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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
ÁREA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS, LITERÁRIOS E TRADUTOLÓGICOS EM FRANCÊS

CAROLINE PESSOA MICAELIA

O "CRISE DE VERS" MALLARMEANO E AS TRADUÇÕES


BRASILEIRAS PARA A CRISE

São Paulo
2016
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
ÁREA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS, LITERÁRIOS E TRADUTOLÓGICOS EM FRANCÊS

O "CRISE DE VERS" MALLARMEANO E AS TRADUÇÕES


BRASILEIRAS PARA A CRISE

Caroline Pessoa Micaelia

Trabalho de Graduação Individual apresentado à


Área de Estudos Linguísticos, Literários e
Tradutológicos em Francês da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. Pesquisa desenvolvida
com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP).

Orientador: Prof. Dr. Álvaro Silveira Faleiros

São Paulo
2016
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudos e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Micaelia, Caroline
M619" O "Crise de vers" mallarmeano e as traduções
brasileiras para a crise / Caroline Micaelia ;
orientador Álvaro Faleiros. - São Paulo, 2016.
69 f.

TGI (Trabalho de Graduação Individual)- Faculdade de


Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo. Departamento de Letras Modernas. Área de
concentração: Estudos Linguísticos, Literários e
Tradutológicos em Francês.

1. Mallarmé. 2. Crise de vers. 3. tradução. 4.


verso. 5. crise. I. Faleiros, Álvaro, orient. II.
Título.
MICAELIA, Caroline Pessoa.
O "Crise de vers" mallarmeano e as traduções brasileiras para a crise.

Trabalho de Graduação Individual apresentado


à Área de Estudos Linguísticos, Literários e
Tradutológicos em Francês da Universidade de
São Paulo. Pesquisa desenvolvida com o apoio
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP).

Aprovado em: ----/----/----

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. _____________________ Instituição: _____________________


Julgamento: __________________ Assinatura: ______________________

Prof. Dr. _____________________ Instituição: _____________________


Julgamento: __________________ Assinatura: ______________________

Prof. Dr. _____________________ Instituição: _____________________


Julgamento: __________________ Assinatura: ______________________
AGRADECIMENTOS

Agradeço profundamente o amor incondicional, o apoio irrestrito e a paciência


infinita de Jeane, Ricardo e Pedro Micaelia: sem vocês, nada seria.
Um realmente imenso agradecimento ao meu orientador, Álvaro Faleiros,
primeiramente por ter embarcado nessa comigo e insistido nessa comigo. Então pelos
extraordinários rigor e fineza nas leituras dedicadas a minha produção; sempre atento, sempre
solícito. Por ter apoiado todas as minhas aventuras, intelectuais e internacionais, sem deixar
de manter os meus pés no chão, mesmo se generosamente me concedendo muito mais
liberdade do que eu poderia sonhar. Meu sincero e afetuoso obrigada.
Não conseguiria agradecer suficientemente a Roberto Zular, podendo apenas dizer
que, sem ter ouvido sua voz, naquele primeiro ano de graduação, eu certamente ainda estaria
perdida em meio à algaravia da universidade. Um enorme obrigada pela interlocução, pela
disponibilidade, pela gentileza e por estar presente nesta banca, razão pela qual agradeço
também, desmesuradamente, a gentileza de Verónica Galindez, outra das vozes pelas quais
agradeço um dia ter ouvido.
Mal consigo relacionar a quantidade de motivos pelos quais sou e serei eternamente
grata a Dirceu Villa: uma das mais belas amizades que este mundo (e o outro, for that matter)
me ofereceu: talvez seja este o porquê central. Mas há também a leitura fina e interessada de
praticamente tudo o que já fiz até hoje, incluindo grande parte deste trabalho. O incentivo
infinito, a delicadeza e o cuidado imensos para comigo, o ombro amigo nos momentos de
crise. Obrigada por ser fonte constante de inspiração e de admiração. Por sua integridade.
Obrigada, d.
Agradeço a gentileza de Marcos Siscar e sua disponibilidade durante todo o período
desta pesquisa. Obrigada pela atenção, pelas informações, pelos esclarecimentos, pelas
indicações, pelas sugestões. Obrigada, sobretudo, pelo diálogo. Poder contar com sua ajuda
foi essencial.
A Flávio Rodrigo Penteado, profundo conhecedor das burocracias acadêmicas, por
ter pegado na minha mão para me ensinar estas e outras mazelas. A Fabiano Calixto e Tatiana
Lima Faria, por terem lido e revisado e sugerido quando isto era apenas um projeto. A Milena
Varallo e Henrique Amaral, pelas leituras, pelas revisões, pela gentileza constante, sem tempo
ruim. A todos vocês, pelas melhores amizades.
Un très grand merci, en fait, un merci vraiment géant (on ne dit pas comme ça, je le
sais) à Thomas Le Colleter, de la lecture attentive et de la correction de toutes mes aventures
en langue française. Je te remercie énormément la gentillesse, la patience, les innombrables
soirées où tu m'as écouté, avec un très beau sourire, parler de Mallarmé sans arrêt pendant
des heures, même en le détestant. Il y aurait encore plein d'autres choses dont j'aimerais bien
te remercier, mais je me limite à te dire : à bientôt.
À M. Bertrand Marchal ma plus grande gratitude. Je vous remercie les plus beaux
cours et les impeccables lectures de mes textes. Que de délicatesse, que de disponibilité, que
d'attention. Merci beaucoup, cher monsieur, surtout de votre patience avec cette jeune
étudiante brésilienne qui vous admire. Merci de votre grandeur intellectuelle qui marche à
côté de votre immense générosité.
Agradeço a Marília Garcia e Leonardo Gandolfi, pelas fundamentais contribuições
para este trabalho, também pela simpatia e pela amizade. A Roberto Gerbi, por ter sido meu
braço esquerdo na frança enquanto eu não estive lá. Aussi, merci à Francis Loranger, le très
sympa étudiant canadien qui m'a beaucoup aidé même sans avoir fait ma connaissance.
Muito obrigada a Cristina Pietraróia, sem a ajuda de quem eu estaria até hoje
tentando ir para Paris. Um grande obrigada a Thiago Mattos, pela enorme gentileza em trazer
na mala a correspondência do poeta, cenas dos próximos capítulos.
A huge thank you e um muito obrigada, to Jamie Trigg e Lígia Zamboni, que
gentilmente revisaram meus abstracts ao longo deste percurso (who kindly proofread my
abstracts through this whole journey). E pela amizade já tão longa. Also for the already long
friendship.
A Rodrigo Lobo Damasceno, pela contribuição crucial nesses tempos de biblioteca
fechada. Pela amizade e por tanta coisa mais. Obrigada.
Ao querido Leonardo Fróes, pelos presentes que acabaram sendo fundamentais para
esta pesquisa. Pela correspondência, pela interlocução, pela gentileza e pela generosidade.
Pela juventude e pelo incentivo constante. Obrigada pela delicadeza da amizade. Nesse
mesmo sentido, agradeço outra amizade distante, construída com cuidado nos enlaces e
desenlaces da poesia (de Mallarmé): a Rafael Guimarães, tradutor e amigo admirável,
agradeço a bela e memorável correspondência.
A Marcelo Ariel, pela escuta interessada e pelas palavras certeiras.
Agradeço também a Larissa Drigo, pela disponibilidade, pela adorável conversa,
pelos mui necessários conselhos e por compartilhar comigo o amor por Mallarmé.
A todo o corpo editorial da Revista Cisma, periódico que me ensinou a ser grande
parte do que sou hoje. Em especial, aos amigos que continuam comigo, para a temporada
seguinte: Isabela Benassi, Danilo Horă, Isabel Ferreira.
Obrigada a toda a minha família, a todos os meus amigos. Adoraria dispor de páginas
suficientes para dizer o quanto sou grata a cada um de vocês.
Agradeço, por fim, o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) e da Agência USP Internacional (AUCANI), sem as quais eu provavelmente
teria tido que ser muito mais criativa pra conseguir me dedicar ingralmente a Mallarmé.
A quem, aliás, agradeço por estar mais vivo do que nunca e por dizer muito mais
sobre mim do que eu mesma um dia conseguirei. Je vous serre les deux mains, cher maître,
cher ami, je vous aime,

Caroline.
RESUMO

MICAELIA, Caroline Pessoa. O "Crise de vers" mallarmeano e as traduções brasileiras para


a crise. 2016. 69 f. Trabalho de Graduação Individual (TGI) – Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

Este trabalho procura, diante da última renovação no quadro de leituras nacionais e


internacionais dedicadas ao poeta Stéphane Mallarmé e à sua obra, pensar as condições que
tornaram possível, no Brasil, a realização de cinco traduções do poema-crítico "Crise de vers"
para o português, empreendidas no decorrer de aproximadamente cinco anos (2007 – 2011).
Procura, ademais, discutir o que está implicado no título do texto mallarmeano, tendo em
mente seu debate e sua construção poético-textual, sem perder de vista a diferenciação,
inicialmente proposta por Marcos Siscar, entre as fórmulas "crise do verso" e "crise de verso"
ou "crise de versos", aquele a priori mais ligado à questão da forma e à tradição interpretativa
do referido texto, este então mais relacionado a um caráter simbólico ou, em alguma medida,
mais filosófico no que toca a questão da crise. Serão desenvolvidos, para tanto, um breve
comentário concernente ao novo momento pelo qual passam os estudos sobre Mallarmé; uma
leitura mais detida nas problemáticas do poema-crítico; uma análise comparativa entre as
traduções, iluminada por um paradigma teórico ligado aos estudos da tradução; e, por fim,
uma reflexão sobre a periodicidade constitutiva do episódio, na tentativa de indicar a
relevância deste para o círculo de trabalhos que encontram em "Crise de vers" um objeto de
interesse.

PALAVRAS -CHAVE : Mallarmé; Crise de vers; tradução; recepção; leitura; crise; historicidade;
verso.
ABSTRACT

MICAELIA, Caroline Pessoa. Mallarmé's "Crise de vers" and the brazilian translations to the
crisis. 2016. 69 p. Undergraduate Degree's Dissertation – Faculty of Philosophy, Languages
and Literature, and Human Sciences, University of São Paulo.

This work intends to think about, considering the ultimate renovation on the frame
surrounding the national and international readings dedicated to the poet Stéphane Mallarmé
and his works, the conditions that made possible the existance of five translations of the
critical-poem "Crise de vers" to portuguese, accomplished throughtout nearly five years (2007
– 2011). It also looks forward to discuss what is implied on the mallarmean text's title,
keeping in mind its debate and poetic-textual construction, without losing sight of the
differences that were first indicated by Marcos Siscar, between the propositions "crise do
verso" and "crise de verso" or "crise de versos", that one closer a priori to the matters of form
and the interpretative tradition of the mentioned text, these ones associated to a more
symbolic problem or, in a certain way, a more philosophical one when it comes to the subject
of the crisis. It will be undertook, therefore, a brief comment on the new moment through
which pass the studies on Mallarmé; a more focused reading on the problematics of the
critical-poem itself; a comparative analysis amongst translations, iluminated by a theoretical
paradigm concerning the translation studies; and, finally, a reflexion on the constitutive
periodicity of the episode, on an attempt to point its relevance to the circle of works that find
in "Crise de vers" an object of interest.

PALAVRAS -CHAVE : Mallarmé; Crise de vers; translation; reception; reading, crisis,


historicity; verse.
SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................. 10

1. O sopro de novos ventos....................................................................................................... 14

2. Nos lampejos da tempestade ................................................................................................ 22

3. Transposição – Estrutura, uma outra (iluminação) ............................................................. 322

4. Alguns vislumbres das constelações................................................................................... 388

5. Cintilações do mistério ....................................................................................................... 511

Considerações finais ................................................................................................................. 60

Bibliografia citada e consultada ............................................................................................. 644


INTRODUÇÃO

Ao leitor brasileiro, acostumado a ler a obra de Stéphane Mallarmé sob os prismas


simbolista e concretista, o artigo Três Mallarmés: traduções brasileiras (2012) de Álvaro
Faleiros apresenta, através de um panorama da recepção do poeta francês pelos autores
brasileiros que o traduziram, o modo pelo qual tem sido construída – neste final de século
XX, início do XXI – uma outra perspectiva de leitura acerca de sua obra. O que Faleiros
chama de "terceiro Mallarmé", analisado precisamente por Marcos Siscar em Poesia e crise
(2010), configura o resultado de uma reformulação crítica acerca dos escritos do poeta
francês, os quais, indo de encontro ao dito "esgotamento dos projetos de vanguarda", deixam
de ser lidos como poética de ruptura para serem tratados mais como uma "perturbação da
tradição"1. A leitura de Siscar, em consonância com as de outros como Henri Meschonnic,
Jacques Rancière, Jean-François Hamel, Larissa Drigo e Joaquim Brasil Fontes2, vai pautar o
projeto de escrita mallarmeano como "inscrito na história" por meio de uma "sensibilização
pela linguagem e na linguagem à miséria da época"3. No Brasil, os estudos que contemplam
esse novo momento de leituras têm sido produzidos, em paralelo com a (re)tradução de
diversos trabalhos de Mallarmé – tanto em verso como em prosa, como demonstra Faleiros –,
sob a luz de uma recente revalorização da prosa crítica do poeta, em ocorrência no fim da
década de 19904.

É então assim que "Crayonné au théâtre", seção de crítica teatral do livro Divagations
(1897), bem como o próprio – incluindo a referida seção –, são publicados em português com
traduções de Tomaz Tadeu (2010) para aquele e de Fernando Scheibe (2010) para este,
marcando desta maneira as duas primeiras edições brasileiras de peso no que toca as
traduções da prosa crítica de Mallarmé que sucedem essa revalorização dos anos 19905. Nesse
contexto, o poema-crítico "Crise de vers", um dos textos fundamentais de tal conjunto, recebe,
entre os anos de 2007 e 2011, o prodigioso número de cinco traduções em língua portuguesa,
1
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 109.
2
Ainda que por vias diversas.
3
FALEIROS, Álvaro. "Três mallarmés: traduções brasileiras". In: Aletria (UFMG), v. 22, p. 17-31, 2012. p. 18.
4
Impulsionada, em larga medida, pelo centenário da morte de Mallarmé, bem como pela republicação de suas
Œuvres Complètes (1998), na coleção da Pléiade (Gallimard), estabelecidas e anotadas por Bertrand Marchal.
5
Antes disso, Dorothée de Bruchard havia traduzido e publicado, em volume intitulado Prosas de Mallarmé
(Paraula, 1995), a maior parte da seção de Divagations conhecida como "Anedoctes ou poèmes"; e ainda antes
vários textos que comportam o livro do poeta já tinham ganhado tradução, mas de forma esparsa e em
publicações diversas. Inês Oseki Dépré (1980), Fulvia M. L. Moretto (1989), José Lino Grunewald (1990) e
Amálio Pinheiro (1991) estão, notadamente, entre os tradutores que antecedem de Bruchard.
10
e os desdobramentos das publicações envolvidas nesse jogo de periodicidade incomum
revelam, numa mão, um crescente interesse pela obra de Mallarmé e por formas de traduzi-la
– especialmente considerando a flutuação crítica previamente mencionada –, além de nos
sugerirem, na outra, alguma relevância em continuar discutindo a crise de vers e suas
consequências. Embora tivesse sido já muito referenciado na produção de Haroldo de
Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari ao longo dos textos que teceram e
acompanharam o desenrolar do programa vanguardista da poesia concreta, "Crise de vers" só
vai ganhar uma tradução inaugural para o português no final dos anos 20006.

Em 2007, Faleiros e Luiz Carreira propõem a primeira versão brasileira do poema-


crítico, "Crise de verso", inicialmente apenas para fins acadêmicos, a qual passa pouco tempo
depois a estar acessível na internet7 quando uma professora da Universidade de São Paulo,
enxergando nessa produção uma possibilidade de apresentar o texto de Mallarmé, ainda
inédito em português, a seus alunos, disponibiliza-o online – mesmo levando em conta que o
projeto ali compreendido não havia sido inteiramente desenvolvido8. Passado um ano, já em
2008, Ana Alencar assina a primeira tradução formalmente publicada: "Crise do Verso" sai,
pela revista Inimigo Rumor, com um projeto bastante diferente daquele que o antecedeu,
especialmente no que toca o acentuado preciosismo da linguagem e a peculiar organização
sintática apresentados9 nessa nova tradução. Simultaneamente ao processo dessas publicações
iniciais (entre os anos de 2007 e 2010), Siscar apresenta em seminários e veicula, no primeiro
volume da revista Modo de Usar & Co. (2009), o célebre ensaio "Poetas à beira de uma crise
de versos", no qual desenvolve uma das questões fundamentais do texto de Mallarmé –
assunto que aparece desde o título – dialogando diretamente com a tradução de Alencar no
que toca sua opção por "Crise do verso", e não "Crise de verso" ou "Crise de versos" que, de
acordo com o autor, seriam títulos mais alinhados ao projeto poético mallarmeano.

O último dado de publicação do ensaio de Siscar data de 2010, com o lançamento de


seu livro/compilação de ensaios Poesia e Crise10, o qual será acompanhado por um outro
grande evento no que concerne o desenrolar dos fatos ligados à tradução do poema-crítico:

6
Isto é, ao menos até onde esta pesquisadora tem conhecimento.
7
Mediante permissão dos tradutores.
8
Por razões de ordem pessoal.
9
Os quais serão discutidos aqui mais a frente.
10
Parece importante colocar que há, em Poesia e crise, não há apenas esse ensaio que trata de Mallarmé, mas
uma série de outros, entre os quais "Traduzir Mallarmé é o lance de dados" e "O túnel, o poeta e seu palácio de
vidro", este sobre a tradução do primeiro volume integral de Divagations e aquele sobre o lançamento da mais
nova tradução do seminal "Un coup de dés jamais n'abolira le hasard".
11
Scheibe lança o primeiro volume completo das Divagações, entre as quais, uma nova versão
daquele texto, intitulada "Crise de verso", e o alcance dessa publicação foi grande o
suficiente, mesmo no que diz respeito aos fins desta pesquisa, para que uma segunda tradução
datada de 2010 passasse despercebida num primeiro momento, reduzindo desta forma a
discussão ao problema entre "crise de verso" e "crise do verso", o qual se provaria, mais
adiante, não ter a centralidade então suposta para o debate ora engendrado. Ainda naquele
2010, Gilles Abes oferece, através da revista TradTerm, sua própria colaboração para a
sequência de acontecimentos que nos ocupa: seu "Crise de verso", introduzido pelo texto
crítico de título "Uma tradução de 'crise de verso' de Mallarmé: a ótica do enigma como
símbolo do texto literário", constrói-se, como também a tradução de Scheibe, tomando por
base as duas primeiras traduções, seja numa relação de aproximação, seja numa de recusa 11;
mesmo sendo verdade que, pragmaticamente, essas versões de 2010 alinham-se muito mais à
de 200712 do que à de 2008, não só por escolhas lexicais e imagéticas aproximadas ou muitas
vezes idênticas, mas também por uma construção sintática parecida13.

Por fim, a última tradução de que se tem notícia, realizada por Pedro Eiras e Rosa Maria
Martelo em 2011, foi publicada individualmente em um dos pequenos livros da portuguesa
Coleção Pulsar (Deriva Editores) e partilha uma esfera de soluções possíveis14 com a tradução
de 200815 – muito embora os tradutores possivelmente tivessem conhecimento da existência
das traduções dos anos anteriores, sobretudo daquela incorporada no volume Divagações –,
encerrando, até o presente momento, o encadeamento dos eventos ligados ao referido texto
com a publicação de sua mais recente tradução, Crise de versos. A versão portuguesa, talvez
porque curiosamente mais alinhada ao tipo de tradução produzida por Alencar, desloca o texto
da brasileira do lugar quase que isolado em que se encontrava frente às outras traduções,
proporcionando um tipo de reflexão comparativa que possivelmente traz de volta as
dualidades anteriormente pensadas, ainda que sob um viés distinto daquele relacionado
apenas ao título das traduções. Em se tratando, aliás, de títulos, "crise de versos", embora
diametralmente oposto a "crise do verso"16, nos remeteria, talvez por isso mesmo, a um outro
lugar de leitura para esse texto e para o tipo de problemas aos quais ele foi sendo associado.

