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Membros problemáticos de grupos

Ainda estou para encontrar um paciente te capítulo, voltamos nossa atenção para pa-
que não seja problemático, que navegue pelo cientes difíceis e discutimos especificamente
curso da terapia como um navio recém-bati- oito tipos clínicos problemáticos: o monopoliza-
zado, escorregando pela rampa até a água. dor, o paciente silencioso, o paciente aborreci-
Cada membro de grupo deve ter um proble- do, o queixoso que rejeita ajuda, o paciente
ma: o sucesso da terapia depende de cada in- psicótico ou bipolar, o paciente esquizóide, o
divíduo encontrar e aprender a lidar com os paciente borderline e o paciente narcisista.
problemas básicos da vida no aqui-e-agora do
grupo. Cada problema é complexo, determi-
nado e único. A intenção deste livro não é O MONOPOLIZADOR
promover um compêndio de soluções para
problemas, mas descrever uma estratégia e um A besta negra de muitos terapeutas de gru-
conjunto de técnicas que possibilitem que o po é o monopolizador, uma pessoa que parece
terapeuta se adapte a qualquer problema que forçada a tagarelar incessantemente. Esses in-
surja no grupo. divíduos ficam ansiosos quando estão em silên-
A expressão “paciente problemático” já é cio. Se outros tomam a palavra, eles se inserem
problemática por si só. Tenha em mente que o novamente com uma variedade de técnicas:
paciente problemático raramente existe em um correr para preencher o menor silêncio, respon-
vácuo, mas é um amálgama que consiste de di- der a cada afirmação dita no grupo, responder
versos componentes: a própria psicodinâmica continuamente aos problemas da pessoa que
do paciente, a dinâmica do grupo e as intera- está falando dizendo “também sou assim”.
ções do paciente com os outros membros e o O monopolizador pode descrever conver-
terapeuta. Geralmente, superestimamos o papel sas com outras pessoas (muitas vezes assumin-
do caráter do paciente, enquanto subestima- do diversos papéis na conversa) em detalhes
mos o papel do contexto interpessoal e social.1 intermináveis ou apresentando relatos de ma-
Determinadas constelações comporta- térias de revistas e jornais que podem ser ape-
mentais ilustrativas merecem particular aten- nas levemente relevantes para o problema do
ção por causa de sua ocorrência comum. Um grupo. Esses monopolizadores mantêm a pa-
questionário enviado pela Associação Norte- lavra assumindo o papel de interrogador. Uma
Americana da Psicoterapia de Grupo para mulher bloqueava o grupo com tantas questões
terapeutas de grupo atuantes inquiriu sobre as e “observações” que impossibilitava qualquer
questões críticas que o terapeuta de grupo deve oportunidade para os membros interagirem ou
dominar. Mais de 50% responderam: “Traba- refletirem. Finalmente, quando os outros mem-
lhar com pacientes difíceis”.2 Dessa forma, nes- bros a confrontaram furiosamente sobre o seu
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efeito perturbador, ela explicou que tinha medo desistências e a formação de subgrupos. Quan-
do silêncio, pois ele a lembrava da “calmaria do o grupo enfrenta o monopolizador, geral-
antes da tempestade” em sua família – o silên- mente é com um estilo explosivo e brutal. O
cio que precedia os surtos explosivos e violen- porta-voz do grupo geralmente recebe apoio
tos do seu pai. Outros capturam a atenção dos unânime – já testemunhei até uma rodada de
membros provocando-os com material bizar- aplausos. O monopolizador pode então ficar
ro, chocante ou sexualmente picante. amuado, permanecer em completo silêncio por
Pacientes instáveis que têm uma veia dra- uma ou duas reuniões (“veremos o que eles
mática podem monopolizar o grupo pelo méto- farão sem mim”) ou deixar o grupo. De qual-
do da crise: eles regularmente apresentam gran- quer jeito, todos obtêm poucos resultados tera-
des problemas de vida para o grupo, que sempre pêuticos com tudo isso.
exigem atenção urgente e prolongada. Outros
membros intimidam-se e ficam em silêncio, pois
seus problemas parecem triviais em compara- Considerações terapêuticas
ção. (“Não é fácil interromper E o Vento Levou”,
como colocou um membro de um grupo.) Como pode o terapeuta interromper o
monopolizador de maneira terapeuticamente
efetiva? Apesar da maior provocação e tenta-
Efeitos sobre o grupo ção de gritar com o paciente ou de silenciá-lo
por decreto, um ataque desses tem pouco va-
Embora o grupo possa, na reunião inicial, lor (exceto como uma catarse temporária para
aceitar e talvez até estimular o monopolizador, o terapeuta). O paciente não tem benefícios:
o humor logo se transforma em frustração e não há aprendizado, a ansiedade subjacente
raiva. Alguns membros de grupos preferem não ao discurso compulsivo do paciente persiste e,
silenciar outro membro por medo de incorre- sem dúvida, voltará em salvas monopolizadoras
rem na obrigação de preencher o silêncio. Eles ou, se não houver uma válvula de escape, for-
prevêem a réplica óbvia: “Ok, eu calo a boca e çará o paciente a abandonar o grupo. O grupo
você fala”. E é claro que não é possível falar também não tem benefícios. Independente-
em um clima tenso e protegido. Os membros mente das circunstâncias, os outros se senti-
que não são particularmente assertivos podem rão ameaçados pelo terapeuta ter silenciado
não lidar diretamente com o monopolizador um dos membros de maneira autoritária. Plan-
por algum tempo. Em vez disso, eles fervem ta-se uma semente de cautela e medo na men-
em silêncio ou fazem ataques hostis indiretos. te de todos os membros, e eles começam a ques-
Geralmente, os ataques oblíquos contra o mono- tionar se terão semelhante destino.
polizador apenas agravam o problema e ali- Entretanto, o comportamento monopoli-
mentam o ciclo vicioso. O discurso compulsivo zador deve ser analisado e geralmente isso é
do monopolizador é uma tentativa de lidar com tarefa do terapeuta. Embora o terapeuta deva
a ansiedade. À medida que o paciente sente a esperar que o grupo lide com os seus proble-
tensão e o ressentimento crescendo no grupo, mas, o membro monopolizador é um proble-
sua ansiedade aumenta, juntamente com a ten- ma que o grupo, e especialmente um grupo
dência de falar compulsivamente. Nesses mo- jovem, muitas vezes não consegue enfrentar. O
mentos, alguns monopolizadores têm consciên- paciente monopolizador representa uma amea-
cia de que criam uma cortina de fumaça de ça para os seus fundamentos metodológicos:
palavras para impedir que o grupo faça um os membros do grupo são estimulados para
ataque direto. falar no grupo, mas esse membro específico
Finalmente, essa fonte de tensão não-re- deve ser silenciado. O terapeuta deve impedir
solvida terá um efeito prejudicial sobre a coe- a elaboração de normas que obstruam a tera-
são – um efeito que se manifesta por meio de pia e, ao mesmo tempo, impedir que o pacien-
sinais de perturbação do grupo como brigas te monopolizador cometa suicídio social. Uma
indiretas e deslocadas do alvo, absenteísmo, abordagem de duas vias é mais efetiva: consi-
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dere o monopolizador e o grupo que se deixou dentro, partindo de sua própria repressão de
ser monopolizado. Essa abordagem reduz o si mesma, sua passividade, por evitar as suas
perigo de haver bodes expiatórios e ilumina o próprias emoções. “Minha explosão foi cons-
papel que o grupo desempenha no comporta- truída durante 20 anos”, disse Sue, enquanto
mento de cada membro. pedia desculpas e agradecia ao seu surpreso
Do ponto de vista do grupo, tenha em men- “antagonista” por cristalizar essa consciência.
te o princípio de que a psicologia individual e A abordagem do grupo a esse problema deve
a do grupo são intricadamente entremeadas. ser complementada por meio de trabalho com o
Nenhum paciente monopolizador existe em indivíduo monopolizador. O princípio básico é
um vácuo: o paciente sempre reside em um simples: não se deseja silenciar o monopoliza-
equilíbrio dinâmico com um grupo que permi- dor, não se deseja ouvir menos do paciente –
te ou estimula tal comportamento.3 Assim, o deseja-se ouvir mais. A aparente contradição se
terapeuta pode questionar por que o grupo resolve quando consideramos que o monopoli-
permite ou estimula um membro a carregar o zador usa o seu discurso compulsivo para se
fardo de toda a reunião. Esse questionamento esconder. As questões que o monopolizador
pode surpreender os membros, que se perce- apresenta para o grupo não refletem preocu-
bem apenas como vítimas passivas do monopo- pações pessoais profundas de maneira precisa,
lizador. Após os protestos iniciais serem traba- mas são escolhidas por outras razões: entreter,
lhados, os membros do grupo podem então ganhar atenção, justificar uma posição, apre-
aproveitar e examinar a maneira como explo- sentar queixas, e assim por diante. Dessa for-
ram o monopolizador. Por exemplo, talvez eles ma, o monopolizador sacrifica a oportunidade
se sentissem aliviados por não terem de parti- de fazer terapia pela necessidade insaciável de
cipar verbalmente do grupo. Eles podem ter atenção e controle. Embora cada terapeuta
permitido que o monopolizador fizesse todas construa intervenções segundo seu estilo pes-
as suas revelações, ou parecesse tolo, ou agis- soal, a mensagem essencial para os monopoli-
se como um pára-raios para a raiva dos mem- zadores deve ser que, por meio de seu discur-
bros do grupo, enquanto eles mesmos assu- so compulsivo, eles seguram o grupo e impe-
miam pouca responsabilidade pelas tarefas te- dem que os outros se relacionem com eles de
rapêuticas do grupo. Quando os membros re- maneira significativa. Assim, não se deve rejei-
velam e discutem as razões para a sua inativi- tá-los, mas fazer um convite para que se envol-
dade, aumenta o seu comprometimento com o vam de forma mais integral no grupo. Se tiver
processo terapêutico. Eles podem, por exem- o objetivo único de silenciar o paciente, você
plo, discutir seu medo da assertividade, ou de terá, de fato, abandonado o objetivo terapêu-
prejudicar o monopolizador, ou de um ataque tico e será até melhor retirar aquele membro
de algum membro ou do terapeuta em retalia- do grupo.
ção. Podem preferir não chamar a atenção do Às vezes, apesar de um cuidado conside-
grupo para não expor a sua avareza e podem rável por parte do terapeuta, o paciente conti-
se deleitar secretamente com a sina do mono- nuará a entender apenas a mensagem: “Então
polizador e gostar de fazer parte da maioria você quer que eu cale a boca!” Esses pacientes
vitimada e desaprovadora. A revelação de qual- acabarão deixando o grupo, seguidamente per-
quer uma dessas questões por um paciente que turbados ou com raiva. Embora este seja um
ainda não estava envolvido significa progres- evento perturbador, as conseqüências da inati-
so e maior envolvimento na terapia. vidade do terapeuta são muito piores. Ainda que
Em um grupo, por exemplo, uma mulher os membros remanescentes possam lastimar a
submissa e cronicamente deprimida, Sue, ex- saída daquele membro, não é incomum que eles
plodiu com uma raiva inusitada e cheia de ex- reconheçam que eles mesmos estavam à beira
pletivos em resposta ao comportamento mono- de sair, se o terapeuta não tivesse intervindo.
polizador de outro membro. À medida que ex- Além de seu comportamento nitidamen-
plorou a sua explosão, Sue logo reconheceu te fora dos padrões esperados no grupo, o sis-
que a sua raiva na verdade era voltada para tema sensorial social dos monopolizadores tem
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uma grande limitação. Eles parecem peculiar- incapacidade de ouvir a resposta dos mem-
mente inconscientes de seu impacto interpes- bros a ele, o grupo o encurralou cada vez
soal e da resposta dos outros a eles. Além dis- mais, até que, quando foi forçado a ouvir, a
so, não possuem a capacidade ou a inclinação mensagem pareceu cruel e destrutiva.
para sentir empatia pelos outros.
