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135-148,
Faustino Teixeira *
ABSTRACT: The question of faith has always occupied a central place for João
Batista Libanio, not only in the academic sphere, as object of his work in the area
of fundamental theology, but also in the field of his pastoral presence. Faith allows
for the essential leap in the heart of the Transcendent, touching the innermost core
of human existence. The goal in this article is to present a few elements of Libanio’s
vision on the theme, and emphasize how he addresses the various scopes of faith.
KEYwORDS: Faith, Revelation, Transcendence, Depth, Community.
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Introdução
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sas, marcada pela atenção, cuidado, generosidade e lucidez. Gostava de
assinalar que “a batalha da consciência crítica não termina nunca”, exi-
gindo sempre de todos uma vigilância permanente. Tudo isto tão difícil
numa sociedade pontuada pela lógica do mercado e da produtividade,
pela pressa, pela voracidade da razão instrumental e a busca do êxito a
todo custo. Situações que se firmam como barreiras contra a serenidade
e a escolha matizada.
Há que salientar ainda o seu traço de mistagogo, que guia com entusias-
mo para dentro do mistério e que favorece a iniciação nos enigmas da
religião e do Deus sempre maior: um “guru”, no sentido mais nobre da
expressão, que ajuda o educando a potencializar suas qualidades humanas
e espirituais. Um iniciador, cuja tarefa fundamental consiste em tornar a
alma disponível para a ação do Espírito. Talvez seja esta uma das facetas
mais bonitas de sua personalidade, e que tocou mais de perto o mundo
dos jovens com os quais lidou com alegria em toda a sua caminhada.
Como guia do discernimento sabia que o crescente interesse pelas religiões,
incrementado pela mídia moderna, escondia algo mais profundo, ou seja,
uma sede de mística ou espiritualidade alternativa, capaz de fazer frente
“à solidão da racionalidade instrumental, ao cálculo frio da sociedade
materialista e consumista” (LIBANIO, 2004a, p. 9).
Nesse breve artigo, retomo uma reflexão feita para o núcleo de amigos
que conviveu com o Libânio por mais de quarenta anos, a Tropa Mal-
dita, em fevereiro de 2014, ainda sob o impacto da partida do amigo e
mestre comum. O objetivo era apresentar para o grupo alguns traços
fundamentais da espiritualidade de Libânio, e em particular a sua
compreensão de fé.
1 A questão da fé
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relação de encantamento, um colóquio amoroso, como indicam os grandes
místicos:
“Alma, buscar-te-ás em Mim,
E a Mim buscar-me-ás em ti.
De tal sorte pôde o amor,
Alma, em mim te retratar,
Que nenhum pintor
Soubera com tal primor
Tua imagem estampar
Foste por amor criada,
Bonita e formosa, assim
Em meu coração pintada,
Se te perderes, amada
Alma, buscar-te-ás em Mim (...)”
(TERESA DE JESUS, 1995, p. 979).
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Desse modo, ´verdade` é des-ocultuar, des-velar: a pessoa vive a verdade
quando é autêntica, quando descobre a própria existência” (LIBANIO,
1999, p. 7). É esta própria verdade-clareira que provoca humildade, im-
pedindo qualquer arrogância. Não é o sujeito que se apossa da verdade,
mas vem por ela envolvida e abraçada. A fé é uma experiência vital, uma
experiência de amor, que jamais endurece o seu portador, mas situa-o num
caminho que é necessariamente dialogal, de afirmação da vida (cf. PAPA
FRANCISCO, 2013b, n. 34).
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“Deus, segundo Tillich, não é uma projeção ´lá fora`, um Outro para além dos
céus, de Cuja existência nós temos que nos convencer, mas a Base do nosso
próprio ser. ´O nome desta infinita e inexaurível profundidade e base de todo
o ser é Deus. Essa profundidade é o que significa a palavra Deus. E se essa
palavra não tem grande sentido para ti, tradu-la, e fala das profundidades da
tua vida, da fonte do teu ser, da tua máxima preocupação, daquilo que tomas
a sério sem qualquer reserva. Talvez, para conseguir isso, devas esquecer tudo
quanto de tradicional aprendeste acerca de Deus, talvez mesmo a própria pa-
lavra. Sabes já muito de Deus se souberes que Deus significa profundidade`
” (ROBINSON, 1967, p. 25).