11
Por vezes até mesmo com menções diretas, como acontece em Abes.
12
Vale notar, aliás, que o título das três é curiosamente o mesmo, "Crise de verso", em divergência com o da
tradução de 2008, "Crise do verso", e, à propósito, também da de 2011, "Crise de versos", como será exposto.
13
Conforme demonstrarei adiante.
14
Como será analisado.
15
Única versão para o português que os tradutores de 2011 mencionam terem consultado.
16
Este nos enviando à questão da forma, aquele fazendo alusão a um "estado". A ser demonstrado adiante.
12
Trata-se de um lugar no qual as traduções aqui em jogo são alinhadas em dois grupos
diferentes que, no entanto, não colocam fim ao debate em curso, pois que não se mostram
irredutíveis; mas também não consideram que propostas de troca estejam condenadas ao
estabelecimento de um meio termo com consequências inócuas.

O fato é que essa última tradução, para além disso, afirma com todas as letras o que
havia apenas sido sugerido em outros momentos – o que se assistia acontecer, devido à
explosão de estudos sobre a obra de Mallarmé, nos últimos anos –: que o interesse no poeta
francês e nos modos de traduzi-lo, e mesmo o interesse que a crítica brasileira tem deitado a
respeito dele, é reflexo de uma onda internacional de produções que se propõem a repensá-lo,
à qual aquela responde, de seu lado, ora percebendo no poeta um caminho para meditar a
respeito dos próprios problemas, ora compreendendo-o como ponto-disparador para refletir
sobre questões relevantes a respeito do momento pelo qual passam os estudos literários, ora
enfrentando o desafio de oferecer-lhe a língua portuguesa como outra morada possível. E é
assim que o trabalho aqui empreendido, seguindo de perto a trilha das faíscas disparadas por
"Crise de vers", buscará, a um só tempo, refletir sobre as novas abordagens – este "terceiro
Mallarmé" – (Capítulo 1); propor uma leitura do poema-crítico que tente ir de encontro a tais
abordagens (Capítulo 2); analisar, sobre um plano de fundo que concatena alguma teoria da
tradução, o interesse de cada um dos projetos tradutórios que trouxeram o texto mallarmeano
ao português (Capítulos 3 e 4); e, finalmente, pensar o modo como, diante de um mesmo
paradigma teórico – aquele anteriormente mencionado –, puderam ter sido produzidas várias
traduções do mesmo texto, com datas de publicação muito próximas e, entretanto, diferenças
consideráveis na forma de ler o poeta (Capítulo 5).

13
CAPÍTULO 1
O SOPRO DE NOVOS VENTOS
LEITURA E HISTORICIDADE EM MALLARMÉ 17

Carregando resquícios do que foram dois séculos das ressonâncias revolucionárias


advindas do XVIII, a literatura francesa da conturbada década de 1940 ainda pensava
encontrar nas revoluções do passado uma "doutrina da historicidade e um pensamento da
política"18, conforme coloca Jean-François Hamel em seu Camarade Mallarmé : une politique
de la lecture (2014). O caráter ainda romântico dessa tradição, longe de ser afastado pelas
problemáticas em questão nos últimos anos da referida década, mais parece assombrá-los,
impedindo que os terríveis acontecimentos desses anos pudessem ser lidos em outra chave
que não a da lembrança de um tal passado. É nesse contexto, do ponto de contato entre o
horror da ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial e os ainda presentes
ares do passado revolucionário francês, que tem lugar o debate entre Maurice Blanchot e
Jean-Paul Sartre a respeito da ideia de literatura engajada, do qual o protagonista será
ninguém menos do que Mallarmé.

A ideia de literatura engajada defendida por Sartre após o fim da Segunda Guerra
implicaria um certo grau de responsabilidade e de comprometimento político que os escritores
precisariam passar a ter em sua produção, especialmente em vista do que foi o cenário de
tragédias relacionadas às ações dos regimes nazista e fascista europeus, e é claro, do enorme
impacto que o período teve na França, então sob ocupação. De forma geral, Sartre acreditava
que a construção de uma literatura pós-guerra que tivesse por missão a defesa da democracia
caminhava na contramão do que se tomou por um purismo em literatura, associado à figura de
Mallarmé e de outros, tidos como influência direta para que os poetas do entre-guerras
tivessem rompido com a sociedade e recusado a comunicação com seus contemporâneos.
Reproposto por Blanchot, o problema da "autodestruição da linguagem"19 – ou mesmo da

17
Boa parte deste e dos capítulos quatro e cinco foram publicadas juntas, em formato de ensaio, no número 7 da
revista Non plus. Cf. MICAELIA, Caroline. "Algumas tempestades adentram o palácio: crise, leitura e
historicidade em três traduções de Mallarmé". Non plus, [S.l.], n. 7, p. 78-93, dec. 2015. ISSN 2316-3976.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/nonplus/article/view/99128>. Último acesso em 25 de abr. 2016.
18
"une doctrine de l'historicité et une pensée de la politique". HAMEL, Jean-François. Camarade Mallarmé.
Une politique de la lecture. Paris : Les Éditions de Minuit, Coleção Paradoxe, 2014. p. 64.
19
"autodestruction du langage" (tradução minha). Ibid., p. 71. Todas as citações em língua estrangeira utilizadas
ao longo deste trabalho tiveram tradução minha, exceto quando já existia uma tradução publicada em português,
no caso dos textos teóricos. No caso do texto de Mallarmé, em outro sentido, mesmo tendo em conta a existência
14
recusa na comunicação – ao qual esses poetas teriam sido vinculados, levaria Sartre a
ponderar sua crítica a Mallarmé, reformulando-a no sentido oposto.

Blanchot vai ressaltar a necessidade do lugar de distinção que a arte deve ocupar
frente ao mundo, vai dizer que a operação do poeta se dá através do mecanismo da recusa e
que quando Mallarmé distingue a fala bruta ligada a isso que entende por "universal
reportagem" (grifo do poeta)20 – suficiente para ensinar, narrar e descrever – da literatura, ele
produz um movimento violento na linguagem: coloca-se contra uma espécie de corrupção das
palavras21, responsável por privar a comunidade de uma fala essencial. Para Blanchot, a obra
de Mallarmé se apresentaria como ilustração de uma violência por parte da linguagem, como
uma negatividade com origem no mal-estar revolucionário pós-século XVIII, isto porque sua
recusa da comunicação consistiria num abalo no modus operandi da retórica como
instrumento de transmissão sujeito ao domínio de quem ocupa os lugares de poder, uma
recusa que se constitui no sentido de libertar a arte da submissão que a ela quiseram imprimir,
que denuncia as ligações, historicamente construídas, entre a liberdade sem regras da
linguagem e a liberdade desumana dos homens22. Diante da argumentação de Blanchot, Sartre
reelaborará suas colocações, passando a entender a tarefa mallarmeana como um trazer à luz a
impossibilidade de um engajamento por parte da literatura numa situação política como
aquela na qual o poeta se encontrava em fins do XIX.

***

A discussão entre Sartre e Blanchot se envereda por outros caminhos que, em alguma
medida, ainda terão em Mallarmé uma peça chave para o pensamento acerca de um
engajamento na literatura dos últimos anos 1940. O que nos interessa aqui, penso, não é

das cinco traduções a serem discutidas aqui, optei por uma sexta, de minha autoria, pois que meu intuito não é
exatamente o de discutir qual projeto foi mais bem sucedido – embora em partes também o seja –, mas mais o de
pensar a maneira como se articulam esses projetos em relação.
20
"l'universel reportage". MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de dés.
Présentée, établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 259.
21
HAMEL, Jean-François. Camarade Mallarmé. Une politique de la lecture. Paris : Les Éditions de Minuit,
Coleção Paradoxe, 2014. p. 80. Uma "corrupção" no sentido fraco, ou seja, no de uma "deturpação", e não de
uma "subversão".
22
Ibid., p. 92.
15
exatamente entrar no mérito do que estava em questão para Sartre e para Blanchot23, mas
antes perceber, a partir do reduzidíssimo relato acima esboçado, o quanto a obra de Mallarmé
– ou mais precisamente, as leituras24 da obra de Mallarmé –, contribuíram para a construção
dos discursos de uma época, e também para a construção da própria memória dos debates em
questão naquele momento. Não só: o início de um esfacelamento da oposição entre uma
"concepção autorreflexiva da literatura, pautada por uma busca infinita de sua essência em
meio à agonia da experiência da linguagem, e uma concepção ativista, aberta à exterioridade
eventual e revolucionária do mundo social"25 interessa enquanto potencialidade para a
instauração de caminhos pelos quais poderão passar muitas das subsequentes leituras dessa
obra; potencialidade não só ligada ao que os escritos de Mallarmé podem dizer sobre cada um
desses momentos presente, mas também a uma possível configuração – suscetível a outras
tantas reconfigurações – da compreensão que temos no tocante ao modo como esse
esfacelamento se liga ao que então estava em jogo para o poeta.

Não é demais ressaltar que, embora muito ligada à tradição, a obra de Mallarmé
possui uma iminência de futuro (num certo sentido, um deslocamento em relação ao seu
próprio tempo, ou ainda, se quisermos, uma espécie de projeção para as décadas seguintes)
que incomodava, inclusive, muitos de seus contemporâneos26; se, entretanto, nos lembrarmos
da ilustração que Walter Benjamin (2000) apresenta ao comentar o Tableaux parisiens de
Baudelaire, há algum interesse em pensar obras como as deste ou de Mallarmé enquanto "um
tipo de chave, confeccionada sem a menor ideia da fechadura na qual um dia poderia ser
introduzida"27. Daí também a relevância de ter em conta, para uma reflexão sobre ambos os
movimentos anteriormente mencionados – o de ler o presente no passado e o de ler o passado
no presente28 –, não só a obra do poeta em si, mas os sucessivos modos de compreensão

23
Discussão que, aliás, já se esboça no ensaio de Siscar intitulado "O túnel, o poeta e seu palácio de vidro". Cf.
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 83.
24
Há aqui alguma graça em tratar as aparições deste termo, no decorrer do capítulo, em seu múltiplo sentido.
25
"une conception auto-réflexive de la littérature, arquée sur la poursuite infinie de son essence à travers
l'angoisse de l'expérience langagière, et une conception activiste, ouverte à l'extériorité événementielle et
révolutionnaire du monde social." HAMEL, Jean-François. Camarade Mallarmé. Une politique de la lecture.
Paris : Les Éditions de Minuit, Coleção Paradoxe, 2014. p. 102.
26
Entre os quais Degas, segundo menciona Scheibe, no texto introdutório de seu Divagações: "conta-se que foi
durante sua conferência [de Mallarmé] – 'mesmo oração fúnebre' – sobre Villiers de l'Isle Adam, proferida em
1890 no salão de Berthe Morisot, que Degas saiu revoltado, exclamando: - 'Não compreendo nada disso, nada!'."
Cf. MALLARMÉ, Stéphane. Divagações. Tradução e apresentação de Fernando Scheibe. Florianópolis: Editora
da UFSC, 2010.
27
"une sorte de clé, confectionée sans la moindre idée de la serrure où un jour elle pourrait être introduite".
BENJAMIN, Walter. Le surréalisme. Le dernier instantané de l'intelligentsia européenne. Traduction de M. de
Gandillac, Oeuvres, II. Paris : Folio/Gallimard, 2000. p. 119.
28
HAMEL, op. cit., p. 15.
16
relativos a ela ao longo dos anos; cabe, ademais, colocar que os próprios atos de leitura e de
interpretação constituem, do mesmo modo, atos de memória, fundamentais à compreensão –
ou melhor, a certo29 tipo de compreensão – a respeito do texto, salvo quando apresentados de
modo isolado, dando início a um processo inevitável de cristalização que vai,
consequentemente, conduzir a leitura do texto ao anacronismo30.

A questão desses atos de memória e dessa iminência de futuro, os quais talvez sejam
em larga medida dois dos vários motivos pelos quais podemos falar numa modernidade em
Mallarmé – já que à primeira vista temos a impressão de que sua poesia permanece
formalmente tradicional –, é, no entanto, mais complexa do que o problema do anacronismo
nos deixaria enxergar. O fato de que o poeta, por ter escrito uma obra incompreensível num
primeiro olhar, teria sido "refém da alusão genérica, da citação fragmentária, do julgamento
baseado em ideias feitas e nos esquematismos grosseiros da história literária"31, segundo nos
lembra Siscar, nos leva ao problema de termos apenas muito recentemente começado a nos
disvencilhar das leituras ligadas aos mallarmés de grandes leitores (Paul Valery, Robert Greer
Cohn e poucos outros) – caso, aliás, das críticas de Sartre e Blanchot ao poeta, as quais teriam
sido marcadas por uma herança anterior àquela do estruturalismo, a valéryana, responsável
por ligar Mallarmé a uma negatividade, a uma ausência, a uma recusa na comunicação32. E
não parece o bastante lembrar que esse distanciamento vem não necessariamente porque
passou-se a ler mais – e/ou com melhor qualidade – o poeta do que aquilo que disseram dele,
mas antes devido ao evento marcado pela disponibilização de sua correspondência, a qual
possibilitou o acesso a textos legíveis de Mallarmé, abrindo um outro caminho para o
pensamento do autor, ainda que, mesmo nas cartas, dificuldades secundárias se façam
presentes.

Isso significa, de certa forma, que o Mallarmé do experimentalismo, do preciosismo,


do conservadorismo político, mesmo que produtivo justamente para manter acesa a chama do
29
Que não só pretende ler o texto, mas também o ritmo de suas transformações, como discutirei na sequência.
30
Uma vez mais é preciso tomar, nessa colocação, o termo "anacronismo" em seu aspecto fraco, isto é, como
algo "deslocado do tempo" ou "fora do tempo". Se o termo for considerado em seu senso forte, ou seja, o de uma
"compreensão do tempo ao inverso", poderíamos até dizer que a leitura de Hamel é anacrônica. Thierry Roger
(2014), comentando o anacronismo de Hamel, proporá, na contramão do pensamento deste autor, as perguntas "a
que tempo pertence Mallarmé? Ou ainda: o século XIX chegou ao fim?", as quais traduzi de "À quel temps
appartient Mallarmé ? Le XIXe siècle existe-t-il ?". Cf. ROGER, Thierry. « Camarade Mallarmé » :
mallarmisme, anachronisme, présentisme ». In : Acta fabula, vol. 15, n° 6, « Réinvestissement, rumeur &
récriture », 2014. Disponible sur : < http://www.fabula.org/acta/document8799.php >. Dernier accès le 30 juin
2016.
31
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 84.
32
O que não é falso, ou, ao menos, não completamente. Há, de fato, uma negatividade em Mallarmé, mas isso
não implica imediatamente que não haja também uma positividade.
17
debate sobre o poeta e sobre as maneiras como ele foi sendo associado a particularidades de
cada época33 talvez seja, no limite, apenas efeito de paráfrase, por um lado, ou de discurso
poético, por outro. Assim como o Mallarmé do ciframento dos significados talvez também
seja somente um pretexto para o ímpeto que procura decodificar o poeta, esvaziando-o de sua
inesgotável potência. E é nesse sentido que Jacques Rancière (1996), a partir de uma análise
da estética de Mallarmé sob pressupostos políticos e históricos, numa tentativa de "resgatar" o
poeta dessas abordagens todas, falará numa "dificuldade" de sua obra, pois que nela ele
disporia "as palavras de seu pensamento de tal maneira que elas rompem o círculo ordinário
do banal e do escondido, [d]o que constitui isto que Mallarmé chama de 'universal
reportagem'."34 Dificuldade que o alinharia, dessa forma, a uma exigência que responde à
complexidade de seu momento histórico; que não exprime a ideia, mas que a faz ser, de modo
que "o poema não 'quer' dizer nada, ele diz. Ele emblematiza o gesto de dizer como escansão
de aparição e desaparição. Ele emblematiza a dúvida mesmo sobre a natureza dessa
escansão"35.

De maneira parecida, mas seguindo uma perspectiva mais filosófica, Bertrand


Marchal (2016) propõe, por sua vez, uma "visibilidade" de Mallarmé, a qual acabaria por criar
entraves a sua "legibilidade"36, na medida em que preservar o caráter visível de um texto, ou
seja, chamar a atenção para sua escritura (o mesmo tipo de atenção que dirigimos à escrita de
uma língua estrangeira que não compreendemos; especialmente, no nosso caso, a das línguas
não indo-europeias), para uma reflexão sobre esta escritura, demandaria um outro tipo de
relação com a significação do texto. Para o especialista,

quanto mais a linguagem é transparente, menos se tem consciência dela e,


consequentemente, mais se é enganado. Porque a linguagem é tudo menos
transparente. É uma ilusão, uma ilusão construída, uma isca. Não é

33
Na verdade, parece mesmo louvável que a obra de Mallarmé, mesmo se nem sempre lida a contento ou se
raramente lida para uma compreensão mais textual do que contextual, tenha contribuído tanto para as discussões
sobre literatura, política, linguística, filosofia e, em alguma medida, antropologia. O único problema sendo, na
verdade, ter sido tratada tão mais como justificativa do que como fato em si.
34
"difficile est tout auteur qui dispose les mots de sa pensée de telle manière qu'ils rompent le cercle ordinaire du
banal et du caché, qui constitue ce que mallarmé appelle « l'universel reportage »." RANCIÈRE, Jacques.
Mallarmé: la politique de la sirène. Hachette Littératures, 1996. p. 10.
35
"Le poème ne « veut » rien dire, il dit. Il emblématise le geste de dire comme scansion d'apparition et
disparition. Il emblématise le doute même sur la nature de cette scansion". Ibid., p. 50.
36
"visibilité" e "lisibilité". MARCHAL, Bertrand. Apprendre à lire avec Mallarmé, le plus obscur des poètes.
Disponible sur : < https://theconversation.com/apprendre-a-lire-avec-mallarme-le-plus-obscur-des-poetes-55334
>. Dernier accès le 25 avr. 2016.
18
simplesmente um instrumento de comunicação. É aquilo que nos permite
produzir sentido, capacidade de significar que é própria do ser humano...37

A leitura nesse caso, ao contrário de produzir um primeiro significado imediato, como


costuma fazer não importando se o que está em jogo é um texto de jornal ou um romance,
demanda um trabalho meditativo, o qual talvez nem precise chegar – embora, em se tratando
de Mallarmé, possa muito bem fazer isso – num sentido inteligível, mas que certamente
chegará numa significação plástica, musical, sensível.

A vitalidade em refletir à propósito da obra de Mallarmé sob tais premissas mora na


ideia, proposta por Henri Meschonnic (2006), de uma concepção de ritmo ligada à experiência
de leitura, a qual não tendo exatamente relação com a questão do fônico ou do oral38,
caracteriza-se pelo "movimento da voz na escritura"39, de modo que "com ele [o ritmo], não
se ouve o som, mas o sujeito"40. Não se trata de defender uma política da leitura em
detrimento de uma política da escritura41, contudo; ainda porque, conquanto se queira escapar
ao pensamento sobre a escritura de Mallarmé, a própria presença acentuada da "visibilidade"
em sua obra coloca na mesa, de pronto, o impulso de discuti-la primordialmente, e falar numa
política da leitura, mesmo em tempos como os nossos, nos quais a figura do leitor é tão
central para os estudos literários, não parece ser, em geral, a primeira preocupação que vem à
mente quando pensamos no poeta. Mesmo assim, há certamente em Mallarmé, como reforça
Marchal, um convite direto ao leitor, pois que a significação precisa ser construída mediante

37
"plus le langage est transparent, moins on en a conscience et par conséquent, plus on en est dupe. Car le
langage est tout sauf transparent. C’est une illusion, une illusion construite, un leurre. Il n’est pas simplement un
instrument de communication. Il est ce qui nous permet de produire du sens, capacité de signifier qui est le
propre de l’humain". Ibidem.
38
Ao menos não nas acepções correntes desses termos.
39
E essa voz, naturalmente, também não tem exatamente uma acepção corrente, já que ela mobiliza muito mais
do que apenas a questão vocal ou sonora, conforme desenvolverá Roberto Zular. MESCHONNIC, Henri.
Linguagem, ritmo e vida. Tradução de Cristiano Florentino. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006. p. 43. Parece
produtivo mencionar aqui, para uma compreensão mais ampla dos problemas tratados por Meschonnic que, em
algumas das traduções de sua obra ao português, o termo "voz", do francês "parole", foi traduzido por "palavra",
como é o caso em: MESCHONNIC, Henri. Poética do traduzir. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely
Fenerich. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 63. Com esse mesmo intuito, Álvaro Faleiros, em sua leitura deste
trecho, lembrou que a tradução por "fala" é também produtiva, especialmente se tivermos em conta que
Meschonnic era um grande leitor de Benveniste.
40
MESCHONNIC, 2006, op. cit., ibidem.
41
Segundo a acusação que Roger faz a Hamel. Cf. ROGER, Thierry. « Camarade Mallarmé » : mallarmisme,
anachronisme, présentisme ». In : Acta fabula, vol. 15, n° 6, « Réinvestissement, rumeur & récriture », 2014.
Disponible sur : < http://www.fabula.org/acta/document8799.php >. Dernier accès le 30 juin 2016.
19
um profundo exercício de reflexão a respeito da linguagem, o qual engaja, naturalmente, "o
corpo vivo inteiro [...] com sua história"42.

