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INCORPORAÇÃO DE RESÍDUOS DE LÂMPADAS FLUORESCENTES


NA FABRICAÇÃO DE CERÂMICAS

1 INTRODUÇÃO

O segmento de cerâmica vermelha brasileiro integra o ramo de produtos de


minerais não-metálicos da indústria de transformação, fazendo parte, juntamente com
outras indústrias, como as de cerâmica de revestimento, sanitários, indústria cimenteira
e vidreira, do conjunto de cadeias produtivas que compõem o Complexo da Construção
Civil. Tem como atividade, a produção de uma grande variedade de materiais, como
blocos de vedação e estruturais, telhas, tijolos maciços, lajotas e tubos, além de produtos
para fins diversos como argilas piroexpandidas, objetos ornamentais e utensílios
domésticos.

O ato de reciclar é visto como uma solução que permite reunir os benefícios da
conservação do meio ambiente com as vantagens econômicas do reaproveitamento de
substâncias e materiais, alguns escassos ou renováveis, contribuindo assim para a
prática do desenvolvimento sustentável. Sendo assim, a utilização do resíduo de vidro
de lâmpada fluorescente na formulação de massas de cerâmicas é uma forma de se
reciclar e contribuir com a qualidade, não somente do meio ambiente, como também na
qualidade do produto na qual este estará sendo utilizado.

2 ENSAIO PARA AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DO VIDRO DE LÂMPADA


FLUORESCENTE COMO FUNDENTE

Já existe no mercado produtos com essa tecnologia, mas para tanto, vários
ensaios para a verificação das vantagens ou desvantagens no uso de resíduos de vidro de
lâmpadas fluorescentes em massas cerâmicas precisaram ser feitos. Dentre eles, a
análise dos diagramas de gresificação será apresentada neste trabalho.

A curva de gresificação é a representação gráfica simultânea das variações da


absorção de água (AA) e retração linear (RL) da peça com a temperatura de queima.
Permite-nos avaliar a tolerância da massa a variações de temperatura e condições de
processamento e, portanto pode ser de grande utilidade como um instrumento de
controle de qualidade. Nesse sentido, a curva de gresificação também pode ser utilizada
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como uma ferramenta para monitorar possíveis variações da composição da massa


provocadas por variações das características entre diferentes lotes de uma mesma
matéria-prima e/ou por desvios na dosagem, e tomar as ações corretivas necessárias.

Os materiais utilizados neste estudo foram os seguintes: Argila e caulim (in


natura), macerados com almofariz e pistilo e em seguida peneirados. O vidro utilizado
neste ensaio foi oriundo de lâmpadas fluorescentes usadas. Os mesmos foram lavados e
moídos em moinho de bolas até se obter uma fina granulometria e após, colocados em
estufa. Antes da preparação dos corpos de provas, todas as matérias-primas foram
peneiradas , para que todas estivessem em um padrão de homogeneização, e separadas
em quantidades pré-estabelecidas para três formulações diferentes: F1 (40% de argila,
40% de caulim e 20% de vidro), F2 (42,5% de argila, 42,5% de caulim e 15% de vidro)
e F3 (45% de argila, 45% de caulim e 10% de vidro).
Corpos de prova de 15 g foram preparados. Após a pesagem da matéria prima,
as formulações foram homogeneizadas e em seguida foi realizada a prensagem dos
corpos de prova em uma prensa hidráulica. A compactação do pó das formulações foi
realizada utilizando uma pressão de 3 toneladas, em moldes de aço com medidas de
2,00 x 6,00 cm. Com os corpos de prova já confeccionados, estes foram colocados em
uma estufa à temperatura de 100°C durante 24 h para a retirada da umidade adquirida
durante a preparação. Em seguida, foram calcinados em forno tipo mufla a temperatura
de 300°C durante 2 horas para a retirada dos materiais orgânicos. Os corpos de prova
foram então sinterizados em um forno de resistência elétrica nas temperaturas de
1020ºC, 1060ºC, 1100ºC, 1140ºC e 1180°C, com um patamar de queima de 2 horas.
Posteriormente foram realizados ensaios e análises para a avaliação do comportamento,
morfologia e propriedades tecnológicas dos materiais obtidos.
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Figura 1 - Gráfico de módulo de ruptura à flexão Figura 2 - Curvas de gresificação