Dados de um estudo exploratório corro- O terapeuta deve ajudar a aumentar a
boram essa conclusão.4 Solicitou-se que pacien- receptividade do paciente ao feedback. Talvez
tes e estudantes observadores preenchessem você precise ser firme e diretivo, dizendo, por
um questionário ao final de cada reunião do exemplo: “Charlotte, acho que seria melhor
grupo. Uma das áreas exploradas foi a ativida- você parar de falar, pois estou sentindo que há
de. Os participantes deveriam avaliar os mem- sentimentos importantes sobre você no grupo
bros do grupo, incluindo eles mesmos, com que lhe seriam úteis”. Talvez você também te-
relação ao número total de palavras pronun- nha que ajudar os membros a revelar suas res-
ciadas durante a reunião. Houve excelente fi- postas a Charlotte, em vez de suas interpreta-
dedignidade nas avaliações da atividade entre ções dos motivos dela. Conforme descrito an-
os membros do grupo e os observadores, com teriormente nas seções sobre o feedback e a
duas exceções: (1) as avaliações da atividade aprendizagem interpessoal, é muito mais pro-
do terapeuta pelos pacientes apresentavam veitoso e aceitável dizer algo como “quando
grandes discrepâncias (uma função da trans- você fala desse jeito, eu sinto...” do que “você
ferência; ver o Capítulo 7), e (2) os pacientes está se comportando assim porque...” O pacien-
monopolizadores se colocaram muito abaixo te pode considerar as interpretações motivacio-
nas avaliações de atividade do que os outros nais como acusações, mas terá mais dificulda-
membros, que costumavam ser unânimes em de para rejeitar a validade das respostas subje-
classificar o monopolizador como o membro tivas dos outros.ϒ
mais ativo da reunião. Com freqüência, confundimos ou trocamos
O terapeuta, então, deve ajudar o mono- os conceitos de manifestação interpessoal, res-
polizador a observar a si mesmo, incentivando posta e causa. A causa do comportamento
o grupo a fornecer-lhe feedback empático e monopolizador pode variar consideravelmen-
constante a respeito do seu impacto sobre os te de paciente para paciente: alguns indivíduos
outros.5 Sem esse tipo de orientação do líder, o falam para se controlar, muitos sentem tanto
grupo pode dar feedback de maneira descone- medo de ser influenciados ou invadidos pelos
xa e explosiva, o que apenas torna o monopo- outros que defendem suas declarações compul-
lizador defensivo. Essa seqüência tem pouco sivamente, e outros exageram tanto o valor de
valor terapêutico e simplesmente recapitula um suas idéias e observações que não conseguem
drama e um papel que o paciente já desempe- esperar e precisam expressar todos os seus pen-
nhou muitas vezes. samentos imediatamente. Geralmente, a cau-
sa ou a intenção real do comportamento do
• Na entrevista inicial, Matthew, um monopo- monopolizador não é compreendida até muito
lizador, reclamou de seu relacionamento depois na terapia, e a interpretação da causa
com a sua esposa, que, segundo dizia, cos- pode ajudar pouco no manejo de padrões de
tuma recorrer subitamente a táticas pesa- comportamento diruptivos. É muito mais efeti-
das como humilhá-lo em público ou acusá- vo concentrar-se na manifestação do self do pa-
lo de infidelidade na frente dos seus filhos. ciente no grupo e na resposta dos outros mem-
Essa abordagem agressiva não produzia bros ao seu comportamento. De maneira cor-
nada nesse homem e, assim que as feridas tês mas repetida, devem-se confrontar os mem-
saravam, ele e sua esposa começavam o ci- bros com o paradoxo de que, não importa o
clo novamente. Nas primeiras reuniões, a quanto possam desejar que os outros os acei-
mesma seqüência ocorreu no microcosmo tem e respeitem, eles persistem em um com-
social do grupo: devido ao seu comporta- portamento que produz apenas irritação, re-
mento monopolizador, suas críticas e sua jeição e frustração.
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Um exemplo clínico de muitas dessas fenômeno de grupo potencialmente debili-
questões ocorreu em um grupo de terapia em tante. Cada membro se aproximou do
um hospital/prisão psiquiátrico onde agres- envolvimento no grupo. Walt não pôde mais
sores sexuais estavam encarcerados: participar de um modo que não pudesse ser
útil para si mesmo ou para o grupo.
• Walt, que estava no grupo havia três sema-
nas, começou um longo e conhecido tribu- É essencial orientar o paciente monopo-
to à notável melhora que tinha feito. Des- lizador para o processo auto-reflexivo de tera-
creveu em detalhes minuciosos a maneira pia. Digo a esses pacientes para refletirem so-
como seu problema era que ele não havia bre o tipo de resposta que esperavam receber
entendido os efeitos prejudiciais que seu originalmente do grupo e compará-lo com o
comportamento tinha sobre os outros e que acabou acontecendo. Como eles explicam
como agora, tendo chegado a esse entendi- a discrepância? Que papel planejavam nisso?
mento, estava pronto para sair do hospital. Muitas vezes, os pacientes monopoliza-
O terapeuta observou que alguns dos mem- dores podem desvalorizar a importância da
bros estavam irrequietos. Um deles batia le- reação do grupo a eles. Eles podem sugerir que
vemente com o punho na palma da mão, o grupo consiste apenas de pessoas perturba-
enquanto outros permaneciam sentados em das ou protestar: “Esta foi a primeira vez que
uma postura de indiferença e resignação. algo assim aconteceu comigo”. Se o terapeuta
Ele interrompeu o monopolizador, pergun- impede o uso de bodes expiatórios, essa decla-
tando aos outros membros do grupo quan- ração sempre será incorreta: o paciente encon-
tas vezes eles já tinham ouvido Walt fazer tra-se em um lugar particularmente familiar. A
esse relato. Todos concordaram que ouviam diferença no grupo é a presença de normas que
a mesma história todas as reuniões – de fato, permitem que os outros comentem o seu com-
ouviram Walt falar assim na primeira reu- portamento abertamente.
nião. Além disso, eles nunca o haviam ou- O terapeuta aumenta a força terapêutica
vido falar em mais nada, e somente o co- encorajando esses pacientes a examinarem e
nheciam como uma história. Os membros discutirem as dificuldades interpessoais de sua
discutiram a sua irritação com Walt, sua vida: solidão, falta de amigos íntimos, não ser
relutância em atacá-lo por medo de machu- ouvido pelos outros, ser excluído sem razão –
cá-lo seriamente, de perder o controle so- todas as razões para as quais eles procuraram
bre si mesmos ou de uma retaliação dolo- terapia. Quando isso é explicitado, o terapeuta
rosa. Alguns falaram de ter perdido a espe- pode demonstrar aos pacientes monopoliza-
rança de tocar Walt e do fato de que ele dores, de maneira mais convincente, a impor-
somente se relacionava com eles como es- tância e a relevância de examinar o seu com-
tereótipos de figuras humanas, sem carne portamento no grupo. É necessário esperar o
ou profundidade. Outros ainda falaram de momento adequado. Não existe razão para ten-
sentir medo de falar e se revelar no grupo. tar fazer esse trabalho com um indivíduo fe-
Portanto, aceitavam a monopolização de chado e defensivo no meio de uma tempesta-
Walt. Alguns membros expressaram sua to- de, sendo necessárias intervenções brandas, re-
tal falta de interesse ou fé na terapia e, as- petidas e no momento certo.
sim, não interceptavam Walt por causa de
sua apatia.
Dessa forma, o processo já estava determi- O PACIENTE SILENCIOSO
nado: uma variedade de fatores interliga-
dos resultava em um equilíbrio dinâmico, O membro silencioso é um problema me-
chamado monopolização. Interrompendo o nos perturbador, mas igualmente difícil para o
processo desgovernado, descobrindo e tra- terapeuta. O membro silencioso sempre é pro-
balhando os fatores subjacentes, o terapeuta blemático? Talvez o paciente se beneficie do
tirou o máximo benefício terapêutico de um silêncio. Um caso, provavelmente apócrifo, que
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circula entre os terapeutas há décadas fala de bem. Um paciente silencioso é um paciente pro-
um indivíduo que participou de um grupo por blemático e raramente se beneficia significativa-
um ano sem mencionar uma palavra. Ao final mente com o grupo.ϒ
da 50a reunião, ele anunciou ao grupo que não Os pacientes podem estar em silêncio por
retornaria. Seus problemas estavam resolvidos, muitas razões. Alguns podem experimentar um
ele se casaria no dia seguinte e gostaria de ex- medo disseminado de se revelarem: cada pa-
pressar sua gratidão pela ajuda que o grupo lavra, sentem eles, pode comprometê-los com
tinha lhe dado. mais revelações progressivas. Outros podem ser
Alguns membros reticentes podem bene- tão conflituosos com relação à agressividade
ficiar-se vicariamente, identificando-se com que não conseguem ter a auto-afirmação ine-
membros ativos com problemas semelhantes. rente ao ato de falar. Alguns esperam ser ati-
É possível que ocorram mudanças graduais de vados e trazidos à vida por um cuidador idea-
comportamento e na capacidade de correr ris- lizado, sem terem abandonado o desejo infantil
cos nos relacionamentos desses pacientes fora do resgate mágico. Outros que procuram nada
do grupo. O estudo de Lieberman, Yalom e menos que a perfeição em si mesmos nunca
Miles indicou que alguns dos participantes que falam por medo de passar vergonha, enquanto
mudaram mais pareciam ter uma capacidade outros tentam manter distância ou controle por
especial de maximizar suas oportunidades de meio de um silêncio altivo e superior. Alguns
aprendizagem em um grupo de curta duração pacientes sentem-se especialmente ameaçados
(30 horas), envolvendo-se de forma vicária na por determinado membro do grupo e, habitual-
experiência de outros membros no grupo.6 mente, apenas falam na ausência daquela pes-
Entretanto, de um modo geral, as evidên- soa. Outros somente participam de reuniões
cias indicam que quanto mais ativo e influente menores ou em reuniões alternativas (sem lí-
o membro for na matriz do grupo, mais prová- der). Alguns ficam em silêncio por medo de
vel ele será de se beneficiar. Pesquisas em gru- serem considerados fracos, insípidos ou enjoa-
pos experimentais demonstram que, indepen- tivos. Outros ainda podem ficar silenciosamen-
dentemente do que os participantes disserem, te amuados para punir os outros ou para for-
quanto mais palavras falarem, maior será a çar o grupo a prestar atenção a eles.10
mudança positiva em sua imagem de si mesmos.7 Nesse caso também, a dinâmica do grupo
Outras pesquisas demonstram que a experiên- pode desempenhar um papel. A ansiedade do
cia vicária, ao contrário da participação dire- grupo com relação à agressividade potencial ou
ta, não foi efetiva para produzir mudanças sig- à disponibilidade de recursos emocionais no
nificativas, envolvimento emocional ou atra- grupo pode forçar um membro vulnerável a se
ção ao processo de grupo.8 silenciar para reduzir a tensão ou a competição
Além disso, existe um grande consenso por atenção. Portanto, é bastante importante
clínico de que os membros silenciosos não se distinguir um “estado” passageiro de silêncio ou
beneficiam com o grupo na terapia de longa um “traço” de silêncio mais duradouro.