Entendendo em Meschonnic, nesse sentido, um dos pressupostos latentes43 para a


construção de um debate a respeito da questão dessa voz, Roberto Zular colocará que o texto
não é, portanto, estanque, como gostariam aqueles que generalizam os anacronismos, mas
movente, e que sua permanência vincula-se de maneira intrínseca a um contínuo entre
instabilização e estabilidade; ele produz uma ontologia variável44 que se mantêm em
ressonância. Ou seja, seguindo esse esquema: ler um texto significaria, então, ler o ritmo das
transformações desse texto: produzir uma intersecção, um campo possível de sentido entre o
que se entende por autonomia do texto literário e o que é tido por variabilidade ontológica. E
o modo como a dimensão textual se resolveria com a dimensão histórica abre assim um
precedente para que, desde a possibilidade de estanciar uma tensão, uma enunciação se
produza45; em outras palavras, encontrar uma maneira de escapar ao tudo ou nada envolvido
no lance entre essas duas dimensões pode passar, justamente, por um lugar em que a diferença
entre elas seja produtiva, em que a leitura do texto seja também a leitura do ritmo das
transformações que o atravessam, em que o caráter performativo do texto não se perca e com
que seus modos de funcionamento não passem a operar sob a égide de uma experiência rígida.

Afinal de contas, voltando ao problema das diversas leituras que que foram sendo
propostas sobre o autor que nos concerne: Mallarmé não é o poeta da negatividade conforme
quis Valéry, embora tenha nele algo dessa negatividade; nem tampouco o poeta do idealismo,
seguindo de perto a leitura de Sartre, ainda que haja momentos da obra mallarmeana em que
um idealismo se manifeste; e muito menos o poeta comunista, se tivermos em conta o que
Jean-Pierre Faye diz dele no periódico L'Humanité (1969)46, mesmo considerando, uma vez

42
MESCHONNIC, Henri. Linguagem, ritmo e vida. Tradução de Cristiano Florentino. Belo Horizonte:
FALE/UFMG, 2006. p. 43. Mallarmé vai falar inclusive numa "dicção escrita" ("diction écrite"). Cf.
MALLARMÉ, Stéphane. Écrits sur le Livre. Établie par Henri Meschonnic. Paris : Éclat, 1998. p. 53.
43
Os outros dois relacionar-se-iam às ideias de Émile Benveniste e Paul Zumthor – respectivamente, sobre "voz
como lugar de enunciação" e sobre "vocalidade e performance" –, de certa maneira também subentendidos aqui.
Cf. BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.;
e ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2002.
44
Cf. ZULAR, Roberto. Apresentação. In: Literatura e sociedade (FFLCH/USP), vol. 19, 2014b. p. 73.
45
Sobre isso, Zular dirá ser através da voz que conseguimos conflagrar a possibilidade da existência dessa
enunciação que se produz a partir de uma tensão pois que a voz que estabelece essa "divisão paradoxal" é
também ela capaz de instaurar um limiar entre essas oposições. Cf. Id., Apresentação. In: Literatura e sociedade
(FFLCH/USP), vol. 19, 2014a. p. 76.
46
Cf. HAMEL, Jean-François. Camarade Mallarmé. Une politique de la lecture. Paris : Les Éditions de Minuit,
Coleção Paradoxe, 2014. p. 10.
20
mais, que há sim um engajamento político na obra do poeta47. A questão central aqui parece
ser, sobretudo, um reducionismo em ignorar uma dimensão frente à outra. Se de um lado
toma-se características ou momentos da obra de Mallarmé por um Mallarmé total, valendo-se
de um único aspecto da variabilidade dessa obra, de sua modernidade, para encerrá-la
completamente num tipo intransponível de leitura, numa ideologia específica, numa escola
artística localizada ou num dado momento histórico; de outro, apresenta-se um gesto de isolar
Mallarmé do mundo, de pensar sua obra apenas na medida em que seus mecanismos de
construção, em que suas dinâmicas internas ofereceriam um enorme e intrigante quebra-
cabeça sem maiores consequências. E o interessante é que todos esses projetos, se tomados de
maneira exclusiva, acabam tendo o mesmo objetivo, aliás previamente denunciado pelo
próprio poeta, como aprofundarei no capítulo seguinte: o de falar no "horror da floresta", no
"trovão mudo disperso pela folhagem", esquecendo-se – ou mesmo evitando, o que consistiria
num ato efetivamente lascivo – de mostrar o "bosque intrínseco e denso das árvores".

47
E, no que toca esse assunto, a tese de Larissa Drigo Agostinho coloca alguns pingos nos "is". Cf. DRIGO
AGOSTINHO, Larissa. Mallarmé : les plis et déplis du hasard à la recherche de l’infini : poésie, philosophie et
politique. Thèse de doctorât presentée à l'École Doctorale de Littérature Française et Comparée à l'Université
Paris-Sorbonne (Paris IV), 2015.
21
CAPÍTULO 2
NOS LAMPEJOS DA TEMPESTADE
48
UMA CARTOGRAFIA DE "CRISE DE VERS "

Em sua obra poética e crítica, Mallarmé se debruçou mais detidamente, entre outras
49
coisas , sobre os problemas da linguagem, em meio aos quais a questão do verso ocupava
espaço privilegiado. Das muitas possíveis explicações para o grande interesse que o poeta
dispensava ao verso, a mais significativa delas talvez se ligue ao fato de que, à época, a
literatura, noção então comumente associada ao verso, começava a sofrer uma crescente
perturbação em decorrência de diversos fatores, os quais terminam por alterá-la
consideravelmente. Enveredados por tal problemática, os escritos de Mallarmé dedicados ao
assunto – e, por sinal, mesmo alguns momentos de sua obra nos quais o cerne do debate não
se encontra nesta questão, mas que refletem consequências provindas daí – configuram um
lugar mais ou menos delimitado (mas nem por isso instransponível) para ser discutido o
começo e os encaminhamentos iniciais desta perturbação que acaba atingindo a forma do
verso. O processo que vinha ocorrendo ao longo do século XIX, evidenciado em meados
deste mesmo século com o esboço de desdobramentos sutis – num primeiro momento, em
seguida marcantes –, comportava uma mudança significativa nos modos como eram
compreendidas as relações entre a tradição e as novas práticas, a qual mesmo não podendo
rigorosamente ser considerada – ao menos não do ponto de vista do verso – uma ruptura, já
que não impunha o fim de uma coisa em face do início de outra, trazia uma espécie de
oxigenação a tais relações.

É nesse contexto que "Crise de vers", poema-crítico inteiramente voltado para essa
discussão, nos apresenta, através de sua construção e de seu debate, uma leitura fragmentária
do momento que a poesia – particularmente a francesa – e o verso – especialmente o
Alexandrino – enfrentavam na segunda metade daquele século: a saber, um momento em que,

48
O início desse capítulo foi escrito tendo por base as anotações de aula produzidas no decorrer da disciplina La
poésie au XIXe, dedicada ao poeta Jules Laforgue, que Bertrand Marchal ministrou na Sorbonne (Paris IV), ao
longo do segundo semestre do ano passado (2015). Antes de serem adaptados para fazer parte deste capítulo,
parte destas linhas, diferentemente dos outros capítulos do estudo aqui apresentado, estavam organizadas como
trabalho final da referida disciplina.
49
Talvez principalmente.
22
face ao grande número de revoluções políticas, artísticas e literárias em jogo 50, a literatura,
compreendida desde a antiguidade como "ficção", ou mais precisamente como "belas letras",
isto é, escrita em verso51, sofre verdadeiras reviravoltas: seu status muda. Por um lado, o
romance, que não pertence às "belas letras", vai passar o XIX inteiro tentando provar a
grandeza da prosa diante daquela do verso, de modo a promover, no final do século, uma
emancipação da prosa, seguida da inserção desta no mais alto patamar da literatura,
acarretando assim uma mudança na ideia de "literatura" e, consequentemente, uma irritação
na forma do verso. Esse mesmo romance que vai, por outro lado, acabar propagandeando o
então mundo contemporâneo, o qual implicava a ascensão do capitalismo industrial, do
espírito burguês e, nesse sentido, de um utilitarismo responsável por afastar a poesia cada vez
mais da sociedade, por fazer com que o poeta, homem ligado ao ideal, passasse a ser obrigado
a ganhar a vida como todo mundo52; somado a isso, o positivismo, ideologia em voga no
momento, sistematizará e concretizará, em conjunto com aqueles outros elementos, o divórcio
completo entre aquilo que é da ordem da razão e aquilo que não é.

Propondo então tanto um testemunho da crise como uma teoria crítica do verso – ou
bem "um diagnóstico e uma profecia"53 –, Mallarmé se coloca como espectador dessa
aventura: encontra nela um assunto de fervente curiosidade, mas opta por um distanciamento
e uma abordagem conciliadora, "quase anônima"54, a qual exalta, ao mesmo tempo, a
centralidade da tradição e o interesse da novidade. Em "Crise de vers", o poeta organizará
alguns trechos das reflexões que havia escrito durante uma dezena de anos, de modo que a
compilação desses fragmentos configure uma conjunção, aleatória à primeira vista, de seu
pensamento, em diferentes momentos, à propósito da série de acontecimentos que marca a
literatura do período. O caráter aparentemente contingente da estruturação que regra essa
escolha de trechos poderia ser, não obstante, regido por dois principais fios condutores, sendo
de uma parte o da tarefa do verso – ou seja, a tarefa da literatura, igualmente, já que nesse

50
Revolução Francesa (1789), Invenção da fotografia (por volta de 1826), Monarquia de Julho (1830), 2ª
República/2º Império e Primavera dos povos (1848), Publicação das flores do mal de Charles Baudelaire (1857),
3ª República (1870), Comuna de Paris (1871), Salon des impressionistes (1874), Morte de Victor Hugo (1885).
Um século, portanto, que conheceu inúmeras transformações em todos os campos.
51
Basta pensarmos na epopeia, no teatro clássico etc.
52
E essa é uma das razões pelas quais o jovem Mallarmé, sendo ele próprio professor de inglês, já que não vinha
de família abastada, não sentia nada além de desprezo por esse mundo que além de tudo não lhe deixava tempo
suficiente para o trabalho literário.
53
MALLARMÉ, Stéphane. "Nota de leitura". In: Crise de versos. Tradução de Pedro Eiras e Rosa Maria
Martelo. Porto: Deriva Editores, 2011. p. 39.
54
"presque anonyme". Id., « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de dés. Présentée, établie et
annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 249.
23
momento "a forma chamada verso é ela mesma a literatura"55, ou seja, já que o verso é o
melhor exemplo disso que se compreendia como "literatura" – e, de outra, o das
consequências ligadas à mudança que a crise lhe impõe.

A chegada da prosa ao mais alto nível daquilo que chamávamos "literatura" desde o
ato fundador de Platão, no qual o filósofo expulsa o poeta da cidade, isto é, no qual aquele
determina a existência de dois status de fala – o logos (ligado à mente e à razão) e o mythos
(ligado à não-racionalidade) –, provoca um desconforto ou, para falar com Mallarmé, "uma
inquietação do véu no templo e um pouco sua laceração"56, na medida em que o lugar
ocupado pelo verso, lugar do divino, da linguagem dos deuses, passa a ser também ocupado
pela prosa, linguagem dos homens, numa partilha logo transformada em gradual tomada de
poder. Dito de outra forma, os três grandes gêneros (o Épico, o Dramático e o Lírico), outrora
escritos obrigatoriamente em verso, começam, progressivamente, a serem escritos em prosa: a
posição da epopeia será habitada, em geral, pelo romance; o teatro moderno será, na maior
parte do tempo, escrito em prosa; e mesmo a poesia lírica, último refúgio do verso, vai ser,
cada vez mais, o poema em prosa. Assim, o estado de crise gerado por uma perturbação desse
grau provoca uma espécie de fratura na antiga ideia de "literatura", já que o verso perde sua
posição de exemplo suficiente desta; para além disso, tal estado infere na própria forma do
verso, posto que para sobreviver ademais do que já foi feito – em outras palavras, ademais da
tradição – o verso terá que ser reconfigurado.

Em se tratando da poesia francesa, Mallarmé percebe na morte de Victor Hugo – o


poeta paradigmático, aquele que havia praticado todos os gêneros poéticos – um atestado
dessa crise e, a partir daí, alguns de seus resultados. Com a morte do poeta, a forma do verso
conhece uma espécie de liberação:

Um leitor francês, seus hábitos interrompidos à morte de Victor Hugo, só


pode se desconcertar. Hugo, em sua tarefa misteriosa, reduziu toda prosa,
filosofia, eloquência, história ao verso, e, como ele era o verso pessoalmente,
confiscou de quem pensa, discursa ou narra, quase que o direito de se
enunciar. Monumento nesse deserto, com o silêncio distante; em uma cripta
a divindade assim de uma majestosa ideia inconsciente, a saber que a forma
chamada verso é ela mesma a literatura, que verso há tão logo se acentue a
dicção, ritmo desde que estilo. O verso, acredito, com respeito esperou que o

55
"la forme appelée vers est elle-même la littérature". Ibid., p.248.
56
"une inquiétude du voile dans le temps et un peu sa déchirure". Ibidem.
24
gigante que o identificava a sua mão tenaz e mais firme sempre de forjador,
viesse a faltar; para, ele, se romper.57

Contudo, "a necessidade de poetizar"58 continuava. E isso quer dizer que a necessidade do
tipo de agenciamento produzido pela poesia – agora em partes já dissociada da ideia de
literatura –, aquele de uma agradável mentira que escapa às determinações do "mundo real",
seguia (aliás segue) nos dizendo alguma coisa sobre nós mesmos e, em última análise, sobre a
condição humana. Dessa maneira, o problema que se colocava era, em primeiro lugar: de que
maneira, formalmente falando, essa necessidade continua? É exatamente esta a pergunta
elaborada pela pintura depois da invenção da fotografia; é também ela a grande pergunta da
poesia naquele fim de século XIX.

Como no caso da pintura, será preciso que o verso se reinvente, o que não significa,
como Mallarmé deixa claro, que o verso tradicional deverá ser esquecido em vista do novo ou
que este possa ser descreditado em face daquele; visões que, para o poeta, seriam
irresponsáveis ou mesmo ingênuas, num certo sentido. O principal produto da crise, em se
tratando da forma do verso, consiste numa espécie de interferência que acaba por liberá-lo, de
modo que um novo tipo de multiplicidade, inicialmente assinalado pela atividade59 de alguns
poetas do ciclo de Mallarmé, entre os quais Gustave Kahn e Paul Verlaine60, seria a principal
característica do que chamaríamos "verso livre", "polimorfo"61, ao menos no caso francês.
Trata-se, de fato, da multiplicidade ligada à "laceração" no "véu do templo", mas também
daquela ligada aos "jogos paralelos"62, pois que propõe diferentes tipos de intervenção na
tradição; uma multiplicidade que prevê "a dissolução do número oficial, no que se queira, ao
infinito, contanto que um prazer aí se reitere"63 – entendimento então bastante particular, se
considerarmos que, até aquele instante, as regras da poesia eram quase completamente

57
" Un lecteur français, ses habitudes interrompues à la mort de Victor Hugo, ne peut que se déconcerter. Hugo,
dans sa tâche mystérieuse, rabattit toute la prose, philosophie, éloquence, histoire au vers, et, comme il était le
vers personnellement, il confisqua chez qui pense, discourt ou narre, presque le droit à s'énoncer. Monument en
ce désert, avec le silence loin ; dans une crypte la divinité ainsi d'une majestueuse idée inconsciente, à savoir que
la forme appelée vers est simplement elle-même la littérature; que vers il y a sitôt que s'accentue la diction,
rythme dès que style. Le vers, je crois, avec respect attendit que le géant qui l'identifiait à sa main tenace et plus
ferme toujours de forgeron, vînt à manquer ; pour, lui, se rompre." Ibidem.
58
"le besoin de poétiser". Ibid., p. 249.
59
Leia-se o tipo de inferência que o verso sofreu em decorrência dessa atividade.
60
Mallarmé menciona ainda Jules Laforgue, Henri de Régnier, Jean Moréas, Francis Vielé-Griffin, Charles
Morice, Émile Verhaeren, Édouard Dujardin e Albert Mockel. Jean-Nicolas Illouz (2004) nos lembra, além
desses, um dos maiores entre eles: Arthur Rimbaud.
61
"polymorphe". MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de dés.
Présentée, établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 251.
62
"jeux à côté". Ibidem.
63
"la dissolution du nombre official, en ce qu'on veut, à l'infini, pourvu qu'un plaisir s'y réitère". Ibidem.
25
engessadas. No entanto, isso não quer dizer que a partir daquele instante o discurso poético
deixa de ser amarrado, contraído, mensurável: tornava-se muito mais livre, é verdade, mas
acima de tudo, passava a acomodar novas formas de tensão.

A estrutura do verso, sua natureza, são, por definição, tensionadas. O verso não é
linear, mas ao contrário, uma torção que volta constantemente à linha antes do fim da página;
que contrai o discurso, impondo-lhe uma distorção notadamente marcada por permutações,
inversões etc. Se assumirmos, todavia, que o objetivo central do discurso é, justamente no
contrassenso daquele do verso, comunicar, uma indagação importante a ser feita poderia ser:
para que serve, então, escrever em verso, dado que ele contradiz as regras da comunicação?
Segundo Mallarmé, o verso "filosoficamente remunera o defeito das línguas, complemento
superior"64, o que significa dizer, em alguma medida, que o verso recupera os processos de
conceitualização e de convencionalização pelos quais passaram as palavras, trazendo os
antigos significados destas à superfície e, ao mesmo tempo, revelando, precisamente em razão
da distorção que impõe ao discurso – a qual faz cair por terra a ideia de que o objetivo final
deste seja tão somente o de comunicar –, tanto novas significações possíveis às palavras
quanto um indício do caminho conceitual à ser seguido por elas. De acordo com o que expõe
Mallarmé,

o verso que de diversos vocábulos refaz uma palavra total, nova, estrangeira
à língua e como que encantatória, atinge esse isolamento da fala: negando,
num golpe soberano, o acaso deitado aos termos apesar do artifício do
ressecamento daqueles alternado entre o sentido e a sonoridade, e vos causa
essa surpresa de não ter escutado jamais tal fragmento ordinário de elocução,
ao mesmo tempo em que a reminiscência do objeto nomeado banha-se numa
nova atmosfera.65

Em suma, é questão de uma evocação da ideia de que o verso, através de sua forma
contraída, seja um dos mecanismos que nos permitem recolocar em tensão o sentido das
palavras; rememorar seu processo de conceitualização, tornando-as estrangeiras à língua na
medida em que se redescobre antigas possibilidades de significação, mas também na medida

64
"philosophiquement rémunère le défaut des langues, complèment supérieur". Ibid., p. 253. O que não é
exatamente uma utilidade, mas confere ao verso um certo interesse, entre outras coisas.
65
"Le vers qui de plusieurs vocables refait un mot total, neuf, étranger à la langue et comme incantatoire, achève
cet isolement de la parole : niant, d'un trait souverain, le hasard demeuré aux termes malgré l'artifice de leur
retrempe alternée en le sens et la sonorité, et vous cause cette surprise de n'avoir ouï jamais tel fragment
ordinaire d'élocution, en même temps que la réminiscence de l'objet nommé baigne dans une neuve atmosphère."
Ibid., 260.
26
em que se percebe possibilidades novas que ninguém havia previsto. E esse percurso poético
impregnado na própria noção de verso – em francês o que se vira vers ("em direção de")
alguma coisa, mas além disso o que vai vers ("em direção a") alguma coisa – implica tanto
uma dimensão histórica como uma filosófica da linguagem, pois que ele sinaliza e promove
um encontro de conceitos, de possibilidades, de significados; ao mesmo tempo uma divagação
à propósito da história da língua e disso no que essa língua vai/poderá se configurar.
Entretanto, quando se "descerra as contrações"66, deixando-as mais "à vontade", essas
particularidades do verso são alteradas, fazendo com que se altere também o modo como se
recupera a história conceitual das palavras e aquele como se descobre as novas trilhas a serem
abertas por elas.

