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Vol.

XXII – (6) AS SUTILEZAS DE UM ATO FALHO (1935)

Publicado em junho 9, 2020 por admin

NOTA DO EDITOR INGLÊS

(a) EDIÇÕES ALEMÃS:

1935     Almanach, 1936, 15-17.

1950     G.W., 16, 37-9.

(b) TRADUÇÕES INGLESAS:

                       ‘The Fineness of Parapraxia’

1939     Psychoan. Rev., 26 (2), 153-4. (Trad. de A. N. Foxe.)

                       ‘The Subleties of a Parapraxis’

1950     C.P., 5, 313-15. (Trad. de James Strachey.)

A presente tradução inglesa, com título modificado, é uma versão corrigida da que foi publicada em 1950.

Esta foi uma contribuição posterior, contudo não a última, de Freud, ao seu tema predileto, a psicopatologia da
vida cotidiana. (Freud, 1901b.) Retornou ao assunto, mais uma vez, em suas inacabadas ‘Lições Elementares’
(1940b [1938]).

AS SUTILEZAS DE UM ATO FALHO

Eu estava preparando para uma amiga um presente de aniversário – uma pequena pedra preciosa trabalhada,
para ser engastada num anel. Ela estava fixa no centro de um recorte de cartolina resistente, e neste escrevi as
seguintes palavras: ‘Comprovante para entrega, à firma L., joalheiros, de um anel de ouro … para a pedra anexa,
na qual está gravado um barco, com vela e remos.’ Contudo, no ponto em que ali deixei uma lacuna, entre ‘ouro’
e ‘para’ havia uma palavra que eu fora obrigado a riscar por ser inteiramente desnecessária. Era a pequena
palavra ‘bis‘ [‘até’, em alemão]. Mas por que eu a teria escrito?

Ao ler toda a breve inscrição que havia feito, surpreendeu-me o fato de que continha a palavra ‘für‘ [‘para’] duas
vezes, em rápida sucessão: ‘para entrega’ – ‘para a pedra anexa’. Isto pareceu feio, devia ser evitado. Então me
ocorreu que ‘bis‘ tinha sido substituído por ‘für’, numa tentativa de evitar a deselegância estilística. Certamente
era isto; era, porém, uma tentativa que se utilizava de meios extremamente inadequados. A preposição ‘bis‘
estava muito fora de lugar nesse contexto e não tinha como ser substituída pelo necessário ‘für‘. Assim sendo,
por que justamente ‘bis‘?
Talvez a palavra ‘bis‘ não fosse a preposição indicativa de tempo-limite. Pode ter sido algo totalmente diferente –
a palavra latina ‘bis‘ – ‘uma segunda vez’, que conservou seu significado em francês. ‘Ne bis in idem‘ é uma
máxima da lei romana. ‘Bis! bis!‘ é o que grita o francês, quando deseja ver repetida uma apresentação. Assim,
esta deve ser a explicação de meu absurdo lapso de escrita. Eu estava sendo advertido contra o segundo ‘für‘,
contra uma repetição da mesma palavra. Alguma outra devia ser colocada em seu lugar. A fortuita identidade de
som entre a palavra estrangeira ‘bis‘, que incorporava a crítica à fraseologia original, e a preposição alemã
possibilitou a inserção de ‘bis‘ em lugar de ‘für‘ na forma de lapso de escrita. Esse engano, todavia, atingiu seu
objetivo, não ao ser efetuado, mas somente depois de ter sido corrigido. Tive de riscar o ‘bis‘, e com isto, por
assim dizer, eliminei a repetição que me perturbava. Realmente digna de interesse essa variante do mecanismo
de uma parapraxia!

Senti-me muito satisfeito com essa solução.Na auto-análise, porém, o perigo de fazer coisas incompletas é muito
grande. Pode-se, com muita facilidade, ficar satisfeito com uma explicação parcial, atrás da qual a resistência
facilmente pode estar ocultando algo que talvez seja mais importante. Contei esta pequena análise a minha filha,
e ela imediatamente viu como a coisa acontecera:

‘Mas o senhor já deu a ela uma pedra igual a essa, para um anel, anteriormente. Esta é provavelmente a repetição
que o senhor quer evitar. As pessoas não gostam de dar sempre o mesmo presente.’ Isto me convenceu; havia
realmente a objeção contra uma repetição do mesmo presente, não da mesma palavra. Tinha havido um
deslocamento para algo banal com a finalidade de desviar a atenção de algo mais importante: uma dificuldade
estética, talvez, em lugar de um conflito instintual.

Pois foi fácil descobrir a outra seqüência. Eu estava procurando um motivo para não dar de presente a pedra, e
esse motivo foi providenciado pela reflexão de que eu já havia dado o mesmo presente (ou um muito parecido).
Por que essa objeção devia ser ocultada, ou disfarçada? Logo vi por quê. Não tinha nenhuma vontade de me
desfazer da pedra. Gostava muito dela e a queria para mim.

A explicação para essa parapraxia foi encontrada sem maiores dificuldade. Na realidade, logo me ocorreu uma
idéia consoladora: pesares desse tipo só aumentam o valor de um presente. Que espécie de presente seria este,
se não se lamentasse um pouco dá-lo? Não obstante, o episódio possibilita que se perceba, mais uma vez, como
podem ser compilados os processos mentais mais modestos e aparentemente mais simples. Cometi um lapso ao
redigir umas anotações – coloquei ‘bis‘ onde devia escrever ‘für‘ -, percebi-o e o corrigi: um pequeno erro, ou
antes, uma tentativa de erro, e assim mesmo encerrava tão grande número de premissas e de fatores dinâmicos.
Com efeito, o erro não podia ter ocorrido se o material não fosse especialmente favorável.

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