Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Os antibióticos têm sido utilizados em produção animal, incluindo aquacultura, para prevenção e
tratamento de doenças infecciosas. A sua administração tem impacto sobre o ambiente e pode conduzir
ao aparecimento de resistência antimicrobiana, tanto em bactérias comensais do intestino humano e
animal, como em bactérias do meio ambiente, com a possível disseminação de genes de resistência
entre diversas populações bacterianas. A capacidade de transferência horizontal de genes de resistência
aos antimicrobianos de bactérias ambientais aquáticas, como Aeromonas salmonicida, para bactérias, como
Escherichia coli, tem sido documentada. A transmissão do animal para o homem pode ocorrer por vários
meios, incluindo contacto directo com animais e fezes, bem como ingestão de alimentos e água. O uso
excessivo e não controlado de antimicrobianos em animais tem consequências na saúde pública, tendo
transformado a resistência aos antimicrobianos num preocupante problema global. As mudanças no
sistema de produção podem aumentar a importância da difusão de resistências no meio ambiente, se
a produção se tornar mais integrada ou mais intensiva em áreas geográficas de menores dimensões.
Assim, no presente trabalho realça-se a importância da monitorização contínua da administração de
antibióticos em aquacultura.
Palavras-chave: aquacultura, resistência antimicrobiana, Aeromonas, Escherichia coli
ABSTRACT
Antibiotics are used in animal production, including aquaculture, to prevent and treat infectious disease.
The administration of antibiotics has impact on the environment, and may lead to the emergence of
antimicrobial resistance, in commensal bacteria both in human and animal gut, and in environmental
bacteria, with the possible spread of resistance genes in diverse bacterial populations. The ability of
horizontal transfer genes from environmental bacteria such as Aeromonas salmonicida to bacteria such as
Escherichia coli has been reported. The transmission from animal to human can occur through various
ways, including direct contact with animals and feces, and ingestion of food and water. The excessive
and non-controlled use of antibiotics in animals has impact in public health, and transformed the
antimicrobial resistance as a huge concern and a global issue. The changes in the production system
can increase the importance of dissemination of resistance in the environment, as this production is
becoming more integrated or more intensive in smaller geographic areas. The present review highlights
the importance of the continuous monitoring of the administration of antibiotics in aquaculture.
Keywords: aquaculture, antimicrobial resistance, Aeromonas, Escherichia coli
1
Mestre em Segurança Alimentar
2
Doutora em Farmácia – Especialidade de Microbiologia e Parasitologia
3
Doutor em Farmácia – Especialidade de Bromatologia e Hidrologia
Endereço para correspondência: Soraia Gastalho, Centro de Estudos Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia da
Universidade de Coimbra, Azinhaga de Santa Comba 3000-549 Coimbra, Portugal
E-mail: soraiagastalho@gmail.com
30 | S. Gastalho, G.J. da Silva, F. Ramos
126 milhões de toneladas, disponíveis para registou valores de 9 Kg per capita por ano em
consumo humano em 2009, o consumo de 1960 e de 16,7 Kg em 2006, estimando-se que
peixe era menor em África, enquanto a Ásia foi este valor aumente para 17,0 Kg em 20207.
responsável por dois terços do consumo total Portanto, a aquacultura continua a ser a acti-
com 85,4 milhões de toneladas, dos quais 42,8 vidade de maior crescimento no sector produ-
milhões foram consumidos fora da China . 9
tivo de animais para consumo humano11.
Os valores per capita de consumo de peixe A sua contribuição para as reservas
correspondentes a Oceânia, América do Norte, mundiais de várias espécies de peixes, crustá-
Europa, e América Latina e Caribe foram 24,6, ceos e moluscos teve um aumento de 3,9% da
24,1, 22,0 e 9,9 Kg, respectivamente. Embora o produção total em 1970, para 33% em 2005.
consumo anual per capita de produtos da pesca Estima-se que a pesca e a aquacultura tenham
tenha crescido nas regiões em desenvolvimento, proporcionando uma oferta per capita de 16,7
ainda é notável a diferença para as regiões mais Kg (peso vivo) de peixe. Desta oferta, 47% é
desenvolvidas. Uma parte considerável do peixe derivado da produção aquícola12.
