram tolerados e às vezes constituíam ameaça
grande demais p a r a a liderança estabelecida das igrejas e começavam grupos dissidentes
- tragicamente, não mais debaixo d a autoridade m o d e r a d o r a e avaliadora das igrejas
estabelecidas. A l é m disso, outros t a m b é m p o d e m ter recebido "revelações" que n ã o
expressaram ou simplesmente incluíram sem comentários n u m a oração, ou n u m sermão
ou palavra d e exortação, ou n a p r o d u ç ã o d e u m hino ou de a l g u m a literatura devo-
cional.' 1

884
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

Deve ficar bem claro também que ao dizer "quando, porém, vier o que é perfeito, então,
o que é em parte será aniquilado" (ICo 13.10), Paulo não estava falando sobre a freqüência
relativa dos dons miraculosos na história da igreja. Isso estaria sujeito a grande variação,
dependendo da maturidade espiritual e vitalidade da igreja nos diversos períodos, o grau
em que esses dons eram buscados como bênção ou rejeitados como heresia, a freqüência
com que as reuniões da igreja normalmente proporcionavam espaço para o exercício desses
dons, o grau em que a natureza desses dons era corretamente entendida e, acima de tudo,
a obra soberana do Espírito Santo na distribuição de dons à igreja.
Paulo está falando, porém, sobre a abolição total e definitiva desses dons que será
efetuada por iniciativa divina por ocasião da volta de Cristo. E ele diz pensar que até o
tempo da volta de Cristo esses dons permanecerão disponíveis para uso pelo menos em
alguma medida, e o Espírito Santo continuará a distribuí-los às pessoas. Calvino observa
a abundância dos dons espirituais nos dias de Paulo e então comenta (sobre ICo 14.32):

Hoje vemos nossos próprios recursos insuficientes, nossa pobreza de fato; mas isso
sem dúvida é a punição que merecemos como recompensa para nossa ingratidão.
Pois as riquezas de Deus não estão esgotadas nem a sua liberalidade se tornou
menor; mas não somos dignos de sua generosidade nem capazes de receber tudo
o que ele dá generosamente. 52 ‫׳‬

6. Os dons miraculosos hoje são iguais aos dons miraculosos nas Escrituras?
Ainda outra objeção à continuação dos milagres hoje é que os supostos milagres de hoje
não são iguais aos milagres bíblicos, pois são muito menores e com freqüência são apenas
parcialmente eficazes. E m resposta a essa objeção devemos perguntar se de fato é impor-
tante que os milagres hoje sejam exatamente tão portentosos como os que ocorreram na
época do Novo Testamento. Para começar, temos b e m pouca informação sobre os tipos
de milagres realizados por cristãos normais nas diversas igrejas, tais como os cristãos da
i g r e j a e m C o r i n t o ou d a s i g r e j a s d a G a l á c i a . A l é m disso, e m b o r a os m i l a g r e s
extraordinários realizados por Jesus estejam registrados na Bíblia, quando Jesus curava
"toda sorte de doenças e enfermidades" (Mt 9.35), isso deve ter incluído muitos com
doenças menos sérias. D e v e m o s perguntar t a m b é m qual é o benefício esperado pela
objeção de que os milagres hoje não são tão poderosos como os da Bíblia. Se hoje apenas
trezentas pessoas se c o n v e r t e r e m n u m a r e u n i ã o evangelística em vez dos três mil
convertidos no dia de Pentecostes (At 2.41), devemos dizer que o pregador não tem de
fato o d o m de evangelização, u m a vez que o d o m não operou de m o d o tão poderoso
como ocorreu com os apóstolos? O u se apenas 30% das pessoas pelas quais oramos com
respeito a enfermidade física são plenamente curadas em vez dos 100% na vida de Jesus
ou dos apóstolos, devemos dizer que este não é o d o m de cura do Novo Testamento?'' 1
Devemos lembrar que os dons p o d e m variar em força e n e n h u m deles é perfeito nesta
era. Mas isso significa que devemos parar totalmente de usar esses dons, ou nos opormos
quando os vemos funcionando com algum grau de eficácia? Não devemos louvar a Deus
se 300 são convertidos em vez de três mil, ou se são curados 30% em vez de 100%
daqueles pelos quais oramos? A obra do Senhor não está sendo feita? Se a quantidade não
é tão grande como nos tempos do Novo Testamento, então podemos pedir ao Senhor

885
(52) A Doutrina da Igreja

mais graça ou misericórdia, mas não parece apropriado desistir de usar esses dons ou nos
opor àqueles que os usam.