Numa das mais lindas páginas de sua reflexão mística, Teilhard de Char-
din relata a descida ao recinto mais secreto da interioridade, nesse âmbito
da profundidade onde se realiza o mistério da comunhão. O relato é de
uma beleza impar:
“Então, pela primeira vez talvez de minha vida (eu, que supostamente devo
meditar todos os dias!), tomei a lâmpada e, deixando a área aparentemente clara
de minhas ocupações e de minhas relações de cada dia, desci ao mais íntimo
de mim mesmo, ao abismo profundo de onde eu sinto que emana confusamen-
te meu poder de ação. Ora, à medida que eu me distanciava das evidências
convencionais, pelas quais é superficialmente iluminada a vida social, eu me
dei conta de que eu me escapava de mim mesmo. A cada passa descido, um
outro personagem se revelava em mim, cujo nome exato eu não podia dizer, e
que não me obedecia mais. E quando precisei interromper minha exploração,
porque me faltava chão sob meus passos, havia aos meus pés um abismo sem
fundo de onde saía, vindo não sei de onde, a onda que ouso chamar de minha
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vida (...). Então, totalmente possuído por minha descoberta, eu quis subir à luz,
esquecer o inquietante enigma no confortável convívio das coisas familiares,
recomeçar a viver na superfície, sem sondar imprudentemente os abismos.
Mas eis que, sob o espetáculo mesmo das agitações humanas, vi aparecer de
novo, aos meus olhos prevenidos, o Desconhecido, do qual eu queria escapar
(...). Nosso espírito se perturba quando procuramos medir a profundidade do
mundo abaixo de nós (...). Nesse momento, como qualquer um que quiser fazer
1
E também em outra clássica passagem: “Tarde te amei, ó tão antiga e tão nova beleza! Tarde
demais eu te amei! Eis que habitavas dentro em mim, e do lado de fora eu te procurava”
(AGOSTINHO, 1973, p. 38). É o que Libânio chama de “porta da experiência existencial”
como caminho para a fé (cf. LIBANIO, 2014, p. 127-129).
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a mesma experiência interior, eu senti pairar sobre mim a angústia essencial
do átomo perdido no universo, a angústia que faz, dia após dia, soçobrar as
vontades humanas sob o número acabrunhador dos seres viventes e dos astros.
E, se alguma coisa me salvou, esta foi entender a palavra do Evangelho – ga-
rantida por sucessos divinos —, que me dizia do mais fundo da noite: ´Ego
sum, noli timere` (´sou eu, não temas`)” (CHARDIN, 2010, p. 44-46).
O pesadelo das ameaças do caos está por toda parte, ou como diz Rio-
baldo Tartarana, o personagem de Guimarães Rosa, o diabo “vige dentro
do homem”, e está aí por perto, “na rua, no meio do redemoinho”. Ele
se insere no campo, como mandioca brava misturada com a mandioca
mansa, num chão “de igual formato de ramo e folhas”. E ganha formas
diversificadas. O inferno está aí, diz Tartarana, como um “sem-fim que nem
não se pode ver”, mas o que se anseia é pelo céu, pois com ele afirma-se
o sentido e a finalidade: “um fim com depois dele a gente tudo vendo”. O
diabo está ai, sempre na espreita, mas Deus é mais esperto, “uma beleza
de traiçoeiro”, e age sempre “na lei do mansinho”. Ele “ataca bonito, se
divertindo, se economiza”. Com a presença da religião e da fé, tudo se
“quieta”, pois é a reza “que sara da loucura”. Não ter Deus para o jagunço
dos sertões é uma radical impossibilidade. Daí a reação de perplexidade
de Tartarana face ao doutor de Araçuaí que declarou sua descrença em
Deus: “Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá
esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se
não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra (...).