Segue, ainda assim, relevante perceber que, mesmo se reformuladas, as contrações


continuam aí, e que essa "regularidade durará porque o ato poético consiste em ver de súbito
que uma ideia se fraciona num número de motivos iguais por valor e em agrupá-los; eles
rimam; por selo exterior, uma comum medida que aparenta o golpe final"67. Resumidamente,
ela vai durar porque o ato poético é uma espécie de orquestração de fragmentos equiparáveis
que se constroem mutuamente, sem que deixe de existir uma reorganização, embora aquela
pareça frequentemente a última palavra. É dizer, de outra forma, que o verso, através de suas
restrições, de sua medida, de sua contingência, recoloca a língua em tensão recuperando
noções que há muito haviam sido cristalizadas, e desloca, então, nossa relação com as
palavras, com os movimentos entre elas e com as ideias que esses movimentos mobilizam;
enquanto que a crise, responsável, no que lhe concerne, por descerrar essas contrações, pode
ser caracterizada, a um só tempo, como as próprias causa e consequência desse recolocar em
tensão. E é dessa maneira que, impulsionadas pelo conjunto de acontecimentos enfrentados
pela literatura no século XIX, tais mudança e liberação, ou ainda a instauração de um tipo, em
alguma medida inédito, de multiplicidade, chegam ao verso.

Após a promoção literária da prosa, o verso perde, num certo sentido, seu status de
"literatura por excelência" ou, em outros termos, de "melhor exemplo do que é a literatura", e
por isso sofre uma espécie de "queda"68 já que a ideia de "literatura" corrente até então deixa
de existir. A resignificação dessa ideia implica uma ampliação da noção de "verso" e é ela que

66
"desserre les contraintes". Ibid., 253.
67
"régularité durera parce que l'acte poétique consiste à voir soudain qu'une idée se fractionne en un nombre de
motifs égaux par valeur et à les grouper ; ils riment ; pour sceau extérieur, leur commune mesure qu'apparente le
coup final". Ibid., p. 254.
68
Que é, conforme quis demonstrar, a causa de sua alteração.
27
explica essa multiplicidade recém adquirida, a peripécia empreendida por esse verso, da qual
Mallarmé será ao mesmo tempo observador e teórico. Com efeito, o poeta levanta, no que
toca a perspectiva do testemunho, o problema associado à leitura que o discurso da "universal
reportagem" – isto é, o estado bruto ou imediato da fala, consagrado a narrar, ensinar e
descrever, em relação ao estado essencial da fala, do qual apenas a literatura69 faria parte –
engendra no que concerne a crise aqui em questão: uma leitura que procuraria encerrar tal
crise numa categoria, numa "Escola"70 ordenada por um pensamento exacerbadamente exato,
o qual recusaria toda sugestão, toda alusão71.

Diz respeito a um gesto de enquadrar e esvaziar – ou mesmo delimitar e dispensar72,


pra ficarmos no campo semântico mallarmeano – a enorme potência figurativa de noções
como "os monumentos", "o mar", "a face humana"73, as quais escapam a toda especificidade,
a toda cristalização. E por esse ângulo, uma interpretação interessante para o que Mallarmé
chama de "desaparição elocutória do poeta"74 poderia ser conduzida sob a ótica de uma
relutância em explicar, em engessar, em categorizar, especialmente tendo em conta que, de
acordo com ele, de nada serviria falar no "horror da floresta" ou mesmo no "trovão mudo
disperso pela folhagem", bastando para isso que se fizesse ser visto "o bosque intrínseco e
denso das árvores"75. O que, trazendo para a discussão ora travada, teria a ver com uma ideia
que não entende como produtivo o esforço de se focalizar na especificidade de uma leitura
induzida, de indicar precisões ao que acaba de se livrar de uma antiga demarcação, pois que
corre-se o risco de, fechados os olhos para o que está em volta, perder o que foi conquistado
com a crise: as modulações76 que liberam o verso da lei do número, dotando-o de poderes de
expansão e de retração extraordinários àquele momento. E isso traz à tona o fato de que
"Crise de vers", a um só tempo reflexão sobre a crise e análise da recepção desta crise, é, ele
próprio, um texto em crise – ainda que Mallarmé, através de recursos retóricos e de uma

69
Fica ambíguo, me parece, o que o poeta chama nesse ponto de "literatura", mas, como ele associa a narração
ao discurso da "universal reportagem", existe a possibilidade de que ele esteja falando apenas da poesia, e em
"poesia", nesse caso, penso que entre também a questão do poema em prosa, como, suponho, ficará claro mais
adiante.
70
"École". MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de dés. Présentée,
établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 255.
71
"alusão" e "sugestão" são, aliás, termos empregados pelo próprio Mallarmé.
72
MALLARMÉ, 2003, op. cit., p. 256.
73
"les monuments, la mer, la face humaine". Ibid., p. 255.
74
"la disparition élocutoire du poète". Ibid., p. 256.
75
"l'horreur de la forêt", "le tonnerre muet épars au feuillage", "le bois intrinsèque et dense des arbres". Ibid.,
p.255.
76
"A meu ver jorra tarde uma condição verdadeira ou a possibilidade, de se exprimir não apenas, mas de se
modular, a seu grado.", que traduzi de "Selon moi jaillit tard une condition vrai ou la possibilité, de s'exprimer
non seulement, mais de se moduler, à son gré." Ibid., p. 252.
28
sintaxe elaboradíssima, faça o leitor derrapar em diversas passagens e de várias maneiras, o
que acaba por distraí-lo deste fato.

A composição fragmentária do texto encontra as quebras da construção textual na


medida em que o poeta, para além da conjunção, meticulosamente organizada, de pequenos
excertos originários de outros textos seus, serve-se de um uso idiossincrático da pontuação e
da infração de "algumas regras básicas da língua, permitindo a queda de elementos funcionais
e rompendo com a associação entre sujeito, verbo e complemento."77 Segundo Siscar, trata-se
de um arranjo outrossim marcado pelo "risco constantemente assumido do paradoxo entre o
jorro e a concatenação, transformando frases acessórias em apostos, expressões explicativas e
palavras isoladas em termos com valor metafórico ou conceitual"78. Nas palavras de Bertrand
Marchal, haveria dois procedimentos principais envolvidos na sintaxe mallarmeana: a elipse,
como bem observa Siscar quando menciona esse escamotear da ordem sujeito-verbo-
complemento, a qual deixaria ao leitor o trabalho de restituir o laço entre os elementos,
desautomatizando a relação deste com a linguagem e fazendo com que ele retome a
consciência da referida conexão; e o "incidente"79, isto é, colocar, entre duas palavras que
normalmente teriam ligação direta, como o sujeito e o verbo, uma sequência de preposições
incidentes, o que forçaria o leitor a manter uma atenção permanente na sintaxe da frase para
então encontrar o fio da meada.

Uma tal arte de continuidade e corte80, característica fundamental da escrita de


Mallarmé, propõe, por todas as razões comentadas, que a leitura dos textos do poeta deve ser
reflexiva, que a significação deles deve ser conscientemente construída, que eles exigem um
outro tempo de leitura, marcadamente distinto daquele ao qual fomos acostumados; deixa
claro também que a dificuldade de Mallarmé, não sendo apenas formal, como a esta altura
talvez já tenha ficado claro, exige do leitor uma aceitação da proposta em jogo. Esta arte
mostra, além disso, que a crise se dilata, alcançando o texto; que "Crise de vers" é, ele
próprio, uma consequência dessa crise: uma leitura de recepção, sem dúvida, mas muito mais
do que isso – e mesmo que Mallarmé pretenda, retoricamente, talvez mesmo

77
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 97.
78
Ibidem.
79
"l'incident". MARCHAL, Bertrand. Apprendre à lire avec Mallarmé, le plus obscur des poètes. Disponible sur
: < https://theconversation.com/apprendre-a-lire-avec-mallarme-le-plus-obscur-des-poetes-55334 >. Dernier
accès le 25 avr. 2016.
80
SISCAR, op. cit., p. 97.
29
estrategicamente, nos distrair deste fato81 – um poema em prosa. Um poema-crítico,
evidentemente, mas sobretudo um poema em prosa: o trabalho complexo da sintaxe,
anteriormente comentado, revela uma organização sob medida da fala; a amarração e a
contração reiteram restrições impostas ao discurso; o esmero da eloquência e o uso da
mitologia82 ilustram uma hábil gestão dos recursos figurativos83.

Através de um percurso complexo e emaranhado, que parte de um horizonte histórico


do verso progressivamente no sentido de um horizonte filosófico da linguagem, "Crise de
vers", precisamente em acordo com a ideia de seu autor, no que concerne a "obra pura"84, faz
com que as palavras se acendam "por reflexos recíprocos como um virtual rastro de fogo
sobre pedrarias, substituindo a respiração perceptível no antigo sopro lírico ou a direção
pessoal entusiasta da frase."85 Trata-se de um texto repleto de camadas, cuidadosamente
intrincadas, intencionalmente atadas, ou ainda, deliberadamente desatadas; o que reafirma,
aliás, a evidência de que a crise ali se encontra em todo lugar. Ela é certamente o assunto
central do poema-crítico, mas parece interessante reparar que os mais diversos aspectos do
texto (construção, sintaxe, organização, lugar de enunciação, ordenação do pensamento,
temática etc.) são por esta crise contaminados. E é porque a crise de vers nos revela algo
sobre o papel do verso e, por consequência, sobre o papel da poesia – nosso indício mais

81
"testemunha dessa aventura, em que me quiseram um papel mais eficaz embora não convenha a ninguém,
dirigi-lhe, ao menos, meu fervoroso interesse; e já é tempo de falar disso, preferivelmente à distância assim
como se fosse quase anônimo" de "témoin de cette aventure, où l'on me voulut un rôle plus efficace quoiqu'il ne
convient à personne, j'y dirigeai, au moins, mon fervent intérêt ; et il se fait temps d'en parler, préférablement à
distance ainsi que se fut presque anonyme." MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ;
Un coup de dés. Présentée, établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 249.
82
E aí há todo o tipo de referência, entre as quais talvez a mais clara seja "Arcano estranho; e de intenções não
menores..." ("Arcane étrange; et d'intentions pas moindres..."), em que "arcano", no caso aqui o verso, nos
remete a operações alquímicas, aos arcanos do tarô e a outros mistérios.
83
Mesmo que a poesia de Mallarmé não esteja exatamente ligada à figuração, mas à univocidade: se Mallarmé é
moderno, não se trata de uma modernidade à Baudelaire, ou seja, de uma modernidade que se depreende do
mito, muito embora aquele faça uso deste mito. Em carta a Eugène Lefébure, 18 de fevereiro de 1865, Mallarmé
vai, por exemplo, rejeitar a oferta do amigo que lhe dizia ter conseguido uma "tragédia latina de Herodiade,
contemporânea de Shakespeare e composta por um inglês (Buchanan)" a qual poderia ajudá-lo no trabalho com
sua própria Herodiade por ser um tipo de poesia histórica no estilo Légende des siècles (Victor Hugo). Diz
Mallarmé a Lefébure: "Obrigada pelo detalhe que você me dá, sobre o assunto de Herodiade, mas não vou usar.
A mais bela página de minha obra será aquela que conterá este nome divino, Herodiade. A pouca inspiração que
tive, devo a esse nome, e acredito que se minha heroína chamasse Salomé, eu teria inventado esta palavra
sombria, e vermelha como uma granada aberta, Herodiade. De resto, me atenho a fazer dela um ser puramente
sonhado e absolutamente independente da história." Em outras palavras – nas de Marchal –, em Mallarmé, o
nome precede o mito. Cf. MALLARMÉ, Stéphane. Correspondance. Lettres sur la poésie. Édition établie et
annotée par Bertrand Marchal. Paris : Folio/Gallimard, 1995. p. 226.
84
"l'oeuvre pure". MALLARMÉ, 2003, op. cit., p. 256.
85
"L'œuvre pure implique la disparition élocutoire du poète, qui cède l'initiative aux mots, par le heurt de leur
inégalité mobilisés ; ils s'allument de reflets réciproques comme une virtuelle traînée de feux sur des pierreries,
remplaçant la respiration perceptible en l'ancien souffle lyrique ou la direction personnelle enthousiaste de la
phrase." Ibid., p. 255.
30
fascinante no tocante às problemáticas da linguagem –, que a tentativa de explorar essas
camadas, uma após a outra, revela-se uma dificuldade atraente. Continuamos a atravessar a
tessitura do texto de Mallarmé, claro como a noite, tentando cartografar alguns dos efêmeros
lampejos da tempestade.

31
CAPÍTULO 3
TRANSPOSIÇÃO – ESTRUTURA, UMA OUTRA (ILUMINAÇÃO)
ALGUMA TEORIA DA TRADUÇÃO

Em A tarefa do tradutor (2008), Benjamin propõe que a tradução, assim como o


verso, não pode ter seu papel considerado como sendo o de uma mera comunicação, por mais
elementos de comunicação que efetivamente se consiga associar a ela; trata-se de uma prática
que está longe de poder ser associada com uma equação estéril entre duas línguas86 e que,
muito pelo contrário, coloca em relação o parentesco dessas línguas de maneira produtiva,
ascendendo-se "na flama da sobrevivência da obra original e no fogo infinito do renascer das
línguas"87. Ela lida com problemas diversos daqueles enfrentados pelo verso, mas,
curiosamente, segue, como ele, a lógica de remunerar "o defeito das línguas" ou a "totalidade
das intenções a serem atingidas"88 – o sendo apenas na conjunção de uma "língua pura" ("a
suprema", diria Mallarmé), expressão material da verdade89. Por essa razão, Benjamin indica
que o tradutor teria, por tarefa,

[...] insinuar-se com amor nas mais ínfimas particularidades tanto dos
modos do 'querer dizer' original como na sua própria língua, isto de maneira
a juntá-las como se fossem cacos de um vaso, para que depois de as juntar
elas nos deixem reconhecer uma língua mais ampla que abranja a ambas.90

Concepção de tradução que nos interessa aqui justamente na medida em que reitera o que está
envolvido no ato de traduzir, o que conduzirá as análises das traduções de "Crise de vers" ao
português, a serem empreendidas no próximo capítulo: um gesto a um só tempo
interpretativo, crítico e artístico, pois não há tradução sem um ímpeto de ir mais
profundamente no que concerne as intricações do texto de partida, sem uma tentativa de
estudar criticamente as questões aí em jogo, sem um esforço de criar problemáticas inéditas à
língua de chegada, assim como de evidenciar uma outra forma de existência ao texto fonte.

86
BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: quatro traduções para o português.
Organização de Lucia Castello Branco. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. p. 31.
87
Ibid., p. 33.
88
Ibid., p. 32.
89
Cf. MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de dés. Présentée, établie et
annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003.
90
BENJAMIN, op. cit., p. 38.
32
Quase um século antes, Friedrich Schleiermacher (2007) falaria em duas diferentes
formas de traduzir, diferenciando o trabalho do tradutor daquele do intérprete. Tendo em vista
o que coloca o filósofo polonês, o primeiro se ligaria muito mais a uma comunhão dos três
aspectos anteriormente referidos, enquanto o segundo estaria antes, de certa forma,
relacionado ao problema da comunicação. O tradutor, de acordo com essa ideia, deve então
estar atento ao quanto, numa obra de partida, prevalece o "modo de ver e combinar próprio do
autor"91, ao quanto prevalece o trabalho deste no "domínio superior da arte"92, para, então,
utilizar-se de outras forças e habilidades na execução de sua tarefa; ele deve fazer ecoar93, na
tradução, a dicção desse autor. Daí falarmos frequentemente em "projetos de tradução", em ir
de encontro ao tradutor, pensando no que propõe um dos herdeiros da teoria de
Schleiermacher, Antoine Berman, em Pour une critique des traductions : John Donne (1995);
daí a razão pela qual cada tradução deve ser compreendida como uma eleição, entre
numerosas possibilidades, de um conjunto de escolhas que deve organizar de maneira
coerente a obra de partida na língua de chegada, tanto sob a lógica desta como sob a lógica
que estrutura a eleição feita pelo tradutor frente uma adoção de critérios diversos,
encarregados de destacar alguns elementos – linguísticos, temáticos, teóricos etc. – em
detrimento de outros.

Seguindo esse raciocínio, o essencial seria, portanto, reconstruir a significação da


obra num outro sistema simbólico, sugerindo uma forma de preservar no texto de chegada o
aspecto potente do texto de partida e redobrando a estranheza nativa deste "de sua estranheza
(efetivamente acrescida) na língua estrangeira"94, à luz do que teoriza o Berman de A prova
do estrangeiro (2002) – uma ideia de tradução consideravelmente mais alinhada ao que o
americano Lawrence Venuti (1998) chama estrangeirização do que daquilo que ele nomeia
domesticação, na medida em que o movimento exposto aqui percebe mais interesse nas
marcas das diferenças do que numa invisibilidade do tradutor95. Não se pode, assim, deixar à
margem o fato de que o interesse da tradução não habita somente a construção de uma
91
SCHLEIERMACHER, Friedrich. "Sobre os diferentes métodos de traduzir". In: Princípios (UFRN), v. 14, n.
21, 2007. p. 235.
92
Ibidem.
93
E aí, para deixar claro, não estou usando uma terminologia de Schleiermacher, mas tão somente tentando
ilustrar a ideia colocada em jogo pelo filósofo.
94
BERMAN, Antoine. A prova do estrangeiro: cultura e tradução na Alemanha romântica: Herder, Goethe,
Schlegel, Novalis, Humboldt, Scheleiermacher, Hölderlin. Tradução de Maria Emília Pereira Chanut. Bauru:
EDUSC, 2002. p. 224.
95
Embora Berman talvez esteja visualizando a questão um pouco mais do ponto de vista da língua, enquanto
Venuti se ligaria mais a um viés político, já que fala na diferença fundamental entre levar o leitor para o
estrangeiro e trazer a obra até o leitor. Cf. VENUTI, Lawrence. The Scandals of Translation. Towards an Ethics
of Difference. London/New York: Routledge, 1998.
33
interpretação, de uma leitura crítica, mas também a ideia de que ela não é apenas uma leitura,
e sim a própria obra, embora seja igualmente uma outra. E esse duplo aspecto da tradução, a
saber, este que faz dela, simultaneamente, a obra em si mesma e uma outra coisa, provém de
um jogo entre as noções de alteridade, de identidade e de subjetividade, pois que no fim das
contas o caminho do tradutor é aquele que parte de um universo de alteridade (o da língua
estrangeira) na direção de um universo de identidade (o da língua de origem), envolto por
uma subjetividade (a do próprio tradutor), de retorno a uma alteridade finalmente atravessada
pelos dois outros eixos dessa equação. De acordo com Siscar, a questão seria que a tradução

só pode operar no cálculo das diferenças, e não exatamente no das


identidades entre os textos; que o tradutor está sempre diante de uma
responsabilidade, ou de um desafio, não apenas diante de seus leitores, mas
também diante do texto traduzido; que seu desafio coloca em jogo o tipo de
relação que ele tem com a "verdade" (como se diz em filosofia) ou com o
"sentido" (como se diz em linguística) do texto traduzido – ou seja, com um
certo tipo de alteridade.96

O elemento de estranheza que torna a obra algo extraordinário àquele momento da


língua e do texto – e, certamente, ao momento no qual encontravam-se a língua e o texto
quando da origem da obra – duplica-se, dessa maneira, na ocasião de sua tradução97, e quando
Meschonnic nos diz, em seu Poética do traduzir (2010), que "o ritmo [...] é então a unidade
de equivalência numa poética da tradução"98, imediatamente se coloca em evidência uma
noção dialética e viva do ato de traduzir – e do próprio texto –, responsável por permitir uma
distinta aproximação à obra, um acesso a ela de outra ordem. É nesse sentido que Jean-René
Ladmiral (2014) vai propor, pensando na literalidade da tradução e no quanto esta literalidade
tem, de fato, a ver com o projeto do tradutor, uma dicotomia que circundaria o ato de traduzir:
a diferença entre uma atitude ou uma tradução sourcière, isto é, presa ao texto de partida, e
uma cibliste, ou seja, centrada no texto de chegada99. E mesmo que tal dicotomia não possa
ser tomada de maneira estrita, ela nos revela um certo interesse em pensar que esses termos
podem ser tomados como a expressão de duas tendências, sujeitas à influência de diversos

96
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 119.
97
Basta repararmos, conforme demonstrado, que o caminho do tradutor é marcado por um deslocamento de ida e
volta; duplo, portanto.
98
MESCHONNIC, Henri. Poética do traduzir. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo:
Perspectiva, 2010. p. 63. O que envolve, decerto, o problema de um certo tipo de subjetividade, conforme
desenvolvido no primeiro capítulo e retomado no parágrafo anterior.
99
Distinção que possui alguma semelhança àquela sugerida por Venuti, mas pensada muito mais segundo uma
perspectiva filosófica.
34
fatores – entre os quais o tipo de texto a ser traduzido e a época em que se traduz –, de modo
que nenhuma tradução ou tradutor são inteiramente ciblistes ou inteiramente sourciers, mas
apenas gradualmente mais próximos de uma compreensão do que de outra.

