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Enfermidades Infecciosas dos Animais

Aula 02 - Leptospirose

A leptospirose é uma zoonose, doença ou infecção naturalmente transmissível


entre animais vertebrados e o homem, amplamente difundida e caracterizada como
doença febril aguda, causada por microrganismos do gênero Leptospira. Uma das
características é o quadro de leptospiremia, onde há multiplicação em corrente
sanguínea. A primeira diferença da Brucella é que a Leptospira tem caráter agudo.
Também é uma bactéria Gram negativa, assim como a Brucella. Ela tem grande
importância na Medicina Veterinária, além de causar doença no ser humano e ter um
impacto na saúde pública. Assim como a brucelose, também é acidental para o ser
humano. As manifestações podem variar, podendo inclusive passar desapercebida, ou
não ser diagnosticada com precisão através do exame clínico, baseado nos sinais e
sintomas. Hoje se sabe que uma das características da doença em equino é a uveíte. A
Leptospira prefere os rins em todas as espécies que são acometidas, inclusive o ser
humano. No entanto não é o único local. Ela é composta de 6 espécies patogênicas. L.
interrogans, L. borgpertersenii, L. weilli, L. noguchi, L. santarosai e L. kirchneri. Mas a
Leptospira de maior importância para a medicina veterinária é a L. interrogans. E ainda
existem 5 espécies saprófitas, que estão no ambiente, mas não são patogênicas. São
elas L. biflexa, L. wolbachii, L. inadai, L. fainei e L. mayeri. Sendo 6 grupos e 38 sorovares
descritos na literatura. É um microrganismo que tem um formato helicoidal e não é um
cocobacilo como a Brucella. Possui uma característica única que é a extremidade em
formato de gancho. A Leptospira vai chegar ao local de predileção independente de
célula ou não, elas são móveis. Essa mobilidade é dada pelo formato helicoidal. São
sensíveis a luz solar e desinfetantes comuns e para se multiplicar precisam de pH entre
7,2 e 7,4. Ela consegue ficar na urina e na bexiga, pois com a inflamação ela muda o pH
desses locais. No meio ácido ela é destruída. Ela é exigente de crescimento, são
necessários meios enriquecidos, levando de 15 a 30 dias para crescimento. O
pseudoflagelo é uma estrutura rica em proteínas antigênicas que interagem com a célula
do hospedeiro. A Leptospira também tem uma cadeia O, só que pelo formato espiralado
ela também tem uma parede celular. Por ter uma camada de LPS é caracterizada pela
ação externa à célula, levando uma lesão de membrana celular. Ela não possui
mecanismos de resistência de célula (intracelular) como a Brucella. Ela pode até entrar
na célula, mas não resiste, ela morre com a apoptose. Sua ação é muito mais de necrose
no tecido no qual ela esteja colonizando. O perfil dela por ser exotoxigênica é
sorológico/humoral. Algumas estirpes conseguem até interagir com o linfócito B,
levando em alguns animais a destruição desse anticorpo.

Como a bactéria está adaptada a uma espécie ela se aloja no rim dessa espécie
e vai ser eliminada pela urina, como cão, ovino, caprino, suíno, equino, bovino e homem.
A Leptospira não precisa de solução de continuidade para adentrar a corrente
sanguínea, ela só precisa de tempo de exposição, ela entra pela pele. A importância se
dá pelos prejuízos econômicos como problemas reprodutivos, morte de animais,
condenação de carcaças e redução na produção de carne e leite. Leptospira também é
Gram negativa e assim como a Brucella tem predileção por mucosas. Alguns fatores
condicionantes são densidade populacional, pois aumenta muito a susceptibilidade a
manutenção e infecção por Leptospira, além de abundância de diferentes espécies
animais e contato com regiões alagadas, lagoas, etc. Andar descalço e tomar banhos
nesses locais também predispõe a infecção. O ser humano tem um sinal patognomônico
que é a dor na panturrilha. Outro fator condicionante é a presença do roedor. O roedor
silvestre tem tido muito contato com áreas urbanas devido ao desmatamento. Clima
quente e áreas de alta umidade que possibilitam o pH próximo a 7,0 também são fatores
condicionantes. Atividade profissional também predispõe a exposição.