consumido nos países desenvolvidos consiste A vasta gama de espécies produzidas
em importações, e, devido à procura constante reflecte-se na diversidade dos sistemas ambien-
e produção local em declínio, está previsto um tais10. No entanto, existem vários factores que
aumento das importações nos próximos anos9. influenciam a escolha de ração para peixes
A China, por exemplo, tem sido respon- de aquacultura. Destes, o factor económico é
sável pela maior parte do aumento de consumo geralmente o mais importante. Outros factores
de peixe no mundo. A sua participação na importantes no fabrico de rações para animais
produção mundial de pescado cresceu de 7% aquáticos, são a estabilidade do alimento na
em 1961 para 35% em 2010, impulsionada pelo água e a sua aceitabilidade. Assim, torna-se
aumento na diversidade de peixe disponível . 9
necessária a inclusão de um agente de ligação
Os peixes e os produtos da pesca repre- para assegurar uma correcta alimentação do
sentam uma valiosa fonte de proteínas e pescado, podendo este ser líquido ou sólido,
micronutrientes essenciais para a nutrição sob a forma de revestimentos ou de películas.
equilibrada e boa saúde. Em 2009, o pescado Os agentes de ligação são usados para melhorar
representou 16,6% do consumo na população a ração animal e para estabilizar as dietas em
mundial de proteína animal e de 6,5% de toda ambientes aquáticos. A ração para os peixes
a proteína consumida. Globalmente, o peixe é exige um nível adequado de processamento,
responsável, em cerca de 3,0 biliões de pessoas, para garantir uma boa estabilidade na água até
por quase 20% do seu consumo de proteína que os animais a consumam13. Mesmo assim,
animal, e em 4,3 biliões de pessoas por cerca de esta produção é dificultada pela mortalidade
15% desse tipo de proteína .
9
imprevisível, que pode ocorrer devido a interac-
Em 2010, a pesca e a aquacultura, forne- ções negativas entre peixes e bactérias patogé-
ceram 148 milhões de toneladas de peixe, dos nicas12.
quais 128 milhões de toneladas foram consu- A aquacultura intensiva, em condições
midos pelo Homem, e os dados preliminares ambientais desfavoráveis ou más práticas de
para 2011 indicam um aumento na produção produção, pode afectar significativamente a
de 154 milhões de toneladas, dos quais 131 homeostasia e levar ao stress fisiológico, contri-
milhões são destinados ao consumo . 9
buindo para o desequilíbrio entre o ambiente e
A tendência mundial no consumo de o bem-estar do hospedeiro-microrganismo14,15.
produtos de origem animal, mais concreta- Entre os parâmetros de bem-estar, o cortisol
mente do consumo de peixe, em todo o mundo, é comumente aceite como um indicador de
32 | S. Gastalho, G.J. da Silva, F. Ramos
stress dos peixes. A resposta dos peixes mal- estudos se têm centrado na determinação dos
-adaptados resulta na sobrecarga alostática efeitos do tratamento com antibiótico sobre a
que afecta negativamente muitas funções ecologia microbiana do intestino de peixes.
fisiológicas tais como: osmorregulação, cres- Em geral, os que existem descrevem essencial-
cimento, reprodução ou defesa imunitária e, mente a frequência na resistência a antibióticos,
ainda, alterações celulares em diversos tecidos, durante e após a utilização destes, a susceptibi-
como os do tracto gastrointestinal. Esta lidade dos agentes patogénicos isolados a partir
situação pode facilitar a indução de doenças de peixe e determinantes moleculares da resis-
infecciosas devido a uma translocação bacte- tência aos antibióticos12.
riana15. Para ultrapassar este problema, os Os sistemas de monitorização de resistência
produtores utilizam frequentemente antibió- destinados a resolver problemas de saúde, prin-
ticos no tratamento de doenças bacterianas . 12
cipalmente humana, normalmente incluem
bactérias zoonóticas enteropatogénicas ou
Microbiota dos peixes comensais. Todas estas bactérias podem ser
O trato intestinal dos peixes tem sido inves- encontradas no trato gastrointestinal de uma ou
tigado devido à sua assumida importância na mais espécies de animais, podendo contaminar
nutrição, digestão e doença oferecendo um os alimentos de origem animal17, sendo que a
nicho ecológico para o crescimento bacte- adição de antibióticos acelera a taxa de desen-
riano . O microbiota presente no interior do
12
volvimento de resistência em seres humanos18.