A tradução se mantém, de acordo com essa lógica, como um entre lugares. O que não
quer dizer que ela seja uma espécie de mediação inconsequente, mas justamente que ela é, por
definição, um lugar de encontro, onde o debate pode ter uma permanência, posto que,
segundo as concepções de tradução que nos ocupam, não haveria algo da ordem de um
sentido pronto, em suspensão, como um enigma que espera por ser resolvido: o sentido deve
ser construído. E o tradutor, por conta de seu métier mesmo, deve obrigatoriamente encontrar
uma maneira de ler que compreenda a leitura como construção, para que ele possa, dando
sequência a esta descoberta, cumprir sua tarefa, segundo o que propõe Benjamin. E em se
tratando de tendências, um terceiro Berman, o de A tradução e a letra ou O albergue do
longínquo (2007), num movimento de pensar a analítica da tradução e a sistemática da
deformação100, falará sobre a validade e/ou os problemas associados às soluções comumente
empregadas na tradução de prosa, isto que ele definirá como tendências deformadoras101. O
que visa Berman nessa obra, em outras palavras, é estabelecer uma série de critérios a partir
dos quais seria possível julgar a qualidade de uma tradução tendo por base uma experiência
ou uma reflexão a respeito do que foi feito pelo tradutor, da operação conduzida por ele.

O autor levantaria o problema da experiência, assaz relevante para as teorias da


tradução, pelo fato de que tal prática é, em si mesma, a experiência da obra e das línguas
associadas a ela, de modo que nem sempre as terminologias dão conta de explicar uma
determinada questão ou uma determinada atitude do tradutor frente ao texto traduzido,
embora traços de correção, acréscimo, supressão e outros tipos de modificação deste gênero,
se revestidos por uma fachada de transmissibilidade que acaba por negar sistematicamente a
estranheza da obra estrangeira, possam efetivamente ser identificados e discutidos, conforme
sinalizado e debatido por Berman na referida obra. Com uma lente de aumento apenas sobre
uma dessas tendências deformadoras, a racionalização, ou seja, a reordenação da sequência
sintática proposta na obra de partida, revela-se um dos aspectos determinantes no que toca a
profundidade dos enjeux envolvidos na tradução do texto em prosa – central para as análises
que se seguirão, já que, como visto anteriormente, "Crise de vers" é, precisamente, um poema
100
Cf. BERMAN, Antoine. A tradução e a letra, ou, O albergue do longínquo. Traduzido por Marie-Hélène
Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET, 2007.
101
Ainda que existam 13 tendências deformadoras, na análise das traduções de "Crise de vers" serão utilizadas
apenas três.
35
em prosa, e de sintaxe cuidadosamente elaborada. É diante de tal questão, mas balizada por
outros parâmetros, que no livro Escritos da Inglaterra (1988), Ana Cristina Cesar pensará,
entre vários tópicos pertinentes à tradução de poemas, o problema fundamental da
transposição rítmica102 da prosa. Para a autora, diferentemente daquela a que está sujeito o
poema – a qual mobiliza aspectos de versificação, métrica, sílabas tônicas e diversos outros
elementos –, a tradução do texto em prosa seria regida por uma outra ordem de fatores na
medida em que, neste caso, "o ritmo não é mensurável e depende diretamente da sintaxe e do
conteúdo"103.

Através de uma sintaxe deveras particular, fragmentária, como os próprios


mecanismos e temáticas que se desenrolam em meio aos desdobramentos do texto, o poema-
crítico "Crise de vers" apresenta complicações intrigantes ao tradutor visto que no abanar do
leque, do éventail de Mallarmé, ora é possível ver o mergulho das sereias a produzir espuma
na superfície do mar, ora se acredita ser a espuma um simples rastro da passagem do navio104.
Trata-se de um movimento de aparição e desaparição a se alternar ao longo da travessia
implicada na leitura consciente, reflexiva, do texto mallarmeano; um movimento que implica,
como venho reiterando, um construir da significação, e que, para o tradutor, demanda, além
disso, um jogo de escolhas sujeito a compensações, acertos, erros, tentativas, insistência e
posicionamento, tendo sempre em conta que, conforme nos lembrará Schleiermacher,

não se pode esperar facilmente que um trabalho desta índole [da índole da
tradução], por excelente que seja, consiga a aprovação geral. Diante das
muitas precauções que a que se tomar e dificuldades a vencer, tem que se
desenvolver diferentes opiniões sobre que aspectos da tarefa devem ser
postos em relevo e quais atenuados. Assim se formarão, de certo modo,
diversas escolas entre os mestres e diferentes partidos no público que os
segue; e, ainda que sempre está na base o mesmo método, poderá haver
simultaneamente diferentes traduções de uma mesma obra concebidas desde

102
E aqui, vale colocar, a noção de ritmo que está em jogo não tem nada daquela trabalhada por Meschonnic.
Isso significa que, nesse caso, podemos sim pensar nos problemas do fônico e do oral.
103
CESAR, Ana Cristina. Escritos da Inglaterra. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 97. Parece importante dizer
aqui que a autora está pensando nas traduções, ao inglês, de um texto específico: Memórias de Brás Cubas, um
dos romances fundamentais de Machado de Assis.
104
A imagem vem, é claro, da primeira estrofe de "Salut": "Rien, cette écume, vierge vers/À désigner que la
coupe;/Telle loin se noie un troupe/De sirènes maintes à l'envers". Cf. MALLARMÉ, Stéphane. Poésies. Préface
d'Yves Bonnefoy. Édition établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 1992. O problema do
éventail é, por outro lado, desenvolvido por Rancière, embora a temática seja bastante valiosa para Mallarmé;
seria suficiente nos lembrarmos dos "Éventail" de Madame Mallarmé e de Mademoiselle Mallarmé. Cf.
RANCIÈRE, Jacques. Mallarmé: la politique de la sirène. Hachette Littératures, 1996.
36
pontos de vista diferentes, das quais nem sequer poderia se dizer que uma
seja no conjunto superior ou menos perfeita, senão que apenas algumas
partes estarão melhor realizadas em uma e outras partes na outra, e
unicamente todas juntas e relacionadas entre si, ao fazer uma mais apoio
nesta e outra em noutra a aproximação à língua original, cumprirão de todo a
tarefa, pois, cada uma por si mesma nunca terá mais que um valor
condicionado e subjetivo.105

E é assim, seguindo a lógica do conjunto, que as traduções do "Crise de vers" em


português iluminar-se-ão reciprocamente, concedendo-nos novas aparições e desaparições da
matéria de que é feito o poema-crítico – e, em alguma medida, o pensamento de Mallarmé.

105
SCHLEIERMACHER, Friedrich. "Sobre os diferentes métodos de traduzir". In: Princípios (UFRN), v. 14, n.
21, 2007. p. 252.
37
CAPÍTULO 4
ALGUNS VISLUMBRES DAS CONSTELAÇÕES
AS TRADUÇÕES DE "CRISE DE VERS "

Considerada a proximidade entre os anos de publicação, as traduções de


Faleiros/Carreira (2007), Alencar (2008), Scheibe (2010), Abes (2010) e Eiras/Martelo (2011)
apresentam maneiras de ler Mallarmé muito diferentes entre si, indicadas desde as próprias
escolhas lexicais feitas por cada autor até o modo como cada um lida com as dificuldades
entranhadas na prosa do poeta francês, a qual, como nos lembra Dirceu Villa em estudo
inédito, reflete "a exigência de sua técnica [que] se combinava de modo indissociável a uma
profunda elaboração mística do discurso, e é assim que o próprio Mallarmé falava de si como
syntaxier, ou poeta de virtude sintática"106. Mas as divergências vão além: em cada uma
dessas traduções são explorados vários aspectos do poeta – e, certamente, do poema sobre o
qual se trabalha –, sem que uma solução necessariamente contradiga a outra, ou, mesmo que
às vezes acabe por contradizer, a diferença produzida antes reforça o projeto do que o arruína.
Olhando um projeto sob a luz de outros – e os outros sob a luz de um, na vasta gama de
configurações possíveis à qual uma leitura comparada entre cinco projetos tradutórios dá
abertura – é possível verificar não apenas diferentes mallarmés como também mais de um
mallarmé ou mais de um problema mallarmeano habitando um mesmo projeto, e a leitura de
diferentes "Crise de vers" e dos complexos jogos internos a cada uma dessas versões em
conjunto possibilita um acesso ainda inédito a este texto do poeta, um acesso rico pois que
nos proporciona visão mais ampla da concatenação de estratégias costuradas pelo poeta,
sejam estas formais, retóricas, temáticas ou outras.

Num primeiro contato com a tradução inaugural do poema-crítico ao português, logo


após passar pela cabeça um inicial "não estou entendendo nada" digno de Edgar Degas107 – ou
de primeira leitura em texto de Mallarmé –, tem-se uma espécie de reconhecimento em
relação a alguns momentos do texto no que diz respeito às soluções lexicais apresentadas. É o
caso do termo "verroterie", extraído da sentença "mainte ouvrage, sous la verroterie du rideau,
alignera sa propre scintillation" do poeta, o qual estes dois tradutores curiosamente transpõem

106
Há aqui certa dificuldade em citar esse texto de Villa, posto que ainda sem publicação formal, meu acesso a
ele tendo sido gentilmente concedido pelo próprio autor. Tratam-se, entretanto, de considerações bastante úteis e,
de forma geral, muito caras a esta pesquisa, de modo que pareceu relevante citá-las, mesmo em vista desses
detalhes.
107
Ver nota 26.
38
em "miçanga" enquanto os cinco demais preferem "vidrilho". O reconhecimento, dado aqui
pelo fato de que o termo "miçanga" está intimamente arraigado à língua portuguesa e à cultura
popular108, tendo inclusive origens no quimbundo (língua falada em Angola), logo se vê,
entretanto, substituído por um certo estranhamento, já que parece no mínimo peculiar
imaginar tal tipo de vocabulário no texto de um francês do século XIX, especialmente de um
Mallarmé. A domesticação – para me valer da terminologia de Venuti109 – que se verifica
aqui, ainda que não se mostre como um grande problema, tendo em vista que configura uma
tendência comum entre traduções inaugurais, aproxima o poema estrangeiro à cultura do
leitor, buscando a familiarização deste a um determinado tipo de texto e, por consequência, a
um tipo específico de produção de sentido, ainda inéditos em sua língua.

Embora essa tendência se manifeste com certa regularidade110, é interessante


perceber que ela vem também acompanhada de soluções mais estrangeirizadoras111, e
algumas vezes inclusive mais poéticas, se comparadas às dos outros tradutores, como
acontece no trecho "l'éffilé de multicolores perles qui plaque la pluie", para o qual
Faleiros/Carreira sugerem "o afilado de multicoloridas pérolas que a chuva aplica",
utilizando-se do interessante termo "aplica" para sugerir a ação da chuva, de modo a repropor,
com algum refinamento, os dois jogos sonoros apresentados por Mallarmé, mesmo se através
de um esquema de compensações; a repetição da bilabial muda "p" lembra o barulho dos
pingos de chuva batendo e a rima toante "idas/ica" se assemelha visualmente a algo que de
certa forma cintila, a exemplo dos vidrilhos da cortina. Para esse excerto, Alencar propõe
"multicolor de pérolas que imprime a chuva", Scheibe lança "multicolores pérolas que a
chuva folheia", Abes, "multicolores pérolas que emplaca a chuva", enquanto Eiras/Martelo,
"pérolas multicolores que vela a chuva", de modo que nenhuma destas soluções consegue,
como a primeira, reproduzir a um só tempo os dois efeitos propostos pelo poeta. A tradução
de Faleiros/Carreira, tendo sido proposta num primeiro momento como exercício acadêmico,
traz notas que possuem referências históricas para algumas das construções de Mallarmé,
assim como outras que propõem leituras alternativas para alguns trechos, como quando os

108
Brasileira, mas portuguesa também, posto que muito provavelmente foi trazido pelos negros traficados ao
longo do período de colonização.
109
Cf. VENUTI, Lawrence. The Scandals of Translation. Towards an Ethics of Difference. London/New York:
Routledge, 1998.
110
Um outro caso aparece na transposição do trecho no qual o poeta diz "Témoin de cette aventure, où l'on me
voulut un rôle plus efficace", em que "efficace" poderia ter sido simplesmente "eficaz" e os tradutores optaram
por "determinante", mais próximo de uma compreensão em português.
111
E digo isso entendendo que na terminologia de Venuti, como na de Ladmiral, não há uma tradução
completamente domesticadora e nem uma completamente estrangeirizadora, e sim traduções que são mais uma
coisa do que outra, não deixando, entretanto, de ser um pouco das duas.
39
tradutores comentam: "'on regardera à le faire...' ambiguidade do on sugere que este alguém
seja o próprio Mallarmé, ou não."112 O movimento aqui, bastante distinto daquele proposto
pelos outros tradutores, procura antes estudar as dinâmicas contextuais e linguísticas do texto,
e parece digno de nota que, talvez justamente por comporem uma tradução inaugural, as
soluções de Faleiros/Carreira emitam reflexos, de tipos variados, em todas as outras
traduções, o que faz com que mesmo havendo projetos realmente distintos entre si, como os
de Alencar e Scheibe, que raríssimas vezes fazem opção por soluções parecidas, quase sempre
se relacionando por oposição, diferentes soluções dos primeiros tradutores podem ser
encontradas em ambos.

Um bom exemplo disso parece ser o fato de que, considerada a ligação próxima que
a tradução de Scheibe teria com a de Faleiros/Carreira, a de Alencar ainda assim dividiria
soluções com estes, como podemos ver em "une après l'autre après-midi", que a tradutora,
como Faleiros/Carreira, traduz por "uma tarde após a outra", ao passo que Scheibe, em outro
sentido, sugere "uma após outra tarde". E esse é, aliás, marcadamente o primeiro momento em
que nos é dado perceber na tradução de Alencar uma compreensão muito particular do modo
como a sintaxe mallarmeana poderia abraçar a língua portuguesa; o que, à propósito, termina
por resultar, muitas vezes, em construções radicalmente diferentes das propostas pelos outros
tradutores, caso do trecho "que vers il y a sitôt que s'accentue la diction, rythme dès que
style", que Alencar traduz por "de que há verso tão logo acentuada a dicção, ritmo tão logo
estilo", enquanto Faleiros/Carreira opta por "que verso há tão logo se acentue a dicção, ritmo
desde que estilo", Scheibe por "que verso há tão logo se acentua a dicção, ritmo desde que
estilo" e Abes por "que verso há tão logo se acentua a dicção, ritmo tão logo estilo"113. A
proposta de Alencar, nesse caso, se realiza através do processo de racionalização
mencionado no capítulo anterior, "recompondo as frases e sequências de frases de maneira a
arrumá-las conforme uma certa ideia da ordem de um discurso"114, o que conduziria a

112
MALLARMÉ, Stéphane. "Crise de verso". Tradução e notas de Álvaro Faleiros e Luiz Carreira. 2007.
Disponível em: <disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/7111/mod.../1/crise%20de%20verso.doc>. Último acesso
em 2 de jun. 2016..
113
A escolha de Eiras/Martelo para o referido trecho – assim como um número considerável de outras escolhas
ao longo desta tradução –, ecoa, em alguns aspectos, a de Alencar. É certo que o movimento que farão tomará,
em muitas medidas, uma outra orientação, como ficará claro mais adiante neste mesmo capítulo, mas o fato é
que soluções como a do referido trecho, para o qual os tradutores portugueses vão propor "que há verso assim
que se acentua a dicção, ritmo assim que o estilo", revelam uma dívida incontornável para com o texto da
brasileira.
114
BERMAN, Antoine. A tradução e a letra, ou, O albergue do longínquo. Traduzido por Marie-Hélène
Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET, 2007. p. 48. Segundo Berman,
essas tendências deformadoras que aparecem em toda a tradução impedem que as traduções atinjam seus
verdadeiros objetivos.
40
arborescência do texto de partida a uma linearidade que lhe seria pouco familiar – isso sem
mencionar a inferência incisiva no ritmo do texto mallarmeano, aspecto que, segundo Ana
Cristina, estaria diretamente ligado a reordenações sintáticas produzidas no texto de
chegada115.

Um outro exemplo desse movimento pode ser encontrado quando nos deparamos
com o trecho

Le besoin de poétiser, par opposition à des circonstances variées, fait,


maintenant, après un des orgiaques excès périodiques de presque un siècle
comparable à l'unique Renaissance, ou le tour s'imposant de l'ombre et du
refroidissement, pas du tout ! que l'éclat diffère, continue

traduzido por Alencar como

Agora, após um desses orgíacos excessos periódicos de quase um século


comparável ao único Renascimento, ou o retorno que impõe a sombra e o
arrefecimento, a necessidade de poetizar, por oposição a circunstâncias
variadas, faz com que nada o resplendor difira, continua

por Faleiros/Carreira,

A necessidade de poetizar, por ocasião a circunstâncias variadas, faz,


agora, após um dos orgíacos excessos periódicos de quase um século
comparado à única Renascença, ou o giro impondo-se da sombra e do
resfriamento, de modo algum! Que o esplendor difira, continue

por Scheibe,

A necessidade de poetizar, por oposição a circunstâncias variadas, faz,


agora, após um dos orgíacos excessos periódicos de quase um século,
comparável à única Renascença, ou a vez se impondo da sombra e do
resfriamento, de modo algum! que o brilho difere, continua

por Abes,

A necessidade de poetizar, por oposição a circunstâncias variadas, faz,


hoje, após um dos orgíacos excessos periódicos de quase um século

115
CESAR, Ana Cristina. Escritos da Inglaterra. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 97.
41
comparável ao único Renascimento, em que o tour se impondo da sombra e
do esfriamento, de forma alguma! que o resplendor difere, continue

e por Eiras/Martelo,

A necessidade de poetizar, por oposição a várias circunstâncias, leva a


que, agora, após um período de excessos orgíacos de quase cem anos,
somente comparável à Renascença, e após a dobra que se impõe de sombra e
arrefecimento, de maneira nenhuma o fulgor se desvie, mas antes continue

A ordem elaborada por Alencar, nesse caso, além de comprometer a arborescência do excerto,
atribui destaque a um elemento que, no texto de partida, aparece mais como mediador: ora, se
a ênfase do trecho parece estar na relevância que o então novo momento da necessidade de
poetizar teria em relação à tradição desta necessidade, em outras palavras, no fato de que o
momento então atual não deixaria nada a desejar para a tradição ("pas du tout ! que l'éclat
diffère, continue"), a ênfase dada por Alencar parece estar, ao contrário, justamente no realce
da tradição em relação ao novo momento. Pode-se dizer que a solução sugerida pela tradutora,
ao reordenar os períodos do referido trecho, aponta para uma argumentação menos
conciliadora do que aquela adotada por Mallarmé.