duração. Os membros do grupo que se reve- O importante, contudo, é que o silêncio
lam lentamente demais podem nunca alcan- nunca é silencioso. Ele é um comportamento e,
çar o resto do grupo e, no máximo, alcançar como qualquer comportamento no grupo, tem
ganhos mínimos.9 Quanto maior a participa- significado no aqui-e-agora como uma amos-
ção verbal, maior o sentido de envolvimento e tra representativa da maneira do paciente se
mais os pacientes são valorizados pelos outros relacionar com o seu mundo interpessoal. A
e por si mesmos. A auto-revelação não apenas tarefa terapêutica, portanto, não é apenas mu-
é essencial ao desenvolvimento da coesão dar o comportamento (que é essencial para que
grupal, como está diretamente correlacionada o paciente permaneça no grupo), mas explo-
com o resultado terapêutico positivo, assim rar o significado do comportamento.
como o “trabalho” do paciente na terapia. Su- O manejo adequado depende em parte
giro então que não sejamos levados pela len- da compreensão do terapeuta sobre a dinâmi-
dária história do membro silencioso que ficou ca do silêncio. Deve haver um direcionamento
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intermediário entre colocar pressão indevida O PACIENTE ABORRECIDO
sobre o paciente e permitir que o paciente caia
em um papel isolado extremo. O terapeuta deve Raramente, alguém procura terapia por
incluir o paciente silencioso periodicamente, ser aborrecido. Ainda assim, em uma diferen-
comentando o seu comportamento não-verbal: te roupagem, levemente disfarçada, a queixa
ou seja, quando, por gesto ou atitude, o pacien- não é incomum. Os pacientes queixam-se de
te demonstre interesse, tensão, tristeza, abor- que nunca têm nada a dizer aos outros, que
recimento ou divertimento. Com freqüência, são deixados de lado em festas, que ninguém
uma pessoa quieta introduzida em um grupo os convida para sair mais de uma vez, que são
em andamento ficará impressionada com a cla- usados apenas para ter relações sexuais, que
reza, honestidade e insight dos membros mais são inibidos, tímidos, socialmente ineptos, va-
experientes. É importante que o terapeuta es- zios ou insípidos. Como o silêncio, a monopo-
clareça que muitos desses membros veteranos lização, ou o egoísmo, o aborrecimento deve
admirados também lutaram contra o silêncio ser levado a sério. Ele é um problema extre-
e dúvidas pessoais quando começaram. Mui- mamente importante, independentemente de
tas vezes, o terapeuta pode estimular a partici- o paciente se identificar dessa forma ou não.
pação de um membro, encorajando outros No microcosmo social do grupo de tera-
membros a refletirem sobre a sua própria in- pia, os membros aborrecidos recriam esses pro-
clinação para o silêncio.11 Mesmo que seja ne- blemas e aborrecem os outros membros – e o
cessário estimular ou bajular, o terapeuta deve terapeuta. Qualquer terapeuta teme ter de par-
incentivar a autonomia e responsabilidade do ticipar de uma reunião com apenas dois ou três
paciente, fazendo avaliações repetidas do pro- membros aborrecidos presentes. Se eles desis-
cesso. “Você precisa ser estimulado nesta reu- tissem, simplesmente sumiriam do grupo, não
nião?” “Como você se sentiu quando Mike o deixando sequer uma ondulação na superfície
colocou no holofote?” “Ele foi longe demais?” do lago.
“Você pode nos dizer quando o deixarmos O aborrecimento é uma experiência bas-
desconfortável?” “Qual é a pergunta ideal que tante individual. Nem todos se aborrecem na
poderíamos fazer hoje para ajudá-lo a partici- mesma situação, e não é fácil fazer generaliza-
par do grupo?” O terapeuta usaria a oportuni- ções. De um modo geral, contudo, o paciente
dade para reforçar a atividade do paciente e aborrecido no grupo de terapia é aquele que é
enfatizar o valor de forçá-lo contra os seus te- muito inibido, que não tem espontaneidade,
mores (indicando, por exemplo, os sentimen- que nunca corre riscos. As declarações dos pa-
tos de alívio e realização que ele sente após cientes aborrecidos sempre são “seguras” (e,
correr riscos).12 da mesma forma, sempre previsíveis). Obse-
Se um paciente resistir a todos esses es- quiosos e cuidadosamente evitando qualquer
forços e mantiver uma participação muito limi- sinal de agressividade, eles costumam ser ma-
tada, mesmo após três meses de reuniões, mi- soquistas (correndo para a autoflagelação an-
nha experiência é que o prognóstico será des- tes que alguém consiga esmurrá-los – ou, para
favorável. O grupo ficará frustrado e cansado usar outra metáfora, pegando flechas lançadas
de estimular e instruir o membro bloqueado e contra eles no ar e cravando-as em si mesmos).
silencioso. Diante da desaprovação do grupo, Eles dizem o que acreditam que a imprensa
o paciente é mais marginalizado e ainda me- social quer ouvir – ou seja, antes de falarem,
nos provável de participar. Podem-se usar ses- analisam os rostos dos outros membros para
sões individuais concomitantes para ajudar o determinar o que se espera que digam e silen-
paciente nessa hora. Se isso fracassar, o ciam qualquer sentimento contrário vindo de
terapeuta pode considerar tirar o paciente do dentro. O estilo social específico do indivíduo
grupo. Ocasionalmente, entrar para um segun- varia consideravelmente: um pode ser silencio-
do grupo de terapia pode se mostrar benéfico, so, outro, afetado e excessivamente racional;
desde que o paciente esteja bem-informado dos um, tímido e retraído, outro, dependente, exi-
perigos do silêncio. gente ou suplicante.
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Alguns pacientes aborrecidos são alexití- vida (“deve haver pouca oferta no merca-
micos – uma dificuldade de expressão que parte do”), conseguiu um bom emprego (“caiu no
não de uma inibição neurótica, mas de déficits meu colo”), teve seu primeiro orgasmo va-
cognitivos na capacidade de identificar e co- ginal (“o crédito é da maconha”).
municar sentimentos. O paciente alexitímico é O grupo tentou sintonizar Nora à sua auto-
concreto, carece de capacidade imaginativa e destruição. Um engenheiro sugeriu trazer
concentra-se em detalhes operacionais, não na uma campainha elétrica para tocar cada vez
experiência emocional.13 A terapia individual que ela se diminuísse. Outro membro, ten-
com esses pacientes pode ser exaustivamente tando levar Nora a um estado mais espontâ-
lenta e árida, semelhante a trabalhar com pa- neo, comentou sobre o seu sutiã, que acha-
cientes com transtorno de personalidade va que poderia ser melhor. (Ed, discutido no
esquizóide. A terapia de grupo apenas, ou Capítulo 2, que geralmente se relacionava
concomitante à terapia individual, pode ser apenas com as partes sexuais das mulheres.)
particularmente útil para promover a expressi- Ele disse que traria um sutiã novo de pre-
vidade emocional por meio de modelagem, sente para ela na próxima sessão. Com cer-
apoio e a oportunidade de experimentar com teza, na sessão seguinte, Ed chegou com uma
os próprios sentimentos e expressividade.14 grande caixa, que Nora disse preferir abrir
A incapacidade de ler suas próprias pis- em casa. E lá ficou a caixa, durante a reu-
tas emocionais também pode tornar esses in- nião, inibindo qualquer outro tema. Pediram-
divíduos vulneráveis a doenças médicas e psi- lhe que pelo menos adivinhasse o conteúdo,
cossomáticas.15 A terapia de grupo, por causa e ela disse: “Um sutiã com enchimento”.
de sua capacidade de promover a consciência Nora finalmente foi convencida a abrir o
e a expressão das emoções, pode reduzir a presente e o fez com muita dificuldade e
alexitimia e mostrou melhorar os resultados embaraço. A caixa continha nada além de
médicos, por exemplo, em doenças cardíacas.16 isopor. Ed explicou que essa era a sua idéia
Os líderes e membros de grupos muitas do novo sutiã de Nora, que ela não devia
vezes trabalham arduamente para incentivar usar nenhum sutiã. Nora desculpou-se com
a espontaneidade em pacientes aborrecidos. Ed (por achar que ele tinha lhe dado enchi-
Eles solicitam que os pacientes compartilhem mentos) e agradeceu pelo trabalho que teve.
suas fantasias sobre os membros, gritem, xin- O incidente deu início a um produtivo tra-
guem – qualquer coisa que ajude a extrair algo balho para os dois. (Não vou discutir a con-
imprevisível deles. tinuação para Ed.) O grupo falou a Nora
que, embora Ed a tivesse embaraçado e hu-
• Uma de minhas pacientes, Nora, levava o milhado, ela respondeu pedindo desculpas
grupo ao desespero com seus clichês e co- a ele. Ela havia agradecido educadamente
mentários autodepreciativos constantes. a alguém que lhe tinha dado absolutamen-
Após muitos meses no grupo, sua vida ex- te nada de presente! O incidente criou a
terior começou a melhorar, mas cada rela- primeira fagulha robusta de auto-observa-
to de sucesso vinha acompanhado pela ine- ção em Nora. Ela começou a reunião se-
vitável neutralização autodepreciativa. Ela guinte dizendo: “Acabo de bater o recorde
foi aceita por uma sociedade profissional da gratidão. Na noite passada, recebi uma
honorária (“isso é bom”, disse ela, “pois é o ligação obscena e pedi desculpas ao ho-
único clube que não pode me expulsar”), mem!” (Ela havia dito: “Desculpe, mas você
recebeu seu diploma de graduação (“mas deve ter discado o número errado”.)
eu devia ter terminado mais cedo”), tirou
apenas notas A (“mas pareço uma criança A dinâmica subjacente ao paciente abor-
por me vangloriar disso”), parecia melhor recido varia imensamente de indivíduo para
fisicamente (“mostra o que um bronzea- indivíduo. Muitos têm uma posição dependente
mento artificial pode fazer”), foi convidada básica e, assim, temem a rejeição e o abando-
para sair por vários homens novos em sua no por serem compulsivamente condescenden-
PSICOTERAPIA DE GRUPO 317
tes, evitando qualquer comentário agressivo criativas reprimidas e ajudar a remover os obs-
que possa dar início a uma retaliação. Eles con- táculos à sua livre expressão.
fundem a auto-afirmação saudável com agressi-
vidade e, recusando-se a reconhecer a sua pró-
pria vitalidade, espontaneidade, interesses e O QUEIXOSO QUE REJEITA AJUDA
opiniões, transmitem (aborrecendo os outros)
a mesma rejeição e abandono que esperam O queixoso que rejeita ajuda, uma varia-
evitar.ϒ17 ção do monopolizador, foi identificado e no-
Se você, como terapeuta, estiver aborre- meado pela primeira vez por J. Frank em
cido com um paciente, esse aborrecimento é 1952.19 Desde então, o padrão de comporta-
um dado importante. (A terapia de todos os mento foi reconhecido por muitos clínicos de
pacientes difíceis necessita de atenção criterio- grupo, e o termo aparece com freqüência na
sa para a sua contratransferência.)18* Sempre literatura psiquiátrica, particularmente nas
pressuponha que se você está aborrecido com áreas de psicoterapia e psicossomática.20 Nes-
um membro, os outros também estarão. Você ta seção, discuto o queixoso que rejeita ajuda,
deve contrapor o seu aborrecimento com curio- que raramente se desenvolve completamente.
sidade. Questione-se: “O que torna uma pes- Todavia, esse padrão de comportamento não é
soa aborrecida? Quando fico mais e menos uma síndrome clínica distinta, do tipo tudo ou
aborrecido? Como posso encontrar a pessoa – nada. Os indivíduos podem chegar a esse esti-
a pessoa real, viva, espontânea, criativa – den- lo de interação por diversos caminhos psicoló-
tro dessa casca aborrecida?” Não existe nenhu- gicos. Alguns podem manifestar o comporta-
ma técnica urgente indicada. Como o grupo mento de maneira persistente em um grau ex-
tolera o indivíduo aborrecido mais do que o tremo, sem provocação externa, enquanto ou-
paciente abrasivo, narcisista ou monopolizador, tros podem demonstrar apenas um traço do
você tem bastante tempo. padrão. Outros ainda podem tornar-se quei-
Por último, tenha em mente que o tera- xosos que rejeitam ajuda apenas em momen-
peuta deve manter uma postura socrática com tos de muito estresse. Intimamente associada
esses pacientes. Nossa tarefa não é colocar algo ao ato de se queixar e rejeitar ajuda, verifica-
dentro do indivíduo, mas o oposto, deixar que se a expressão de perturbações emocionais por
saia algo que sempre esteve lá. Assim, não ten- meio de queixas somáticas. Pacientes com sin-
tamos inspirar pacientes aborrecidos, ou inje- tomas inexplicáveis por meios médicos consti-
tar cor, espontaneidade ou riqueza dentro de- tuem um grande e frustrante problema de aten-
les, mas identificar suas partes infantis vitais e ção primária.21

Descrição

Os queixosos que rejeitam ajuda apresen-


*A contratransferência do terapeuta sempre é uma
tam um padrão comportamental distinto no
fonte de dados valiosos sobre o cliente, ainda mais grupo: eles pedem ajuda do grupo de forma
com clientes provocativos, cujo comportamento de- implícita ou explícita, apresentando problemas
safia a nossa efetividade terapêutica. Os líderes de ou queixas, e depois rejeitam qualquer ajuda
grupo devem determinar seu papel na construção oferecida. Eles apresentam problemas conti-
conjunta das dificuldades do cliente problemático.