tracto intestinal é dependente da espécie hospe- As bactérias zoonóticas são directamente
deira, estirpe, crescimento ontogenético, níveis perigosas para a saúde humana e a resistência
de tensão e estrutura do intestino. O proces- antimicrobiana dessas espécies pode aumentar
samento de nutrientes e desenvolvimento a carga de doença no Homem, devido a uma
de absorção do sistema imune das mucosas, variedade de mecanismos, como o aumento da
angiogénese e renovação epitelial são influen- frequência, a duração e severidade da infecção.
ciados pelo microbiota intestinal. Por conse- As bactérias comensais podem funcionar
guinte, o microbiota intestinal desempenha como um reservatório de genes de resistência
um papel importante no estado fisiológico de podendo transferir a sua resistência para bacté-
um indivíduo. Um microbiota alterado pode rias patogénicas17, 19.
facilitar o crescimento e a sobrevivência das Vários géneros bacterianos isolados de
bactérias potencialmente patogénicas de peixes aquacultura têm sido reportados como resis-
e também resultar em maturação diferente da tentes a diversos antibióticos, mas isolados do
imunidade da mucosa em peixes jovens 12, 16
. género Aeromonas e da família Enterobacteriaceae
A especificidade da resposta do hospedeiro são talvez dos mais estudados, dado o potencial
depende das espécies de bactérias que colo- patogénico que apresentam.
nizam o tracto digestivo. Eventuais modifica-
ções no microbiota gastrointestinal, devido ao Aeromonas sp.
tratamento com antibióticos, podem alterar a Até 1984, apenas quatro espécies de Aero-
relação benéfica hospedeiro-parasita. Portanto, monas sp. eram conhecidas, Aeromonas hydro-
entender como os compostos antibacterianos phila, A. caviae, A. sobria (actualmente A. veronii
modificam o microbiota gastrointestinal dos biovar sobria) e A. salmonicida. Desde então, o
peixes, pode ajudar a melhorar a gestão dos género Aeromonas evoluiu com o aparecimento
sistemas de produção a fim de reduzir o uso de de novas espécies, anteriormente colocadas em
antibióticos e aumentar a segurança alimentar conjunto com Vibrio sp. e Plesiomonas na família
dos peixes de aquacultura. No entanto, poucos Vibrionaceae. No entanto, estudos genéticos
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 1 | 33
ter maior quantidade de antibióticos ao seu terapias. Na prática, a escolha do agente tera-
dispor para assegurar um nível suficiente de pêutico é frequentemente influenciada tanto
moléculas de fármacos activas . 14
por considerações de disponibilidade do agente,
Os peixes doentes não obtêm níveis óptimos como pelos regulamentos e susceptibilidade
dos fármacos nos tecidos do corpo por causa bacteriana, por considerações sobre a natureza
da perda de apetite, enquanto os saudáveis da doença a ser tratada e, ainda, pela expe-
são capazes de ganhar níveis mais elevados de riência do prescritor10.
medicamentos ingeridos . 14
Os níveis actuais de antimicrobianos usados
Uma característica distinta, em aquacultura, na aquacultura mundial não são fáceis de
é o número muito limitado de agentes anti- determinar porque os diferentes países têm
microbianos autorizados . Todos os fármacos
10
distribuição diferente e sistemas de registo
legalmente utilizados na aquacultura são autónomos12. As diversidades entre espécies
aprovados pelo órgão governamental respon- aquícolas e ambientes aquáticos de produção e
sável pela medicina veterinária. Nos EUA, os de tecnologias são muito maiores do que para
seguintes agentes antimicrobianos estão auto- os animais terrestres10. Na aquacultura comer-
rizados pela FDA para uso na aquacultura: cial, a terapêutica antimicrobiana é mais comu-
oxitetraciclina, florfenicol e sulfadimetoxina/ mente aplicada na produção de peixes e de crus-
ormetoprim. Este tipo de agências reguladoras táceos. Em sistemas de produção de moluscos,
pode definir regras para o uso de antibióticos, a utilização de agentes antimicrobianos é quase
incluindo vias e formas de administração, confinada às primeiras fases larvares, e as quan-
tempos de retirada, tolerâncias, incluindo doses tidades utilizadas são, por conseguinte, relati-
e limitações ao uso. Por exemplo, na Noruega, vamente pequenas. Já em peixes ornamentais,
o uso de agentes antimicrobianos requer pres- a utilização de antimicrobianos é em grande
crição por veterinário, e, por conseguinte, a parte não regulamentada e raramente tem sido
sua utilização é terapêutica. São vendidos em quantificada, mas pensa-se ser considerável. A
farmácias ou em fábricas de ração autorizadas importância desta utilização, apesar daquele
pela Agência de Medicamentos da Noruega. É tipo de peixes não se destinar à alimentação,
obrigatório informar a quantidade de antibió- é cada vez maior dada proximidade dos peixes
ticos utilizada e manter os registos das prescri- em questão com os seres humanos10.