Não obstante, na tradução de Alencar podem ser encontradas, também, escolhas


lexicais que, apesar de parecerem ter um eco, ainda que já bastante distante, das leituras dos
concretos, não seguem exatamente essa busca por "recursos expressivos e soluções 'válidas'
em português", a qual Faleiros (2013), no texto introdutório para a mais recente tradução de
"Un coup de dés jamais n'abolira le hasard"116, também realizada por ele, descreve como
prática corrente dessa poética do traduzir, mas precisamente uma busca por soluções que em
alguma medida se alinham à tradição de leitura desse texto117. Um bom exemplo disso
encontra-se logo no início do texto, no uso que Mallarmé faz do termo "brochures", que
Alencar traduzirá para "opúsculos", enquanto os outros seis tradutores preferirão "brochuras".
O afastamento que o texto de Alencar produz em relação ao de Mallarmé, em decorrência da
racionalização sintática e do enobrecimento118 lexical, apresenta-se, entretanto, de forma
coesa ao longo de todo o projeto: a sintaxe e o léxico, apesar de não se alinharem estritamente
ao texto mallarmeano, parecem ter influência desse tom que Alencar, em sua "nota do
116
Cf. MALLARMÉ, Stéphane. Um lance de dados. Introdução, organização e tradução por Álvaro Faleiros.
Cotia: Ateliê Editorial, 2013.
117
Retomando: uma tradição que muitas vezes trata o poeta tomando por base o problema do "hermetismo" ao
qual ele foi associado.
118
Outra tendência deformadora das quais fala Berman.
42
tradutor", diz ser "toda uma entonação do registro falado nesse texto tão trabalhado"119.
Características como essas, que parecem brincar com o tom de "conferência" – que, aliás,
grande parte dos fragmentos de fato possui120 –, trazem à tona não só a crise do verso como
crise de um modo de articulação, mas a crise em que então se encontravam as próprias
relações público-privadas, com a questão operária, a onda anarquista, o anti-clericalismo121, e
a concretização do afastamento imposto à poesia em relação a sua participação na vida
política da sociedade, atestada pela morte do poeta e homem político que fora Victor Hugo;
adversidades que não estavam fechadas em si mesmas, sem gerarem consequências para a
linguagem e sem serem atingidas por uma crise na linguagem. Em suma, o texto de Alencar
parece então convergir, justamente, mais para as implicações de uma crise do verso enquanto
consequência de algumas mudanças na ordem social da época.

Em comparação com a tradução de Alencar, a de Scheibe constrói-se de maneira


muito mais alinhada ao texto de Mallarmé, incorrendo, por vezes, num alinhamento até
extremo, que acarretaria a ocorrência de ruídos produzidos no texto de chegada, de modo a
lhe dar um ar pouco natural que de maneira nenhuma se ligaria ao "registro falado" do qual
trata Alencar. Exemplificando: no trecho inicial do texto, quando Mallarmé diz "tout à l'heure,
en abandon de geste, avec la lassitude que cause le mauvais temps désespérant une après
l'autre après-midi, je fis retomber, sans une curiosité mais ce lui semble avoir lu tout voici
vingt ans...", Scheibe propõe, para a parte final, a solução "mas parece-lhe ter lido tudo eis já
vinte anos...", enquanto Faleiros/Carreira escreve "mas como se houvesse lido tudo há vinte
anos", Alencar propõe "mas como se houvesse lido tudo há vinte anos...", Abes, por sua vez,
"mas parece ter lido tudo há vinte anos", Eiras/Martelo, por fim, "e com a sensação de já ter
lido tudo há vinte anos". O estranhamento causado pelo pronome oblíquo "lhe" – que, em
português, indica a presença de uma terceira pessoa –, diz respeito ao fato de que o uso da
terceira pessoa do singular, no francês, configura muitas vezes apenas uma não manifestação
de sujeito, e não propriamente a existência de uma terceira pessoa: diferentemente do
português, o francês, como o inglês, requisita a presença do sujeito mesmo para frases como
"il pleut", que em português seria simplesmente "chove". Um outro exemplo desse problema

119
MALLARMÉ, Stéphane. "Crise do verso". Tradução e notas de Ana Alencar. In: Inimigo Rumor, n.20. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2008. p. 163. Talvez essa influência inclusive se reafirme se pensarmos que a tradutora pode
ter se valido dos preciosismos para tentar fazer o texto soar dezenovista – o que embora seja uma possibilidade,
mais parece reiterar um certo estranhamento para com o texto em português no século XXI.
120
Alguns dos fragmentos que compõem "Crise de vers" foram efetivamente apresentados por Mallarmé em
conferências nas universidades de Oxford e de Cambridge.
121
MALLARMÉ, 2008, op. cit., ibidem.
43
pode ser observado em "témoin de cette aventure, où l'on me voulut un rôle plus efficace
quoiqu'il ne convient à personne...", que Scheibe traduz para "testemunha dessa aventura,
em que me quiseram um papel mais eficaz ainda que ele não convenha a ninguém...",
Faleiros/Carreira para "testemunha desta aventura, na qual quiseram-me dar um papel mais
determinante, ainda que não convenha a ninguém...", Alencar para "testemunha de tal
aventura, em que me quiseram um papel mais eficaz, embora não coubesse a mais
ninguém...", Abes para "testemunha desta aventura, em que me quiseram um papel mais
eficiente se bem que não convenha a ninguém..." e Eiras/Martelo para "testemunha desta
aventura, em que me atribuíram um papel mais decisivo do que convém, ou do que conviria
a qualquer autor".

Num outro sentido, o teor dessa preocupação com a similaridade em relação ao texto
de partida também provoca estranhamento nos momentos em que, havendo uma palavra como
"voler", que em francês pode significar tanto "voar" como "roubar", Scheibe preocupa-se em
costurar, em meio ao texto, as duas opções, sem menção de optar por uma ou por outra, como
indica o trecho "[...] et statue du moindre effort pour simuler la versification, à la manière des
codes selon quoi s'abstenir de voler est la condition par exemple de droiture", de Mallarmé,
que Scheibe vai transpor em "[...] e estatui o menor esforço para simular a versificação, à
maneira dos códigos segundo os quais se abster de roubar/voar é a condição por exemplo de
retidão". Ainda que num primeiro momento essa necessidade de tudo dizer pareça atropelar –
e, em última análise, acabe atropelando – a economia do texto, há certo interesse em pensar
que ela está afinada ao projeto tradutório de Scheibe, haja vista sua compreensão de que as
palavras do texto mallarmeano "nos intimam a devir, bem mais do que nos incitam a
compreender"122, conforme a epígrafe de Paul Valéry, que introduz o texto de apresentação de
Divagações. Com uma proposição como esta, Scheibe parece pretender um pensamento que
dá margem a uma leitura talvez mais filosófica acerca da produção do poeta, compreendendo,
como Siscar, que o texto não trata somente de uma crise do verso enquanto forma, mas
também da evidência, em meio à busca de um pensamento sobre as possibilidades políticas da
poesia no nosso tempo123, de que esta crise se estabelece como manifestação não somente de
um contexto, mas de um discurso (de um projeto e de uma retórica) da época moderna124.

122
MALLARMÉ, Stéphane. Divagações. Tradução e apresentação de Fernando Scheibe. Florianópolis: Editora
da UFSC, 2010. p. 9.
123
Ibid., p. 10.
124
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 112.
44
Partindo de um pressuposto parecido com o de Scheibe no que toca esse "devir"125,
mas utilizando-se de mecanismos outros, Abes também se preocupa com a polissemia de
alguns dos termos utilizados por Mallarmé, e a despeito da crítica que faz a Alencar, muito se
vale deste projeto e daquele de Faleiros/Carreira para entrançar os arranjos de seu "Crise de
verso". Para Abes, os elementos da escrita mallarmeana desvelar-se-iam nas entrelinhas do
texto, "como símbolos que formam a tessitura invisível e impenetrável do enigma", o qual
seria o cerne das escolhas do tradutor, mesmo se a noção de "enigma" por ele trabalhada
encontra-se, ao longo de seu texto teórico, muito mais ligada ao problema do "mistério", ou
seja, daquilo que não se revela, do que ao do "enigma", o qual seria, em última instância,
criado com o intuito de um dia ser resolvido; trata-se de um problema conflitante, pois que a
terminologia confunde, num primeiro momento, a cabeça do leitor. Contudo, quando nos
damos conta de que o tradutor está, na realidade, se utilizando de uma terminologia de
Blanchot, teórico que associaria a questão do "enigma" a um vazio, a uma falta, a um "espaço
vacante que é o objeto e a criação própria da linguagem"126, fica um pouco mais clara a linha
que Abes está seguindo e, para além disso, o pressuposto teórico ao qual ele imediatamente se
associa: exatamenteum mais valéryano, seguindo a esteira de Scheibe. A operação do tradutor
nesse terceiro projeto que circunda o texto do poeta francês, leva a compreensão da tradução
como gesto crítico a um limite, chocando-se com as premissas previamente estabelecidas para
o próprio projeto: muitas vezes as soluções não se resolvem unicamente no enlaçar do texto
poético, fazendo com que a polissemia precise ser transmitida através de uma nota de rodapé,
como na passagem em que Mallarmé escreve "la littérature ici subit une exquise crise,
fondamentale", que Abes resolve com "a literatura aqui sofre uma requintada crise,
fundamental", explicando, ao pé da página, que

o adjetivo "exquis" significa, ao mesmo tempo, delicioso, raro, sutil. Houve


grande dificuldade em se encontrar termo equivalente. Escolhemos, então, o
termo "requintada", por parecer abarcar sentidos próximos ao adjetivo em
francês.127

A solução empregada, no caso, resolveria por si só o problema de "exquise" –


revelando uma das possibilidades mais convincentes para a expressão, ao lado do "refinada"
125
Que Abes, pensando um pouco mais no próprio Mallarmé, chamará "sugestão". Cf. ABES, Gilles. "Uma
tradução de 'Crise de verso' de Mallarmé: a ótica do enigma como símbolo do texto literário". In: TradTerm, 16,
2010. p. 152. Qualquer que seja a nomenclatura empregada ou a ênfase dada para discutir esse procedimento,
não parece exagero propor que ele poderia estar, num primeiro momento, ligado à noção de "símbolo", de onde
deriva o nome do movimento estético em que Mallarmé tem sido inserido através dos anos e do qual teria sido
mestre.
126
Ibid., p. 153 (apud BLANCHOT, M. La part du feu. Paris : Gallimard, 2003. p. 46-48).
127
Ibid., p. 165.
45
de Alencar, em contraponto às soluções menos convincentes de Faleiros/Carreira
("extraordinária"), de Scheibe ("esquisita") e de Eiras/Martelo ("preciosa") –, e quando Abes
decide, ademais dela, acrescentar uma nota de rodapé, ele minimiza imediatamente sua
explicação sobre o "mistério" dos termos mallarmeanos, numa valorização da nomenclatura
"enigma" relacionada a essa explicação, já que acaba por exaurir toda a sugestão da solução
preterida, realizando com isso o próprio destino do enigma. Cabe colocar que, de certa forma
– e malgrado algumas de suas críticas a Alencar irem exatamente nesse sentido – o
movimento aí caminha justo na direção de um esclarecimento do texto mallarmeano, pois, em
vez de deixar o trabalho da ambiguidade para o significante, dissolve-o, antes, em
possibilidades, aliviando um mecanismo de funcionamento próprio do texto de Mallarmé, a
saber, uma espécie de significação tensa, potencial. O tradutor trabalha aí, como indicado,
justo no sentido inverso a um dos pressupostos de sua tentativa, muito embora a contradição,
neste caso, não pareça se apresentar como grande impeditivo, isto porque o próprio Abes, em
certo momento de seu ensaio, menciona fazer opção pelo rodapé "por mais que Umberto Eco
veja nisso uma prova de fracasso da parte do tradutor."128 Com efeito, localizando-se muito
mais próximo de um trabalho ligado à pesquisa teórica, a um pensamento sobre possíveis
maneiras de traduzir que possam estar em consonância com um texto de Mallarmé, a
empreitada percorrida por Abes dá margem a práticas mais elucidativas; ela conflagra os dois
primeiros projetos, reverenciando criticamente o interesse de suas escolhas e visitando, de sua
parte, outra trilha viável rumo ao seu próprio lugar, junto às demais, na criação de uma
coreografia possível para pensar-encenar esse texto.

O trabalho de Eiras/Martelo, na contramão do que propõe o de Abes129, parece


centrar as preocupações na própria discussão do "Crise de vers", o que por vezes dá à
tradução um caráter talvez mais ilustrativo, fazendo com que ela fique, muitas vezes, à beira
de um gesto que deslinda o texto130. Pode se dizer que Abes e Scheibe, por estarem mais
presos ao texto fonte, acabam por destrinchá-lo na tradução, pois que, em alguns momentos,
empenham-se em replicar nela as diversas possibilidades para um ou outro elementos
específicos; o tipo de esclarecimento que acontece em Eiras/Martelo, por outro lado,
relaciona-se, antes, com a maneira como Alencar racionaliza algumas sentenças

128
Ibid., p. 162.
129
Apesar disso, os portugueses não deixam de comentar criticamente o percurso de produção envolvido no
projeto, conforme demonstra a "Nota de leitura" apresentada ao fim da publicação.
130
Mesmo que de uma forma bastante diferente do modo como isso acontece na tradução de Scheibe, conforme
expus anteriormente.
46
mallarmeanas, desfazendo-lhes a arborescência com o intuito de quebrar um pouco o possível
efeito canhestro que uma tradução mais sourcière causaria – com a diferença que
Eiras/Martelo, numa operação diversa da de Alencar, desfazem as árvores sintáticas
reconstruindo-as numa espécie de reconfiguração que permite ao texto uma construção
depreendida da lógica do português, a qual, entretanto, consegue conservar, em alguma
medida, a dicção mallarmeana131, ou, nas palavras de Schleiermacher, consegue transmitir

o que ao leitor sensível da obra original impressiona nesse aspecto como


característico, intencionado e eficaz quanto ao tom e à disposição de ânimo,
e como decisivo para o acompanhamento rítmico ou musical do discurso132

Num período como "accordez que la poésie française, en raison de la primauté dans
l'enchantement donné à la rime, pendant l'évolution jusqu'à nous, s'atteste intermitente", por
exemplo, para o qual Eiras/Martelo propõem uma inversão sintática simples, como pode-se
perceber em "concedei que a poesia francesa, por ter conferido à rima a primazia no poder
de encantamento, na sua evolução até nós, se mostra intermitente", a alteração não apresenta
uma mudança brusca em relação ao modo de articulação do texto mallarmeano; lapida-o,
antes, para que melhor funcione em português.

Um outro ponto de encontro da tradução dos portugueses com a de Alencar dá-se nos
problemas – pontuais lá, aqui frequentes – relacionados à questão do léxico escolhido. O uso
que Alencar faz de hermetismos estranhos ao texto mallarmeano, do mesmo modo que as
alterações sintáticas por ela protagonizadas, fazem também parte desse projeto mais cibliste
com o qual a tradução de Eiras/Martelo, conforme demonstrei, tem algumas convergências.
Contudo, é preciso observar que as alterações lexicais empreendidas na tradução portuguesa
ganham em interesse por não serem, de maneira alguma, herméticas – exceto, é claro, para um
leitor brasileiro, o qual provavelmente acharia minimamente inesperada a presença de
palavras como "pejado" ao invés de "maduro", para traduzir "mûr", ou mesmo "carreou" em
lugar de "carregou" (Alencar), "acuou" (Scheibe), "levou" (Abes), para "rabattit". Poder-se-ia
conferir destaque, por exemplo, a um trecho como "je dirai que la réminiscence du vers strict
hante ces jeux à côté et leur confère un profit", que Alencar vai transpor em "direi que a
reminiscência do verso estrito é o fantasma desses jogos oblíquos e lhes confere um proveito"

131
E aqui, quando me refiro a uma "dicção mallarmeana", quero dizer que, ainda que as estruturas do texto de
partida sejam remontadas para que façam sentido em português, o texto não parece perder ecos da construção
que Mallarmé propõe.
132
SCHLEIERMACHER, Friedrich. "Sobre os diferentes métodos de traduzir". In: Princípios (UFRN), v. 14, n.
21, 2007. p. 248.
47
e Eiras/Martelo em "acrescentarei que a reminiscência do verso estrito assombra estes jogos
marginais e lhes confere um valor suplementar", no qual "oblíquos" não apenas hermetiza "à
côté", como confere ao termo uma interpretação muito mais a fundo do que aquela de
antemão prevista pela prática da tradução, enquanto que "marginais", por sua vez, não traduz
propriamente "à côté", mas funciona bem já que expressa um pouco de seu interesse sem, no
entanto, entregar uma leitura muito restrita da expressão. Uma outra opção satisfatória133
também teria sido "jogos paralelos", a qual transporia bem a ideia de "à côté" sem no entanto
entregar o jogo.

É certo que há momentos nos quais a tradução portuguesa, seguindo essa lógica de
fazer o texto funcionar em português, derrapa em demonstrações excessivas, através de
soluções que em muito alongam aquelas propostas pelo texto de partida134, mas em linhas
gerais, os tradutores parecem se sair bem no jogo das compensações e, o que é louvável,
reconhecem que nem sempre conseguiram evitar que os deslizes ocorressem: "em alguns
momentos, para manter certas sugestões, era forçoso abdicar de outras"135. É inclusive nesse
sentido que a nota final apresentada ao leitor – "nota de leitura", vale lembrar – faz juz ao
título, mostrando que uma leitura fina do texto mallarmeano foi parte fundamental para a
elaboração do próprio matiz presente no quadro de soluções ali apresentadas: revela-se o
caráter profético e teorizador do poema-crítico, seu formato fratural, fragmentário – no qual se
reflete a própria ideia de crise –, o diagnóstico preciso do momento pelo qual passava a então
poesia moderna. Não somente: há nessa tradução ressonâncias da ligação, sugerida por
Marcos Siscar, entre a ideia de "crise de versos" e a de "crise de nervos"136, indicando que
aqui "não existe apenas uma crise dos versos: o próprio verso é crise; e, assim, ele expõe a
produtividade da crise enquanto experiência de limites situada na linguagem"137, em curioso
contraponto ao título de Alencar, mais ligado à questão da forma do verso, à tradição de
leitura desse texto.

