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44 AQUACULTURE BRASIL - SETEMBRO/OUTUBRO 2016

PROBIÓTICOS
NA PISCICULTURA
Gabriel Fernandes Alves Jesus¹; Scheila Anelise Pereira¹; Gabriella do Vale
Pereira²; Bruno Corrêa da Silva³; Maurício Laterça Martins¹; José Luiz Pedreira
Mouriño¹.
¹ AQUOS – Laboratório de Sanidade de Organismos Aquáticos, Departamento de Aquicultura, Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. - gabriel_faj@hotmail.com
² School of Biological Sciences, Faculty of Science and Environment, Plymouth University, England.
3Epagri –Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, Brasil.

Q uando se pretende aumentar a


produtividade na criação ani-
ra mundial oriundas de enfermi-
dades ultrapassem a cifra de US$ 9
surgem na aquicultura.
Tendo em vista esta
mal, seja em pequena ou larga es- bilhões ao ano”. problemática, acredita-se que a
cala, um quesito importante a ser O aumento na prevalên- melhor medida a ser adotada pelos
observado é a sanidade. Grandes cia de doenças bacterianas pode produtores é a prevenção, incor-
mortalidades de peixes são obser- estar relacionado à sua rápida porando Boas Práticas de Manejo
vadas quando há a intensificação proliferação, surtos em curto in- (BPM) implementadas ao pro-
da produção e quando boas práti- tervalo de tempo, ou ainda, po- grama de sanidade adotado na
cas de manejo não são realizadas, dem-se desenvolver lentamente, propriedade, que irão possibilitar
tanto em tanques-rede quanto em com menos gravidade e resistir o equilíbrio no cultivo de organis-
viveiros escavados. A ocorrência ao um longo período de cultivo. mos aquáticos e consequentemente
de enfermidades tem como prin- À exemplo, doenças causadas por evitar perdas econômicas.
cipal fator o desequilíbrio do bactérias Gram-negativas podem Dentre as práticas sanitárias
triângulo epidemiológico patóge- levar a perdas de 5% em casos mais preventivas, destaca-se a utilização
no-hospedeiro-meio ambiente, brandos, ou a 100% em casos mais de probióticos, capazes de auxiliar
devido à deterioração da qualidade agudos em cultivo de tilápias. no incremento dos parâmetros
de água e/ou bem-estar do animal, “Estima-se que as per- zootécnicos e da capacidade imu-
que consequentemente diminui a nológica dos peixes. Probiótico é
capacidade de resposta imunológi- das econômicas na aqui- uma palavra derivada do grego que
ca dos peixes, favorecendo assim o cultura mundial oriun- significa “a favor da vida”, porém
desenvolvimento de doenças. das de enfermidades desde 1965 o uso de seu termo vem
As enfermidades vi- ultrapassem a cifra de sendo continuamente revisto. Suas
rais, bacterianas ou parasitárias US$ 9 bilhões ao ano” definições podem variar de acordo
são problemas emergentes com a forma de utilização, se há ou
que limitam o crescimento da Ao longo dos anos novas não colonização do trato intestinal
atividade piscícola, pois acarretam enfermidades e micro-organis- do hospedeiro, e se atua trazendo
grandes mortalidades das popu- mos cada vez mais adaptados às benefícios ao ambiente de cultivo e/
lações de peixes estocados e per- condições de cultivo e resistentes ou hospedeiro. Portanto, MOURI-
das econômicas. “Estima-se que as aos tratamentos com quimioterápi- NO et al. (2008) definiram pro-
perdas econômicas na aquicultu- cos convencionais (antibióticos) bióticos como: “micro-organismos