ções12, 45. Os sistemas de produção modernos favo-
Em muitos países, as várias legislações em recem um melhor controlo de doenças, devido
vigor, no intuito de proibirem a adição a rações à melhoria de condições higiénicas. No entanto,
de antibióticos utilizados em clinica humana, tornam os peixes mais vulneráveis a doenças
bem assim como na respectiva definição das devido à sua elevada densidade e condições de
quantidades autorizadas de antibióticos, esta- stress a que estão submetidos5. Estas doenças
beleceram medidas de vigilância e de controlo são provocadas por dinoflagelados, protozoá-
rigorosas . 12
rios, mixosporídeos, monogenéticos e crustá-
Em relação a 25 países europeus, onde se ceos, além de fungos, bactérias e vírus1, o que
inclui Portugal, o número médio de antimicro- resulta num acréscimo da utilização de agentes
bianos regulamentados para uso em aquacul- antimicrobianos12.
tura é actualmente de 2,0 ± 1,210. A terapia antimicrobiana actua através da
A escolha dos antibióticos permitidos redução do impacto de uma bactéria sobre a
em aquacultura é difícil devida à ausência de saúde do hospedeiro. O objectivo de qualquer
regime terapêutico padronizado e à falta de diagnóstico não deve ser apenas a detecção
dados sobre a eficácia clínica das diferentes da bactéria em particular, mas também, e de
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 1 | 37
maneira crítica, uma avaliação do seu papel turas químicas, e actuam em diferentes locais
no desenvolvimento da doença . Do ponto de
10
da célula bacteriana3. Em geral, os antibióticos
vista clínico, deve-se ter em conta a eficácia podem apresentar:
clínica, a toxicidade para o hospedeiro, o risco i. Um efeito bactericida, isto é, o anti-
de desenvolvimento de resistência e os efeitos biótico mata as bactérias, por interferir
adversos sobre a flora microbiana 5)
com a formação, quer da parede celular
A administração de antibióticos para tratar da bactéria, quer dos seus conteúdos
infecções associadas a bactérias clinicamente celulares, como são exemplo, penicilina,
resistentes pode não beneficiar o animal infec- quinolonas e metronidazol12;
tado e pode ter somente impactos negativos. ii. Um efeito bacteriostático, ou seja, o
Nos últimos anos, alguns progressos foram antibiótico impede que as bactérias
feitos no desenvolvimento de métodos padro- se multipliquem, interferindo com a
nizados para determinar a susceptibilidade in produção de proteína bacteriana, a repli-
vitro de bactérias associadas com a doença dos cação de ADN, ou outros aspectos do
animais aquáticos. O uso de antimicrobianos metabolismo celular, como é o caso de
deve, portanto, ser sempre acompanhado pelos tetraciclinas, sulfonamidas, cloranfe-
dados de susceptibilidade da bactéria alvo . 10
nicol e macrólidos .
12
análogo do ácido fólico, com sulfametoxazol um impacto directo sobre o seu valor terapêu-
(SMX), uma sulfonamida, inibem dois passos tico futuro10.
na via enzimática para a síntese do folato A possibilidade do uso de antimicrobianos
bacteriano. Por exemplo, a sulfadimetoxina na aquacultura ter um impacto sobre o trata-
é uma sulfonamida de acção prolongada e o mento de infecções em humanos e outros
ormetoprim é estruturalmente relacionado animais terrestres, foi equacionada pela
com TMP. Estes antibióticos agem em sinergia primeira vez há cerca de 40 anos10. Os riscos
bloqueando dois passos sequenciais na síntese relevantes para a saúde pública relacionados
do ácido fólico 12,46,47
. com o uso de antimicrobianos na aquacultura
As polimixinas acumulam-se na membrana incluem o desenvolvimento de resistência, com
da célula bacteriana e exercem efeitos inibi- disseminação de estirpes bacterianas resis-
tórios por aumento da permeabilidade da tentes a antimicrobianos e genes de resistência,
membrana bacteriana. A daptomicina, apa- e a presença de resíduos de antimicrobianos
-rentemente, insere sua cauda lipídica na nos peixes e meio ambiente que podem ser
membrana celular das bactérias, causando transferidos para humanos através da cadeia
a despolarização da membrana e a morte da alimentar10, 12.
