Você está na página 1de 3

DIVULGAÇÃO TÉCNICA

Criptosporidiose. 17

CRIPTOSPORIDIOSE

E. Spósito Filha; S.M. Oliveira

Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Av. Cons. Rodrigues Alves,
1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: sposito@biologico.sp.gov.br

RESUMO

Criptosporidiose é uma infecção parasitária, cujo agente etiológico, protozoário do filo


Apicomplexa, gênero Cryptosporidium, é geralmente associado a diarréias em indivíduos jovens
e a gastrenterites graves e prolongadas em pessoas imunodeficientes. Este parasita é patogênico
para mamíferos, incluindo o homem, aves, répteis e peixes. Os oocistos eliminados com as fezes
são a principal fonte direta de infecção, principalmente por contaminação de água potável,
alimentos, água de piscina, rios e lagos. Esse artigo aborda resumidamente a patogenia, ciclo
biológico, modos de infecção, importância para os humanos e para os animais, pesquisa em água,
diagnóstico e tratamento.

PALAVRAS-CHAVE: Criptosporidiose, Cryptosporidium, diarréia, oocisto, fezes.

ABSTRACT

CRYPTOSPORIDIOSIS. Cryptosporidiosis is a parasitic infection caused by the protozoan


Cryptosporidium of the phylum Apicomplexa. It is commonly associated with diarrhea in several
species and a severe and prolonged gastroenteritis in immunosuppressed individuals. This
parasite is pathogenic to mammals, including humans, birds, reptiles and fishes. The oocysts
excreted in faeces are the main source of infection by contamination of drinking water, food,
swimming pool, rivers and lakes. Pathogenesis, biological cycle, infection modes, importance for
humans and animals, research in water, diagnosis and treatment were discussed.

KEY WORDS: Cryptosporidiosis; Cryptosporidium; diarrhea; oocysts; faeces.

Criptosporidiose é uma infecção parasitária, cujo O ciclo biológico deste parasita necessita de ape-
agente etiológico, protozoário do filo Apicomplexa, nas um hospedeiro. Dois tipos de oocistos se formam:
gênero Cryptosporidium, é geralmente associado a 80% têm parede grossa e são eliminados já infectantes
diarréias em indivíduos jovens e a gastrenterites gra- junto com as fezes; 20% são envolvidos apenas por
ves e prolongadas em pessoas imunodeficientes. uma membrana e se rompem na luz intestinal, deter-
A infecção é autolimitante em indivíduos com minando novo ciclo no mesmo hospedeiro.
imunidade normal, mas pode ser grave em A multiplicação do parasita no interior das célu-
imunocomprometidos. las do intestino causa má absorção e digestão. Como
Este parasita é patogênico para mamíferos, inclu- consequência ocorre diarréia por alterações das célu-
indo o homem, aves, répteis e peixes. las epiteliais, atrofia de vilosidades e perda de enzimas
Apresenta distribuição geográfica mundial, ten- digestivas.
do sido descrito pela primeira vez em 1907, em ca- Os oocistos eliminados com as fezes são a princi-
mundongos, nos Estados Unidos. Desde a descoberta pal fonte direta de infecção, a qual é adquirida por
deste protozoário, cerca de 20 espécies desse gênero ingestão de oocistos que estejam contaminando água
já foram mencionadas em diferentes espécies de hos- potável, alimentos, água de piscina, rios e lagos (Fig
pedeiros animais, mas ainda há divergências quanto 1). Outro modo seria o contato pela via fecal-oral de
a sua taxonomia. pessoa para pessoa ou entre pessoas e animais con-
Um fato que distingue o Cryptosporidium de outros taminados.
coccídios é a falta de especificidade para hospedeiros. O oocisto de Cryptosporidium é muito resistente e
Cryptosporidium é normalmente encontrado no sobrevive à maioria dos desinfetantes como álcool,
intestino, mas pode ocorrer fora do trato digestório, hipoclorito de sódio, fenóis e quaternário de amônia,
como em certas partes do trato respiratório. A locali- entre outros. Também é resistente à concentração de
zação respiratória é comum em aves. cloro empregada na cloração da água.