7. É perigoso para a igreja admitir a possibilidade de dons miraculosos hoje?


U m a última objeção da parte dos cessacionistas consiste em dizer que a igreja que enfatiza
o uso de dons miraculosos corre o risco de se tornar desequilibrada e provavelmente irá
negligenciar outras coisas importantes tais c o m o evangelização, doutrina sadia e pureza
moral de vida.
Dizer que o uso de dons miraculosos é "perigoso" não é por si só u m a crítica ade-
q u a d a , pois algumas coisas corretas são perigosas, pelo m e n o s e m algum sentido. O
trabalho missionário é perigoso. Se definirmos perigoso como "algo que p o d e dar errado",
então p o d e m o s criticar como "perigosa" qualquer coisa que qualquer pessoa possa fazer,
e isso se t o r n a u m a crítica d e mil e u m a utilidades q u a n d o n ã o h á n e n h u m a b u s o
específico p a r a apontar. U m a a b o r d a g e m m e l h o r c o m relação aos d o n s espirituais é
perguntar: "Eles estão sendo usados de acordo com as Escrituras?" e "estão sendo tomadas
as medidas necessárias contra os perigos de abusos?".
O b v i a m e n t e , é v e r d a d e que as igrejas p o d e m se tornar desequilibradas, e d e fato
algumas têm perdido o equilíbrio. Mas n e m todas p e r d e m o equilíbrio, tampouco têm de
passar p o r isso. Além disso, j á que esse argumento se baseia em resultados concretos na
vida de u m a igreja, t a m b é m é oportuno perguntar: "Quais são as igrejas n o m u n d o que
têm hoje a evangelização mais eficaz? Quais as que têm contribuição mais sacrificial dos
seus m e m b r o s ? Quais as que têm de fato a maior ênfase n a pureza de vida? Quais as que
têm o mais p r o f u n d o a m o r pelo Senhor e por sua Palavra?" Parece-me difícil responder
a essas perguntas de m o d o claro, mas não penso que possamos dizer com justiça que as
igrejas nos movimentos carismáticos e pentecostais são de modo geral maisfracas nessas áreas
que outras igrejas evangélicas. Na realidade, em alguns casos elas p o d e m ser mais fortes
nessas áreas. A questão é que simplesmente n e n h u m argumento segundo o qual as igrejas
que enfatizam os dons miraculosos tornam-se desequilibradas é c o m p r o v a d o n a práüca.

8. U m a nota final. O s cessacionistas e os carismáticos precisam uns dos outros. Por


fim, pode-se argumentar que os que se concentram nos segmentos carismáticos e pente-
costais e os que se concentram nas esferas dos cessacionistas (principalmente reformados
e cristãos dispensacionalistas) n a realidade precisam uns dos outros e fariam b e m se
apreciassem mais uns aos outros. Aqueles t e n d e m a ter mais experiência prática n o uso
de dons espirituais e na vitalidade no culto mediante a qual os cessacionistas poderiam
ser beneficiados se estivessem dispostos a aprender. Por outro lado, grupos reformados
e dispensacionalistas têm sido tradicionalmente muito fortes na compreensão d a doutrina
cristã e n o entendimento p r o f u n d o e exato dos ensinos bíblicos. O s grupos carismáticos
e pentecostais poderiam aprender muito deles se estivessem dispostos a isso. C o m certeza
não é útil para a igreja como u m todo ambos os lados pensarem que não p o d e m aprender
n a d a do outro, ou que não p o d e m receber n e n h u m benefício da c o m u n h ã o u m com o
outro.