Fonte: Revista da Anicer. Edição 85

Na figura 1 observa-se que a resistência mecânica das peças sinterizadas aumentou


nas temperaturas de 1020°C a 1140°C. Com o aumento da temperatura de sinterização,
até 1180°C, o módulo de ruptura diminuiu. Tal fato pode ser devido provavelmente à F1
possuir maior quantidade de vidro incorporado, pois a grande quantidade de vidro nos
contornos de grão possivelmente fragilizou a estrutura e isto se fez sentir principalmente
em maiores níveis de temperatura.

Para F2 observa-se que nas temperaturas entre 1100°C a 1180°C, houve um


aumento deste módulo devido à vitrificação causada pelo vidro nos corpos cerâmicos
nesta faixa de temperatura. A resistência mecânica das peças sinterizadas aumentou
consideravelmente com o aumento da temperatura de sinterização em todos os corpos
de prova estudados. Para F3 observa-se, como na formulação anterior, que a resistência
mecânica das peças sinterizadas também aumentou gradativamente com o aumento da
temperatura de sinterização, em todos os corpos de prova estudados.

Vale ressaltar que resistências mecânicas deste nível de grandeza para a F2 (15%
de vidro), viabiliza sua utilização para pisos cerâmicos conforme a norma ABNT-NBR
15463/2007, pois os resultados obtidos nos ensaios mecânicos foram superiores a 35
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(Mpa) e AA igual a 0,6% na temperatura de 1140°C. Também poderá ser fabricado


blocos estruturais pois a resistência mecânica se enquadra dentro da norma ABNT-NBR
7184/1992.

A figura 2 mostra as curvas de gresificação para as formulações propostas.


Observa-se que, com a adição de vidro, a absorção de água tendeu a cair em altas
temperaturas e a retração linear atingiu valores mais altos, evidenciando assim que o
vidro é um excelente fundente e o mesmo pode ser usado para composição de massas
para fabricação de bloco estrutural a temperaturas de sinterização mais baixas (1020°C).

Para F1, a curva de gresificação traçada teve sua interseção em


aproximadamente 1022°C, ponto este que indica a melhor temperatura de trabalho para
a formulação em questão. Este comportamento ocorreu devido ao maior teor de vidro
(20%) nesta formulação. Desta forma, a retração linear foi muito maior e o efeito de
queima foi obtido muito mais rapidamente e, consequentemente a absorção de água
também diminuiu.
A curva de gresificação para F2 apresentou interseção em aproximadamente
1040°C, ponto este que indica a melhor temperatura de trabalho para a formulação em
questão. Nesta temperatura, o valor da retração linear foi de 8% e absorção de água de
11,73%. A curva de gresificação da F3 apresentou interseção em aproximadamente
1070°C, ponto este que indica a melhor temperatura de trabalho para a formulação em
questão, com 8% de retração linear e 11,26% de absorção de água.
Conforme mostra a figura 2, a AA variou entre 1,28% e 4,74% e a RLq varia
entre 9,15% e 10,09% na temperatura de 1100°C . Sendo assim, este produto é
classificado pela norma ISO 13.006 como pertencente ao grupo BlIa (semi-grês), pois
segundo a norma, a sua AA deve está entre 3,0 e 6,0%.

3 PRODUTOS COM ESSA TECNOLOGIA

A Lepri Finas Cerâmicas Rústicas é uma empresa pioneira e única no mercado


de cerâmicas a reutilizar lâmpadas fluorescentes recicladas. Com 18 anos de mercado, a
empresa que fica localizada no município de Tambaú, a 260 km da capital São Paulo,
recebe até 5 toneladas de vidro por mês. Uma empresa do município de Paulínia, que
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coleta e retira o mercúrio e fósforo do material, fornece a ‘matéria-prima’


descontaminada a um custo de R$ 250,00 a tonelada, incluindo o frete.

