Você está na página 1de 5

Avaliação do modelo de Monod na produção de

biomassa de Pleurotus ostreatus DSM 1833 em


cultivo submerso
*ZANOTELLI, C. T.1; MEDEIROS, R.1, 2; FURLAN, S. A.1; WISBECK, E.1
1
Mestrado em Engenharia de Processos – Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Campus Universitário, s/nº – Bairro Bom Retiro – Cx. Postal 246
CEP 89201-972 – Joinville – SC
2
Departamento de Engenharia de Produção – Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
*e-mail: czanotelli@univille.br

Entrada: 28/5/07
Aceite: 5/11/07

Resumo: Fungos do gênero Pleurotus podem ser cultivados em resíduos lignocelulósicos, como palha de bananeira, para a
produção de cogumelos (corpos de frutificação) comestíveis. Esses cogumelos apresentam valor nutricional comprovado e
são amplamente apreciados na gastronomia. A biomassa micelial de Pleurotus ostreatus DSM 1833, proveniente de cultivo
submerso, pode servir de inóculo para a produção de cogumelos, bem como de aromatizante na indústria alimentícia, por
apresentar composição semelhante ao corpo frutífero. Além disso, o micélio desse fungo produz polissacarídeos com atividade
antitumoral. Assim, os objetivos deste trabalho foram avaliar a produção de Pleurotus ostreatus DSM 1833 em cultivo
submerso, usando concentração inicial de glicose de 20 g/L, pH de 4,0 e coeficientes volumétricos de transferência de
oxigênio (KLa) de 15 ou 27 h-1, e comparar os resultados experimentais com os resultados obtidos pelo modelo cinético de
Monod. O modelo de Monod foi satisfatório para o experimento com KLa de 27 h-1. Neste experimento os valores dos
parâmetros obtidos pelo modelo foram de 6,15 g/L para KS e 0,033 h-1 para µmáx.
Palavras-chave: Pleurotus ostreatus; cultivo submerso; modelo de Monod.

Abstract: Fungi of the Pleurotus genus can be cultivated in lignocellulosic residues for edible mushroom (fruiting bodies)
production. This mushrooms present proven nutritional value and are widely appreciated gastronomically. In submerged
culture, the mycelial biomass of the Pleurotus ostreatus DSM 1833 species can serve as inoculum for the production of
mushrooms, in addition to producing extra cellular polysaccharides with antitumoral activity. The objective of this study
was to identify a mathematic model that better explains the kinetic production of Pleurotus ostreatus DSM 1833 in submerged
culture, using an initial 20 g/L, pH of 4.0 glucose concentration and volumetric oxygen transfer coefficients (KLa) of 15 or
27 h-1. Comparing the experimental results with those obtained through traditional mathematic models, the Monod model
was satisfactory for the experiment with KLa of 27 h-1. The parametric values obtained in this experiment through the
model were 6.15 g/L for KS and 0.033 h-1 for µmax.
Keywords: Pleurotus ostreatus; submerged culture; Monod model.

Introdução somente por causa de seu sabor, mas também em


virtude de seu valor nutricional: 19 a 35% de
Muitos dos trabalhos realizados sobre o cultivo proteínas, aminoácidos essenciais, diversas
de basidiomicetos em resíduos lignocelulósicos têm vitaminas e minerais, além de baixos teores de
sido dirigidos para a produção de fungos do gênero gordura, colesterol e calorias (Bonatti et al., 2004;
Pleurotus, visando a sua aplicação gastronômica Ragunathan & Swaminathan, 2003).
(Chang et al., 1981; Bisaria & Madan, 1983; No entanto a biomassa (micélio) produzida
Madan et al., 1987; Rajarathnan et al., 1992; Chang em cultivo submerso possui composição química
& Miles, 1993; Bononi & Trufem, 1995). Os similar à dos cogumelos produzidos em cultivo
cogumelos desse gênero são apreciados não sólido (Scherba et. al., 1999). Dessa forma, esse

