Você está na página 1de 4

Os chistes e suas técnicas

Paulo H. Silva
R.A.: 161691
Os chistes. Assunto polêmico, assunto que causa inúmeros posicionamentos. Qual a
origem de um chiste? Qual a sua ligação com o inconsciente? O que será que nos provoca o riso
em determinado chiste? Será que o mesmo somente nos faz rir por sua “técnica” de formação?
Ou o mesmo tem relações com nossa mente? Tais questões eram mais que frequentes no contexto
em que Freud, em 1905, pela primeira vez, discute sobre a relação entre os chistes e os sonhos na
sua obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”. A razão pela qual Freud se dedica a
problemática dos chistes foi o fato que Wilhelm Fliess afirmou que os sonhos estavam “cheios”
de chistes, despertando assim a curiosidade de Freud.
Primeiramente, gostaria de fazer menção a uma afirmação feita na obra que diz que não é
concedida a importância devida ao estudo dessa prática (de fazer chistes), visto que ela tem
grande influência em nossa vida mental. E realmente, se pararmos para pensar, os chiste (o
“humor”) é algo intrínseco em nossas vidas, por que não dar mais atenção a algo que se faz tão
presente? Por que não transformar o “humor” em um campo de estudo científico? Mas isso é uma
discussão para um outro dia, atenhamo-nos, por agora, a obra de Freud.
São atribuídas muitas definições a palavra chiste. Com certa “divergência” de ideias,
inúmeros pensadores (como Fischer, Lipps, Kraepelin e Jean-Paul) definem a prática, porém
todos colaborando para uma maior compreensão da prática. Todavia, neste texto abordarei outro
fator que não o impacto causado pelo chiste no inconsciente, e sim sua técnica.
“Para Freud, o chiste é ‘a habilidade de encontrar similaridades entre coisas
dessemelhantes, isto é, descobrir similaridades escondidas’ (FREUD, 1905). Desse modo, o
chiste pode criticar tudo em poucas palavras, utilizando-se de técnicas como a abreviação, o uso
múltiplo do mesmo material e o jogo de palavras ou o duplo sentido” (RABUSKE, A. S.). Uma
série de técnicas são versadas por Freud. Três técnicas “maiores” (que englobam mais) são
citadas, e dentro desses três “grupos”, digamos assim, subgrupos são apresentados.
Seria impossível citar, de maneira mais acurada, e explicar cada uma dessas técnicas em
um texto tão lacônico como este, por essa razão, mostrarei todas as técnicas abordadas por Freud,
todavia darei enfoque a três técnicas (uma de cada grupo), que penso que são demasiadamente
usadas e dedicar-me-ei a propor exemplos contemporâneos das mesmas.
Eis o quadro de técnicas esboçado na obra:

I – Condensação: III – Duplo sentido:


(a) com formação de palavra composta; (g) significado como um nome e como
(b) com modificação. uma coisa
(h) significados metafóricos e literal;
II – Múltiplo uso do mesmo material: (i) duplo sentido propriamente dito (jogo
(c) como um todo e suas partes; de palavras);
(d) em ordem diferente; (j) double entendre;
(e) com leve modificação; (k) duplo sentido com uma alusão.
(f) com sentido pleno e sentido esvaziado.

Primeiramente, citarei alguns exemplos de condensação. Por vezes, já observei pessoas


se autodenominando “chocólatras”. Mas o que seria isso? O significado não é assim tão difícil de
ser descoberto. Por intermédio de uma conjuntura de palavras (chocolate e alcoólatra) cria-se
uma “nova” palavra, uma nova produção de sentido (pessoas viciadas em chocolate). Outro
exemplo de condensação também seria um fato que ocorre em alguns casamentos americanos.
Esse exemplo talvez não tenha um efeito tão cômico esperado de um chiste, mas então entramos
em outra questão (o riso é o determinante de chistes ou não?), enfim, por vezes deparei-me com
casamentos em que as pessoas escreviam em algum lugar seus nomes como formando um só
(e.g., Rachel e Finn = Finchel).