Conforme lembra Faleiros, Meschonnic considera que uma boa tradução é aquela
que "em relação com a poética do texto inventa sua própria poética e que substitui as soluções

133
Utilizada no desenrolar deste trabalho.
134
Caberia, aqui, falar na deformação bermaniana conhecida como alongamento. BERMAN, Antoine. A
tradução e a letra, ou, O albergue do longínquo. Traduzido por Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e
Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET, 2007. p. 51.
135
MALLARMÉ, Stéphane. Crise de versos. Tradução de Pedro Eiras e Rosa Maria Martelo. Porto: Deriva
Editores, 2011. p. 48.
136
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 107.
137
Ibid., p. 45.
48
da língua pelos problemas do discurso, até inventar um novo problema como a obra
inventa"138; e é precisamente este o movimento em evidência na ocasião da publicação das
traduções que, num interstício de mais ou menos meia década, acrescentaram mais lenha à
fogueira do já crescente interesse pela obra de Mallarmé. Floresce, dessas versões do "Crise
de vers", um debate engendrado por conversas caras à recepção da obra mallarmeana, à
historicidade das traduções dessa obra ao português, à prática brasileira da retradução e até
mesmo ao projeto autoral de Mallarmé, em conjunto com as consequências de pensar no que
significa, hoje, reler a obra do poeta, isto porque, como coloca Villa, "parte da ideia de jogo é
o poder remontar-se a cada nova jogada, e Mallarmé estava perfeitamente ciente desse
aspecto de sua obra". Resumidamente, nas palavras de Faleiros (2012), desta vez em "Três
Mallarmés: traduções brasileiras":

num período de poucos anos, "Crise de vers" passa a circular em duas [agora
cinco] traduções que se encontram no centro de um processo de
ressignificação e ampliação da recepção da obra de Mallarmé no Brasil, cuja
prosa e crítica hoje circulam amplamente e fazem parte de debates não mais
mediados exclusivamente por princípios formalistas ou discursos de
vanguardas.139

De uma apresentação ao início de um estudo mais profícuo no que concerne as


problemáticas contextuais e linguísticas do texto mallarmeano, Faleiros/Carreira oferecem um
primeiro contato e algumas sugestões iniciais de possibilidades interpretativas para pensar os
desdobramentos da crise de vers. Da tradição de leitura ligada ao poema-crítico, Alencar
expande a problemática da forma às marcas da retórica, dando abertura, talvez, para um
pensamento sobre o lugar da voz na poética deste autor tido como o extremo do escrito. Do
questionamento sobre os âmbitos da crise e sobre os modos como ela estaria ligada não
apenas à configuração do verso da tradição, mas a um lugar fundador da poesia a ser chamada
"moderna" e a um ímpeto que regeria essa modernidade, Scheibe retrabalha as proposições
historicamente ligadas a esse texto, deslocando-as para uma outra realidade possível de
sentido. Do recém iniciado debate sobre as possibilidades e potencialidades de uma crise de
vers, Abes destaca a necessidade de pensar, a partir do percurso da teoria literária, a
importância de conservar o tom de sugestão que estaria envolvido na polissemia e nas
entrelinhas implícitas em alguns momentos da produção do poeta francês. Dos meandros

138
MALLARMÉ, Stéphane. Um lance de dados. Introdução, organização e tradução por Álvaro Faleiros. Cotia:
Ateliê Editorial, 2013. p. 35 (apud MESCHONNIC, Henri. Critique du rythme. Paris: Verdier, 1982. p. 130.).
139
FALEIROS, Álvaro. "Três mallarmés: traduções brasileiras". In: Aletria (UFMG), v. 22, p. 17-31, 2012. p.
28. No trecho, o autor se refere às traduções de Alencar e de Scheibe.
49
estruturais e estruturantes do texto mallarmeano, bem como do importante papel que tal texto
cumpre no que concerne o momento no qual a poesia, a literatura e a arte se encontravam
quando de sua produção, Eiras/Martelo realçam a tonalidade dos temas ali tratados – e do
modo como são tratados –, entendendo a crise de vers também como uma crise de
articulações, como um reflexo de experiências limite. Desse ritmo que permeia o jogo das
leituras, desses flexíveis entroncamentos entre elas e dessas discussões que tais leituras
despertam, a maior prova de que a obra de Mallarmé não permanece sob um estado de
eternidade, mas se eterniza porque permanece viva; metamorfoseia-se, permitindo que cada
um a decifre à luz de representações coletivas aos poucos interiorizadas, das quais se
desenlaçam diferentes maneiras de dizer e de fazer.

50
CAPÍTULO 5
CINTILAÇÕES DO MISTÉRIO
SOBRE "CRISE DE VERS ", AINDA 140

ATO 1: entre os anos de 2007 e 2011, um dos poemas-críticos do livro Divagations


de Mallarmé, "Crise de vers", ganha o surpreendente número de cinco traduções em
português: "Crise de verso" (2007), de Faleiros/Carreira (Brasil); "Crise do verso" (2008), de
Alencar (Brasil); "Crise de verso" (2010), de Scheibe (Brasil); "Crise de verso" (2010), de
Abes (Brasil); e Crise de versos (2011), de Eiras/Martelo (Portugal).

ATO 2: em 2010, comentando o lançamento do primeiro volume completo das


Divagações mallarmeanas a ser traduzido em português, por Scheibe, Siscar publica, em seu
livro Poesia e crise, um ensaio particularmente interessante, chamado "O túnel, o poeta e seu
palácio de vidro"141, o qual é aberto por uma pergunta intermitente e, invariavelmente, um
pouco provocativa: "Por que reler Mallarmé?"142.

***

Se, num primeiro olhar, o fenômeno associado às sucessivas traduções do "Crise de


vers" de Mallarmé, no Brasil e em Portugal, provoca algum estranhamento seguido de uma
deliciosa curiosidade, é também verdade que, por outro lado, num segundo momento, o
evento parece um pouco incomum para quem dele ouve falar. Diante do quadro exposto ao
longo deste trabalho, o que se sobressai é o problema da periodicidade: por que traduzir tantas
vezes o mesmo texto ao longo de um período de tempo que não chega a encostar na marca
dos cinco anos, às vezes não havendo nem mesmo um interstício de ao menos um ano entre
uma aparição e outra? Ainda que se considere o fato de haver vários motivos pelos quais se

140
Há aqui uma clara menção à provocativa sequência de entrevistas proposta por Tarso de Melo, em seu blog
(Contra tanto silêncio), a alguns poetas brasileiros contemporâneos. No caso de Tarso, a colocação diz respeito a
poesia ("Sobre poesia, ainda"), e as respostas dos entrevistados podem ser conferidas através do seguinte link:
<https://tarsodemelo.wordpress.com/2016/01/22/sobre-a-enquete-sobre-poesia-ainda/>.
141
Parece relevante dizer que esse ensaio é também o prefácio da referida tradução de Divagations.
142
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 83.
51
traduz ou se retraduz143 um texto, uma tal periodicidade se mostra, nesse caso, senão inusitada
ao jogo entre tradução e retradução, no mínimo pouco usual. Com efeito, tendo em vista o
fato de que cada uma dessas versões de "Crise de vers" está enquadrada num projeto
específico, isto é, numa leitura particular do poema-crítico, seria possível propor que deve
haver aí uma relação entre essa coleção de traduções contemporâneas de si mesmas e uma
espécie de obstinação em discutir Mallarmé, principalmente em se tratando desse texto.

A escolha por (re)traduzir "Crise de vers" – texto que configura uma das pontas de
lança no que concerne a investigação sobre o poeta e, portanto, já amplamente discutido144 –,
bem que carregando, por um lado, reflexos da leitura inaugural protagonizada pelos poetas
concretos (meados do século passado) e, por outro, reações causadas pela reproposição deste
debate em conjunto com a do próprio debate do texto mallarmeano, realizadas no ensaio
"Poetas à beira de uma crise de versos", de Siscar, parece ir de encontro com a questão
realçada por este autor em outro de seus textos, "O túnel, o poeta e seu palácio de vidro": "Por
que reler Mallarmé?". Sem entrar em detalhes, seria suficiente dizer que a indagação de Siscar
mantém ao alcance da vista a medida da importância ligada à onda de estudos, em ocorrência
no final do século passado/início do corrente, graças à qual a prosa crítica de Mallarmé foi
revalorizada. E isso significa dizer que, para o crítico, reler Mallarmé requereria talvez
colocar entre parênteses "uma ideia de poesia que aceita muito facilmente seu estatuto de
instância, de suporte ou de modalidade das organizações discursivas da publicidade, do
consumo e da ciência (tecnológica ou "humana")"145; significaria, antes de tudo, ter em mente
o perigo potencial dos gestos críticos que tentam colocar um termo na narrativa histórica das
obras do passado, particularmente das que tiveram peso nos debates recentes146, caso de
Divagations.

Trazendo o background e alguns possíveis desdobramentos de tal pergunta para o


evento aqui em jogo, uma ligeira reformulação – "por que reler 'Crise de vers'?" – poderia
143
Álvaro Faleiros e Thiago Mattos indicam oito diferentes motivos pelos quais retraduzir. Cf. FALEIROS,
Álvaro; MATTOS, Thiago. "A noção de retradução nos estudos da tradução: um percurso teórico". Revista
Letras Raras, [S.l.], n. 2, p. 35-57, dez. 2014. ISSN 2317-2347. Disponível em:
<http://150.165.111.246/revistarepol/index.php/RLR/article/view/307/241>. Último acesso em 30 de mai. 2016.
144
Não é preciso lembrar que uma parte considerável dos diversos debates sobre Mallarmé encontrou, em "Crise
de vers", matéria para uma quantidade expressiva de estudos – contemporâneos, inclusive –, tanto franceses
como de outro países. Seria suficiente mencionar os nomes de Robert Greer Cohn, Barbara Johnson, Jacques
Roubaud etc.
145
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 102.
146
Ibid., p. 121. Na íntegra: "é importante resgatar o poeta dos ataques do ceticismo crítico contemporâneo que
coincidem com o desejo de tabula rasa, ou seja, com o gesto que dá por encerrada a narrativa histórica das obras
do passado, desejo inclusive mais enfático no caso de obras que tiveram peso nos debates recentes." (grifo do
autor).
52
suscitar outros problemas: "por que continuamos a discutir esse poema-crítico?", ou bem
"qual a atualidade da crise de vers?", sem mencionar "o que a crise de vers nos diz sobre o
nosso contemporâneo?". Quaisquer que sejam as circunstâncias nas quais seria possível
sugerir reflexões sobre esses questionamentos, um bom ponto de partida para a investigação
poderia ser constituído pela proposição de um discreto contraponto a respeito do debate
desenvolvido por Siscar ainda em "Poetas à beira de uma crise de versos": aquele no qual o
crítico diferencia a "crise do verso" (solução de Alencar) da "crise de versos" (solução de
Eiras/Martelo) ou da "crise de verso" (solução dos demais tradutores). Segundo o Siscar,
mesmo que tal detalhe possa parecer irrelevante, mera variação estilística de preposição, a
opção diz respeito diretamente à discussão travada pelo texto: ora, "de" teria ali um sentido
mais intrincado pois além da função ativa de genitivo, cumpriria também uma "função passiva
de explicitação do elemento no qual se dá a crise"147, o que significa dizer que "a crise de
verso não designa uma interrupção ou um colapso histórico do verso; antes, uma irritação do
verso, dentro do verso e a propósito dele"148; que, para o crítico, a crise

não designa um fato histórico que atinge a poesia, ou que teria


consequências sobre a poesia [...], mas é um modo de nomear um estado de
poesia, um determinado tratamento dispensado ao poema que oscila entre o
repouso da tradição e o interregno interessantíssimo do 'quase'.149 (grifo do
autor)

De fato, a crise de vers não implica, conforme demonstrado ao longo de nosso


percurso, um fim do verso, e é bastante possível que possa nomear um "estado de poesia", de
acordo com o que coloca Siscar. Contudo, o abalo significativo sofrido pela literatura, o qual
ocasionou uma alteração na ideia global de verso150 e uma fratura na então corrente ideia de
literatura151, está sim ligado a um fato histórico que atinge a poesia, embora não designe este
fato. A crise não é antes uma questão interna ao verso e a respeito dele; ela é isto152, mas

147
Ibid., p. 107.
148
Ibidem.
149
Ibid., p. 113.
150
E não somente no Alexandrino, é bom lembrar. E isso me parece importante porque Mallarmé fala no
Alexandrino como verso expoente, realmente como monumento da versificação francesa, e não como única
forma possível do verso metrificado francês. A coisa é muito mais simbólica do que literal. A própria crise tem,
como bem comenta Siscar, uma grande dimensão simbólica – ainda que também tenha uma dimensão concreta,
segundo o que desenvolvi no capítulo dois e reiterarei aqui, na sequência.
151
Lembro que o verso, apesar de ainda poder ser considerado literatura, não é mais "a literatura por excelência".
Ele não ocupa mais o posto de melhor exemplo do que se compreende por literatura. Aliás, sobre esse assunto,
há quem diga, nos dias de hoje, que "poesia não tem nada a ver com literatura", colocando o verso claramente do
lado da "poesia" que se contraporia à "literatura".
152
E para provar basta que nos lembremos dos "jogos paralelos" ou "jeux à côté", dos quais fala Mallarmé.
53
também – e talvez sobretudo – a consequência de uma circunstância histórica que atinge a
literatura, a saber, a ascensão da prosa e, de maneira mais geral, a consolidação da
mentalidade burguesa, do capitalismo industrial, do positivismo e, seguindo esse esquema, ela
é também consequência da "morte de Deus", tema nietzscheano que marca um ponto
fundamental na separação entre o logos e o mythos153. A crise de vers seria então, na mesma
medida, "a crise do verso" e a "crise de versos" (pensando na ideia de "crise de nervos", um
estado, portanto), e não uma mais do que a outra; talvez por isso "crise de verso", ainda que
não difira drasticamente de "crise de versos" e não indique suficientemente "crise do verso",
ao menos parece ampliar a gama de possibilidades de leitura para a crise, embora através da
sugestão somente, como bem gostaria Mallarmé.

A questão é que o par do título, verso e crise, atuaria então nos papéis centrais do
texto que nos ocupa, e depreende daí a ideia de que a energia quase completamente
equipotente dessa relação, ou seja, a crise que é propulsão motora do verso e o verso que é ele
próprio um lugar produtor da crise, mantém-se intensa a nossos olhos contemporâneos. Seria
suficiente nos lembrarmos da consideração, sempre atual, de que, mesmo depois da chegada
da prosa ao patamar nobre da literatura e mesmo tendo em conta as muitas inferências
sofridas pela poesia no curso desse último século e meio, nunca se deixou de escrever em
verso154. Trata-se, em última análise, de uma continuidade ainda fascinante – especialmente
dado seu percurso até o presente momento –, e que nos causa dúvidas sobre sua justificativa e
sobre as condições que proporcionaram permanência ao verso, conquanto tal justificativa
possa ser suposta, como nos propõe o próprio Mallarmé. De acordo com o poeta, como
comentei anteriormente, o verso continuaria a existir porque há uma constante "necessidade
de poetizar" que só pode ser momentaneamente suprida pelo tipo de tensão formal (contração
e restrição) imposta por ele ao discurso155. Mas o que é esse verso que continua? Quais são as
novas estratégias? Possuiriam elas alguns ecos da discussão desenvolvida por Mallarmé?
Quais seriam as novas maneiras de estabelecimento do contato, sugerido pelo poeta, entre
novidade e tradição? Quais seriam as novas implicações? São algumas das perguntas que o

153
E se lembrarmos então de que o verso se configura, na tradição, como "linguagem dos deuses", enquanto a
prosa como "linguagem dos homens", veremos que a fórmula de Nietzsche vem reforçar o problema da fratura
na ideia de literatura, essa espécie de "queda" ou de "expulsão" do verso. "Deus está morto" e, em literatura, o
posto mais alto é ocupado pelo romance, gênero burguês por excelência.
154
Reformulo, aqui, de maneira mais abrangente, a seguinte colocação de Siscar: "a poesia brasileira nunca
deixou de ser escrita em verso". SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 105.
155
Se pensarmos em Rancière: "é porque as palavras não parecem com as coisas que o verso recebe sua função
de moeda superiora e de palavra nova, mais próxima do pensamento.", traduzido de "c'est parce que les mots ne
ressemblent pas aux choses que le vers reçoit sa fonction de monnaie supérieure et de mot neuf, plus proche de la
pensée." RANCIÈRE, Jacques. Mallarmé: la politique de la sirène. Hachette Littératures, 1996. p. 91.
54
segundo problema, das condições de permanência do verso, pode nos suscitar; perguntas que
estão, aliás, muito longe de não terem alguma convergência com a recente valorização de
Divagations e muito perto de indicarem uma atualidade possível à crise de vers.

Em todo caso, o que importa nesse momento é nos interrogarmos, a partir de todos
esses pontos disparadores concernentes ao possível interesse no poema-crítico, o que está na
essência da obstinação em discuti-lo especificamente a partir de suas traduções; e o primeiro
passo para tentar refletir sobre isso parece ser nos lembrarmos de que "em Mallarmé, pode-se
dizer que a poesia aspira a se distinguir de seus papéis tradicionais ou funções determinadas,
assumindo um ponto de vista que não evita as contradições, que não eufemiza os
paradoxos"156, como nota Siscar uma vez mais. Ora, se a ideia aqui é propor um raciocínio
que dê conta do episódio em questão, de nada adiantaria simplesmente sinalizar que uma
tradução foi mais convincente – segundo o paradigma de seu próprio projeto tradutório – do
que outra157, já que isso não elucida a razão pela qual em tão pouco tempo tivemos tantas
traduções de "Crise de vers" para o português; mas ao mesmo tempo, também não parece
haver muito interesse em relativizar esses projetos. Nessas condições, o interessante é reparar
que a peculiaridade de nosso evento pode ser abordada, de uma perspectiva um pouco mais
sistemática, segundo dois desafios aparentemente ordinários no que razoavelmente
frequentes: o de traduzir, numa ponta, e o de ler, na outra.

No que diz respeito a Mallarmé, chamar esses dois processos de "desafio" relaciona-
se sobretudo à conjunção dos elementos de sua obra158 utilizados como exemplo para que lhe
fosse conferido o estatuto de "hermético", de "intransponível", ou ainda de "conservador"159,
os quais prefiro chamar simplesmente de um certo tipo de dificuldade, um pouco na esteira do
que propõe a leitura política de Rancière, ou ainda, de uma espécie de valorização do caráter
visível da literatura, segundo uma perspectiva mais filosófica, se pensarmos na diferenciação
que Bertrand Marchal propõe entre as "artes do tempo" e as "artes do espaço"160. A aventura

156
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 102.
157
Muito embora algumas o sejam de fato, como tentei demonstrar, ainda que não tão enfaticamente.
158
No caso dos poemas em prosa, a sintaxe é certamente um desses elementos, mas o trabalho com a
metatextualidade também é. Em se considerando a obra metrificada, por outro lado, poder-se-ia pensar, entre
outras coisas, no modo como a própria escolha de rimas evoca todo um imaginário sem que este precise ser
nomeado: caso do "Sonnet en yx", que através das rimas em "yx", palavras que o francês trouxe diretamente do
grego ("y" = "i-grec" = "y" grego), revela a presença da figura de Orfeu no poema de Mallarmé.
159
Como se a política pudesse ser restrita a um viés realista.
160
Estas de apreensão global e imediata (entre as quais a pintura ou a escultura, por exemplo), aquelas de
apreensão lenta e gradual (a exemplo do teatro, ou mesmo do cinema, se pensássemos nos dias de hoje). A fonte
dessas terminologias é a disciplina La poésie au XIXe, dedicada a Mallarmé, que Marchal ministrou na Sorbonne
(Paris IV), ao longo do primeiro semestre do ano corrente (2016).
55
porvir, da qual o especialista alerta a existência ao leitor de Mallarmé que pretende ir além da
"repulsão que pode produzir um texto reputado hermético"161, indica uma consciência
profunda que o poeta teria no tocante a isso que ele chamava "o mistério nas letras"162, ou
seja, o mistério retido no fato de que

alguns signos, "as poucas vinte letras do alfabeto", esses vinte e poucos
pequenos desenhos convencionais, puderam produzir todas as línguas que se
fala (no mundo indo-europeu), e com elas, a multidão de representações, de
mitos, de construções intelectuais.163

Consciência que, valorizando a "visibilidade" de um texto em relação a sua "legibilidade",


revelaria, em parte, o motivo pelo qual a empreitada mallarmeana é antes crítica e reflexiva; o
motivo pelo qual, com Mallarmé, "se queremos ascender a algo que seja da significação,
somos obrigados a passar por uma construção consciente dela mesma"164.