886
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

NOTAS

1. Quando os dons aparentemente naturais (tais como ensino, socorros, administração ou


aptidões musicais) são potencializados pelo Espírito Santo, em geral mostram maior eficácia e
poder ao serem usados. Paulo diz que os coríntios foram "enriquecidos" em toda a palavra e
conhecimento quando receberam os dons espirituais. Qualquer pastor que venha pregando por
algum tempo sabe a diferença entre pregar com seu talento "natural" e pregar o mesmo sermão
sob a unção e a capacitação do Espírito Santo.
2. A coisa mais próxima da expulsão de demônios no Antigo Testamento é o fato de que
quando Davi tocava a harpa para o rei Saul, este "sentia alívio e se achava melhor, e o espírito
maligno se retirava dele" (ISm 16.23), mas Davi tinha de fazer isso sempre que "o espírito
maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul" (ibid.), o que dá a entender que não havia alívio
permanente da opressão demoníaca que o rei experimentava.
3. Veja o capítulo 39 sobre a questão do batismo no Espírito Santo.
4. Warfield, Counterfeit Miracles, p. 5.
5. Essa interpretação de ICo 13.10 é amplamente defendida na seção B.
6. O termo grego traduzido por "dom" aqui é charisma, a mesma palavra que Paulo usa em
ICo 12-14 para falar sobre dons espirituais.
7. A rigor, ser apóstolo é um ofício, não um dom (veja o capítulo 47, divisão A.l, sobre o
ofício de apóstolo).
8. Esta lista apresenta quatro tipos de pessoas de acordo com ofícios ou funções, e não quatro
dons, no sentido estrito.
9. Neste ponto pode-se dizer algo sobre a relação entre dons e ofícios na igreja. Ao exami-
narmos essas listas, é evidente que em alguns casos Paulo designa o dom específico (tais como
dons de curar ou administração ou línguas), e em outros casos designa as pessoas que têm esses
dons (tais como apóstolos, profetas ou evangelistas). Algumas listas designam somente os dons
em si (como ICo 12.8-10), enquanto outras designam apenas as pessoas que possuem esses dons
(tais como Ef 4.11 ou IPe 4.11). E algumas listas são mistas, designando alguns dons e algumas
pessoas que têm esses dons (tais como Rm 12.6-8 e ICo 12.28).
Acrescentando-se a isso, deve-se fazer outra distinção: nos casos em que Paulo menciona
pessoas, às vezes apresenta um nome que se refere a um ofício formalmente reconhecido na igreja
(tais como "apóstolos" ou "pastores-mestres"). Podemos supor que tais pessoas começavam a
atuar nesses ofícios depois de terem recebido reconhecimento formal da igreja como um todo
(isso seria chamado "ordenação" ou "posse" para o cargo de pastor [ou presbítero], por exemplo).
Mas em outros casos, embora a pessoa seja designada, não é necessário pensar que houvesse
algum reconhecimento oficial ou estabelecimento no ofício diante da igreja toda. Este seria o
caso, por exemplo, para "o que exorta" ou "o que contribui" e "quem exerce misericórdia" em
Rm 12.6-8. De modo semelhante, o Novo Testamento não dá sinais claros de que profetas ou
evangelistas eram estabelecidos em algum ofício formalmente reconhecido na igreja primitiva,
e é provável que a palavra "profeta" refira-se apenas a alguém que profetizava na igreja com
regularidade e bênção evidente. "Evangelista" poderia, de modo semelhante, referir-se àqueles
que normalmente atuavam de maneira eficaz na obra de evangelização; e "mestres" poderiam
incluir os que tinham funções de ensino formalmente reconhecidas na igreja, talvez em asso-
ciação com o ofício de presbítero, bem como aqueles que tinham funções de ensino em cargos
menos formais na igreja, mas que ensinavam regularmente com eficácia em contextos de grupos
informais ou menores.
Por questão de conveniência, continuaremos a nos referir a essas listas como relações de
"dons espirituais", embora, para sermos mais precisos, devamos perceber que elas incluem tanto
os dons espirituais como as pessoas que exercem esses dons. Uma vez que tanto os dons como