Qualquer reação ou comportamento do terapeuta
nuamente de um modo que os faz parecer in-
que se afaste de seus comportamentos basais indica superáveis. De fato, eles parecem se orgulhar
que estão sendo geradas atrações interpessoais. O da insolubilidade de seus problemas. Muitas
terapeuta deve ter o cuidado de examinar seus sen- vezes, concentram-se inteiramente no terapeu-
timentos antes de responder. Juntas, essas perspec- ta, em uma campanha incansável para obter
tivas informam e equilibram o uso do processamento
empático, da confrontação e do feedback pelo
uma intervenção ou conselho e parecem indi-
terapeuta. ferentes à reação do grupo a eles. Parecem dis-
318 IRVIN D. YALOM

postos a parecer ridículos, desde que possam resolver sentimentos conflituosos sobre a de-
persistir na busca por ajuda, e baseiam seu pendência. Por um lado, o queixoso se sente
relacionamento com os outros membros na impotente, insignificante e com total depen-
dimensão singular de terem mais necessidade dência dos outros, em especial do terapeuta,
de ajuda. Os queixosos que rejeitam ajuda ra- para obter um sentido de valor pessoal. Qual-
ramente são competitivos em alguma área, quer observação e atenção do terapeuta aumen-
exceto quando outro membro pede a atenção tam a sua auto-estima temporariamente. Por
do terapeuta e do grupo para algum proble- outro lado, a sua posição de dependência é
ma; então, eles, muitas vezes, tentam diminuir bastante confundida com uma desconfiança e
as queixas da outra pessoa, comparando-as des- inimizade para com figuras de autoridade.
favoravelmente com as suas. Eles tendem a exa- Consumido por sua demanda, ele busca ajuda
gerar seus problemas e a culpar os outros, mui- de uma figura que já prevê que não estará dis-
tas vezes figuras de autoridade de quem de- posta ou não conseguirá ajudar. A antecipação
pendem de alguma forma, e parecem inteira- da recusa colore o estilo de pedir ajuda de tal
mente autocentrados, falando apenas de si modo que a profecia se cumpre, e acumulam-
mesmos e de seus problemas. se mais evidências da crença na malfeitoria do
Quando o grupo e o terapeuta respondem cuidador potencial.22 O resultado é um círculo
aos seus apelos, essa desconcertante configu- vicioso, que já vem girando por grande parte
ração assume uma forma, à medida que o pa- da vida do paciente.
ciente rejeita a ajuda oferecida. A rejeição é
inconfundível, embora possa assumir várias for-
mas sutis: às vezes, o conselho é rejeitado aber- Diretrizes de manejo
tamente e, às vezes, de forma indireta. Às ve-
zes, enquanto é aceito verbalmente, ele nunca Um queixoso que rejeita ajuda grave é um
produz uma ação e, se produzir, inevitavelmen- desafio clínico extremamente difícil, e muitos
te não consegue melhorar as dificuldades do pacientes tiveram sua vitória de Pirro sobre seus
indivíduo. terapeutas e seu grupo, fracassando na tera-
pia. Dessa forma, seria presunçoso e ilusório
tentar prescrever um plano terapêutico cuida-
Efeitos sobre o grupo doso. Porém, certas generalizações podem ser
postuladas. Certamente, seria um grave enga-
Os efeitos sobre o grupo são óbvios: os no o terapeuta confundir a ajuda pedida com
outros membros ficam irritados, frustrados e a ajuda necessária.ϒ23 O queixoso que rejeita
confusos. O queixoso parece um redemoinho ajuda não pede conselhos por seu valor poten-
ganancioso, sugando toda a energia do grupo. cial, mas para refutá-los. Conselhos, orienta-
Pior ainda, não existe nenhuma redução evi- ção e o tratamento do terapeuta serão rejeita-
dente nas suas exigências. A fé no processo do dos ou, se usados, não se mostrarão efetivos
grupo é abalada, à medida que os membros ou, se forem efetivos, isso será mantido em
experimentam uma sensação de impotência e segredo. Também seria um engano do terapeu-
desespero para que o grupo entenda as suas ta expressar frustração e ressentimento. A re-
próprias necessidades. A coesão é abalada à taliação simplesmente completa o círculo vicio-
medida que há absenteísmo ou os pacientes so: a previsão do tratamento errôneo e do aban-
unem-se em subgrupos para excluir o queixo- dono realiza-se novamente: eles se sentem jus-
so que rejeita ajuda. tificados em sua desconfiança hostil e conse-
guem afirmar mais uma vez que ninguém ja-
mais os consegue entender.
Dinâmica Que linha de ação, então, está disponível
para o terapeuta? Um clínico sugere, talvez em
O padrão comportamental do queixoso desespero, que o terapeuta interrompa o cír-
que rejeita ajuda parece ser uma tentativa de culo vicioso, indicando que “não apenas en-
PSICOTERAPIA DE GRUPO 319
tende, mas compartilha os sentimentos de de- terapia para pacientes com dificuldades gra-
sesperança do paciente com a situação”, recu- ves provavelmente ultrapassa o de pacientes
sando-se assim a perpetuar a sua participação com funcionamento superior. Discutirei grupos
em um relacionamento fútil. Dois bravos co- compostos para pacientes hospitalizados no
terapeutas que orientavam um grupo compos- Capítulo 15 (para mais sobre o tema, veja meu
to apenas de queixosos que rejeitavam ajuda texto Inpatient group psychotherapy, Basic
nos advertiram contra investir em um relacio- Books, 1983), mas por enquanto considere o
namento solidário e estimulante com o pacien- que ocorre com um grupo de terapia interativa
te. Eles sugerem que os terapeutas evitem qual- para indivíduos de funcionamento superior
quer expressão de otimismo, estímulo ou orien- quando um membro desenvolve uma doença
tação e adotem uma postura de ironia, pela qual psicótica durante o tratamento.
concordam com o conteúdo do pessimismo do O destino do paciente psicótico, a resposta
paciente, enquanto mantêm um afeto distante. dos outros membros e as opções efetivas dis-
Eric Berne, que considera o padrão do queixoso poníveis ao terapeuta dependem em parte do
que rejeita ajuda como o mais comum de todos momento, ou seja, quando no curso do grupo a
os jogos em grupos sociais e de psicoterapia, doença psicótica ocorre. De um modo geral, em
chamou-o de “Por que você não – sim, mas”. O um grupo maduro em que o paciente psicótico
uso desses rótulos descritivos acessíveis torna o ocupava um papel central e valorizado, os
processo mais transparente para os membros membros do grupo são mais prováveis de ser
do grupo, mas se deve ter muito cuidado ao se tolerantes e efetivos durante a crise.
utilizar qualquer abordagem de brincadeira: há
uma fina linha separando o cuidado terapêutico
lúdico do deboche e da humilhação.24 As fases iniciais do grupo
De um modo geral, o terapeuta deve ten-
tar mobilizar os principais fatores terapêuticos No Capítulo 8, enfatizei que, na triagem
a serviço do paciente. Quando um grupo coeso inicial, o paciente inteiramente psicótico deve
se formou e o paciente – pela universalidade, ser excluído da terapia de grupo interacional
identificação e catarse – começa a valorizar a ambulatorial. Todavia, é prática comum indi-
participação no grupo, o terapeuta pode esti- car pacientes com doença bipolar aparente-
mular a aprendizagem interpessoal, concen- mente estável a uma terapia de grupo para li-
trando-se continuamente no feedback e no pro- darem com as conseqüências interpessoais da
cesso da mesma maneira que descrevi ao dis- sua doença.
cutir o paciente monopolizador. Os queixosos Às vezes, apesar de uma triagem cautelo-
que rejeitam ajuda geralmente não estão cien- sa, um indivíduo descompensa nos primeiros
tes de sua falta de empatia para com os outros. estágios da terapia, talvez por causa de algum
Ajudá-los a enxergar o seu impacto interpessoal estresse inesperado de circunstâncias da vida ou
sobre os outros membros é um passo funda- do grupo, ou talvez por má adesão a um regime
mental para que examinem o padrão caracte- de medicação. Esse é um evento importante para
rístico dos seus relacionamentos. o grupo e sempre cria problemas substanciais
para o grupo recém-formado (e, é claro, para o
paciente, que provavelmente assumirá um pa-
O PACIENTE PSICÓTICO OU BIPOLAR pel fora dos padrões do grupo e poderá aban-
donar o tratamento, geralmente pior do que
Muitos grupos são projetados especifica- começou, devido à experiência).
mente para trabalhar com pacientes com dis- Neste livro, tenho enfatizado repetida-
túrbios do Eixo I significativos. De fato, quan- mente que os estágios iniciais do grupo são uma
do se consideram grupos em clínicas psiquiá- época de grande fluxo e de grande importân-
tricas, unidades de hospitalização parcial, hos- cia. O jovem grupo é facilmente influenciado e
pitais para veteranos de guerra e programas as normas estabelecidas no começo costumam
de pós-cuidado, o número total de grupos de ser muito duráveis. Segue-se uma seqüência
320 IRVIN D. YALOM

intensa de eventos e, em algumas semanas, um Os membros obviamente ficaram extrema-


agregado de estranhos assustados e desconfia- mente desconfortáveis durante a reunião,
dos transforma-se em um grupo íntimo e mu- seus sentimentos variando de perplexidade
tuamente proveitoso. Qualquer evento que con- e medo a irritação. Após ela sair, alguns ex-
suma uma quantidade exagerada de tempo e pressaram culpa por ter, de alguma manei-
desvie a energia das tarefas da seqüência ra desconhecida, desencadeado o seu com-
evolutiva é potencialmente destrutivo para o portamento. Outros falaram de seu medo,
grupo. Alguns dos problemas relevantes são e um lembrou de alguém que havia agido
ilustrados pelo seguinte exemplo clínico. de maneira semelhante, mas que também
exibia uma arma.