– 14 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 8, n. 2, dez. 07

micélio pode ser utilizado na indústria alimentícia Meio e condições de cultivo


como integrador e aromatizador de alimentos
industrializados, tais como sopas, cremes e molhos Utilizou-se meio líquido POL (Cavazzoni &
instantâneos, e também para a extração de enzimas Adami, 1992): 5 g/L (NH 4 ) 2 SO 4, 0,2 g/L
e lipídeos (Cohen et al., 2002). MgSO4.7H2O, 1,0 g/L K2HPO4, 2,0 g/L extrato de
Essa biomassa pode ainda tanto excretar para levedura, 1,0 g/L peptona, 1,0 g/L CaCO3, com
o meio líquido quanto armazenar, na parede celular, concentração inicial de glicose de 20 g/L.
polissacarídeos do tipo β-glucanos, aos quais é Os experimentos foram conduzidos em
biorreator de bancada B. BRAUN, modelo Biostat
atribuída atividade antitumoral (Mizuno, 1999). B, com volume de trabalho de 4 L. A temperatura
Além disso, a biomassa produzida em cultivo o
foi mantida em 30 C, e a agitação, em 300 min-1.
submerso pela espécie Pleurotus ostreatus pode servir Uma vazão de ar de 0,25 ou de 1,0 L/min foi
de inóculo para a produção de cogumelos mantida constante durante o processo, para obter
comestíveis, em cultivo sólido, utilizando-se um valor de K L a inicial de 15 ou 27 h -1 ,
resíduos lignocelulósicos (Silveira et al., 2006). respectivamente. O pH foi controlado
automaticamente em 4,0 pela adição de NaOH
Modelos cinéticos são ferramentas utilizadas no 6N e H3PO4 12N.
campo da engenharia, aplicadas na predição do A fração de inóculo foi de 10%, preparada em
crescimento microbiano para analisar, desenhar, o
frascos agitados a 120 min-1 e 30 C, por 6 dias, em
aperfeiçoar e controlar os processos de cultivo. meio POL com 20 g/L de glicose. O tempo de
Enquanto muitos modelos não-estruturados são cultivo (t) foi estabelecido pelo consumo total do
encontrados na literatura para descrever culturas substrato (glicose) inicial.
bacterianas, poucos são desenvolvidos
adequadamente para fungos filamentosos Concentração de biomassa e de glicose
(Papagianni, 2004). Porém, apesar da falta de
A concentração de biomassa foio avaliada
informação sobre o mecanismo de divisão celular gravimetricamente (massa seca a 90 C, por 48
dos fungos filamentosos, quando modelos do tipo horas). A concentração de glicose foi obtida pelo
não-estruturado são usados para fungos método enzimático de glicose oxidase/peroxidase
filamentosos (por exemplo, o modelo de Monod) (glicose E-CELM, Brasil).
eles se mostram mais rápidos e fáceis de utilizar do
que modelos estruturados (Benkortbi et al., 2006). Modelo cinético
O objetivo deste trabalho foi, então, verificar
A velocidade específica de crescimento é dada
se um modelo cinético simples, não-estruturado pelo modelo de Monod (Abe et al., 1992):
(modelo de Monod), reproduz os dados
experimentais de produção de biomassa de
Pleurotus ostreatus DSM 1833 e consumo de glicose, (1)
obtidos por processo em batelada, variando-se o
valor inicial do coeficiente volumétrico de
transferência de oxigênio (KLa) em 15 ou 27 h-1. em que:

: variação entre a concentração final (X)


Material e métodos e inicial (X0) de biomassa pela variação
de tempo (g.L-1.h-1);
Microrganismos e manutenção

O microrganismo utilizado nos ensaios foi : máxima velocidade específica de crescimento (h-1);
Pleurotus ostreatus DSM 1833, mantido em meio : concentração de biomassa no instante t (g.L-1);
TDA (extrato de trigo, dextrose e ágar) (Furlan et : concentração de glicose no instante t (g.L-1);
o
al., 1997) e armazenado a 4 C. Os repiques foram Ks : constante -1de saturação de glicose do modelo de
realizados a cada três meses. Monod (g.L ).

– 15 –
Avaliação do modelo de Monod na produção de biomassa de Pleurotus ostreatus DSM 1833 em cultivo submerso

A velocidade de consumo de glicose sem


formação de produto, desconsiderando a (7)
concentração de glicose utilizada para a
manutenção celular, é comumente descrita como
(Roels, 1983):

(2)
(8)

em que:
: variação entre a concentração inicial (S0)
e final (S) de glicose pela variação de tempo
(g.L-1.h-1);
(9)
: fator de conversão de glicose em biomassa (g.g-1).