Falando do segundo grupo, Freud (1905) afirma que “pode-se tomar o mesmo material
verbal e fazer simplesmente alguma alteração em seu arranjo (ordem das palavras). Quanto mais
leve a alteração – maior a impressão de que algo diferente está sendo dito pelas mesmas palavras-
, melhor será o chiste tecnicamente”. Curiosamente, a medida que estudava a obra de Freud, fui
me atendo aos chistes (ou tentativas de) que “cruzavam” meu caminho. Em um sábado, estava na
igreja, quando o pastor falava sobre trabalho missionário. Na visão dele, o sábado foi feito para
que o cristão possa falar sobre Jesus para o seu próximo, logo, assim que retornasse do culto e
chegasse em casa, o cristão deveria comer e, após isso, ir para a rua fazer o seu trabalho
missionário. Entretanto, isso não estava acontecendo e dizia ele que “o que está acontecendo é,
sim, um trabalho ‘sonário1’”. Esse chiste despertou risos no auditório, e então percebi, clássico

                                                                                                               
1  Indicando que os cristãos ao invés de sair e pregar a mensagem, dormiam após o almoço.
exemplo de múltiplo uso de um mesmo material, primeiro como um todo (missionário) e
depois em suas partes (“sonário”).

E, por último, mas não menos importante, o grupo de duplo sentido. Falarei um pouco
mais a respeito desse grupo, por ser o grupo que mais me fascina e creio ser o que tem mais
circulação no meio dos chistes (pelo menos um dos mais comuns). Três subgrupos, desse grupo
maior, serão abordados, começando por significados metafóricos e literal, eis um exemplo que
dispensa explicações: “Se você fizer peixe pro almoço... você dá o rabo pra mim?”. Outro
exemplo desse subgrupo seria: “Uma moça estava sendo amparada por sua mãe no meio da rua,
devido a um mal-estar. Um senhor muito educado passa por elas e pergunta: –Foi comida, não
foi? –Foi sim. - respondeu a mãe. – Mas vai casar!” (como podemos perceber, duplo significado
em algumas palavras dos enunciados).

Freud então fala de uma “nova subespécie” da técnica de duplo sentido que me intrigou
bastante, o “double entendre”. Exemplo: “Um casal estava na cama conversando quando a
mulher diz bocejando pro marido: –Vou dormir… Boa noite! / E ele diz: - Já vai dormir? Logo
agora que eu iria abusar de você? / E ela entusiasmada diz: - Então abusa vai, abusa. / E ele diz: -
Vai lá na cozinha pega uma cervejinha e algumas azeitonas pra mim”. A palavra “abusar”
(palavra em que suporta o chiste) tem um significado usual que é “usar ou consumir de forma
excessiva, errada ou inconveniente”, porém existe outro contexto em que a palavra poderia ser
usada alterando assim seu significado, que ficaria “procurar relações sexuais com alguém sem o
seu consentimento”. Esse tipo de chiste2 que é caracterizado como “double entendre”.

É perceptível que a origem do prazer oriunda dos chistes não é somente as técnicas usadas
nos mesmos (embora que contribuintes), porém também o conteúdo passado pro ele (o que o
chiste nos tem a dizer). Comprova-se isso extraindo a técnica (double entedre) do último chiste,
ainda assim sobraria o prazer, o admiratio, de ver que o rapaz não queria abusar (no contexto
sexual) da mulher, e sim, fazer dela sua escrava momentânea. Embora possamos afirmar (de
acordo com a obra) que tanto as técnicas quanto o conteúdo são as causas que tornam os chistes
prazerosos, de acordo com Freud, não podemos traçar uma proporção correta para cada chiste,
não podemos delimitar que o chiste x nos faz rir por sua técnica e que o chiste y pelo seu

                                                                                                               
2
Talvez neste exemplo (double entendre) fosse mais apropriado se o sentido pretendido da palavra ficasse
oculto, mas no fim do chiste o sentido é revelado.  
conteúdo. Porém, como dito antes, o que podemos afirmar é que tanto a técnica, quanto o
conteúdo expresso pelo chiste são causadores do prazer e geram o riso.

Referências bibliográficas:

AURÉLIO. In: Aurélio Dicionário Online de Português. 2014. Disponível em:


<http://www.dicionariodoaurelio.com/abusar>. Acesso em: 05 out. 2014.

FREUD, S. “Os chistes e sua relação com o inconsciente” in Obras Completas, vol. VIII, Rio de
Janeiro: Imago Editora, [1905], 2006.

PIADAS ENGRAÇADAS | DUPLO SENTIDO. In: PorquinhoDoido. 2010. Disponível em:


<http://www.porquinhodoido.com.br/2012/07/piadas-de-duplo-sentido-piadas-curtas-e.html>.
Acesso em: 05 out. 2014.

PIADAS INTELIGENTES. In: Oxala. 2013. Disponível em:


<http://www.oloxa.blog.br/2011/03/piadas-inteligentes.html>. Acesso em: 05 out. 2014.

RABUSKE, A. S. Os chistes, o humor e algumas relações com os mecanismos dos sonhos


(2013). Disponível em: <http://www.cbp.org.br/cprs/artigo1.pdf>. Acesso em: 05 out. 2014.

Você também pode gostar