887
(52) A Doutrina da Igreja

as pessoas são dadas à igreja por Jesus Cristo, é apropriado que ambos sejam designados em
várias partes dessas listas.
10. Veja a excelente discussão em John R. W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo (São
Paulo: Vida Nova, 1986), p. 65-66.
11. Essa classificação é de Dennis e Rita Bennet, The Holy Spirit and You (Plainfield, NJ.:
Logos International, 1971), p. 83. Na realidade, a categorização dos Bennet é dons de revelação,
dons de poder e dons inspirativos ou de comunhão, e eles os alistam em ordem inversa à que
apresentei aqui.
12. Essa variedade na maneira de classificar os dons permite-nos dizer que são possíveis
muitos tipos de classificação para propósitos didáticos, mas devemos nos acautelar contra
qualquer alegação de que determinado modo de classificar os dons é a única maneira válida,
pois as Escrituras não nos limitam a nenhum esquema de classificação.
13. Veja também ICo 13.1-3 em que Paulo dá exemplos de alguns dons desenvolvidos no
mais alto grau que se pode imaginar, exemplos que ele usa para mostrar que mesmo esses dons
não trariam nenhum benefício se não houvesse o amor.
14. Veja no capítulo 53, divisão A, uma análise do dom da profecia na igreja.
15. Veja também a discussão sobre o dom de falar em línguas no capítulo 53, divisão E.
16. E evidente que não podemos levar a metáfora do corpo longe demais, pois as pessoas
recebem outros dons, e Paulo mesmo encoraja os leitores a buscar mais dons espirituais (ICo 14.1).
Mas a metáfora dá a entender algum nível de estabilidade ou permanência na posse de dons.
17. Embora o ensino principal dessa parábola se relacione com as recompensas no
julgamento final, ela não obstante incentiva a fidelidade na mordomia daquilo que foi dado à
pessoa, e não é absurdo concluir que Deus aja conosco dessa maneira, pelo menos em princípio,
também nesta vida.
18. Veja a discussão de várias definições da palavra milagre no capítulo 17, p. 286-288.
IS). Veja capítulo 17, p. 286.
20. Veja no capítulo 17, p. 298-300, uma discussão da objeção de que é errado buscar dons
miraculosos ou milagres hoje.
21. Muitos que dizem sim, como este autor, acrescentariam a ressalva de que "apóstolo" é
um ofício, não um dom, e que o ofício de apóstolo não existe mais hoje (veja a argumentação
no capítulo 47, divisão A.l).
22. O termo cessacionista refere-se a alguém que pensa que certos dons miraculosos
especiais cessaram há muito tempo, quando os apóstolos morreram e as Escrituras se comple-
taram.
23. A discussão no restante desta seção sobre o debate cessacionista foi adaptada de Wayne
Grudem, The Gift of Prophecy in the New Testament and Today (Eastbourne: Kingsway, and
Westchester, 111. Crossway, 1988), p. 227-52, e usada com permissão.
24. Veja, por exemplo, Gn 32.30 e j z 6.22 (exatamente a mesma fraseologia de ICo 13.12
no grego); Dt 5.4; 34.10; Ez 20.35 (fraseologia muito parecida); Êx 33.11 (o mesmo conceito e
a mesma fraseologia de algumas das passagens anteriores no hebraico, mas desta vez com
fraseado diferente na tradução grega da Septuaginta).
25. O grego epignõsomai tu panta significaria "conhecerei todas as coisas".
26. Expresso-me dessa forma porque, para sermos mais exatos, "o que é perfeito" em
1 Coríntios 13.10 não é o próprio Cristo, mas um método de adquirir conhecimento tão superior
ao conhecimento e à profecia do presente, que os torna obsoletos. Pois quando vier esse
"perfeito", ele tornará inútil o que é imperfeito. Mas só o tipo de conhecimento que Paulo espera
para a consumação final de todas as coisas poderia ser tão diferente qualitativamente do
conhecimento presente a ponto de propiciar essa espécie de contraste e ser chamado "o que é
perfeito" em oposição a "o que é imperfeito".