Biológico, São Paulo, v.71, n.1, p.17-19, jan./jun., 2009


18 E. Spósito Filha; S.M. Oliveira

Criptosporidiose em animais

Cryptosporidium tem sido encontrado em grande


diversidade de hospedeiros, destacando-se sua im-
portância em sanidade animal por ser um dos agentes
enteropatogênicos responsáveis por diarréias
neonatais.
A diarréia neonatal é um quadro complexo que
pode acarretar altas taxas de morbidade e mortalida-
de. Além dos gastos com a medicação, os prejuízos
podem incluir redução do desenvolvimento, compro-
metendo os índices de ganho de peso ou produção
leiteira, ou até a morte do animal.
Nos quadros clínicos diarréicos o Cryptosporidium
Fig. 1 - Oocistos de Cryptosporidium spp. corados pela pode estar associado a outros agentes infecciosos
técnica de Ziehl-Neelsen modificada. (bactérias, vírus, parasitas). Além disso, as variá-
Fonte: arquivo pessoal veis relativas ao hospedeiro (idade, estado
nutricional, condição imunológica, falha na
ingestão de colostro), bem como do ambiente
(superpopulação, estresse, clima), podem ter influ-
Criptosporidiose em humanos ência no transcurso da infecção.
É comum o relato de infecções subclínicas. Dessa
Estudos têm demonstrado a ocorrência de diferen- forma, ressalta-se a importância epidemiológica dos
tes espécies de Cryptosporidium causando doença portadores assintomáticos.
diarréica em humanos, sendo C. parvum e C. hominis Um bezerro pode eliminar até 10 milhões de
as duas mais prevalentes. No entanto, outras espécies, oocistos por grama de fezes. Devido à grande resis-
tais como C. meleagridis (ave), C. felis (gato) e C. canis tência dos oocistos eles podem permanecer viáveis
(cão) e alguns genótipos de C. parvum (mamífero) no ambiente durante meses, dependendo das condi-
adaptados a animais, têm sido relatados e foram ções climáticas.
isolados de material proveniente de pessoas com No caso dos animais, o manejo é o principal meca-
criptosporidiose e evidenciadas por métodos nismo para evitar a disseminação da infecção. Na
moleculares. medida do possível, os animais doentes devem ser
Na espécie humana a criptosporidiose depende mantidos separados dos jovens, que são mais susce-
principalmente do estado imune da pessoa. tíveis. Controle de roedores, limpeza e desinfecção
Em indivíduos com imunidade normal a doença periódica do ambiente, incluindo bebedouros e
se manifesta por gastrenterite semelhante àquela por comedouros, são medidas fundamentais na profilaxia
giardíase. O principal sintoma é a diarréia, que pode da criptosporidiose.
ser precedida por anorexia e vômitos. A cura ocorre de
modo espontâneo. Água
Em crianças mal nutridas e pessoas com a imuni-
dade comprometida, como os portadores da Síndrome Várias ocorrências de criptosporidiose foram atri-
da Imunodeficiência Adquirida, AIDS, a infecção buídas ao consumo de água, devido, principalmente,
conduz a uma diarréia severa e prolongada que é à resistência dos oocistos aos mais variados métodos
acompanhada por náuseas, vômitos, cólica, perda de utilizados em tratamento da água como cloração,
peso e febre, podendo levar a óbito. ozonização ou filtração.
As medidas de controle gerais incluem educa- Uma portaria do Ministério da Saúde recomenda
ção sanitária, saneamento básico, lavagem de mãos a inclusão da pesquisa de Cryptosporidium spp. para
após o manuseio de animais com diarréia, filtrar ou se atingir o padrão de potabilidade da água.
ferver, por alguns minutos, a água utilizada para Enquanto o contato direto de pessoa a pessoa ou
beber, lavar alimentos e para fazer gelo. Durante o de animal a pessoa normalmente gera um pequeno
período em que estiverem apresentando diarréia, número de infectados, a contaminação de um manan-
indivíduos infectados devem evitar a manipulação cial pode afetar milhares de pessoas.
de alimentos que serão utilizados por outras pessoas; A contaminação da água pode ocorrer por cruza-
crianças com criptosporidiose não devem frequen- mento de águas de poço ou encanada por água de
tar escolas ou creches para evitar a disseminação esgoto, falha nos procedimentos operacionais duran-
do parasita. te o tratamento da água, desvios de filtro de areia,

Biológico, São Paulo, v.71, n.1, p.17-19, jan./jun., 2009


Criptosporidiose. 19

contaminação de águas superficiais por esterco bovi- BIBLIOGRAFIA


no e influências de efluentes industriais e agrícolas
nas águas de recreação. ARAÚJO, A.J.S.; GOMES, A.H.S.; ALMEIDA, M.E.;
KANAMURA, H.Y. Detecção de Cryptosporidium meleagridis
em amostras fecais de pacientes HIV positivos no Brasil.
Diagnóstico e tratamento
Revista Panamericana de Infectologia, v.9, n.2, p.38-40, 2007.
O diagnóstico é realizado pela visualização do DUBEY, J.P.; SPEER, C.A.; FAYER, R. Cryptosporidioses of
protozoário, principalmente a partir de amostras de man and animals. Boca Raton: CRC Press, 1990. 199p.
fezes frescas ou fixadas em formalina a 10%. Para
facilitar a observação dos oocistos é aconselhável a LIMA, E.C.; STAMFORD, T.L.M. Cryptosporidium spp. no
concentração da amostra, bem como a utilização de ambiente aquático: aspectos relevantes da disseminação e
técnicas especiais de coloração. diagnóstico. Ciência & Saúde Coletiva, v.8, n.3, p.791-800, 2003.
Para pesquisa de Cryptosporidium provenien-
te do ambiente e da água podem-se utilizar as SPÓSITO FILHA, E. Criptosporidiose. O Biológico, São
mesmas técnicas aplicadas em laboratório. Para Paulo, v.56, n.1/2, p.34-36, 1990/1994.
pesquisa em água a maior preocupação é empre-
SPÓSITO FILHA, E.; FUJII, T.U.; REBOUÇAS, M.M.
gar um método de concentração que seja
Cryptosporidium spp. em bovinos e búfalos do Vale do
satisfatório. Ribeira, São Paulo,Brasil. Arquivos do Instituto Biológico,
Com a utilização de métodos moleculares as, São Paulo, v.65, n.1, p.97-101, 1998.
amostras isoladas de pessoas, animais ou do ambien-
te podem ser caracterizadas, permitindo ampliar o SPÓSITO FILHA, E.; REBOUÇAS, M.M.; PEREIRA, J.R.
conhecimento da distribuição e da biologia desses Cryptosporidium spp. em bezerros do Vale do Paraíba,
protozoários. São Paulo,Brasil. Arquivos do Instituto Biológico, São
O tratamento para a criptosporidiose, tanto em Paulo, v.65, n.1, p.123-125, 1998.
humanos quanto em animais, é o sintomático.
Drogas anticoccídicas utilizadas em animais, de
modo geral, não têm apresentado uma reposta Recebido em 10/6/08
satisfatória, apesar dos diversos esquemas testados. Aceito em 10/9/08

Biológico, São Paulo, v.71, n.1, p.17-19, jan./jun., 2009

Você também pode gostar