Sobre a epidemiologia o hospedeiro de manutenção é o sorovar ou sorogrupo


adaptado, como é o caso da L. canicola que é de cão. Esse hospedeiro vai ter sinais
clínicos menos evidentes e leptospirúria prolongada. O acidental é o contrário, o animal
não está adaptado, a infecção ocorre por sorovar mantida por outra espécie. Esse
hospedeiro desenvolve infecção mais severa e leptospirúria prolongada. Ele elimina
pouco no ambiente. Em cães é importante considerar os animais silvestres que podem
estar em reservas, jardins, etc. O roedor durante a sua alimentação tem um
comportamento de mandar um para fazer a rota de alimento. Se esse um não voltar da
rota, significa para eles que ele foi capturado ou morreu. Por isso que o uso apenas de
raticidas não é suficiente. A fonte de infecção são todos os animais domésticos, uma vez
que todos eles podem ter o patógeno e servir de fonte de infecção. Por isso não se pode
pensar em uma fonte de infecção única. Algumas raças de cães por serem mais
investigadoras e inquietas ou por gostarem mais de água apresentam incidência maior,
como o labrador, por exemplo. Há uma linha teórica que diz que o felino é resistente.
Existem artigos mostrando a infecção experimental nesses animais. Existe uma proteína
que neutraliza a ação de algumas bactérias Gram negativas que estão presentes em
felinos. Ainda como fonte de infecção têm-se os animais silvestres e os roedores,
principalmente Rattus norvegicus, Rattus rattus e Mus musculus. A vacina precisa ser
avaliada em cima da epidemiologia da doença. Para o bovino o sorovar eletivo é a
Hardjo. Suínos a Pomona e várias outras. Equinos a Icterohamorrhagiae. Caninos a
Canicola e a Icterohamorrhagiae. Ovinos a Hardjo e a Pomona. E roedores a
Icterohamorrhagiae. A porta de entrada pode ser por pele lesada, pele íntegra, estando
sempre relacionada a mucosa. A via digestiva é a principal. Em bovinos a entrada é a via
digestiva e o principal órgão de eleição são os rins. As vias de eliminação são urina por
conta da infecção nos túbulos renais. O sêmen pelo eritritol. Descarga vaginal pós
abortamento (também há casos de abortamento no terço final, no terço inicial em
bovinos em sorovar não adaptado a ele e em cães para sorovar adaptado). O feto
abortado também é uma fonte de infecção. Além disso, a placenta (devido a placentite
necrótica, uma vez que a exotoxina leva a formação de necrose e destruição tecidual).
Saliva (devido ao seu pH), devendo a área ser higienizada com hipoclorito durante o
tratamento. O leite, por conta dos ductos lactíferos, dentre outros fatores. As cadelas
durante o período de lactação também tem eliminação pelo leite. Quanto menos se
controla, maior pode ser o número de sorovar. A transmissão se dá pelo contato direto
no contato oronasal com animais infectados, via genital e via intrauterina. O contato
direto se dá pelos alimentos, água, solos contaminados e inseminação artificial, se o
sêmen ou material utilizado pela inseminação estiver contaminado.

A resposta imune da Leptospira tem uma característica exotoxigênica. É preciso


entender que alguns desses mecanismos para evadir a resposta imune e persistir no
organismo, principalmente em túbulos renais, útero, olhos e meninges desencadeiam
reconhecimento de membrana com receptores apresentando quimiotaxia por algumas
células (hemácias, plaquetas, linfócitos, neutrófilos e macrófagos). A resposta
inflamatória é gerada na tentativa de impedir o processo fagocítico a partir da liberação
de toxinas que adentram a célula por endocitose imunomediada (aumentando a
permeabilidade celular), levando a destruição. Há participação do TNF α (Fator de
Necrose Tumoral) que induz febre, anorexia e caquexia, sendo proporcional a
quantidade de bactéria. A bactéria utiliza receptores de superfície para a quimiotaxia de
hemoglobinas. Nesse processo de interação ela já gera uma reposta inflamatória. Alguns
microrganismos para fazer a evasão da fagocitose na corrente sanguínea induzem
apoptose dos macrófagos. Sugere-se que após a ligação às células do hospedeiro ocorre
endocitose mediada por receptores. A Leptospira adentra célula por endocitose, mas
não para resistir e sim para escapar da resposta humoral, quando essa resposta está
exacerbada. A Leptospira não forma um fagolisossomo, assim como a Brucella, então
ela não resiste dessa forma. Ela leva a um quadro agudo. Animais susceptíveis a danos
de membrana das hemácias e das células endoteliais, junto com lesão hepatocelular,
produzem anemia hemolítica, icterícia, hemoglobinúria e hemorragia associada a
leptospirose aguda. Por ser uma bactéria exotoxigênicas há ação sistêmica de produtos
secretados (exotoxinas) pela bactéria ou pela ingestão da toxina pré-formada com
alimentos. Nessas enfermidades, à infecção é localizada e o efeito sistêmico é causado
pela liberação de toxina. Apresentam como componente celular, flagelos, adesinas e
lipopolissacarídeos. No componente de secreção tem-se as hemolisinas,
esfingomielinases que ajudam no processo de permeabilidade e fosfolipases. Conforme
a tríade, se tem o comprometimento ou não do órgão. Ainda na resposta imune os
polimorfonuclerares vão ser reconhecidos conforme os receptores na camada de LPS da
bactéria. Nesse processo de interação vai haver a liberação de TNF α que induz a febre
na fase aguda. A persistência desse TNF α leva a supressão do apetite causando
caquexia. TNF são mediadores da resposta inflamatória no hospedeiro, em particular
em bactérias Gram negativas. A indução da liberação do TNF pode explicar a lesão de
células endoteliais e a consequente hemorragia observada na leptospirose grave. As
polimorfonucleares possuem capacidade bactericida (neutrófilos), fagocítica,
quimiostática, opsônica e citotóxica, havendo resistência dessa bactéria. As hemácias
exercem um importante papel na oxigenação celulares e dos tecidos corporais. Os
animais podem apresentar um quadro de hemoglobinúria na Leptospira, que leva a não
oxigenação nos tecidos com consequente necrose. Os hepatócitos são as células
responsáveis pelas funções biológicas das células do fígado. A bactéria pode destruir
esses hepatócitos e levar a uma disfunção renal a depender do sorogrupo. As plaquetas
são responsáveis pela coagulação. Em um quadro de Leptospira pode haver
trombocitose com quadro de hemorragia. O animal que tem a Leptospira de
manutenção no geral não vai ter clínica.