Sendo assim, a dificuldade de traduzir Mallarmé, que é também – e antes de tudo – a


dificuldade de ler Mallarmé165, pode ser considerada reduplicada na medida em que não é
apenas com os problemas de uma transposição linguística que se está lidando166, e sim, para
além disso, com a transposição de um texto que não é de apreensão imediata, muito embora
não seja também simplesmente "enigmático"; que não esconde nada, mas que ao mesmo
tempo concede alguma suspensão a tudo o que está dito. Em outras palavras, coloca-se a
questão de como traduzir um texto muito bem resolvido, que permanece, entretanto,
insolúvel; ou ainda, que funciona através de um tal mecanismo de alteridade que permite, por
exemplo, a existência de um Mallarmé para cada modernidade167, conforme demonstra
Hamel. E a resposta a isso parece, de início, conter certo grau de evidência: primeiramente,
seria preciso preservar essa dificuldade de Mallarmé. Mas "preservar a dificuldade", como
161
"la répulsion que peut produire un texte réputé hermétique". MARCHAL, Bertrand. Apprendre à lire avec
Mallarmé, le plus obscur des poètes. Disponible sur : < https://theconversation.com/apprendre-a-lire-avec-
mallarme-le-plus-obscur-des-poetes-55334 >. Dernier accès le 25 avr. 2016.
162
"le mystère dans les lettres". MALLARMÉ, Stéphane. « Crise de vers ». In: Igitur ; Divagations ; Un coup de
dés. Présentée, établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Gallimard, 2003. p. 281.
163
"quelques signes, « les quelque vingt lettres de l’alphabet », ces vingt et quelques petits dessins
conventionnels, on a pu produire toutes les langues qui se parlent (dans le monde indo-européen), et avec elles,
la multitude des représentations, des mythes, des constructions intellectuelles." MARCHAL, op. cit..
164
"si nous voulons accéder à quelque chose qui soit de la signification, nous sommes obligés d'en passer par une
construction consciente d'elle-même." Ibidem.
165
A despeito de quem diz, com alguma leviandade, que a dificuldade de ler Mallarmé é também a dificuldade
de traduzi-lo.
166
Conforme explicitado no capítulo três e desenvolvido no capítulo anterior.
167
Coisa que as leituras de Mallarmé feitas pelas correntes de pensamento ao longo do século XX não nos
deixam esquecer, basta pensar que o Mallarmé do existencialismo da metade do século não tem nada do
Mallarmé do estruturalismo da década de 1980, de acordo com o que vimos no primeiro capítulo.
56
nossos tradutores bem repararam, pode significar muitas coisas: trabalhar a preciosidade do
vocabulário (como na tradução de Alencar), produzir uma intrincada arborização sintática
adaptada ao português (como na de Eiras/Martelo) ou tentar intensificar o caráter ambíguo168
do significante (como na de Abes), são apenas alguns caminhos para tentar pôr essa ideia em
prática.

É certo que as tendências deformadoras169 responsáveis por colocar, a todo


momento, a prática da tradução no limiar de um gesto elucidativo170 se fazem presentes;
entretanto, mesmo elas não impedem que a tradução se queira, como previamente
desenvolvido, muito mais do que uma mera interpretação da obra, mas a própria obra, bem
que uma outra. A nenhum dos projetos tradutórios em jogo – como também, supõe-se, a
nenhum projeto que se pretenda resultado de um trabalho de criação e não apenas de um
esforço de leitura – interessa, dessa forma, resolver a dificuldade de Mallarmé: o que lhes
interessa é, ao contrário, repropô-la. Criar problemas inéditos à língua de chegada, decerto,
mas mais do que isso, evidenciar uma outra forma de existência aos escritos do poeta, indo na
contramão, por um lado, da crítica que consciente ou inconscientemente se apropria de
Mallarmé reduzindo-o às características de uma escola ou de uma corrente e, por outro,
daquela que insiste em sugerir "leituras definitivas" desse ou daquele texto, que tenta
decompor esses textos como se fossem problemas matemáticos, decodificá-los e, com isso,
permitir a perpetuação da ideia de que tudo já foi dito, dando abertura, de tal maneira, a uma
condenação do poeta ao rol dos escritores tidos por datados, por esgotados, por
desvendados171: em suma, colocar-se afirmativamente contra um consenso de leitura que
acaba se reduzindo a uma inibição de leitura172. E isso esclarece, em última análise, a razão
pela qual discutir (um texto de) Mallarmé através da tradução, e não através de ensaios, de
artigos ou de textos teóricos, pode ter a ver, sobretudo, com um ato de resistência: ao termo
que quiseram dar à obra do poeta; ao impulso natural de querer entendê-la de maneira

168
ABES, Gilles. "Uma tradução de 'Crise de verso' de Mallarmé: a ótica do enigma como símbolo do texto
literário". In: TradTerm, 16, 2010. p. 160.
169
Cf. BERMAN, Antoine. A tradução e a letra, ou, O albergue do longínquo. Traduzido por Marie-Hélène
Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET, 2007.
170
E há inevitavelmente diversas incorrências delas nessas traduções do "Crise de vers" ao português, segundo o
raciocínio empreendido no capítulo anterior.
171
Por mais interessantes e/ou fascinantes que sejam, trabalhos como Vers une explication rationelle du « coup
de dés » (1992), de Gardner Davies, ou Le Nombre et la Sirène. Un déchiffrage du « coup de dés » de Mallarmé
(2011), de Quentin Meillassoux, ou ainda "Est-il exacte que toute pensée émet un coup de dés?" (1986), de Alain
Badiou, são exemplos que, se não se prestam exatamente a isso como objetivo, estão, por assim dizer,
tensionados a esse tipo de movimento.
172
SISCAR, Marcos. Poesia e crise. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. p. 124. Parafraseio Siscar aqui com
alguma liberdade.
57
puramente inteligível; ao furor da intenção que atravessa direto o aspecto visível da palavra
sem dali depreender nada do "mistério das letras".

Trata-se de uma escolha que se contrapõe ao élan de resolver o artifício173 colocado


em jogo pelo poeta, pois que traduzir não significa procurar um significado escondido – para,
em seguida, transpô-lo a outra língua –, mas esforçar-se com firmeza, no sentido oposto, para
assegurar no texto de chegada as marcas notórias do texto de partida, isto é, para assegurar o
que aqui se coloca, em outros termos, como uma espécie de engenho do referido artifício. E
discutir "Crise de vers", especificamente, segundo essa perspectiva parece dizer muito sobre a
persistência de uma ânsia por transformar a ideia de "crise" num prelúdio ao fim da ideia de
"verso", e não numa força criativa que lhe confere permanência; ou ainda – e embora não seja
exatamente a mesma coisa –, sobre o pé em que anda a ação do utilitarismo que secundariza
(pra não dizer coloca em último plano) o lugar da poesia na sociedade. Dito de outra forma: o
evento marcado por essas traduções não constitui apenas um novo dado no círculo de
trabalhos destinados à meditar sobre o texto mallarmeano, mas uma nova maneira de
apreender os elementos que ele nos oferece, a qual não está isenta – muito pelo contrário – de
um posicionamento crítico afiado, mesmo se imprevisto em alguma medida174. A leitura de
"Crise de vers" passa a ser construída, antes, como uma leitura da diferença constitutiva de
"Crise de vers"; e assim sendo, torna-se clara a urgência de escapar à mínima possibilidade de
uma compreensão preto no branco175, tão distante de Mallarmé.

Redobrar, seguindo a pista de Berman (2002), o traço estrangeiro da obra, como "o
verso que de muitos vocábulos refaz uma palavra total, nova, estrangeira à língua", ou ainda
como as palavras que, a partir de "poucas vinte letras", "puderam produzir todas as línguas
que se fala (no mundo indo-europeu)" e, com elas, toda a significação. Percorrer a metonímia
do mistério mallarmeano, sem desfiá-la, enveredando-se por essa trilha às avessas que vai "da
literatura à língua e da língua a desconstrução desta, pela ciência da linguagem, às raízes

173
E aqui, quando falo em artifício, penso no sentido forte do termo: um artifício à Baudelaire. Não diz respeito,
portanto, a um simples ilusionismo, a uma maleta de truques.
174
Ou pelo menos não inteiramente previsto.
175
E não "preto e branco", note-se bem. Vale ressaltar essa distinção, especialmente em se tratando do poeta que
– para citar apenas um entre os muitos exemplos da relação entre preto e branco presentes em sua obra –
descreveu seu célebre "Sonnet en yx" como "tão 'preto e branco' quanto possível", em carta ao amigo Henri
Cazalis, no 18 de julho de 1868. Cf. MALLARMÉ, Stéphane. Correspondance. Lettres sur la poésie. Édition
établie et annotée par Bertrand Marchal. Paris : Folio/Gallimard, 1995. p. 392.
58
originárias"176, segundo o que nos mostra Marchal. E embora nem sempre seja simples
perceber o tipo de sutileza que o evento das traduções de "Crise de vers" nos apresenta, é
preciso estar atento às correspondências aí em jogo e, como Mallarmé, desconfiar de todo
aspecto contingente, mesmo sabendo que o acaso é a única explicação possível. A tradução
insiste sempre em nos apresentar um após outro lampejo inesperado, e ainda há nuances desse
episódio singular que continuam demasiado curiosas a nosso ímpeto investigativo, como por
exemplo a razão pela qual coube à língua portuguesa um dos papéis fundamentais desse
concerto ou o motivo por trás do fato de que a maioria dessas traduções são brasileiras. Qual
seria o interesse do Brasil em Mallarmé e, sobretudo, na crise de vers? Aí está uma pergunta
também muito pertinente, a qual terá, todavia, que ser destinada a uma outra oportunidade.

176
"de la littérature à la langue et de la langue à sa déconstruction par la science du langage aux racines
originelles". MALLARMÉ, Stéphane. Œuvres Complètes. Édition établie et annotée par Bertrand Marchal. vol.
1 et 2. Paris : Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 2003. p. XIII.
59
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se hoje a obra do poeta circula amplamente pelo território nacional, tendo alguns
textos sido traduzidos muito mais do que uma vez – caso de boa parte dos poemas, por
exemplo, mas também de outros –, é igualmente verdade que não se pensou ou se escreveu ou
se investigou suficientemente a respeito da constituição do pensamento de Mallarmé, de suas
relações em meio ao circuito artístico do qual fazia parte, das ideias que permeiam e que dão
força a sua obra, das relações entre seus elaborados procedimentos construtivos e a matéria
crítica da qual são feitos seus escritos, de sua generosidade (e dos efeitos dela) para com os
artistas que lhe eram contemporâneos – embora o interesse no poeta, conforme vimos, tenha
crescido enormemente nos últimos anos e continue chegando a lugares curiosos, criando
relações improváveis (ou nem tanto) com a poesia brasileira. O fato é que, mesmo tendo em
conta que aqui no Brasil tenhamos lido ao menos dois mallarmés diferentes no decorrer do
tempo, como nos lembra Faleiros (2012), começa-se, só nos últimos dez ou quinze anos, a
falar num Mallarmé "historicizado", que perturba a história literária por, a um só tempo,
pertencer à tradição e dar respostas à sua própria época; um Mallarmé que é muito mais do
que um nome, do que o nome de um poeta simbolista, hermético, formalista.

O ensaísmo de Siscar é um dos principais expoentes no que toca a reflexão sobre


esse "terceiro Mallarmé" e sobre as relações que a poesia brasileira estabeleceu/estabelece
com ele; os trabalhos de Faleiros, por sua vez, também nos dizem muito sobre os movimentos
ligados à tradução e à recepção do poeta, especialmente no que toca "Um lance de dados". Em
se tratando, aliás, do poema fundamental, o recente trabalho de Larissa Drigo177 (2015) nos dá
vasta dimensão dos problemas políticos e filosóficos ligados à questão do "acaso", bem como
daqueles que envolvem a obra do poeta nesse novo momento de leituras. Isso sem mencionar
que, pouco antes desses três autores, Joaquim Brasil Fontes (2007) escreveu um trabalho
interessante, de formato bastante particular, que mistura tradução de poemas e de cartas,
relatos e reflexões sobre fatos da vida pessoal de Mallarmé, discussões sobre problemas
teóricos e filosóficos, num livro sobre a juventude do poeta e sobre a formação de algumas de
suas ideias. O trabalho de Fontes, se não apenas pelo conteúdo, especialmente pelo formato,
marca um ponto central no círculo de estudos que atualmente se dedicam ao poeta no Brasil;

177
Vale mencionar que a pesquisadora tem trabalhos publicados em português também, e disponíveis online,
sobretudo em sua página no Academia.edu, através do seguinte link: <https://paris-
sorbonne.academia.edu/LarissaDrigo>.
60
misturam-se ali, de maneira sui generis e estranhamente harmônica, o Mallarmé da obra, já
bastante familiar aos leitores brasileiros, e o da vida real, das crises, das descobertas, das
leituras, das aulas de inglês, dos muitos amigos, dos exílios, das interlocuções, da solidão, das
reuniões, da province e de Paris, ainda razoavelmente novo por aqui.

Não se trata, portanto, unicamente, nem de trabalho interpretativo, nem de recepção,


nem de tradução, nem de epistolografia, nem de crítica ou teoria literária, nem de filosofia ou
política, também não se trata de crítica genética, mas de uma mescla interessantíssima entre
todos esses caminhos. E a liga dessa bricolagem organizada de Fontes encorpa-se, em grande
parte, pela tradução de alguns trechos de partes da correspondência do poeta nos quais este
comenta todo o tipo de coisas, indo de seu processo de trabalho, passando por suas relações
pessoais, por questões contemporâneas pelas quais se interessa, pelo meio artístico da época,
até alguns comentários sobre as publicações de sua obra; correspondência, até aquele
momento, completamente inédita no Brasil. Na esteira desse trabalho, Sandra Stroparo (2012)
traduz e disponibiliza online 50 cartas de Mallarmé entre os anos de 1854 e 1898,
contribuição fundamental de sua tese de doutorado, a qual conta também com um panorama
geral das relações do Brasil com Mallarmé e deste com a prática da tradução. Contudo, a
maior parte da correspondência do poeta, um universo de quase 3000 (três mil) cartas,
continua indisponível em português, tanto aqui como nos outros países com os quais
compartilhamos a língua178, mesmo se a importância dessa correspondência, que coleciona
conversas de Mallarmé com Paul Verlaine, Odilon Redon, Claude Debussy, Edouard
Dujardin, André Gide, Paul Valéry, Joris-Karl Huysmans, Émile Zola – para ficarmos com
alguns poucos entre os mais conhecidos –, não oferece apenas sugestões mais detalhadas
sobre as problemáticas envolvidas no pensamento do poeta, como concede uma nova luz
sobre o meio artístico179 da segunda metade do século XIX. Duas vias aliás imprescindíveis
para uma melhor compreensão sobre o que está em jogo na obra do poeta, na dificuldade de
suas construções, nos assuntos que lhe são caros; também porque a interlocução de Mallarmé
com os demais artistas do período está claramente muito presente tanto em sua obra crítica

178
Ao menos até onde se sabe.
179
Francês, mas não somente. Basta pensarmos em Oscar Wilde e James Whistler, pela inglaterra; Vittorio Pica,
pela Itália; Stefan George, pela Alemanha; Edvard Münch, pela Noruega; Valère Brussov, pela Russia; Sarah
Helen Whitman, pelos Estados Unidos; entre outros nomes.
61
quanto em sua obra poética180, as quais ainda assim não deixam de ser permeadas, certamente,
por problemas linguísticos, filosóficos181, políticos, críticos, entre muitos outros.

Ainda que formalmente cada uma dessas linhas de força pareça se apresentar de
maneira consideravelmente mais concentrada, respectivamente, em um ou outro momentos da
vida do autor – já que temos acesso à constituição de seu pensamento muito mais ao longo
das cartas de juventude182, enquanto que suas relações parecem se mostrar muito mais
presentes nas dos anos que antecedem sua morte183 –, com um olhar mais atento, é possível
notar nas cartas da province, inúmeros indícios do que serão as relações do poeta em Paris,
assim como pode ser observado, na correspondência parisiense, conquanto de maneira menos
explícita, nuances da fina trama que caracterizaria as reflexões do maître – como já o
consideravam àquela altura. Prova irrevogável da impossibilidade de tomar um aspecto de
Mallarmé por um Mallarmé total; prova, também, da coesão completa entre a figura do
homem e a do poeta; e sobretudo, prova de que, se um confere ainda mais interesse ao outro,
isto se dá pois, em Mallarmé, a ausência que é presença – e esta que é aquela – instaura um
lugar sem o qual a poesia e a experiência poética não podem ser pensadas. Da mesma forma
em que se ganha lendo a obra do poeta sob a luz de sua correspondência, ganha-se
enormemente em ler o que a obra deixa antever do pensamento, das trocas: a "desaparição
elocutória do poeta", o qual, no entanto, está obrigatoriamente lá; a "poesia pura" que, uma
vez existindo, torna-se impossibilidade. E não há – não em se tratando de Mallarmé –
romantismo nisso: as correlações aqui se constituem sob o signo do paradoxo.

A crise de vers vem colocar com todas as letras que nenhuma crise simbólica está
completamente dissociada de um tipo de crise factual e, sobretudo, que há uma imensa
dificuldade em conectar, de forma enfática, sem demagogia, rompendo imperativamente com

180
Alguns títulos o ilustram bem: "Prose (pour des Esseintes)" (menção ao protagonista do romance À rebours,
de Huysmans – livro responsável por tornar célebres Mallarmé e Verlaine), "Tombeau (de Verlaine)",
"Hommage (à Puvis de Chavannes)" etc.
181
Ainda que a poesia de Mallarmé não seja propriamente uma poesia "filosófica", há questões filosóficas em
sua poesia, como talvez este trabalho tenha esclarecido, em alguma medida. No entanto, cabe realçar que, se há
filosofia – e Mallarmé, segundo uma anedota de Marchal, não cansaria de repetir que "não tem uma cabeça
filosófica" –, ela não foi planejada: o poeta a encontrou através da sensação.
182
Isto é, quando o poeta se encontrava longe dos amigos próximos, o que lhe forçava a ter que escrever cartas
mais minuciosas. De mudança para Paris, alguns dos antigos correspondentes tornaram-se vizinhos (caso de
Cazalis), e alguns aspectos da correspondência do poeta mudam de figura, especialmente pelo fato de que na
segunda metade da vida de Mallarmé as cartas eram expressivamente mais numerosas.
183
E, à propósito, Ives Bonnefoy comenta, no prefácio à pequena coletânea de bolso saída pela Gallimard em
1995, que essa ambivalência se mostra na própria divisão que foi feita para a seleção: de um lado a
"Correspondance", com cartas de 1862 a 1871, de outro as "Lettres sur la poésie", comportando as missivas de
1872 a 1898.
62
as barreiras que se impõem a um e a outro mundos, as duas pontas – sejam elas arte e vida,
Sonho e Nada, Acaso e Absoluto, "crise de versos" e "crise do verso". E o evento das
traduções de "Crise de vers" em português nos coloca afirmativamente diante dessa questão,
mesmo que, como vimos, muitos outros problemas componham o quadro da recepção e da
tradução do poema-crítico no Brasil. Talvez por isso um trabalho mais centrado sobre as
questões compreendidas na correspondência do poeta, um trabalho que, principalmente,
apresente ao leitor brasileiro a tradução de um número mais expressivo das cartas que tanto
contribuíram, no mundo todo, para desenvolvimento de uma reflexão mais profícua sobre
Mallarmé, anotadas de forma a oferecer ao leitor hiperlinks contendo detalhes sobre a obra
poética daquele, sobre a constituição de seu pensamento, sobre seus interlocutores (e as obras
deles, quando for o caso) e sobre as relações destes com o poeta, mostre-se como trilha
imprescindível para a continuidade do trabalho ora empreendido. Tudo isso sem perder de
vista que, como bem coloca Hamel, a historicidade de uma obra não se reduz a uma data, nem
a uma época, muito menos a um movimento estético – embora também não se reduza
simplesmente ao lugar ou à língua que originou essa obra, eu acrescentaria –; muito menos
que na junção de cada nova leitura à concatenação da memória, os contornos externos da obra
se deslocam, enquanto sua arquitetura interna se remaneja184. O essencial aqui é deixar
entreaberta outra porta aos leitores do anfitrião do 89 rue de Rome: uma entrada cuja travessia
nos apresenta uma mesa na qual podemos aproveitar a diferença que nos é dada em partilha e
cujo convite nos permite habitar brevemente o então muito distante, pois que, para me valer
das palavras de Roger, "um Mallarmé visto de outros lugares deve ver a luz do dia"185.

184
HAMEL, Jean-François. Camarade Mallarmé. Une politique de la lecture. Paris : Les Éditions de Minuit,
Coleção Paradoxe, 2014. p. 19.
185
"un Mallarmé vu d'ailleurs doit voir le jour". ROGER, Thierry. "Mallarmé vu d’ailleurs : une introduction".
Travaux et Documents Hispaniques / TDH, 5, 2013-2014, Mallarmé en traduction (aire hispanique). Disponible
sur : < http://eriac.univ-rouen.fr/mallarme-vu-dailleurs-une-introduction/ >. Dernier accès le 25 avr. 2016.
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Herder, Goethe, Schlegel, Novalis, Humboldt, Scheleiermacher, Hölderlin. Tradução de


Maria Emília Pereira Chanut. Bauru: EDUSC, 2002.

_________________. A tradução e a letra, ou, O albergue do longínquo. Traduzido por


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