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A utilização de

berçários e raceways
em fazendas de
camarão marinho
Litopenaeus vannamei
no Brasil
II – Desinfecção e fertilização

Bruno Ricardo Scopel Anízio Neto da Silva


Eco Marine Aquicultura Aquacultura Integrada Ltda
Phibro Aqua Int. anizio@aquaculturaintegrada.com.br
scopel@ecomarinebr.com

Em nosso primeiro artigo sobre o tema, publicado na 4ª edição da Revista Aquaculture Brasil (jan/
fev-2017), abordamos questões gerais do histórico do uso dos berçários e raceways no Brasil, as diferentes
estruturas que estão atualmente sendo utilizadas e as vantagens da implementação de sistemas bifásicos e

raceways em alta densidade ainda são escassos. Desta forma,


pretendemos contribuir com informações técnicas importantes para a operação destas estruturas através de
revisões de conceitos básicos e experiências práticas adquiridas nos últimos anos no Brasil.

Desinfecção da Água de Cultivo


Como em qualquer cultivo, o tratamento da água pré-povoamento tem uma elevada importância,
principalmente na situação de brotes de doenças nas fazendas, onde deseja-se excluir por completo, ou ao
máximo, os microrganismos patogênicos e seus vetores, como forma de biosseguridade. Assim, uma das van-

de sedimentação e oxigenação, podem auxiliar como primeiro tratamento da água, eliminando boa parte de

muito forte sobre os microrganismos, principalmente quando o ambiente estiver seco (quando o tanque
estiver vazio). Equipamentos de UV, muito utilizados para tratamento de água em larviculturas e hatcheries
também podem ser implementados em sistemas de berçários nas fazendas, porém ainda não são equipamen-
tos usuais nestes empreendimentos, principalmente devido ao preço de instalação quando necessita-se tratar
grandes volumes de água.

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Artigo

© Cacau Studio
Tratamentos químicos da água são muito comuns na aquicultura, entre eles desta-
cam-se (Boyd & Tucker, 1998; Aldays-Sanz, 2010):
· Hipoclorito de cálcio;
· Hipoclorito de sódio;
· Óxido de cálcio (cal virgem);
· Hidróxido de cálcio (cal hidratada);
· Amônia quaternária;
· Gás ozônio;
· Ácido fórmico;
· Formalina;
· Iodo;
· Alguns tipos comerciais de crustacidas.

Em cultivos de camarão o hipoclorito de cálcio (65%) é o desinfetante mais comum. De forma geral se
utiliza 10 ppm de cloro livre para a eliminação de bactérias e a maior parte de vetores, e 30 ppm de cloro livre
para a eliminação de vírus, entretanto a utilização do cloro como desinfetante necessita de atenção em alguns
pontos.

maneira a aplicação de cloro deve ser sempre feita antes do povoamento e com total segurança que não haverá
cloro residual na água. O cloro é um radical que perde elétrons e começa a oxidar-se, ou seja, é um agente re -
dutor. Em reação com a água forma um ácido forte (ácido clorídrico) e um ácido fraco (ácido hipocloroso ou
HClO). O ácido hipocloroso (HClO) é o agente desinfetante e tem relativa facilidade em penetrar na parede

dependendo do seu valor facilita a dissociação do ácido hipocloroso (HClO) nos íons H + e OCl -, entretanto,
o OCl -

cloro residual livre oxida a matéria orgânica presente na água, perdendo seu poder de desinfecção, assim como
o cloro residual em reação com a amônia formam as chamadas cloraminas, as quais são altamente tóxicas aos
animais cultivados.

Resumidamente, quanto maior a quantidade de matéria orgânica na água, mais elevada a temperatura
e maior o pH da água, menor o poder desinfetante do cloro, necessitando aplicações mais elevadas do produto

2001; Aldays-Sanz, 2010).

Fertilização e Startup da água Resumidamente,


Depois de cumprido todos os procedimentos quanto maior a
de esterilização da água, deve-se dar início à fertilização, uma quantidade de
vez que comprovadamente águas ricas em produtividade matéria orgânica na água,
natural, microalgas e zooplâncton, são mais adequadas ao
crescimento de pós-larvas de camarão. Águas de abastecimen - mais elevada a temperatura
to já fertilizadas (sem esterilização) ou com uso de inóculo de e maior o pH da água, menor
uma água utilizada em cultivo anterior, necessitaram menos ou o poder desinfetante do clo-
nenhum tipo de fertilização inicial.
ro, necessitando aplicações
O conceito básico de fertilização é a aplicação de mais elevadas do produto
compostos inorgânicos à base principalmente de nitrogênio
(N), fósforo (P) e potássio (K) para promover o crescimen - para que sua eficiência na
to de algas e de compostos orgânicos a base principalmente eliminação de patógenas
de carbono (C) e nitrogênio (N). Entretanto, todos os micror - seja satisfatória.
ganismos necessitam de outros macro elementos, como por
exemplo magnésio (Mg), potássio (K), enxofre (S), sódio (Na),