Na Lepri, os cacos de vidro são triturados por 6 horas e misturados com água e
outros componentes se transformam em uma massa líquida. A empresa usa essa massa
líquida na produção de esmaltes e para a produção de massas cerâmicas essa mistura
passa de 6 a 10 horas na secagem e depois é moída numa granulometria bem fina.

Depois de muita pesquisa, o resultado na linha de produção da empresa foi


positivo. O vidro melhorou a qualidade, aumentou a resistência do piso e gerou uma
economia de até 15% no consumo de gás durante a queima da cerâmica. Essa economia
vem da substituição, o vidro de lâmpada custa R$ 0,21 o quilo e o outro tipo, que antes
era usado, sai por R$ 2,10. Segundo o proprietário da empresa, o uso do resíduo de
lâmpada em alguns produtos compensa e em outros produtos utilizam o resíduo com
menos compensação, mas ele percebeu que cada vez mais o consumidor tem se
preocupado com uma destinação correta dos resíduos e como consequência a
preservação do meio ambiente.

Por mês são produzidos 5 mil metros de revestimento a base de pó de lâmpada


fluorescente e 99% dos produtos da Lepri contêm esse material em sua massa. A
empresa ganhou o Prêmio Planeta Casa, na categoria “produtos”, organizado pela
revista Casa Claudia, em 2006, e na categoria “materiais de construção”, em 2011. Os
produtos e o processo de produção sustentável da marca foram temas de várias
reportagens na mídia nacional.

Figura 3 - Produtos da Lepri que utilizam resíduo de lâmpada


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F
onte: www.lepri.com.br

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da curva de gresificação pode-se determinar a tolerância da massa


cerâmica a variações de temperaturas e condições de processamento e neste sentido
pode servir como instrumento de controle de qualidade, pois uma vez que se sabe a
faixa ideal de AA ou RLq , pode-se determinar qual a temperatura ideal de queima do
material, sem que haja gasto desnecessário de energia no processo. Observa-se que o
cruzamento das curvas ocorreu em cerca de 1022°C, 1040°C e 1070°C para as
formulações 1 a 3 respectivamente, demonstrando que a partir destes pontos, as
propriedades físicas alcançaram níveis interessantes para fabricação de materiais
cerâmicos de boa qualidade estando dentro das exigências, inclusive para cerâmicas de
revestimento.

A reciclagem do vidro da lâmpada fluorescente é uma iniciativa bastante


inovadora e de muito sucesso que rendeu, após muitas pesquisas e desenvolvimentos,
prêmios e reconhecimentos para a empresa Lepri. A cerâmica é um produto com grande
potencial para o reaproveitamento de materiais inorgânicos já utilizados, como restos de
materiais da construção civil, material da indústria siderúrgica, restos da própria
cerâmica, e com vidros de lâmpadas não podia ser diferente. As empresas devem se
preocupar cada vez mais com a utilização de resíduos no seu processo produtivo.
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REFERÊNCIAS

BRITO, Vanessa. Cerâmica reaproveita vidros de lâmpadas fluorescentes, telas de


tv e monitores de computador. Disponível em:
<http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/Not%C3%ADcias/Cer
%C3%A2mica-reaproveita-vidros-de-l%C3%A2mpadas-fluorescentes,-telas-de-tv-e-
monitores-de-computador >. Acesso em: 10 out. 2014.
LEPRI FINAS CERÂMICAS RÚSTICAS. Sustentabilidade. Disponível em: <http://
www.lepri.com.br/index02.php?p=gestao>. Acesso em: 13 out. 2014.
ARAÚJO, Samara e FAGURY NETO, Elias. Avaliação do comportamento de
gresificação de cerâmicas argilosas com adição de vidro. Revista da Anicer, Rio de
Janeiro, Edição 85, p.52 - 58, 2013.

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