bactéria12,47. O recente grupo da OMS/FAO/OIE identi-
ficou os principais riscos para a saúde humana
Resistência aos antimicrobianos associados ao uso de antimicrobianos em aqua-
O uso de antimicrobianos em aquacultura cultura como sendo aqueles decorrentes do
fornece as condições para o aparecimento de aparecimento de resistências transferíveis nas
bactérias resistentes aos antibióticos. As bacté- bactérias associadas a doenças de peixes e em
rias com variantes mais resistentes são mais ambientes de aquacultura. Recomendam que o
prováveis de aparecer associadas a doenças aparecimento de tais resistências transferíveis
características de peixes, o que fornece razões deve ser regularmente monitorizado10.
fortes para a ponderação da utilização de anti- Esses regulamentos, particularmente
bióticos, como rotina, em aquacultura. O uso aqueles que regem o comércio internacional,
irracional ou excessivo de qualquer agente terá têm estimulado rápidas melhorias na capaci-
Penicilinas, cefalosporinas,
Interferência com a síntese da -lactâmicos
carbapenemos, monobactâmicos
parede celular
Glicopeptídeos Vancomicina, teicoplamina
Macrólidos, cloranfenicol,
Subunidade ribossomal 50S clindamicina, linezolida,
Inibição da síntese de proteínas
quinupristina-dalfopristina
Subunidade ribossomal 30S Aminoglicosídeos, tetraciclinas
Isoleucina-tRNA sintetase Mupirocina
Interferência com a síntese de
Inibição da síntese de ADN Fluoroquinolonas
ácido nucleico
Inibição da síntese de ADN Rifampicina
Mecanismos de inibição Sulfonamidas, análogos de ácido
metabólica fólico
Ruptura da membrana bacteriana Polimixinas, daptomicina
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 1 | 39
Tabela 2 - Principais agentes antimicrobianos utilizados em aquacultura e a sua importância na medicina hu-
mana8
e a Comissão Europeia, nos últimos anos, tante de estações de tratamento de águas resi-
têm dado importância à utilização prudente e duais56.
racional de antimicrobianos em animais, não Nas águas residuais, águas de superfície,
só para salvaguardar a eficácia dos antibióticos sedimentos, lamas e solos, um cocktail de dife-
em medicina veterinária, mas, mais ainda, para rentes compostos activos pode estar presente,
evitar o aparecimento e a disseminação de fenó- em contraste com a aplicação médica e vete-
tipos resistentes indesejáveis em patogénios rinária de antibióticos e desinfectantes. As
zoonóticos, bem como a transmissão entre concentrações são normalmente de ordens de
animais e humanos. Também as associações grandeza mais baixa56. Contudo, pouco se sabe
profissionais internacionais, como a Associação sobre o efeito crónico da exposição a baixas
Mundial de Veterinária (WVA), a Federação concentrações desses resíduos a longo prazo,
Internacional dos Produtores Agrícolas (IFAP), qual o efeito em espécies que não são estudadas
a Federação Mundial da Indústria de Saúde e qual o impacto ambiental proveniente dos
Animal (COMISA), a Federação dos Veteriná- produtos de degradação desses antibióticos54.
rios da Europa (FVE), o Colégio Americano No entanto, pode haver também efeitos
de Medicina Veterinária Interna (ACVIM) e as indesejáveis sobre as populações selvagens,
Associações Americanas de Médicos Veteriná- tais como interacções genéticas entre peixes de
rios (AVMA), bem como as nacionais, como as produção intensiva e peixes selvagens, trans-
Ordens dos Farmacêuticos (OF), dos Médicos missão de doenças pelos peixes que escaparam
(OM) e dos Médicos Veterinários (OMV), tem dos sistemas de aquacultura ou através da
reconhecido o problema .5
ingestão de resíduos contaminados2.
No entanto, os piscicultores ainda contam As bactérias dos animais normalmente
com o uso agressivo de quimioterapêuticos sobrevivem pouco tempo no ambiente. No
para combater infecções bacterianas e infesta- entanto, foi sugerido que as bactérias resis-
ções de ectoparasitas, bem como desinfectantes tentes a antimicrobianos a partir de animais
para evitar a propagação de doenças .