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© Bruno Scopel

cálcio (Ca), cloreto (Cl) e microelementos como


ferro (Fe), manganês (Mn), zinco (Zn) etc. Estes
elementos de forma geral estarão em quantidades

águas com maiores salinidades. Muitos produ -


tores utilizam materiais à base de sílica (Si) para
promover microalgas diatomáceas.

Uma fertilização adequada deve ser ini -


ciada entre 4 a 10 dias antes do povoamento, de -
pendendo das condições da água e do ambiente
de cultivo, até que se atinja o bloom de microal -
gas desejado. Fatores como incidência luminosa,
temperatura, pluviosidade, concentração total de
nutrientes, biomassa estocada e tipo de fertili -
zante irão impactar fortemente na qualidade da
fertilização inicial. Uma água está pronta para o
-
bidez da água estiver composta basicamente por microalgas e zôoplancton, uma vez que compostos inorgâni -
cos argilosos podem interferir na leitura da transparência. Um microscópio pode ser usado para se ter uma
melhor segurança no que está compondo a turbidez da água.

sistema, em qualquer tipo de cultivo, salvo em sistemas realizados sem luz, o que inibe a fotossíntese. O cresci -
mento de microalgas pertencentes aos grupos Clorophyta e Chrysophyta (diatomáceas) na água no início dos

sistemas intensivos e superintensivos com baixa troca de água, há uma tendência das bactérias predominarem
-
ano. Essa dinâmica microbiológica é de fato muito importante para a manutenção de qualidade de água e está
fortemente relacionada com a fertilização inicial e controle dos parâmetros físicos e químicos da água.

A visualização
do efeito dos
fertilizantes sobre
a água e a experiên-
cia do técnico que está
operando o sistema
ajudarão no refina-
mento das práticas de
fertilização, assim como
a criação de protocolos
específicos para cada
condição.

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Quantidade de fertilizantes na aplicação © Bruno Scopel
A quantidade de fertili-
zantes utilizada em tanques berçári -
os e viveiros de camarão não pode
ser padronizada como “receita de
-
dade de água reagirá de uma forma
diferente. Concentrações altas de cál-
cio causarão precipitação do fósforo,
inibindo seu poder de fertilização,
assim como águas com baixa
alcalinidade (< 80mg/L CaCO3) serão
mais limitadoras na ação dos fertili -
zantes. Desta maneira, a visualização
do efeito dos fertilizantes sobre a água
e a experiência do técnico que está
-
namento das práticas de fertilização,
assim como a criação de protocolos

Organismos marinhos têm


uma relação 106:16:1 de carbono, ni-
trogênio e fósforo, respectivamente.
Relações N:P (Nitrogênio:Fósforo)
para promover bloom de microalgas
têm sido relatadas por diferentes es -
pecialistas entre 2:1 até 16:1, depen -
dendo de quanto a água já disponibi -
liza destes nutrientes e o quanto eles
farão o efeito desejado na água. As
frequências de aplicação variam de 1
vez por semana até a cada 2-3 dias. As
relações de C:N utilizadas para a pro-
moção e bactérias variam de 6:1 até
20:1.

Melaço de cana contém cer -


ca de 0,3 kg (30%) de carbono/kg
de melaço e suas aplicações normal -
mente são acompanhadas do pro -
bióticos. Quantidades de 10-50g/
m 3 de melaço têm sido utilizadas
para fertilização inicial. As frequências podem ser 1-2x/semana ou diárias até o povoamento. Dependendo do
tempo disponível para as fertilizações. Ressaltando que aplicações elevadas de melaço reduzem consideravel-
mente as concentrações de oxigênio e aumentam a quantidade de matéria orgânica na água.

Conclusão
Os protocolos de tratamento e fertilização para berçários e raceways são variados e são ajustados conforme
cada situação, tipo de cultivo, tempo disponível para a fertilização e a qualidade de água presente. As recomendações
descritas neste artigo podem servir de base para que cada operador do sistema de cultivo faça sua “receita de bolo”
conforme a observação de resultados e experiência prática.

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