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ARTE E TRANSCENDENCIA

Trecho de: a passagem das horas de (Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa)

Sentir tudo de todas as maneiras,


Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,


Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.

Alvaro de Campos

O que confere uma obra de arte o estatuto de obra de arte?

(Música, teatro, dança, pintura, cinema, fotografia, literatura...)

Tudo àquilo que chamo de arte, se justifica pela poesia que ela contém.

Se não tiver poesia, não é cinema, não é teatro, não é dança, não é pintura...

Não tendo, ela é tudo, menos obra de arte.

A obra verdadeira é sempre nova, não cansa, pq traz em si mesma e apesar de si mesma, algo
que não lhe pertence. E nem pertence ao seu autor.

Vem de outro lugar... de uma instância mais alta e através da única via possível, que é a via da
beleza.

Em arte quando falamos de beleza, não é de boniteza, mas de forma... ARTE É FORMA

Não é do bonito que nós estamos falamos. A forma, a beleza, revela o ser das coisas.

Um ser que é inapreensível. Não damos conta de pegar o ser de uma rosa, de uma paisagem,
de um rosto, de um rio... Mas quando a Arte faz isso ela apreende essa coisa mais alta que está
atrás das coisas. Ela nos remete à beleza suprema.

Se estivermos despidos do orgulho da razão e da lógica. Para que o fenômeno de revelação da


Arte aconteça, temos que estar desnudos de todo orgulho. A razão analítica tem que abrir mão
do seu poder, a lógica tem que abrir mão desse poder.

Arte vai para o centro da pessoa, aquilo que nós chamamos OS SENTIMENTOS, nossos afetos.
Aquilo que nos constitui felizes ou infelizes.
NÃO É O QUE NÓS SABEMOS, MAS O QUE NÓS SENTIMOS.

Arte é para os sentimentos, para a sensibilidade. É para a inteligência do coração.

Fazemos e cometemos alguns equívocos:

ARTE É O ASSUNTO, O ENREDO, O INSTRUMENTO PARA...

ELA NÃO É UM PENSAMENTO FILOSÓFICO SOMENTE, ELA EXPRESSA AQUILO QUE NÓS
SENTIMOS, AQUILO QUE É HUMANO.

Não, não...Não é o que está sendo dito, mas como está sendo dito. Não é a coisa, mas como
ela se mostra através da mão do criador.

Portanto ela parte de uma EXPERIÊNCIA , a experiência criativa, que não é uma realidade não
tangível. É a dimensão do profundo em nós, a dimensão que permite o ser humano
compreender que pertence a uma totalidade.

Qualquer coisa é a casa da poesia. Ela pousa onde lhe apraz!

Arte não mostra a aparência, mas nos induz à intimidade, a alma das coisas, a nossa própria
intimidade, por isso que ela nos move, no comove. Por que mexe não em nossos
pensamentos, mas em nossos afetos, naquilo que nós sentimos. E me oferece, toda obra me
oferece um espelho. Ela faz com que eu me reconheça nela, naquilo que eu estou vendo.

Diante de um poema, de um livro, de um quadro, de uma música... meu Deus como esse autor
pôde tocar nisso?

Por isso ela dá sentido e significação na minha vida.

Todos nós padecemos de uma angústia. A angústia do tempo, da finitude. Nós temos essa
estreita sensação de que começamos e acabamos. Nós passamos.

E a obra de Arte não sofre esse desgaste, ela está fora do tempo. A obra segura o tempo pra
mim, suspende as nossas aparências.

ARTE NOS DÁ UNIDADE, SÍNTESE. Nós vivemos de maneira fragmentada: hora do café, do
trabalho, de dormir, de ir passear, de ler, de tomar banho, de comer. São fragmentos de
tempo. E nós queremos uma coisa eterna, uma unidade, que dure, que perdure.

E a coisa mais próxima disso é a ARTE.

A arte me dá um eixo de significação, nos devolve nossa unidade fragmentada. A arte consola,
conforta. É pão espiritual. Há uma fome em nós que nada pode saciar, somos famintos de
TRANSCENDÊNCIA. Algo que me diga

Você é mais que seu corpo, que as contas a pagar, mais do que suas necessidades básicas,
você é mais do que essa coisa quantitativa... de tal peso, tal cor, tal textura... Você é aquilo que
está presente no seu desejo, nos seus sentimentos, na sua alma.