• Sandy era uma dona de casa de 37 anos Durante a reunião seguinte, os membros
que, muitos anos antes, havia sofrido uma discutiram muitos sentimentos relacionados
grande e recalcitrante depressão, exigindo com o incidente. Um membro expressou a
hospitalização e eletroconvulsoterapia. Ela sua convicção de que não se pode confiar
procurou a terapia de grupo por insistência em ninguém: embora conhecesse Sandy há
de seu terapeuta individual, que acreditava sete semanas, o comportamento dela se
que uma compreensão de seus relaciona- mostrou totalmente imprevisível. Outros
mentos interpessoais a ajudaria a melhorar expressaram seu alívio por estarem psico-
o relacionamento com o seu marido. Nas logicamente saudáveis, em comparação com
primeiras reuniões do grupo, ela era uma ela. Outros, em resposta ao medo de tam-
participante ativa, que revelava detalhes bém perder o controle, empregaram muita
muito mais íntimos de sua história do que negação e fugiram da discussão desses pro-
os outros membros. Ocasionalmente, Sandy blemas. Alguns expressaram medo de Sandy
expressava raiva para com algum outro retornar e destruir o grupo. Outros disse-
membro e começava com uma profusão de ram ter menos fé na terapia de grupo. Um
desculpas e comentários autodepreciativos. membro pediu para ser hipnotizado, e ou-
Na sexta reunião, seu comportamento tor- tro trouxe um artigo de um jornal científi-
nou-se ainda mais inadequado. Ela discur- co que afirmava que a psicoterapia não era
sou detalhadamente sobre os problemas efetiva. A perda de fé nos terapeutas e em
urinários de seu filho, por exemplo, descre- sua competência expressou-se no sonho de
vendo as minúcias da cirurgia feita para ali- um membro, no qual o terapeuta estava no
viar a sua constrição uretral. Na reunião se- hospital e era salvo pelo paciente.
guinte, comentou que o gato da família tam- Nas próximas reuniões, todos esses temas
bém havia desenvolvido um bloqueio do tra- permaneceram ocultos. Os encontros tor-
to urinário, e pediu que os outros membros naram-se desinteressantes, superficiais e
descrevessem seus animais de estimação. intelectualizados. A freqüência caiu bastan-
Na oitava reunião, Sandy estava cada vez te, e o grupo parecia resignado à própria
mais maníaca. Ela se comportava de ma- impotência. Na 14a reunião, os terapeutas
neira bizarra e irracional, insultando os anunciaram que Sandy havia melhorado e
membros do grupo, flertando abertamente retornaria na semana seguinte. Houve uma
com os homens, a ponto de tocar seus cor- calorosa e vigorosa discussão. Os membros
pos, e finalmente começou com trocadilhos, temiam que:
associações por assonância, riso inadequa- 1. Eles a deixassem irritada. Uma reunião
do e lágrimas. Um dos terapeutas finalmen- intensa a deixaria doente novamente e,
te a acompanhou para fora da sala, telefo- para evitar isso, o grupo seria forçado a
nou para o marido e fez os arranjos neces- andar lenta e superficialmente.
sários para uma hospitalização psiquiátri- 2. Sandy seria imprevisível. A qualquer
ca imediata. Sandy permaneceu no hospi- momento, ela poderia perder o contro-
tal em um estado maníaco e psicótico por le e ter comportamentos perigosos e as-
um mês, recuperando-se gradualmente. sustadores.
PSICOTERAPIA DE GRUPO 321
3. Por causa de sua falta de controle, seria membro ativo e envolvido por muitos meses
impossível confiar em Sandy. Nada que descompensa em um estado psicótico. Os ou-
ocorresse no grupo permaneceria confi- tros membros então se preocupam mais com
dencial. aquele membro do que consigo mesmos ou com
Ao mesmo tempo, os membros expressaram o grupo. Como já conhecem e compreendem o
uma grande ansiedade e culpa por deseja- membro agora psicótico como pessoa, eles cos-
rem excluir Sandy do grupo, e logo preva- tumam reagir com muita preocupação e inte-
leceu a tensão e um silêncio pesado. A rea- resse. O paciente é menos provável de ser con-
ção extrema do grupo persuadiu o terapeuta siderado um objeto estranho e assustador, que
a retardar a volta de Sandy (que, inciden- deve ser evitado.26*
temente, estava em terapia individual) por Embora perceber tendências semelhantes
algumas semanas. em si mesmos possa aumentar a capacidade
Quando finalmente voltou ao grupo, ela foi dos outros membros para continuarem a se
tratada como um objeto frágil, e toda a relacionar com um membro perturbado do gru-
interação do grupo foi protegida e defensi- po, também pode criar um problema pessoal
va. Na 20a reunião, cinco dos sete membros para alguns, que começam a temer que pos-
haviam saído do grupo, deixando apenas sam perder o controle e cair em um abismo
Sandy e outra pessoa. semelhante. Assim, o terapeuta deve antecipar
Os terapeutas reconstituíram o grupo, acres- e expressar seu medo para os outros membros
centando cinco novos membros. É interes- do grupo.
sante que, apesar do fato de que apenas dois Quando confrontados com um paciente
dos membros antigos e os terapeutas conti- psicótico no grupo, muitos terapeutas voltam
nuavam no grupo reconstituído, a cultura a um modelo médico e simbolicamente rejei-
do grupo antigo persistiu – um forte exem- tam o grupo, intervindo de forma vigorosa in-
plo do poder de permanência das normas, dividualmente. De fato, eles estão dizendo ao
mesmo na presença de um número limita- grupo: “Esse é um problema sério demais para
do de pessoas que as mantenham.25 A di- vocês resolverem”. Todavia, essa manobra cos-
nâmica do grupo havia fixado Sandy e o tuma ser antiterapêutica: o paciente fica as-
grupo em funções e papéis rigidamente res- sustado, e o grupo, infantilizado.
tritos. Sandy foi tratada de forma tão deli- Minha experiência mostra que um grupo
cada e oblíqua pelos novos membros que o maduro é perfeitamente capaz de lidar com
grupo avançou lentamente, arrastando-se emergências psiquiátricas e, embora possa ha-
em sua própria polidez e convenções sociais. ver falsos movimentos, considerar cada con-
Somente quando os terapeutas confronta- tingência e tomar as mesmas ações que o
ram essa questão abertamente e discutiram terapeuta poderia ter imaginado.
o seu próprio medo de irritar Sandy e levá-
la a outra descompensação psicológica, os
membros conseguiram lidar com seus sen-
timentos e temores em relação a ela. Na-
quele ponto, o grupo avançou mais rapida-
* Moos e eu demonstramos, por exemplo, que estu-
mente. Sandy permaneceu no novo grupo
dantes de medicina designados pela primeira vez a
por um ano e teve melhoras visíveis em sua uma clínica psiquiátrica consideravam os pacientes
capacidade de se relacionar com outras psicóticos extremamente perigosos, assustadores,
pessoas e em seu conceito pessoal. imprevisíveis e diferentes deles mesmos. Ao final
de cinco semanas de trabalho, suas atitudes haviam
mudado consideravelmente: os estudantes estavam
menos assustados com seus pacientes e entendiam
Um estágio mais avançado no grupo
que os indivíduos psicóticos eram apenas seres hu-
manos confusos e profundamente angustiados, mais
Uma situação completamente diferente semelhantes a eles mesmos do que pensavam ante-
pode surgir quando um indivíduo que foi um riormente.
322 IRVIN D. YALOM

• Na 45a reunião, Rhoda, uma divorciada de nosprezo como uma rejeição total e conde-
43 anos, chegou alguns minutos atrasada nação. Finalmente, após muita atenção,
em um estado desarrumado e obviamente carinho e afeto, um dos membros apontou
perturbado. Nas semanas anteriores, ela para ela que a experiência da festa estava
estava em um processo gradual de depres- sendo negada ali no grupo: várias pessoas
são, mas agora o processo parecia ter se ace- que a conheciam bem estavam profunda-
lerado repentinamente. Rhoda estava cho- mente preocupadas e envolvidas com ela.
rosa, desesperada e apresentava um retar- Rhoda rejeitou essa idéia, alegando que o
do psicomotor. Durante a primeira parte da grupo, ao contrário da festa, era uma situa-
reunião, ela chorou continuamente e ex- ção artificial, onde as pessoas seguiam re-
pressou sentimentos de solidão e desespe- gras de conduta que não eram naturais. Os
rança, além de uma incapacidade de amar, membros logo disseram que o contrário era
odiar ou tampouco de sentir qualquer emo- o correto: a festa – a congregação restrita
ção profundamente. Rhoda disse sentir um de estranhos, as atrações baseadas em im-
grande desapego de todos, incluindo o gru- pressões imediatas e superficiais – era a si-
po e, quando questionada, discutiu rumi- tuação artificial e o grupo era a real. Era no
nações suicidas. grupo que ela era mais conhecida.
Os membros do grupo responderam a Rhoda, saturada com sentimentos de inuti-
Rhoda com muita empatia e preocupação. lidade, diminuiu-se então por sua incapaci-
Eles perguntaram sobre eventos da semana dade de sentir afeto e envolvimento recí-
anterior e ajudaram-na a discutir dois acon- procos pelos membros do grupo. Um dos
tecimentos importantes que pareciam estar membros logo interceptou essa manobra,
relacionados com a crise depressiva: (1) há apontando que Rhoda tinha um padrão fa-
meses, ela vinha juntando dinheiro para miliar e repetitivo de experimentar senti-
uma viagem para a Europa. Na semana pas- mentos para com os outros membros, evi-
sada, seu filho de 17 anos havia decidido denciado por sua expressão facial e postu-
não trabalhar na colônia de férias no verão ra corporal, mas deixando seus “deveres”
e se negava a procurar outro emprego – uma tomarem conta e torturarem-na, insistindo
virada que, aos olhos de Rhoda, colocava que ela deveria sentir mais afeto e mais
sua viagem em perigo; (2) após meses de amor do que qualquer um. O efeito líquido
hesitação, ela tinha decidido ir a uma festa era que o sentimento real que ela tinha era
para pessoas divorciadas de meia-idade, que rapidamente extinguido pela força de suas
foi um desastre: ninguém quis dançar com exigências pessoais impossíveis.
ela, que acabou a noite consumida por sen- Em essência, o que ficou claro foi o reco-
timentos de completa inutilidade. nhecimento gradual de Rhoda da discrepân-
O grupo a ajudou a explorar o relaciona- cia entre sua estima pública e sua estima
mento com o seu filho e, pela primeira vez, privada (descritas no Capítulo 3). Ao final
Rhoda expressou raiva dele por sua falta da reunião, Rhoda respondeu caindo em lá-
de preocupação com ela. Com a ajuda do grimas e chorando por alguns minutos. O
grupo, tentou explorar e expressar os limi- grupo relutou em ir embora, mas partiu
tes da sua responsabilidade para com ele. quando os membros convenceram-se de que
Foi difícil para Rhoda discutir a festa, por o suicídio não estava mais em considera-
causa da vergonha e humilhação que sen- ção. Na semana seguinte, os membros man-
tia. Duas outras mulheres do grupo, uma tiveram uma vigília informal, cada um te-
solteira e outra divorciada, tiveram uma lefonando pelo menos uma vez para Rhoda.