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vivos que, adicionados ao cultivo
de maneira que entrem no trato
e) produção
compostos
de uma série de
antimicrobia-
dietas e produtos comerciais.
Atualmente no mercado é
digestivo dos animais e, manten- nos como bacteriocinas e ácidos possível encontrar diferentes com-
do-se vivos, atuem beneficamente orgânicos. posições de cepas nos probióticos
no animal de interesse, melhoran- Além disso, os mi- comerciais testados e utilizados
do a eficiência alimentar, o siste- cro-organismos utilizados como em peixes. Porém, se observa que
ma imunológico e/ou balanço da probióticos na aquicultura de- estes produtos utilizados na aqui-
relação de bactérias benéficas e pa- vem ser seguros, não apenas para cultura foram isolados de animais
togênicas no trato digestivo”. o animal cultivado e o meio em terrestres ou de espécies de peixes
Ao longo dos anos, várias que vivem, mas também para os que não são o “alvo” da suplemen-
estratégias para modular a com- humanos. Além de colonizar o tação ou aplicação, sendo assim
posição da microbiota intestinal, a trato digestório e produzir efeito cepas probióticas alóctones, po-
fim de se obter melhor resistência a benéfico no hospedeiro, outras dendo apresentar resultados não
doenças, além de maiores taxas de características devem ser obser-
crescimento e eficiência alimen- vadas nestes micro-organismos,
tar, foram estudadas nos mais di- como: ser inócuo, não possuir
versos ramos da produção animal. genes de resistência a antibióti-
Na aquicultura, as bactérias pro- cos, possuir propriedades antimu-
bióticas se destacam pela capaci- tagênicas e anticancerígenas, re-
dade de proporcionar uma série de sistir às enzimas do trato digestório
benefícios aos animais cultivados, e a bile, ao processo de inoculação
como: na ração, e ao tempo de armazena-
exclusão competitiva de bac- mento e transporte.
a) térias patogênicas no trato Tanto as cepas esporuladas
intestinal (principal via de en- como as não esporuladas podem
trada de patógenos); ser utilizadas como probióticos. Cepa de Lactobacillus sp em meio de cultura
modulação do sistema Dentre as não esporuladas, as mais
b) imunológico desenvolvendo utilizadas são os Lactobacillus,
MRS agar
esperados. Com isso, é recomen-
os mecanismos de defesa; que possuem grande capacidade dado sempre que ao iniciar a uti-
auxílio na digestão de nutri- de colonização do trato intestinal lização destes produtos, avaliem-se
c) entes através da produção de e produção de compostos com os resultados atingidos de acordo
enzimas digestivas; atividade antimicrobiana. Já dentre com cada objetivo desejado, pois es-
d) produção e excreção de
vitaminas no trato intestinal
as formas esporuladas, as bactérias
do gênero Bacillus, principalmente
tes poderão impactar consideravel-
mente no custo da ração (R$ 50,00
do hospedeiro, como as do com- as espécies Bacillus subtilis e Bacil- a R$ 200,00 por tonelada de ração).
plexo B (ácido fóli- lus licheniformes, são as cepas pro- A utilização de cepas pro-
co); bióticas mais comumente utiliza- bióticas alóctones também pode
das na aquicultura. A maior apresentar uma série de desvanta-
vantagem na utilização gens como a inserção de micro-or-
deste último grupo de ganismos exógenos ao ambiente
bactérias como probióti- de cultivo, o desconhecimento dos
cos está relacionada possíveis efeitos no trato intesti-
com a facilidade de ser nal e sua interação com os demais
produzida em massa e micro-organismos do ambiente.
incorporada em produ- Uma alternativa é usar cepas pro-
tos comerciais, pois a ca- bióticas autóctones, isoladas do
Cepas pacidade de esporulação próprio organismo (hospedeiro).
bacterian-
as crescidas em MRS
facilita a sua inclusão em A vantagem da utilização de cepas
isoladas de Arapaima gigas

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Isolamento de cepas de bactérias ácido láticas

autóctones está relacionada ao fato de tecnologias que potencializem a Já as cepas


de apresentarem maior capacidade chance de sucesso de sua aplicação bioreme-
de colonizar o trato intestinal do na piscicultura. diadoras
hospedeiro, se manterem viáveis, Embora se saiba que o irão, como
já estarem inseridas no ambiente modo de administração dos pro- o nome já
de cultivo, além de trazer uma bióticos mais eficaz seja pela diz, reme-
série de benefícios ao hospedeiro. alimentação, também podem ser diar algum
Contudo, há poucos probióticos utilizados diretamente na água de problema na
comerciais que utilizam cepas es- cultivo, causando efeitos benéficos água; seja trans-
pécie-específico, e sua produção ao ambiente e ao hospedeiro, ou formando amônia em nitra-
na própria fazenda depende do ainda podem ser incorporadas em to, mineralizando a matéria
mínimo de estrutura e conheci- rotíferos e artêmias na larvicultura orgânica; melhorando assim os
mento para se trabalhar com técni- de peixes. Vale ressaltar a existên- parâmetros de qualidade de água.
cas de microbiologia, dificultando cia de cepas benéficas/probióticas Dessa forma, uma cepa pode apre-
assim a utilização desta tecnologia as quais não atuam diretamente no sentar mais de uma ação e atender
na propriedade. hospedeiro, como as biocontrola- a critérios simultaneamente. Por
Dessa forma, o ideal é que doras e bioremediadoras, mas atu- exemplo, uma bactéria bioreme-
empresas e universidades tra- am no ambiente de cultivo. Ambos diadora pode decompor a matéria
balhem em parceria e invistam são micro-organismos vivos, porém orgânica do ambiente e produzir
em produtos baseados na seleção as biocontroladoras são antagônicas a compostos que diminuam a carga
de bactérias autóctones da espé- patógenos e não colonizam o trato de bactérias patogênicas na água e
cie alvo, assegurando seu modo de gastrointestinal, diminuindo a car- no solo, além de poder ainda colo-
ação e sua utilização em larga es- ga de bactérias patogênicas no am- nizar o trato intestinal do animal.
cala, através do desenvolvimento biente de cultivo (solo e água). A utilização de probióti-
cos na aquicultura, no Brasil e no
mundo, já é uma realidade, para
sua utilização racional existe a
necessidade do conhecimento da
espécie cultivada, seus hábitos
alimentares, sua fisiologia e ciclo
biológico, a fim de selecionar e im-
plementar o probiótico adequado
para cada produção, visando o au-
mento da produtividade e da sani-
dade do cultivo.

Metodologia de antagonismo a patógenos através da metodologia Disco ágar Difusão (do


inglês: Well Disc Assay ). Referências Bibliográficas:
MOURINO, J.L.P. et al. 2008. Probióticos
na Aquicultura. In: SILVA-SOUZA et al.
(eds). Patologia e sanidade de organismos
aquáticos. Maringá-PR, p. 404.

Imagens cedidas por:

© José Luiz P. Mouriño


Halos de inibição ocasionados por
bactérias acido láticas frente a Pseudomonas fluorescens, Aeromonas hydrophila e Citrobacter
freundi.

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