888
(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais

27. D. A. Carson, Showing the Spirit: A Theological Exposition of 1 Corinthians 12-14 (Grand Rapids:
Baker, 1987), p. 70-72, dá várias razões similares pelas quais o tempo em que virá "o que é perfeito"
deve ser o tempo da volta de Cristo (com referências a outros pontos de vista e à literatura
relevante).
Entre os cessacionistas (aqueles que sustentam que os dons como profecia "desapareceram"
e não são válidos hoje), alguns, mas nem todos, concordam que o tempo em que virá "o que é
perfeito" deve ser o tempo da volta de Cristo: veja John F. MacArthur, Jr., The Charismatics: A
Doctrinal Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1978), p. 165-6G, e Richard B. Gaffin, Perspectives
on Pentecost (Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1979), p. 109.
28. Richard B. Gaffin, Perspectives on Pentecost, p. 109-10.
29. Ibid., p. 111.
30. Robert L. Reymond, What About Continuing Revelations and Miracles in the Presbyterian Church
Today?(Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1977), p. 32-34. Kenneth L. Gentry,Jr., Vie
Charismatic Gift of Prophecy: A Reformed Analysis (Memphis, Tenn.: Whitefield Seminary Press, 1986),
p. 31-33, alista tanto esse ponto de vista como o do Dr. Gaffin (veja a primeira objeção) como opções
aceitáveis.
31. Walter Chantry, Signs of the Apostles, p. 50-52 (publicado no Brasil pela PES sob o título
Sinais dos Apóstolos).
32. Veja no capítulo 53, divisão A, uma discussão mais completa sobre o dom da profecia; veja
também Wayne Grudem, The Gift ofProphecy in the New Testament and Today.
33. Alguns argumentam que a fé e a esperança não permanecerão no céu e, dessa forma, ICo
13.13 só quer dizer que a fé e a esperança durarão até a volta de Cristo, não além dela. Entretanto,
se a fé é dependência de Deus e confiança nele, e se a esperança é a expectativa confiante nas
bênçãos futuras a serem recebidas de Deus, então não há razão para se pensar que deixaremos
de ter fé e esperança no céu. (Veja a boa discussão de Carson sobre a fé, a esperança e o amor como
"virtudes eternamente permanentes" em Showing the Spirit, p. 74-75.)
34. Gaffin, Perspectives, p. 109; cf. Max Turner, "Spiritual Gifts Then and Now", Vox Evangélica
15 (1985), p. 38.
35. D. Martyn Lloyd-Jones, Prove All Things, ed. Christopher Catherwood (Eastbourne,
England: Kingsway, 1985), p. 32-33.
36. João Calvino, The First Epistle ofPaul the Apostle to the Corinthians, trad. J. W. Fraser, ed. D.
W. Torrance e T. F. Torrance (Grand Rapids: Eerdmans, 1960), p. 281 (sobre ICo 13.10). No Brasil
o comentário foi publicado pela Editora Paracletos sob o título 7 Coríntios.
37. George Mallone, ed., Those Controversial Gifts (Downers Grove, 111.: InterVarsity Press,
1983), p. 21.
38. Veja discussão adicional sobre a autoridade do dom de profecia no capítulo 53, divisão
A. Veja também Wayne Grudem, The Gift ofProphecy in 7 Corinthians; Wayne Grudem, The Gift
of Prophecy in the New Testament and Today, D. A. Carson, Showing the Spirit: A Theological Exposition
of 7 Corinthians 12-14, p. 91-100; Graham Houston, Prophecy: A Gift For Today? (Downers Grove,
111.: InterVarsity Press, 1989). (Pontos de vista alternativos foram anotados na discussão no
capítulo 53; veja em especial o livro de Richard Gaffin, Perspectives on Pentecost.)
39. John F. MacArthur, Jr., The Charismatics: A Doctrinal Perspective, capítulos 2-6; veja
especialmente as p. 27ss. MacArthur expandiu suas críticas numa edição atualizada, Charismatic
Chaos (Grand Rapids: Zondervan, 1992), p. 47-84. Uma crítica séria e extensa a MacArthur
encontra-se em Rich Nathan, A Response to Charismatic Chaos (Anaheim, Calif.: Association of
Vineyard Churches, 1993).
40. Alguns podem objetar que a profecia tem potencial maior para abusos do que outros
dons, pois a idéia de que Deus pode revelar coisas a pessoas hoje (em profecias) leva inevi-
tavelmente à competição com a autoridade das Escrituras. Em resposta, três pontos podem ser