empatia profunda por ela e compartilharam
suas experiências e sua reação à falta de Alguns princípios importantes e abrangen-
homens adequados. O grupo também a lem- tes emergem com esse exemplo. No começo
brou das tantas vezes em que, durante as da sessão, o terapeuta compreendeu a impor-
sessões, ela interpretava cada pequeno me- tante dinâmica que opera na depressão de
PSICOTERAPIA DE GRUPO 323
Rhoda e, se tivesse preferido, poderia ter feito A variável crítica a ser estudada era o grau de
as interpretações adequadas para permitir que participação dos membros do grupo (os em-
a paciente e o grupo chegassem muito mais pregados) no planejamento das mudanças. Os
rapidamente a um entendimento cognitivo do empregados foram divididos em três grupos, e
problema – mas isso teria se afastado conside- foram testadas três variações. A primeira não
ravelmente da significância e valor da reunião envolvia a participação dos empregados no
para a protagonista e para os outros membros. planejamento das mudanças, embora eles te-
Por exemplo, o grupo teria sido privado da nham recebido uma explicação. A segunda va-
oportunidade de experimentar a sua própria riação envolvia a participação de representan-
força. A cada sucesso aumenta a coesão do gru- tes eleitos dos trabalhadores na preparação das
po e o auto-respeito de cada um dos membros. mudanças no trabalho. A terceira consistia da
É difícil para alguns terapeutas não interpre- participação total de todos os membros do gru-
tar, mas é essencial que eles aprendam a man- po no planejamento das mudanças. Os resulta-
ter a sua sensatez. Existem momentos em que dos mostraram conclusivamente que, em todas
é tolice ser sensato e é sensato ficar em silêncio. as medidas estudadas (agressividade para com
Às vezes, como nesse episódio clínico, o a gerência, absenteísmo, eficiência, número de
grupo escolhe e realiza a ação adequada. Em empregados renunciando ao trabalho), o suces-
outras, o grupo pode decidir que o terapeuta so da mudança foi diretamente proporcional ao
deve agir. Contudo, existe uma vasta diferença grau de participação dos membros do grupo.27
entre a decisão apressada do grupo baseada As implicações para a terapia de grupo
em uma dependência infantil e na avaliação são visíveis: os membros que participam pes-
irreal da força do terapeuta e a decisão basea- soalmente no planejamento de um curso de
da na investigação minuciosa da situação pe- ação comprometem-se com a execução do pla-
los membros e na avaliação madura do conhe- no. Por exemplo, eles se dedicam mais ao cui-
cimento do terapeuta. dado de um membro com problemas se reco-
Essas questões levaram-me a um princí- nhecerem que o problema também é seu, e não
pio importante da dinâmica de grupo, substan- apenas do terapeuta.
ciado por pesquisas consideráveis. Um grupo Às vezes, como no exemplo clínico ante-
que chega a uma decisão autônoma com base rior, toda a experiência é benéfica para o de-
em uma exploração minuciosa dos problemas senvolvimento da coesão de grupo. Comparti-
pertinentes empregará todos os seus recursos em lhar experiências emocionais intensas geral-
favor de suas decisões. Um grupo que recebe uma mente fortalece os vínculos entre os membros.
decisão imposta sobre si é provável de resistir a O perigo para o grupo ocorre quando o paciente
essa decisão e ser até menos efetivo para tomar psicótico consome uma grande quantidade de
decisões válidas no futuro. energia por um período prolongado. Então,
Deixe-me tomar uma tangente um pouco outros membros podem desistir, e o grupo pode
diferente, mas relevante, e contar uma histó- lidar com o indivíduo perturbado de maneira
ria sobre um conhecido estudo de dinâmica de cuidadosa e restrita, ou tentar ignorá-lo. Esses
grupo. O foco deste exemplo é uma fábrica de métodos sempre ajudam a piorar o problema.
pijamas onde mudanças periódicas nos empre- Nessas situações críticas, uma importante op-
gos e rotinas faziam-se necessárias por causa ção que está sempre disponível ao terapeuta é
de avanços na tecnologia empregada. Por mui- atender o paciente perturbado em sessões in-
tos anos, os empregados resistiram às mudan- dividuais durante a crise (essa opinião será tra-
ças. A cada alteração, havia um aumento no tada mais profundamente na discussão sobre
absenteísmo, na rotatividade e na agressividade terapia combinada). Contudo, o grupo deve
dos funcionários para com a gerência, soman- explorar as implicações disso cuidadosamente
do a menor eficiência e produção. e compartilhar a decisão.
Os pesquisadores projetaram um experi- Uma das piores calamidades que pode
mento para testar vários métodos para supe- acontecer com um grupo de terapia é a pre-
rar a resistência dos empregados à mudança. sença de um membro maníaco. Um paciente
324 IRVIN D. YALOM

em meio a um episódio hipomaníaco grave tal- representações parentais confortantes, e seu


vez seja o problema mais diruptivo para o gru- mundo interno é preenchido por representações
po. (Em comparação, um episódio maníaco parentais desinteressadas, retraídas e decepcio-
completo representa pouco problema, pois o nantes. Eles muitas vezes não possuem a capa-
curso de ação imediato é claro: hospitalização.) cidade de integrar sentimentos e reações inter-
O paciente com transtorno bipolar agu- pessoais ambivalentes, dividindo o mundo em
do e pouco contido é melhor manejado farma- preto e branco, bom e mau, amor e ódio, idea-
cologicamente e não é um bom candidato para lizado e desvalorizado. Em qualquer momen-
tratamentos de orientação interacional. Seria to, eles têm poucas recordações de outros sen-
claramente insensato permitir que um grupo timentos passados, além dos poderosos senti-
investisse muita energia e tempo em um trata- mentos que tinham naquele momento. Suas
mento com tão pouca probabilidade de suces- dificuldades incluem sentir raiva, vulnerabili-
so. Todavia, existem evidências crescentes em dade ao abandono e problemas narcisistas,
favor do uso de intervenções de grupos especí- além de uma tendência à identificação projeti-
ficos e homogêneos para pacientes com doen- va. Esses pacientes também não têm percep-
ça bipolar. Esses grupos oferecem psicoedu- ção do seu papel em suas dificuldades ou de
cação sobre a doença e enfatizam a importân- seu impacto sobre os outros.31
cia da adesão à farmacoterapia e da manuten- Como essas dificuldades geralmente ma-
ção de um estilo de vida saudável e de rotinas nifestam-se em relacionamentos interpessoais
de auto-regulação. Esses grupos devem ser usa- perturbados e perturbadores, a terapia de gru-
dos em conjunto com farmacoterapia na fase po tem um papel importante em cenários de
de manutenção da doença crônica, após quais- hospitalização parcial e ambulatoriais. A tera-
quer perturbações agudas terem se estabiliza- pia de grupo é promissora, mas difícil com es-
do. Foram demonstrados benefícios substan- ses pacientes, mas a relação custo-benefício psi-
ciais da terapia, incluindo maior adesão à cológico e do cuidado de saúde é bastante po-
farmacoterapia, menos perturbações do humor, sitiva, particularmente quando o indivíduo
menos recaídas da doença, menos abuso de passa o tempo adequado em tratamento.32
substâncias e melhor funcionamento psicos- Muitas vezes, um paciente de caráter di-
social.28 fícil também experimentou abuso traumático
no começo de sua vida, o que amplifica o desa-
fio do tratamento. Em algumas amostras, a co-
O PACIENTE DE CARÁTER DIFÍCIL morbidade do transtorno de estresse pós-trau-
mático e do transtorno de personalidade bor-
Os três últimos tipos de paciente proble- derline passa de 50%. Quando as experiências
mático da terapia de grupo que vou discutir traumáticas e os sintomas conseqüentes – prin-
são o paciente esquizóide, o paciente borderli- cipalmente reexperiências intrusivas do trau-
ne e o paciente narcisista. Esses pacientes cos- ma, negação de qualquer lembrança do trau-
tumam ser discutidos em conjunto na litera- ma e hiper-excitação geral – têm um impacto
tura clínica, sob a rubrica de pacientes de ca- combinado e profundo sobre o indivíduo, apli-
ráter difícil do Eixo II.29 Os critérios diagnós- ca-se o termo “transtorno de estresse pós-trau-
ticos tradicionais do DSM não fazem justiça à mático complexo”. Esse termo abrange a ma-
complexidade desses pacientes e não captam neira como os eventos traumáticos e as rea-
adequadamente a sua experiência psicológica ções psicológicas a esses eventos moldam a per-
interior.30 sonalidade do indivíduo.33
A maioria dos pacientes de caráter difícil Pacientes de caráter difícil são comuns na
tem em comum problemas na regulação do maior parte dos cenários clínicos. Seus tera-
afeto, envolvimento interpessoal e sentido de peutas individuais costumam indicá-los para
self. Acredita-se que sua patologia se baseie em terapia de grupo quando: (1) a transferência
problemas sérios dos primeiros anos de vida. ficou intensa demais para a terapia a dois; (2)
Eles não possuem tranqüilidade interior ou o paciente está tão defensivo que é necessária
PSICOTERAPIA DE GRUPO 325
a interação do grupo para envolver o pacien- ta, milhares de homens que cerravam os pu-
te; e (3) a terapia funcionou bem, mas se atin- nhos e murmuravam: “Porcos!” Mathieu cer-
giu um platô e somente uma experiência rou os punhos e murmurou: “Porcos!”, e sen-
tiu-se ainda mais culpado. Se ele pelo menos
interativa produzirá novos ganhos.
conseguisse descobrir em si uma leve emoção
que estivesse modestamente viva, consciente
de seus limites, mas não: ele estava vazio, e
O paciente esquizóide enfrentava uma vasta raiva, uma raiva deses-
perada. Ele a via e quase podia tocá-la, mas
Muitos anos atrás, em uma edição ante- estava inerte – para viver e encontrar expres-
rior deste livro, comecei esta seção com a se- são no sofrimento, ele precisaria sentir com o
guinte sentença: “A condição esquizóide, uma seu próprio corpo. Era a raiva dos outros. Por-
cos! Ele cerrou os punhos, andou, mas nada
doença dos nossos tempos, talvez justifique
aconteceu, a raiva permaneceu alheia a ele.
mais pacientes que começam a fazer terapia Algo estava à beira da existência, uma tímida
do que qualquer outra configuração psicopato- aurora de raiva. Enfim! Mas diminuiu e su-
lógica”. Isso não parece ser mais verdade. Os miu, e ele foi deixado na solidão, caminhan-
modismos de doenças mentais mudam: atual- do com o passo comedido e decoroso de um
mente, os pacientes geralmente entram em tra- homem em um funeral em Paris. Limpou a
tamento por causa de abuso de substâncias, testa com o lenço e pensou: não se podem for-
çar nossos sentimentos mais profundos. Há um
transtornos alimentares e seqüelas de abuso
trágico e terrível estado de coisas que deve
sexual e físico. Embora a condição esquizóide excitar as emoções mais profundas. Não adian-
não seja mais a doença da época, indivíduos ta, o momento virá.35
esquizóides ainda são visitantes comuns em
grupos de terapia. Eles são emocionalmente Os indivíduos esquizóides muitas vezes
bloqueados, isolados e distantes, e procuram a encontram-se em uma sina semelhante no gru-
terapia de grupo por uma sensação vaga de po de terapia. Em praticamente todas as reu-
que algo está faltando: eles não conseguem niões do grupo, eles têm evidências que con-
sentir, não conseguem amar, não conseguem firmam que a natureza e a intensidade de sua
brincar, não conseguem chorar. São especta- experiência emocional diferem consideravel-
dores de suas vidas, não habitam seus próprios mente das dos outros membros. Confusos com
corpos, não experimentam sua própria expe- essa discrepância, eles podem concluir que os
riência. Superficialmente, o paciente esquizóide outros membros são melodramáticos, excessi-
e o paciente esquivo são parecidos. Contudo, vamente instáveis, falsos, preocupados com
existem diferenças claras. O indivíduo esquivo questões triviais ou simplesmente têm um tem-
é ansioso e inibido, autoconsciente e capaz de peramento diferente. Contudo, os pacientes
se envolver quando tem certeza suficiente de esquizóides, como o protagonista de Sartre,
que não será rejeitado. O paciente esquizóide, Mathieu, começam a se questionar, e começam
ao contrário, sofre de um déficit de capacida- a suspeitar que, em algum lugar dentro deles,
des emocionais e reflexivas fundamentais.34 há um vasto lago congelado de sentimentos.