A patogenia é caracterizada por duas fases, a fase leptospirêmica e uma fase


leptospirúrica. A leptospirêmica é a fase inicial de multiplicação da Leptospira na
corrente sanguínea, já havendo a detecção a nível de sangue e posteriormente se
alojando nos rins. A variação de tempo de uma fase para a outra depende da tríade. Os
hospedeiros acidentais podem ter essas fases concomitantes. A fase leptospirúrica há o
alojamento e colonização da bactéria nos rins, formando imunocomplexos nos túbulos
contorcidos renais. Esses imunocomplexos vão solidificando e formando grânulos que
podem causar obstrução e levar a insuficiência renal. Por isso é dita como uma doença
que tem como órgão de predileção os rins, por isso que a eliminação via urina é algo que
deve ser controlado. Todas as cepas passam ou se alojam nesse órgão. O animal só
elimina a bactéria na fase leptospirúrica. A predileção da Leptospira vai depender do
sorogrupo. Essa bactéria vai adentrar pela pele integra ou lesada, mucosa ocular,
digestiva, respiratória e genital, posteriormente migra e há multiplicação em órgão
parenquimatosos, sangue, linfa e liquor. Aí se dá a fase aguda da doença que é
característica da leptospiremia com estado febril devido a liberação do TNF α. A partir
daí ela vai fazer um novo ciclo com multiplicação no endotélio vascular, podendo gerar
pequenos quadros de vasculite e permanência nos túbulos contorcidos renais. Depois
há eliminação via urina de forma intermitente (leptospirúria). A eliminação ocorre 72
horas após a infecção podendo levar semanas ou meses e a vida toda no caso de
roedores devido a adaptação. Colonização renal determina lesões nas células epitélio-
tubulares, edema do parênquima, dentre outros. Existe outra patogenia descrita na
literatura, que tem as duas fases, mas traz um elemento diferenciado que é a fase de
liberação. Vai entrar na pele ou mucosa, vai entrar na corrente sanguínea, aloja-se no
fígado, multiplica-se, podendo levar a transtornos hepáticos disseminando pelo sangue
e atingindo outros órgãos. A partir do 8º dia há a possibilidade de identificação de
anticorpo. Com a saída do fígado e alojamento nos rins há a formação de lipases que
tem a função de degradar ácidos graxos levando a destruição de eritrócitos. Isso tudo
ocasiona hemoglobinúria, hemoglobinemia, anemia e icterícia. O período de incubação
leva de 2 a 20 dias, sendo um período silencioso. A partir daí a fase de leptospiremia que
dura em torno de 1 semana e atinge diversos órgãos. A fase de leptospirúria com início
em duas semanas durando meses. Ou a imunidade com anticorpos circulantes com
início também em duas semanas, durante meses ou até anos.
Os órgãos de persistência serão os túbulos renais onde ocorrerá a formação dos
imunocomplexos e eliminação pela urina. Todo lugar que a bactéria coloniza leva há
uma inflamação e necrose. Os sinais clínicos vão depender da espécie, faixa etária e
sorovar infectante. Animais jovens que não tem maturidade imunológica são mais
susceptíveis. Em bovinos os sinais são hemoglobinúria, anorexia, diarreia (se a porta de
entrada for a via gástrica) e icterícia (principalmente quando se aloja nos hepatócitos e
promove a sua destruição). Pode levar a mastite agalaxia, decorrente de sorovar que se
aloja nos ductos lactíferos gerando uma resposta inflamatória da mastite ascendente
impedindo a produção de leite na cisterna da glândula. Aborto devido ao eritritol,
descolamento da placenta ou nascimento de bezerros fracos. Em bovinos o sorovar mais
comum é o Hardjo que leva a problemas reprodutivos. Em suínos distúrbios
reprodutivos a depender do sorovar, aborto da fase final da gestação por septicemia,
repetição de cio, descargas vulvares, natimortos e leitões fracos, além de
hemoglobinúria, icterícia, convulsões ou diarreia. Os cães apresentam febre (pela
quantidade de TNF α liberado), anorexia, insuficiência renal (pelo alojamento e resposta
inflamatória podendo levar a obstrução dos túbulos), hepatite (por infecção e destruição
de hepatócitos, podendo evoluir para cirrose), icterícia, vasculite generalizada (por alta
carga infectante) ou lesão entérica (por contaminação oral, apresentando quadro
diarreico). Os equinos não possuem sorogrupo específico, se comportando como
hospedeiro acidental podendo apresentar sintomatologia de mialgia, fraqueza, febre,
abortamento (em sorogrupos que vão para o trato reprodutor) e uveíte (principal). Em
humanos os sintomas são de gripe, dor na panturrilha (patognomônico, podendo ser
unilateral ou bilateral), icterícia, dor de cabeça e no corpo e manchas na pele (pela
exotoxina).