Eu então falo: mas que bom que tem isso. Que coisa boa que tem isso...

É o desejo profundo que nós experimentamos.


É uma pessoa que tem VIDA INTERIOR, VIDA SIMBÓLICA.

A ARTE NASCE DAÍ E PRODUZ A PARTIR DAÍ. (Daquilo que está no fundo de cada pessoa, dos
nossos desejos, daquilo que temos como sentido que me move no mundo).

QUANDO PROCURAMOS ARTE ESTAMOS PROCURANDO, SEM MESMO SABER, AS COISAS


ESPIRITUAIS, DE NATUREZA DIVINA.

É a BELEZA QUE SE ESCONDE NAS COISAS E QUE SE REVELA. Se revela como? Pela força
movedora e comovedora que faz com que abramos os olhos para a maravilha da criação, da
maravilha da experiência humana que nos apresenta.

QUAL O PAPEL DA OBRA DE ARTE?

Nenhum!

Ela não tem um papel. Ela não é didática, ela não é catequética, não é filosófica. ELA É
EXPRESSÃO PURA.

É DESSA MATÉRIA IMPONDERÁVEL QUE É FEITA A OBRA DE ARTE.

E POR CAUSA DESSA QUALIDADE ETERNA, DESSA IMPONDERABILIDADE, A ARTE ESTÁ NO


MESMO CAMINHO DA MÍSTICA, DA FÉ, DA TRANSCENDÊNCIA. PORQUE SÃO EXPERIÊNCIAS E
NÃO UM DISCURSO.

DÊ GRAÇAS, VOCÊ ESTÁ TENDO UMA EXPERIÊNCIA DE NATUREZA POÉTICA, REVELADORA,


QUE É AO MESMO TEMPO RELIGIOSA, PORQUE LIGA VOCÊ A UM CENTRO DE SIGNIFICAÇÃO E
DE SENTIDO.

A transcendência, segundo Boff (2009, p.14) nos indica que somos “[...] seres de
abertura em todas as direções. Somos um nó de relação conosco mesmo, com os outros,
com a sociedade, com a natureza, com o universo e com Deus. ” Portanto, a
transcendência ultrapassa os conceitos de religiosidade, ela liga-se à ontologia do ser
que está para além das corporeidades ou materialidade da existência humana, não
importando qualquer vinculação religiosa.
Sobre a Transcendência, Freire (1967) também nos diz que não é apenas um
dado de nossa qualidade ‘espiritual’. Mas uma capacidade ontológica de consciência do
ser inacabado que somos e cuja plenitude se acha na ligação com seu criador. Essa
ligação nunca é de dominação ou domesticação, mas sempre de libertação. Por isso, a
religião deverá sempre promover a religação com àquilo que supostamente pensamos
estar desligados. Jamais deve ser um instrumento de alienação.
Como nos diz a poetiza Adélia Prado, numa conferência no programa “Sempre
um Papo” da TV Câmara, no dia 06 de agosto de 2008,
E é a força da arte que faz com que abramos nossos olhos para a maravilha da
Criação, a maravilha da experiência humana que nos aguarda. E por causa
dessa qualidade eterna, dessa imponderabilidade, eu vejo que, para a
humanização, a arte está no mesmo caminho da mística ou da fé religiosa:
ambas experiências são independentes da razão: são experiências; a beleza é
uma experiência e não um discurso. Como quando um dia, num caminho
habitual, você se espanta com algo – uma casa, uma obra, uma coisa – que já
tinha visto muitas vezes – “Que beleza! Eu nunca tinha enxergado isso desse
jeito! ”-, aí você pode dar graças: você está tendo uma experiência poética,
que é ao mesmo tempo, religiosa: no sentido que liga você a um centro de
significação e de sentido. Minha insistência no cotidiano é porque a gente só
tem ele: é muito difícil a pessoa se dar conta de que todos nós temos o
cotidiano, que é absolutamente ordinário (ele não é extra-ordinário).