Estimação dos parâmetros Os parâmetros do modelo (KS e µmáx) foram


estimados com base nos dados experimentais que
Para identificar os parâmetros, foi efetuada
puderam ser ajustados segundo a equação linear
a integração do sistema que consiste nas
5, sendo YX/S previamente determinado, conforme
equações 1 e 2.
a equação 10.
Do sistema tem-se:

(3)
(10)
Admitindo 3 na equação 2 do sistema,
obtém-se:
em que:
: concentração inicial e final de biomassa
(g.L-1), respectivamente;
(4) : concentração inicial e final de glicose
(g.L-1), respectivamente.

Integrando a equação 4, chega-se à equação Uma vez determinados os parâmetros KS e µmáx,


de uma reta: eles foram substituídos na equação 4 para obtenção
dos valores de S (g.L-1) em função do tempo (h), e
(5) estes, por sua vez, foram substituídos na equação 3
para se chegar aos valores de X (g.L-1).
com: Para tanto, o software Microsoft® Excel™ foi
utilizado.

(6) Resultados e discussões

Os parâmetros encontrados nas diferentes


condições de cultivo estão indicados na tabela 1.

– 16 –
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 8, n. 2, dez. 07

Tabela 1 – Valores de µmáx e KS obtidos para Pleurotus ostreatus


DSM 1833 nas diferentes condições de cultivo

Figura 1 – Comparação entre os valores de X (g.L-1) e S (g.L-1)


calculados pelo modelo de Monod (linhas contínuas) e os dados
experimentais (pontos) para Pleurotus ostreatus em cultivo
* Coeficiente de correlação da reta para obtenção de µmáx e KS submerso com KLa de 15h-1

Na tabela 1, verifica-se que os valores dos


parâmetros µ máx (0,041 h -1) e KS (13,03 g.L -1)
foram superiores no experimento com K L a
inicial de 15 h -1.
Analisando as figuras 1 e 2, que mostram a
comparação entre os valores de X (g.L-1) e S (g.L-1)
calculados pelo modelo de Monod e os valores
experimentais, verifica-se que o modelo se adequou
à segunda condição (KLa inicial de 27 h-1).
No entanto não foi verificado, pela figura 1,
um ajuste do modelo aos dados experimentais. Figura 2 – Comparação entre os valores de X (g.L-1) e S (g.L-1)
Isso ocorreu muito provavelmente pelo fato de a calculados pelo modelo de Monod (linhas contínuas) e os dados
experimentais (pontos) para Pleurotus ostreatus em cultivo
reprodução de fungos filamentosos não ser binária submerso com KLa de 27h-1
como nas bactérias e resultar, em meio líquido
agitado, na formação de pellets, dificultando a Papagianni (2004) ressalta que existe uma forte
transferência de glicose para o interior da célula influência da morfologia dos fungos filamentosos
(Papagianni, 2004). O experimento que sobre as propriedades reológicas do meio, ou seja,
o aumento da viscosidade aparente do meio de
empregou K La de 15h -1 proporcionou pellets
cultivo, decorrente da concentração de biomassa,
maiores que o experimento com KLa de 27h-1. reduz o transporte de nutrientes através da parede
O valor de K S (constante de saturação de celular.
glicose), que segundo Crueger & Crueger Znad et al. (2004), ao compararem o modelo
(1993) é equivalente à constante de Michaelis de Monod com o modelo de Contois na produção
(K m ) em cinética enzimática, ou seja, é a de Aspergillus niger, observaram que o primeiro
medida inversa da afinidade do microrganismo representou bem os dados experimentais até
pelo substrato, mostrou-se mais elevado para o enquanto a concentração de biomassa era baixa
(menor que 1 g.L-1), uma vez que a equação de
experimento que utilizou KLa de 15 h -1 (13,03
Monod não considera a inibição do crescimento
g.L -1 ), sugerindo menor acesso do pela concentração de biomassa. No entanto
microrganismo ao substrato na condição de Benkortbi et al. (2006), ao avaliarem diferentes
menor KLa inicial. modelos (Monod, Contois, Teisser e Mosser) para