O diagnóstico deve ser clínico, epidemiológico e laboratorial. O clínico se baseia


nos achados clínicos. O epidemiológico na vivencia, histórico do animal e região. O
laboratorial pode ser indireto ou direto. No indireto tem-se a detecção de anticorpos
IgG e IgM, principalmente este último, caso possua característica aguda. Dentre os
indiretos estão a Soroaglutinação Microscópica (SAM) e o ELISA. No direto tem-se a
detecção do agente etiológico através de pesquisa direta do agente podendo ser feito
por in print de gota de urina, bacteriológico e PCR tanto em tempo real quanto
convencional. O hemograma auxilia na clínica, porém não tem caráter confirmatório. A
Soroaglutinaçao Microscópica (SAM) detecta IgM (principalmente) e IgG. Possui alta
eficiência, sendo de eleição. Possui parte de triagem, sendo uma única diluição dos 23
sorogrupos 1:100, e de titulação, onde se realiza diluições do soro dos sorogrupos
positivos na triagem. Utiliza a própria Leptospira como antígeno. O teste sorológico
detecta a exposição. Já a pesquisa direta pode ser feita em sangue (na fase de
leptospiremia), liquor, urina (na fase leptospirúrica) feto, tecidos do fígado e sêmen
(problema em caprinos). Pode ser realizada Microscopia de Campo Escuro, Microscopia
de Campo Claro, Imunofluorescência Direta (visualiza a forma espiralada) e
bacteriológico (sangue).
No tratamento a Penicilina G tem apresentado melhores resultados, no entanto,
inspira cuidados com as doses por conta de danos renais e hepáticos. Além da Penicilina
G tem-se a Ampicilina, Amoxicilina, Azitromicina, Doxiciclina, Tetraciclina, Eritromicina,
Diidroestreptomicina que apresenta menos efeitos colaterais para os rins. O controle
deve ser feito com combate aos roedores através de construções altas à prova de
roedores, programa de controle de roedores, conscientização da lavagem das mãos e
uso de luvas e uso de indumentária correta. Nesse sentido o uso indiscriminado de
raticidas não resolve o problema. Tratamento dos infectados com utilização de
antibióticos, lembrando que eles permanecem eliminando via urina. Medidas aplicadas
as vias de transmissão como fatores de risco (superpopulação), tratamento de excretas
(urina e fezes), higiene das instalações e controle dos doadores de sêmen. Evitar contato
de animais que podem ter Leptospira com crianças ou idosos. Evitar a exposição do cão
em áreas que se podem ter roedores. E medidas aplicadas aos susceptíveis através das
vacinações. Não sendo recomendada a vacina em fêmeas gestantes pela estimulação de
resposta imunologia, podendo causar aborto. São feitas vacinas inativadas, ajudando a
proteger contra a doença, mas não contra a infecção. Em bovinos a 1ª dose de 3 a 4
meses, reforço após 30 dias e revacinação em áreas endêmicas, semestral, em não
endêmicas, anual. Em cães 1ª dose com 45 a 60 dias, reforço após 30 a 60 dias e
revacinação anual em animais de casa ou semestral em animais que tenham contato
com a rua.

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