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(52) A Doutrina da Igreja

destacados: (1) o ensino sobre a natureza falível de todas as profecias contemporâneas não tem
sido tão difundido quanto é necessário para evitar abusos, especialmente no nível popular, entre
grupos que admitem profecias hoje. Dessa forma, tem havido mais uso incorreto da profecia do
que se deve. Mesmo quando tem-se pregado muito cuidado, raramente tem havido explicação
de como a profecia pode ser de Deus e ainda assim não ser igual às palavras de Deus em
autoridade - ou seja, bem poucos escritores pentecostais ou carismáticos têm explicado a
profecia como um relato humano de algo que Deus trouxe à mente de modo espontâneo (o ponto
de vista que defendo no capítulo 53, divisão A). (Entretanto, veja as advertências úteis de vários
escritores carismáticos nos parágrafos seguintes.) (2) Simplesmente não é verdade que ensinar
a uma congregação que a profecia deve sempre estar sujeita às Escrituras leva as pessoas de modo
inevitável a exaltar as profecias acima das Escrituras. Isso ocorre quando esse ensino é
negligenciado, não quando propagado. (3) Se a Bíblia de fato ensina que se pode esperar que a
profecia continue hoje numa forma que não desafie a autoridade das Escrituras, então não temos
a liberdade de rejeitá-la por reconhecer um potencial para abusos. (Outros dons têm potencial
para abusos em outras áreas.) Antes, devemos estimular o dom e fazer o máximo para nos
guardar de abusos.
41. Michael Harper, Prophecy: A Giftfor the Body of Christ (Plainfield, NJ.: Logos, 1964), p. 26.
42. Dennis e Rita Bennet, The Holy Spirit and You, p. 107.
43. Donald Gee, Spiritual Gifts in the Work of Ministry Today (Springfield, Mo.: Gospel
Publishing House, 1963), p. 51-52.
44. Gaffin, Perspectives, p. 120.
45. Reymond, What About...?p. 28-29.
46. Veja no capítulo 17, divisão D, uma discussão da questão de estarem ou não os dons
miraculosos limitados aos apóstolos e companheiros próximos.
47. Veja no capítulo 17, divisão C, uma discussão dos propósitos dos milagres.
48. Veja no capítulo 53, p. 896, uma discussão de ICo 14.36.
49. London: Banner of Truth, 1972 (reimpressão da edição de 1918). Deve ser observado que
o argumento de Warfield, embora citado com freqüência, é na realidade uma pesquisa histórica,
não uma análise de textos bíblicos. Além disso, o propósito de Warfield não era refutar qualquer
uso de dons espirituais entre os cristãos semelhantes àqueles de boa parte do movimento
carismático hoje, cuja doutrina (em todas as matérias com exceção de dons espirituais) e cuja
filiação à igreja os colocam no protestantismo evangélico histórico. Antes, Warfield estava
refutando a alegação espúria de milagres que vieram de diferentes ramos do catolicismo romano
em vários períodos na história da igreja e de várias seitas heréticas (Warfield inclui uma discussão
sobre os seguidores de Edward Irving [1792-1834], que se perdeu em ensinos excêntricos e foi
excomungado da Igreja da Escócia em 1833). E uma questão a ser discutida se os cessacionistas
de hoje estão certos ao invocar o apoio de Warfield, uma vez que se opõem a algo muito diferente
em doutrina e vida daquilo a que Warfield se opunha.
50. A posição de Warfield tem sido submetida à crítica por recentes estudos evangélicos:
veja Max Turner, "Spiritual Gifts Then and Now", Vox Evangélica 15 (1985), p. 41-43, com notas
a outra literatura; Donald Bridge, Signs and Wonders Today (Leicester: Inter-Varsity Press, 1985),
p. 166-77; e Ronald A. Kydd, Charismatic Gifts in the Early Church (Peabody, Mass.: Hendriksen,
1984). Evidências significativas de dons miraculosos na história da igreja primitiva encontram-
se em Eusebius A. Stephanou, "The Charismata in the Early Church Fathers", The Greek Orthodox
Theological Review 21:2 (Summer, 1976), p. 125-46.
Um estudo abrangente mas acessível da história dos dons miraculosos na igreja encontra-
se em Paul Thigpen, "Did the Power of the Spirit Ever Leave the Church?" Charisma 18:2 (Sept.
1992), p. 20-28. Mais recentemente, veja Jon Ruthven, On the Cessation of the Charismata: The
Protestant Polemic on Post-Biblical Miracles (Sheffield: Sheffield University Academic Press, 1993);

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