3
possam transferir os genes de resistência a
bactérias do solo. Tem sido demonstrado que
Consequência da transferência de os genes de resistência antimicrobiana podem
antimicrobianos no ambiente estar presentes nos produtos residuais prove-
De modo geral, as concentrações ambientais nientes da produção animal e podem sobreviver
de antimicrobianos são relativamente baixas durante um longo período de tempo no solo19.
(ng/L ou Kg a µg/L ou Kg), sendo consideradas Por exemplo, em 2007, a FDA teve de bloquear
insuficientes para ocasionar efeitos tóxicos temporariamente as vendas de cinco produtos
agudos aos organismos expostos 54,56
. da aquacultura da China, porque tinham salmo-
Os resíduos são detectados a partir de dife- nelas e, entre outros resíduos, nitrofuranos e
rentes classes de antibióticos importantes, tais fluoroquinolonas3.
como os macrólidos, tetraciclinas, sulfona- No entanto, em comparação com outras
midas, quinolonas e -lactâmicos. A maioria formas de transmissão, este método de propa-
dos antibióticos não são totalmente eliminados gação no ambiente é, provavelmente, de
durante o processo de tratamento de águas menor importância. No futuro, as mudanças
residuais. Os resultados das investigações nos sistemas de produção podem aumentar
indicam que um certo número de antibióticos a importância da difusão do meio ambiente,
não é biodegradável no ambiente aquático, sobretudo se a produção se tornar mais inte-
como a tetraciclina, que foi detectada no solo grada ou mais intensiva em áreas geográficas de
meses após a aplicação do fertilizante resul- menores dimensões19.
42 | S. Gastalho, G.J. da Silva, F. Ramos
7. Leston S, Nunes M, Lemos MFL, Jorge G, Pardal 18. Lees P, Shojaee Aliabadi F. Rational dosing of
MÂ, Ramos F. The veterinary drug use and antimicrobial drugs: animals versus humans.
environmental. In: Borgearo RS, editor. Animal Int. J. Antimicrobial Agents. 2002;19(4):269–84.
Feed: Types, nutrition and safety. Nova Science 19. Aarestrup FM. The origin, evolution, and local
Publishers, Inc.; 2011. 61–83. and global dissemination of antimicrobial
8. Heuer OE, Kruse H, Grave K, Collignon P, resistance. In: Aarestrup FM, editor. Antimi-
Karunasagar I, Angulo FJ. Human health crobial resistance in bacteria of animal origin.
consequences of use of antimicrobial agents Washington, D. C.; 2006. 339–59.
in aquaculture. Clinical infectious diseases: 20. Ghenghesh K, Ahmed S. Aeromonas-associated
an official publication of the Inf Dis. Soc. Am. infections in developing countries. Inf. Develop
2009;49(8):1248–53. Countries. 2008;2:81–98.
9. FAO F. The state of world fisheries and aquacul- 21. Deodhar LP, Saraswathi K, Varudkar A.
ture. Rome; 2012. 209. Aeromonas spp. and their association with
10. Smith, Peter R, . Guidelines for antimicrobial human diarrheal disease. J. Clin. Microbiol.
use in aquaculture. In L. B. J. and H. K. Luca 1991;29(5):853–6.
Guardabassi, editores. Guide to antimicrobial 22. Cantas L, Midtlyng PJ, Sørum H. Impact of
use in animals. Blackwell; 2008. 207– 18. antibiotic treatments on the expression of the
11. FAO. Aquaculture topics and activities. 2013. R plasmid tra genes and on the host innate
Disponível em: http://www.fao.org/fishery/ immune activity during pRAS1 bearing Aero-
topic/13542/en monas hydrophila infection in zebrafish (Danio
12. Romero J, Feijoó C, Navarrete P. Antibiotics in rerio). BMC Microbiology. BioMed Central Ltd;
aquaculture – Use, abuse and alternatives; In: 2012;12(1):37.
Carvalho E, editor. Health and Environment in 23. Rogol M, Sechter I. Pril-xylose-ampicillin agar, a
Aquaculture. 2012. new selective medium for the isolation of Aero-
13. Muchlisin ZA. Aquaculture. In: Smiljanic T, monas hydrophila. J. Med. Microbiol. 1979:229–
editor. Croatia 2012. 1–400. 31.