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Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim
dá certo” (GUIMARÃES ROSA, 1967, p. 48; e ainda p. 15, 20-21 e 49. Cf.
LIBANIO, 2004c, p. 44 e 55).
2 Os âmbitos da fé
Ao tratar o tema da fé, João Batista Libanio busca distinguir quatro âmbitos
de sua realização: a fé antropológica, a fé no divino, a fé no Deus pessoal
e a fé eclesial. Parte inicialmente da fé antropológica, da fé como experiência
humana fundamental. A fé humana envolve um “gesto de entrega”, mas
sempre pontuada por um enigma, pois não há como penetrar com pro-
fundidade o mundo do outro, que permanece protegido por um mistério
intransponível. O outro revela-se para nós não apenas como maravilha
de um encontro, que suscita admiração, mas também como agonia, na
medida em que a alteridade nos convoca a viver a radicalidade de uma
experiência de fronteira, de um embate com um irredutível que remove
as entranhas intelectuais e afetivas. Trata-se de uma convocação dolorosa
a romper com as defesas e alongar as cordas.
Um dos grandes mestres de Libanio, o teólogo alemão Karl Rahner, traba-
lhou de forma precisa esse traço da fé antropológica. Na visão desse autor,
todos os seres humanos estão envolvidos pela dinâmica da “auto-oferta
de Deus”, de sua autocomunicação gratuita. Não há como escapar desta
atmosfera que antecede qualquer ato livre. Trata-se para Rahner de uma
característica da transcendentalidade do humano. O sujeito é portador
de uma “ilimitada transcendência”, e isso sempre ocorre quando ele se
dispõe a avançar nas profundezas de sua existência. Esta aproximação da
ilimitada transcendência não ocorre apenas quando a pessoa dedica-se a
uma atividade religiosa, mas é uma experiência “que está dada a toda
pessoa previamente a essas atividades e decisões religiosas reflexas, que
talvez possa ocorrer até mesmo em formas e conceituações que aparente-
mente nada têm de religioso” (RAHNER, 1989, p. 164). Trata-se de uma
experiência de ampla abrangência, que pode acontecer de forma atemática
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encontram hospedados no mais íntimo do humano (Cf. DALAI LAMA,
2000, p. 32-33; BOFF, 2001, p. 20-21). São qualidades essenciais como o
amor, a compaixão, o cuidado, a hospitalidade, a atenção, a delicadeza,
a capacidade de perdão etc. Estas qualidades podem estar presentes e
atuantes, mesmo em alto grau, em indivíduos que não se apresentam
como religiosos. Alguns autores, como André Comte-Sponville, vêm de-
fendendo hoje a plausibilidade de uma espiritualidade laica, pontuada
por valores específicos como a fidelidade, a ação e o amor. Em sua obra
sobre O espírito do ateísmo (2006), ele aborda o caminho singular de uma
“espiritualidade da imanência”. É quando o sujeito supera a dinâmica da
consciência comum, de quem passa ao largo das grandes indagações do
tempo, e se volta para a surpresa e o deslumbramento com o real. Trata-
-se de um despertar para a “imanensidade”, ou seja, aquela consciência
de que “o mundo é nosso lugar; o céu, nosso horizonte; a eternidade,
nosso cotidiano”. E isto só ocorre quando o sujeito se liberta das amarras
de um ego que ousa ocupar todos os lugares, não deixando espaço para
a surpresa da “deslumbrante presença de tudo”. Essa abertura gratuita
ao presente, ao real, veio descrita por Comte-Sponville em relato de uma
experiência espiritual que ocorreu em sua juventude. Estava numa floresta
do norte da França, passeando numa noite com os amigos, quando se
interrompem risos e palavras:
“restava a amizade, a confiança, a presença compartilhada, a doçura daquela
noite e de tudo... Eu não pensava em nada. Eu olhava. Eu escutava. A escuridão
da floresta em volta. A incrível luminosidade do céu. O silêncio rumoroso da
floresta: alguns estalos das ramagens, alguns gritos de animais, o ruído surdo
dos nossos passos... Isso tornava o silêncio mais audível ainda. E de repente...