A arte nos integra ao mistério e à beleza, é uma experiência mística de encontro


ao luminoso de nossas energias vitais. Mística aqui, é compreendida enquanto
caracterização do mistério, que por sua vez é visto enquanto realidade que não se
esgota, que não pertence ao conteúdo teórico indecifrável.
Portanto, experimentar processos criativos em arte é apropriar-se de si em
diálogo com o mistério das coisas, da vida, é uma espécie de síntese capaz de nos fazer
mergulhar em nossas dores, gozos, festa, júbilo, tristezas e incompletude humana.
Arte e espiritualidade dialogam enquanto dimensões que se interpenetram,
dialogam, fazem emergir nosso eu mais profundo, “[...] é uma relação que traz a
presença de cada ser humano diante do mundo e no mundo” (CAVALCANTE; GOIS,
2015, p. 256). É uma experiência ético-estética de reencontro com a beleza que habita
em cada pessoa, por isso, é que Frei Beto vai nos dizer que “a mera educação conceitual
é insuficiente, é preciso se perguntar pela motivação de fundo, que conduz à esfera da
ética” (FREI BETO, 1991, p. 285), da poética, da beleza, da arte.
A beleza não é um código padrão-formal ditado pela indústria da moda e do
consumo, mas é antes
(...) serena, e ao mesmo tempo até estimulante; ela aumenta a nossa
consciência do fato de estarmos vivos. A Beleza não só dá o sentimento da
admiração, mas também nos dota, ao mesmo tempo, de uma intemporalidade,
de sossego. Por isso falamos de beleza como sendo eterna. (MAY, 1992, p.
38)

O belo, a arte, a estética, a ética são, por assim dizer, caminhos para uma
educação da sensibilidade, da espiritualidade que a tudo re-liga e desperta nossa
natureza ancestral. Assim sendo, o coração, a mente, a emoção, a razão analítica são
racionalidades de um mesmo ser integral Eco-Relacional, não importando, assim, um
lugar específico, um dia especial, um momento singular para a epifania do Belo que em
nós se revela.
No cotidiano mais prosaico, mais simples, nas situações mais corriqueiras da
vida podemos acessar essa condição de nossa natureza humano-divina. “Em nós tudo é
sagrado, desde a ação mais comum de comer ou caminhar até o ato mais elevado de
amor ao Criador” (Neto, 2000, p.28). Desta maneira, comendo, bebendo, abraçando,
correndo, nadando, brigando, lutando, sofrendo, amando ou numa relação sexual,
estamos imersos numa totalidade.

NO LIVRO, O CONSOLADOR, EDITADO EM 1941, O ESPÍRITO EMANUEL PSICOGRAFADO PELO


MÉDIUM CHICO XAVIER, VAI NOS DIZER:

A arte pura é a mais elevada contemplação espiritual por parte das criaturas, ela significa a
mais profunda exteriorização, a divina manifestação desse mais além que polariza a esperança
da alma. O Artista verdadeiro é sempre um médium das belezas eternas, e o papel do artista
foi sempre fazer vibrar as cordas dos sentidos e sentimentos.

ANDRÉ LUIZ, NO LIVRO, NOS DOMÍNIOS DA MEDIUNIDADE NOS OFERECE UM PENSAMENTO


DE QUE A ARTE É A CREDIBILIDADE DO BELO EM CUJAS REALIZAÇÕES, ENCONTRAMOS AS
SUBLIMES VISÕES QUE NOS É RESERVADO. O BELO É UM CONCEITO

LEON DENIR NO LIVRO ESPIRITISMO NA ARTE NOS PROPÕE HAVER UMA RELAÇÃO ENTRE ARTE
E DIVINDADE, DIZENDO QUE O ESPÍRITO ETERNO POSSUI DE AMPLIAR SUA PERCEPÇÃO DE
BELEZA EM SEU PROCESSO DE EVOLUÇÃO ESPIRITUAL.

DIZ ELE:

Dissemos que o objetivo essencial da arte é a procura e a realização da beleza. E ao mesmo


tempo, a procura de Deus, é a fonte primeira e a realização perfeita da beleza física e moral.
Quanto mais a inteligência se apura, se aperfeiçoa, se eleva, mais se impregna da ideia do
belo. O objetivo essencial da evolução, portanto, será a procura e a conquista da beleza, a fim
de realiza-la no ser e nas suas obras. Tal é a norma da Alma na sua ascensão infinita.

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