14. Sørum H. Antimicrobial drug resistance in fish 24. Pablos M, Rodríguez-Calleja JM, Santos J a, Otero
pathogens. In: Aarestrup FM, editor. Antimi- A, García-López M-L. Occurrence of motile Aero-
crobial resistance in bacteria of animal origin. monas in municipal drinking water and distri-
Washington, D. C.; 2006. 213–37. bution of genes encoding virulence factors.
15. Torrecillas S, Makol A. Effects on mortality and Int. J. Food Microbiol. 2009;135(2):158–64.
stress response in European sea bass, Dicentrar- 25. Barcellos L, Kreutz L, Rodrigues B, Santos L,
chus labrax (L.), fed mannan oligosaccharides Motta A, Ritter F, et al. Aspectos macro e micros-
(MOS) after Vibrio anguillarum exposure. J. Fish cópico das lesões e perfil de resistência a antimi-
Dis. 2012. 591–602. crobianos. B. Inst. Pescas. 2008;34(3):355–63.
16. Cantas L, Fraser T. The culturable intestinal 26. Jacobs L, Chenia HY. Characterization of inte-
microbiota of triploid and diploid juvenile grons and tetracycline resistance determinants
Atlantic salmon (Salmo salar)-a comparison of in Aeromonas spp. isolated from South African
composition and drug resistance. BMC veterinary aquaculture systems. Int. J. Food Microbiol.
research. BioMed Central Ltd; 2011;7(1):71. 2007;114(3):295–306.
17. McEwen, M. AF, David J. Monitoring of anti- 27. Picão RC, Poirel L, Demarta A, Petrini O, Corva-
microbial resistance in animals: principles and glia AR, Nordmann P. Expanded-spectrum beta-
practices. In: Frank M. Washington, editor. Anti- -lactamase PER-1 in an environmental Aeromonas
microbial resistance in bacteria of animal origin. media isolate from Switzerland. Antimicrobial
Washington, D. C.; 2006. 397–413. Ag. Chemotherapy. 2008;52(9):3461–2.
44 | S. Gastalho, G.J. da Silva, F. Ramos
28. Carvalho MJ, Martínez-Murcia A, Esteves AC, from humans, animals and food in 2011. EFSA
Correia A, Saavedra MJ. Phylogenetic diver- J. 2013;11(5).
sity, antibiotic resistance and virulence traits 38. Picão RC, Cardoso JP, Campana EH, Nicoletti
of Aeromonas spp. from untreated waters for AG, Petrolini FVB, Assis DM, et al. The route
human consumption. Int. J. Food Microbiol. of antimicrobial resistance from the hospital
2012;159(3):230–9. effluent to the environment: focus on the occur-
29. Mendonça N, Leitão J, Manageiro V, Ferreira E, rence of KPC-producing Aeromonas spp. and
Caniça M. Spread of extended-spectrum beta- Enterobacteriaceae in sewage. Diagnostic Micro-
-lactamase CTX-M-producing Escherichia coli biology and Infectious Disease. Elsevier Inc.;
clinical isolates in community and nosocomial 2013;1–6.
environments in Portugal. Antimicrobial Ag. 39. Jiang H, Tang D, Liu Y, Zhang X, Zeng Z,
Chemotherapy. 2007;51(6):1946–55. Xu L, et al. Prevalence and characteristics of
30. Hernould M, Gagné S, Fournier M, Quentin b-lactamase and plasmid-mediated quinolone
C, Arpin C. Role of the AheABC efflux pump resistance genes in Escherichia coli isolated from
in Aeromonas hydrophila intrinsic multidrug farmed fish in China. J. Antimicrobial Chemo-
resistance. Antimicrobial Ag. Chemotherapy. therapy. 2012;67:2350–3.
2008;52(4):1559–63. 40. Machado E, Coque TM, Cantón R, Sousa JC,
31. Lynch JP, Clark NM, Zhanel GG. Evolution of Peixe L. Commensal Enterobacteriaceae as reser-
antimicrobial resistance among Enterobacteriaceae voirs of extended-spectrum beta-lactamases,
(focus on extended spectrum b-lactamases and integrons, and sul genes in Portugal. Frontiers
carbapenemases). Exp. Opin. Pharmacotherapy. in Microbiology. 2013;4:1–7.