O que? Nada: tudo! Nenhum discurso. Nenhum sentido. Nenhuma interroga-
ção. Apenas uma surpresa. Apenas uma evidência. Apenas uma felicidade que
parecia infinita. Apenas uma paz que parecia eterna” (COMTE-SPONVILLE,
2007, p. 146) 2.
2
Na linha de uma defesa de uma vida espiritual que não se reduz à religião ver também:
PENA-RUIZ, 1998, p. 22-23; IDEM, 2003, p. 237; HADOT, 2008, p. 52. Ver ainda: PANIKKAR,
2005, p. 57-66; IDEM, 2008, p. 55-57.
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refletindo a fragmentação da relação com a transcendência neste momento
de pós-modernidade, tendo em vista também a irradiação de uma con-
cepção plural de Deus (Cf. LIBANIO, 2014, p. 121). Creio que a questão
é um pouco mais complexa, merecendo um tratamento mais nuançado
ou refinado.
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por exemplo, não há nomeação deste mistério, mas talvez em razão da
preservação de seu enigma. Como assinala Juan Martín Velasco,
“o silêncio de Deus que o Buda tão consequentemente pratica é a forma mais
radical de preservar a condição misteriosa do último, o supremo, ao que toda
religião aponta, mas com a qual nem sempre é consequente. O fato de calar
sobre Deus, de não afirmar nem negar sua existência e, mais radicalmente,
de eludir a resposta à pergunta por ele – não por não dispor dessa resposta,
mas por saber que a pergunta é incorreta, indevida, lesiva da transcendência
da realidade à qual se refere —, esse fato é a forma paradoxal, talvez a única
possível, de fazer eco a uma presença que só pode ocorrer de forma alusiva,
que só pode produzir-se sob a forma de ausência e que, por isso, só pode
´dizer-se` com o silêncio” (MARTÍN VELASCO, 1999, p. 161-162).
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pesadas e insuportáveis; a organização enrijece-se; os tempos e espaços
secularizam-se; os templos perdem a sacralidade” (LIBANIO, 2004a, p.
53). Muitos riscos cercam esta experiência de fé, sobretudo em razão de
traços de prepotência ou arrogância que podem adornar os responsáveis ou
lideranças que se arvoram a identificar na comunidade a única mediação,
ou mais autêntica, para o encontro com Deus. Podem ocorrer inúmeros
desencontros, que levam a duras experiências de descompasso ou solidão.
Muito da desafeição religiosa que se irradia no tempo atual, sobretudo
entre os jovens, deve-se também ao modo de exercício da fé eclesial. Em
recente trabalho sobre os jovens em tempos de pós-modernidade, Libânio
fala sobre o desafio dessa reaproximação com os jovens: “A experiência
ensina-nos que tocam o ser humano os gestos de acolhida sincera, de
simpatia transparente, de empatia afetiva, de respeito silencioso e, pelo
contrário, o proselitismo, a insistência, a impertinência aumentam a repulsa,
sobretudo nas esferas da intimidade pessoal”. Sublinha que o caminho
indicado deve ser o que privilegia a “relevância existencial da fé e das
experiência religiosas e não sua obrigatoriedade” (LIBANIO, 2004b, p.
100; IDEM, 2014, p. 116).
Conclusão
bonita de riso e natural”, a “Eterna Criança, o deus que faltava”, que nos
abraça com carinho e a tudo o mais que existe, a criança que de “tão
humana” só pode ser “divina” (PESSOA, 1992, p. 210-211. Cf. LIBANIO,
2004a, p. 43; IDEM, 1999, p. 17-18). É esse Jesus, demasiado humano, que
Libanio busca sublinhar como modelo para os cristãos, um mestre que
anuncia aos humanos um Deus com entranhas de Misericórdia, interessado
a fundo no bem estar eco-humano. Jesus, com sua mensagem, removeu
de fato toda e qualquer fronteira do amor de Deus.
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