Ninguém jamais descreveu o mundo das De um modo ou de outro, pelo que di-
experiências do indivíduo esquizóide de for- zem ou deixam de dizer, os pacientes esquizói-
ma mais vívida do que Sartre, em A Idade da des transmitem esse isolamento emocional para
razão: os outros membros. No Capítulo 2, descrevi um
paciente que não conseguia entender a preo-
Ele fechou o jornal e começou a ler a matéria cupação dos membros com o fato de o tera-
do correspondente especial na primeira pági- peuta sair do grupo ou os temores obsessivos
na. Cinqüenta mortos e trezentos feridos já de uma mulher de que seu namorado morres-
haviam sido contados, mas não era tudo, cer-
se. Ele considerava as pessoas como objetos
tamente haveria corpos sob os destroços. Ha-
via milhares de homens na França que não substituíveis. Tinha sua necessidade diária mí-
conseguiam ler o jornal pela manhã sem sen- nima de afeto (sem, ao que parece, a preocu-
tir um engasgo de raiva subindo pela gargan- pação adequada com a fonte do afeto). Ele es-
326 IRVIN D. YALOM

tava “incomodado” com a partida do terapeuta soa aprendesse rapidamente a falar uma lín-
apenas porque isso atrasaria a sua terapia, mas gua estrangeira. No começo, os membros são
não compartilhava do sentimento que os ou- muito ativos para ajudar a resolver o que pare-
tros expressavam: luto pela perda da pessoa ce ser uma pequena aflição, dizendo aos pacien-
que o terapeuta é. Em sua defesa, o paciente tes esquizóides o que deveriam sentir e o que
dizia: “Não faz muito sentido ter sentimentos eles sentiriam se estivessem naquela situação.
fortes pela saída do terapeuta, pois não há nada Mais tarde, eles se cansam, a frustração se ins-
que eu possa fazer a respeito”. tala e eles redobram seus esforços – quase sem-
Outro membro, repreendido pelo grupo pre sem resultados visíveis. Eles tentam ainda
por sua falta de empatia para com dois mem- mais, na tentativa de forçar uma resposta
bros com problemas, respondeu: “Então eles afetiva aumentando a intensidade do estímu-
estão sofrendo. Existem milhões de pessoas lo. Finalmente, partem para uma abordagem
sofrendo em todo o mundo neste instante. Se agressiva.
eu fosse me sentir mal por todos os que estão O terapeuta deve evitar participar da bus-
sofrendo, seria um trabalho em tempo inte- ca por uma grande mudança. Nunca vi nenhum
gral”. A maior parte de nós tem um surto de paciente esquizóide mudar significativamente
sentimentos, e às vezes tentamos compreen- em virtude de um incidente dramático. A mu-
der o seu significado. Em pacientes esquizóides, dança é um processo prosaico, de trabalho ma-
os sentimentos vêm depois – eles recebem çante, pequenos passos repetitivos e progresso
prioridade conforme os ditames da raciona- quase imperceptível. É tentador e às vezes pro-
lidade. Os sentimentos devem ser justificados dutivo empregar técnicas ativadoras, não-ver-
de maneira pragmática: se eles não têm ne- bais ou da gestalt para acelerar o movimento do
nhuma função, por que senti-los? paciente. Essas abordagens podem acelerar o
O grupo é bastante ciente das discrepân- reconhecimento e a expressão por parte do pa-
cias entre as palavras, experiência e resposta ciente de sentimentos nascentes ou reprimidos,
emocional dos membros. Um membro, que mas tenha em mente que se você fizer muito
havia sido criticado por esconder informações trabalho diretivo individual, o grupo pode se
do grupo sobre seu relacionamento com uma tornar mais fraco, menos autônomo e mais de-
namorada, perguntou friamente: “Vocês gos- pendente e centrado no líder. (Discutirei esses
tariam de trazer suas câmeras e ir para a cama temas no Capítulo 14.) Além disso, os pacientes
conosco?” Todavia, quando questionado, ele esquizóides não apenas necessitam de novas
negou sentir raiva e não conseguia explicar o habilidades como, de maneira mais importan-
tom de sarcasmo. te, precisam de uma nova experiência internali-
Em outros momentos, o grupo lê as emo- zada do mundo dos relacionamentos – e isso
ções do membro esquizóide a partir de pistas exige tempo, paciência e perseverança.
de sua postura ou comportamento. De fato, No Capítulo 6, descrevi diversas técnicas
esses indivíduos podem relacionar-se de ma- ativadoras do aqui-e-agora que são úteis no
neira semelhante e participar da investigação, trabalho com o paciente esquizóide. Trabalhe
comentando, por exemplo: “Meu coração está energicamente no aqui-e-agora. Estimule o
batendo forte, então eu devo estar assustado” paciente a diferenciar os membros. Apesar de
ou “meu punho está cerrado, então eu devo protestos, o paciente não se sente precisamen-
estar bravo”. Nesse sentido, eles compartilham te da mesma maneira para com todos no gru-
uma dificuldade comum dos pacientes alexití- po. Ajude esses membros a avançar para senti-
micos descritos anteriormente. mentos que dizem não ter conseqüências.
A resposta dos outros membros é previsí- Quando o paciente admite: “Bem, talvez eu me
vel. Ela parte da curiosidade e confusão com a sinta levemente irritado ou levemente magoa-
descrença, solicitude, irritação e frustração. Eles do”, sugira que ele permaneça com esses senti-
perguntam repetidamente: “Como você se sen- mentos. Ninguém disse que somente devemos
te a respeito de...?” e, somente muito depois, discutir sentimentos grandes. “Coloque uma
entendem que estavam exigindo que essa pes- lente de aumento sobre a mágoa,” você pode
PSICOTERAPIA DE GRUPO 327
sugerir, “e descreva como ela é”. Convide o vidade de limitações: mais desorganizados do
paciente a imaginar o que os outros estão sen- que os pacientes neuróticos, mas mais integra-
tindo no grupo. Tente cortar os métodos cos- dos do que os pacientes psicóticos. Uma fina
tumeiros de negação do paciente: “De algum camada de integração oculta uma estrutura de
modo, você se afastou de algo que parecia im- personalidade primitiva. Sob estresse, esses pa-
portante. Pode voltar para onde estava há 5 cientes borderlines são muito instáveis. Alguns
minutos? Quando você estava falando com desenvolvem psicoses que podem parecer psi-
Julie, achei que você estava quase chorando. coses esquizofrênicas, mas que são limitadas,
Havia algo acontecendo aí dentro”.ϒ passageiras e episódicas.
Incentive o paciente a observar o seu cor- O DSM-IV-TR afirma que o transtorno de
po. Muitas vezes, o paciente pode não sentir personalidade borderline é um padrão global
afeto, mas terá consciência dos equivalentes de instabilidade dos relacionamentos interpes-
afetivos autônomos: aperto no estômago, suor, soais, da auto-imagem, dos afetos e do contro-
constrição da garganta, rubor, e assim por le de impulsos que exige pelo menos cinco das
diante. Gradualmente, o grupo pode ajudar o nove características seguintes: esforços frené-
paciente a traduzir esses sentimentos para seu ticos para evitar o abandono real ou imaginá-
significado psicológico. Os membros podem, rio; relacionamentos interpessoais instáveis e
por exemplo, observar o momento das reações intensos, caracterizados por alternância entre
do paciente em relação a algum evento do extremos de idealização e desvalorização; per-
grupo. turbação da identidade – auto-imagem ou sen-
Os terapeutas devem acautelar-se de ava- tido de self notavelmente perturbados e persis-
liar os eventos unicamente segundo seu pró- tentes, distorcidos ou instáveis; impulsividade
prio mundo experimental. Como já discuti an- em duas áreas autodestrutivas, como abuso de
tes, os pacientes podem experimentar o mes- substâncias, gastar dinheiro, sexo, compulsão
mo evento de maneiras totalmente diferentes: alimentar e dirigir sem cuidado; ameaças ou
um evento que a princípio é trivial para o tera- comportamentos suicidas recorrentes ou auto-
peuta ou para um membro pode ser uma ex- mutilação; instabilidade afetiva por reatividade
periência muito importante para outro mem- acentuada do humor; sentimentos crônicos de
bro. Uma leve demonstração de irritação por vazio; raiva intensa e inadequada ou falta de
um indivíduo esquizóide reprimido pode ser controle da raiva; ideação paranóide ou sinto-
uma grande mudança para aquela pessoa. Tal- mas dissociativos graves relacionados com o
vez seja a primeira vez que ela expressa raiva estresse.36
na idade adulta, podendo possibilitar o teste Nos últimos anos, há muito mais clareza
de novos comportamentos, tanto dentro quanto sobre pacientes com transtorno de personalida-
fora do grupo. de borderline, graças especialmente ao trabalho
No grupo, esses são indivíduos com ní- de Otto Kernberg, que enfatizou a instabilidade
veis altos de risco e recompensa. Aqueles que predominante do paciente borderline – instabi-
conseguem perseverar, continuar no grupo e lidade do humor, pensamento e envolvimento
não se sentir desestimulados pela incapacida- interpessoal.37 Ainda assim, a categoria ainda
de de mudar o estilo de seus relacionamentos carece de precisão, tem fidedignidade insatisfa-
rapidamente devem obter benefícios conside- tória38 e muitas vezes serve para transtornos
ráveis com a experiência da terapia de grupo. da personalidade que os clínicos não consigam
diagnosticar de outra forma. É provável que
ela sofra modificações em sistemas classificató-
O paciente borderline rios futuros.
Embora haja um debate considerável com
Há décadas, os psicoterapeutas conhecem relação à psicodinâmica e às origens evolutivas
um grande grupo de indivíduos que são bas- do distúrbio de personalidade borderline,39 esse
tante difíceis de tratar e que se encontram en- debate é tangencial à prática da terapia de gru-
tre os principais critérios diagnósticos de gra- po e não precisa ser discutido aqui. O impor-
328 IRVIN D. YALOM

tante para o terapeuta de grupo, como enfatizei Tenha em mente que a patologia do pacien-
ao longo do livro, não é a questão evasiva e te coloca grandes demandas no terapeuta, que
sem resposta de como o indivíduo ficou do jei- pode, às vezes, se frustrar com a incapacidade
to que está, mas a natureza das forças atuais, de fazer ganhos seguros na terapia e, em ou-
conscientes e inconscientes, que influenciam a tras, pode ter o desejo firme de salvar esses
maneira como o paciente de caráter difícil se pacientes, mesmo que para modificar os pro-
relaciona com os outros. cedimentos e limites tradicionais da situação
Não apenas houve uma explosão recente terapêutica. Tenha em mente também que mui-
de interesse no diagnóstico, psicodinâmica e tos terapeutas sugerem terapia de grupo para
na terapia individual do paciente borderline, pacientes borderlines, não porque esses pacien-
como grande parte da literatura da terapia de tes trabalham bem ou facilmente em grupos
grupo concentra-se no distúrbio da personali- de terapia, mas porque eles são extraordinaria-
dade borderline. Os terapeutas de grupo desen- mente difíceis de tratar na terapia individual.
volveram um interesse nesses pacientes por Muitas vezes, os terapeutas individuais
duas razões principais. Primeiramente, como consideram que o paciente borderline não con-
o transtorno da personalidade borderline é di- segue tolerar facilmente a intimidade e a in-
fícil de diagnosticar em uma única sessão de tensidade do cenário de tratamento individual.