2013;199–210. 41. Yagoub SO. Isolation of Enterobacteriaceae and
32. Bergey D, Breed R, Murray E, Smith N. Bergey’s Pseudomonas spp. from raw fish sold in fish
Manual of Determinative Bacteriology. 1957;1–8. market in Khartoum state. J. Bacteriol Res.
33. Stone ND, O’Hara CM, Williams PP, McGowan 2009;1(7):85–8.
JE, Tenover FC. Comparison of disk diffusion, 42. Vieira RHSDF, Carvalho EMR, Carvalho FCT,
VITEK 2, and broth microdilution antimi- Silva CM, Sousa O V, Rodrigues DP. Antimicro-
crobial susceptibility test results for unusual bial susceptibility of Escherichia coli isolated from
species of Enterobacteriaceae. J. Clin Microbiol. shrimp (Litopenaeus vannamei) and pond environ-
2007;45(2):340–6. ment in northeastern Brazil. Journal of environ-
34. Freney J, Husson MO, Gavini F, Madier S, Martra mental science and health. Part. B, Pesticides,
a, Izard D, et al. Susceptibilities to antibiotics food contaminants, and agricultural wastes.
and antiseptics of new species of the family Ente- 2010;45(3):198–203.
robacteriaceae. Antimicrobial Ag. Chemotherapy. 43. Regulamento da Comissão (CE) N.o 2073/2005
1988;32(6):873–6. de 15 de Novembro de 2005. 1–26.
35. Paterson DL. Resistance in gram-negative 44. Sabat G, Rose P, Hickey WJ, Harkin JM. Selective
bacteria: Enterobacteriaceae. Am. J. Infection and Sensitive Method for PCR Amplification of
control. 2006;34(5 Suppl 1):S20–8; discussion Escherichia coli 16S rRNA Genes in Soil. Appl.
S64–73. Environ. Microbiol. 2000;66(2).
36. Nordmann P, Naas T, Poirel L. Global spread of 45. OIE. OIE list of antimicrobials of veterinary
Carbapenemase-producing Enterobacteriaceae. importance. Paris; 2007. 1–9.
Emerg. Infectious Dis. 2011;17(10):1791–8. 46. Pato MVV. Bases genéticas e mecanismos da
37. EFSA, ECDC. The European Union Summary resistência aos antibióticos. Susceptibilidade aos
Report on antimicrobial resistance in Antimicro- antibióticos. Manual de laboratório. Copyright.
bial resistance in zoonotic and indicator bacteria 1989. 61–73.
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 1 | 45
47. Stratton IV CW. Mechanisms of action for anti- quaternary ammonium compound resistance in
microbial agents: General principles and mecha- marine aquaculture environments. Antimicro-
nisms for selected classes of antibiotics. In: bial Ag. Chemotherapy. 2012;2619–26.
Lorian V, editor. Antibiotics in Laboratory Medi- 52. Nested EW, Roberts CE, Pearsall NN, Anderson
cine. 4th ed. 1996. 579–603. DG, Nester MT. Baterial genetics. In: Terrance
48. Kocsis B, Mazzariol A, Kocsis E, Koncan R, S, editor. Microbiology - A human perspective.
Fontana R, Cornaglia G. Prevalence of plasmid- 1998. 167–80.
-mediated quinolone resistance determinants in 53. Hirsch R, Ternes T, Haberer K, Kratz KL. Occur-
Enterobacteriaceae strains isolated in North-East rence of antibiotics in the aquatic environment.
Italy. Antimicrobial Original Research Paper. Sci. Total Environ. 1999;225(1-2):109–18.
2013;21:36–40. 54. Regitano JB, Leal RMP. Comportamento e
49. Nested EW, Roberts CE, Pearsall NN, Anderson impacto ambiental de antibióticos usados na
DG, Nester MT. Antimicrobial Medicine. In: produção animal brasileira. Revista Brasileira de
Terrance S, editor. Microbiology - A human pers- Ciência do Solo. 2010;34(3):601–16.
pective. 2nd ed. 1998. 447–70. 55. Regulamento da Comissão (CEE) n.o 2377/90
50. Marshall BM, Levy SB. Food animals and anti- de 26 de Junho de 1990. 1-143.
microbials: impacts on human health. Clin. 56. Kümmerer K. Resistance in the environment. J.
Microbiol. Rev. 2011;24(4):718–33. Antimicrobial Chemotherapy. 2004;54(2):311–
51. Rodríguez-Blanco A. Integrating conjugative 20.
elements as vectors of antibiotic, mercury, and