– 17 –
Avaliação do modelo de Monod na produção de biomassa de Pleurotus ostreatus DSM 1833 em cultivo submerso

produção de biomassa de Pleurotus mutilis, Crueger W, Crueger A (1993). Biotecnologia: manual


verificaram que o modelo de Monod foi o que mais de microbiologia industrial. 3. ed. Editorial Acribia,
se adequou para correlacionar os dados Saragoça, Espanha.
experimentais.
Assim, o modelo de Monod, apesar de ser típico Furlan SA, Virmond LJ, Miers DA, Bonatti M, Gern
para culturas bacterianas, por constituir um modelo RMM, Jonas R (1997). Mushroom strains able to
não-estruturado, é simples, rápido e fácil de ser grow at high temperatures and low pH values. World
utilizado, podendo representar dados experimentais Journal of Microbiology & Biotechnology 13:689-692.
de produção de P. ostreatus e consumo de glicose Madan M, Vasudevan P, Sharma S (1987).
com uso de KLa inicial de 27 h-1.
Cultivation of Pleurotus sajor-caju on different agro-
wastes. Biological Wastes 22:241-250.
Rereferências Mizuno T (1999). The extraction and development
of antitumor-active polysaccharides from medicinal
Abe E, Eira AF, Minhoni MTA (1992). Relações mushrooms in Japan (review). International Journal
entre temperatura de pasteurização e contaminação of Medicinal Mushrooms 1:9-29.
do composto durante o cultivo de Pleurotus ostreatus
(Jacquim Fries) Kummer. Científica 20(2):423-433. Papagianni M (2004). Fungal morphology and
metabolite production in submerged mycelial
Benkortbi O, Hanini S, Bentahar F (2006). Batch processes. Biotechnology Advances 22:189-259.
kinetics and modeling of Pleuromutilin production
by Pleurotus mutilis. Biochemical Engineering Journal Ragunathan R, Swaminathan K (2003). Nutritional
36:14-18. status of Pleurotus spp. grown on various agro-wastes.
Bisaria R, Madan M (1983). Mushrooms: potential Food Chemistry 80:371-375.
protein source from cellulosic residues. Enzyme
Microbiology Technology 5:251-259. Rajarathnan S, Shashireka MN, Bano Z (1992).
Biopotentialities of the basidiomacromycetes.
Bonatti M, Karnopp P, Soares HM, Furlan SA Advances in Applied Microbiology 37:233-361.
(2004). Evaluation of Pleurotus ostreatus and
Pleurotus sajor-caju nutritional characteristics when Roels J A (1983). Energetics and kinetics in
cultivated in different lignocellulosic wastes. Food biotechnology. Elsevier Biomedical Press, Amsterdã,
Chemistry 88(3):425-428. p. 54.
Bononi VLR, Trufem SFB (1995). Cogumelos Scherba VV, Babitskay VG, Truchonovec VV,
comestíveis. Ed. Ícone, São Paulo. Fomina VI, Bisko NA, Mitropolskaya YN (1999).
The influence of the cultivation conditions on the
Cavazzoni V, Adami A (1992). Exopolysaccharides
produced by mycelial edible mushrooms. Italian chemical composition of medicinal mushrooms
Journal of Food Science 1:9-15. Pleurotus ostreatus (Jacq.: Fr.) Kumm. and Lentinus
edodes (Berk.) Sing. International Journal of Medicinal
Chang ST, Lau OW, Cho KY (1981). The Mushrooms 1:181-185.
cultivation and nutritional value of Pleurotus sajor-
caju. European Journal Microbiology Biotechnology Silveira M, Wisbeck E, Ninow J, Gern RMM, Furlan
12:58-62. SA (2006). Pleurotus cultivation in submerged
culture and nutritional value of fruit bodies
Chang ST, Miles PG (1993). Mushrooms: trends in cultivated in solid culture. In: Larroche C, Pandey
production and technological development. Genetic A, Dussap CG (Orgs.). Current topics on bioprocesses
Engineering and Biotechnology Monitor 41/42:73-81.
in food industry 1:197-203.
Cohen R, Persky L, Hadar Y (2002).
Biotechnological applications and potential of wood- Znad H, Blazej M, Báles V, Markos J (2004). A
degrading mushrooms of the genus Pleurotus. Applied kinetic model for gluconic acid production by
Microbiology and Biotechnoogy 58(5):582-594. Aspergillus niger. Chemical Papers 58(1):23-28.

– 18 –

Você também pode gostar