triagem, muitos clínicos involuntariamente in- Problemas debilitantes da transferência e con-
troduzem pacientes borderlines em grupos de tratransferência surgem regularmente na tera-
terapia que consistem de pacientes com funcio- pia. Muitos terapeutas consideram difícil lidar
namento em um nível superior de integração. com as exigências e a raiva primitiva do pacien-
Em segundo lugar, existem evidências crescen- te borderline, particularmente porque o pacien-
tes de que a terapia de grupo é uma forma efe- te as expressa muitas vezes por meio de atua-
tiva de tratamento. Alguns dos resultados mais ção (por exemplo, ausência, atraso, abuso de
impressionantes de pesquisas provêm de pro- drogas ou automutilação). Também há uma
gramas de hospitalização parcial homogênea grande regressão, e muitos pacientes se sentem
e intensiva, em que os grupos de terapia pro- tão ameaçados pelo surgimento de afetos do-
porcionam restrições, apoio emocional e apren- lorosos e primitivos que fogem do envolvimento
dizagem interpessoal ao indivíduo borderline, terapêutico ou fazem com que o terapeuta os
enquanto exigem responsabilidade pessoal em rejeite. Embora as evidências sugiram que a
um ambiente que combate a regressão e a in- terapia de grupo pode ser bastante efetiva para
tensificação doentia de reações de transferên- esses pacientes, seus afetos primitivos e ten-
cia. Foram relatadas melhoras significativas e dências perceptuais extremamente distorcidas
duradouras no humor, estabilidade psicossocial influenciam imensamente o curso da terapia
e comportamento autodestrutivo.40 de grupo e sobrecarregam muito os recursos
Entretanto, é provável que a maioria dos do grupo. A duração da terapia é longa: existe
pacientes borderlines possa ser tratada em gru- um considerável consenso clínico de que os
pos ambulatoriais heterogêneos. Existe um pacientes borderlines necessitam de muitos anos
crescente consenso de que uma combinação de de terapia e em geral permanecem no grupo
tratamentos de grupo e individual possa ser o por mais tempo do que os outros membros.
tratamento de escolha para o paciente border- A ansiedade de separação e o medo do
line. Alguns especialistas chegaram à conclu- abandono desempenham um papel crucial na
são de que o tratamento preferido é o trata- dinâmica do paciente borderline. Uma ameaça
mento combinado com duas reuniões do gru- de separação (as férias do terapeuta, por exem-
po e uma sessão individual por semana. Além plo, e às vezes até o final da sessão) caracteris-
disso, evidências de pesquisa indicam que os ticamente evoca ansiedade severa e desenca-
pacientes borderline valorizam sua experiên- deia as defesas características dessa síndrome:
cia de terapia de grupo – muitas vezes mais do clivagem, identificação projetiva, desvaloriza-
que sua experiência de terapia individual.41 ção e fuga.
PSICOTERAPIA DE GRUPO 329
O grupo de terapia pode amenizar a se- trabalhados, e o terapeuta estava sempre à
paração de duas maneiras. Primeiramente, um beira de cancelar a terapia. Colocá-la em
ou (preferivelmente) dois terapeutas de grupo terapia de grupo foi o seu último recurso.
são introduzidos na vida do paciente, prote- Quando entrou para o grupo, Marge recu-
gendo-o da grande disforia que ocorre quando sou-se a falar por várias reuniões, pois que-
o terapeuta individual não está disponível. Em ria determinar como o grupo funcionaria.
segundo lugar, o próprio grupo torna-se uma Após quatro reuniões em silêncio, ela subi-
entidade estável na vida do paciente, que exis- tamente teve um ataque furioso contra um
te mesmo quando alguns dos seus membros dos co-líderes do grupo, rotulando-o de frio,
estão ausentes. Perdas repetidas (ou seja, o tér- poderoso e rejeitador. Marge não apresen-
mino de membros) dentro da existência conti- tou razões ou dados para basear seus co-
nuada e segura do grupo ajudam os pacientes mentários, além de sua intuição sobre ele.
a aceitarem sua sensibilidade extrema a per- Além disso, expressou desdém para com os
das. O grupo de terapia oferece uma oportuni- membros do grupo que sentiam afeto por
dade singular para fazer o luto de um relacio- esse co-terapeuta.
namento importante na presença confortante Seus sentimentos pelo outro líder eram o
de outras pessoas que estão simultaneamente oposto: ela o experimentava como suave,
lidando com a mesma perda. Relacionamen- afetuoso e carinhoso. Outros membros fi-
tos reais podem compensar a necessidade in- caram chocados com a sua visão em preto-
tensa que o paciente borderline sente, mas de e-branco dos co-terapeutas e pediram, sem
maneira mais mútua e menos intensa.42 Quan- sucesso, que ela trabalhasse sua grande pro-
do o paciente borderline desenvolve confiança pensão para julgar e sentir raiva. Seu ape-
no grupo, ele pode servir como uma importan- go positivo pelo líder a continha suficiente-
te influência estabilizadora. Como a ansieda- mente para possibilitar que permanecesse
de de separação dos pacientes borderlines é tão no grupo e permitia que ela tolerasse os sen-
grande e eles estão tão ansiosos para preser- timentos hostis intensos para com o outro
var a presença contínua de figuras importan- líder, trabalhando outras questões no gru-
tes em seu ambiente, eles ajudam a manter o po – embora continuasse a criticar o líder
grupo unido, muitas vezes tornando-se os par- odiado de maneira intermitente.
ticipantes mais regulares e repreendendo ou- Quando o terapeuta “ruim” tirou férias,
tros membros por faltarem ou se atrasarem. houve uma mudança notável. Quando
Uma das grandes vantagens que um gru- Marge expressou a fantasia de querer matá-
po de terapia pode ter para o tratamento de um lo, ou de pelo menos vê-lo sofrer, os mem-
paciente borderline é o poderoso teste da reali- bros ficaram chocados com o grau da sua
dade que o fluxo contínuo de feedback e obser- raiva. Talvez, sugeriu um membro, ela o
vações dos membros proporciona. Assim, a re- odiasse tanto porque queria aproximar-se
gressão é muito menos acentuada. O paciente dele e estava convencida de que isso nunca
pode distorcer, atuar ou expressar necessidades aconteceria. Esse feedback teve um impac-
e medos primitivos e caóticos, mas os lembre- to dramático em Marge, não apenas tocan-
tes contínuos da realidade no grupo de terapia do seus sentimentos pelo terapeuta, como
mantêm esses sentimentos mais brandos. sentimentos profundos e conflituosos que
tinha por sua mãe. Gradualmente, sua rai-
• Marge, 42 anos, foi indicada para o grupo va diminuiu, e ela descreveu seu desejo por
por seu terapeuta individual, que não con- um tipo diferente de relacionamento com
seguia fazer progressos com ela. Os senti- o terapeuta. Ela expressou tristeza por seu
mentos de Marge para com seu terapeuta isolamento no grupo e descreveu seu dese-
alternavam-se de grande raiva a uma ne- jo de mais proximidade com os outros mem-
cessidade dele. A intensidade desses senti- bros. Algumas semanas depois do retorno
mentos era tão grande que não podiam ser do terapeuta “ruim”, sua raiva havia dimi-
330 IRVIN D. YALOM

nuído suficientemente para que trabalhas- borderlines é acrescido pelo fato de que eles
se com ele de maneira mais suave e mais representam um recurso importante para o
produtiva. grupo de terapia. Esses indivíduos têm grande
acesso ao afeto, necessidades inconscientes,
Esse exemplo ilustra como, de diversas fantasias e temores, e podem relaxar o grupo e
maneiras, a terapia de grupo pode reduzir facilitar o trabalho terapêutico, especialmente
distorções intensas e debilitantes da transfe- a terapia de indivíduos esquizóides, inibidos e
rência. Primeiramente, outros membros apre- reprimidos. É claro que isso pode ser uma faca
sentaram suas diferentes visões do terapeuta, de dois gumes. Alguns membros de grupos
que ajudaram Marge a corrigir as suas visões podem ser afetados negativamente pela raiva
distorcidas. Em segundo lugar, os pacientes e negatividade intensas do paciente borderline,
borderlines que desenvolvem fortes reações de que pode impedir o trabalho de membros que
transferência negativas conseguem continuar sejam vítimas de abuso ou trauma.45
trabalhando no grupo porque desenvolvem A vulnerabilidade e a tendência do pacien-
sentimentos opostos compensatórios para com te borderline de distorcer são tão extremas que
o co-terapeuta ou outros membros do grupo – é necessária uma terapia individual concomi-
que é a razão pela qual muitos clínicos suge- tante ou combinada. Muitos terapeutas suge-
rem o formato de co-terapia no tratamento em rem que a razão mais comum para o fracasso
grupo para pacientes borderlines.43 Também é do tratamento de pacientes borderlines em gru-
possível que um paciente descanse temporaria- pos de terapia é a omissão da terapia indivi-
mente, se retraia ou participe de maneira me- dual auxiliar.46 Se for usada uma terapia conjun-
nos intensificada da terapia de grupo. Esses in- ta, é particularmente importante que o grupo
tervalos de intensidade raramente são possí- e os terapeutas individuais estejam em comu-
veis no formato individual. nicação contínua. Os riscos de clivagem são
A ética de trabalho da psicoterapia cos- reais, e é importante que o paciente experi-
tuma ser mais visível em um grupo. A terapia mente os terapeutas como uma equipe sólida
individual com pacientes borderlines pode ser e coerente.
marcada pela ausência de uma aliança tera- Apesar dos esforços heróicos do DSM-IV-
pêutica.44 Alguns pacientes perdem de vista o TR, o transtorno da personalidade borderline
objetivo da mudança pessoal e, em vez disso, não representa uma categoria diagnóstica ho-
gastam sua energia na terapia buscando vin- mogênea. Um paciente borderline pode ser
gança por dores infligidas ou exigindo gratifi- notadamente diferente de outro do ponto de
cação imediata do terapeuta. Testemunhar vista clínico. O indivíduo caótico que é hospi-
outros membros trabalhando em objetivos te- talizado com freqüência é muito diferente (e
rapêuticos no grupo pode proporcionar um tem um curso de terapia diferente) do indiví-
importante corretivo para uma terapia que duo menos debilitado que tem um self ancora-
perdeu o rumo. do.47 Assim, a decisão de incluir um paciente
Como os problemas fundamentais do in- borderline em um grupo depende das caracte-
divíduo borderline estão na esfera da intimida- rísticas do indivíduo específico que está sendo
de, o fator terapêutico da coesão costuma ter examinado, ao invés da categoria diagnóstica
importância decisiva. Se esses pacientes con- ampla. O terapeuta deve avaliar não apenas a
seguirem aceitar o teste da realidade que o gru- capacidade de o paciente tolerar a intensidade
po oferece e se o seu comportamento não for do grupo de terapia, mas a capacidade de o
tão diruptivo, a ponto de os colocar em um grupo tolerar as demandas daquele paciente
papel fora dos padrões ou de bode expiatório, específico naquele momento. A maioria dos
o grupo pode se tornar um ambiente carinho- grupos ambulatoriais heterogêneos consegue
so – um refúgio enormemente importante e so- tolerar, no máximo, apenas um ou possivelmen-
lidário para os estresses que o paciente te dois indivíduos borderlines. As principais
borderline experimenta na vida cotidiana. O considerações que influenciam o processo de
sentido de pertencimento dos pacientes seleção são as mesmas descritas no Capítulo 8.
PSICOTERAPIA DE GRUPO 331
É particularmente importante avaliar a possi- tos de grandiosidade, a necessidade de admi-
bilidade de o paciente assumir um papel fora ração dos outros e falta de empatia. Esses in-
dos padrões do grupo. A rigidez de padrões divíduos também tendem a ter uma vida
comportamentais, especialmente de padrões emocional superficial, tiram pouco prazer da
que antagonizem outras pessoas, deve ser cui- vida além de tributos recebidos dos outros e
dadosamente verificada. Pacientes que sejam tendem a depreciar aqueles de quem esperam
notavelmente grandiosos, desdenhosos e arro- poucas ofertas narcisistas.50 Sua auto-estima é
gantes dificilmente terão um futuro brilhante frágil e facilmente diminuída, muitas vezes ge-
em um grupo. É necessário que o paciente te- rando indignação em pessoas que os insultam.
nha a capacidade de tolerar quantidades míni- O narcisismo adequado, um amor saudá-
mas de frustração ou críticas sem haver uma vel por si mesmo, é essencial para o desenvol-
atuação séria. Um paciente com um histórico vimento do auto-respeito e da autoconfiança.
de trabalho errático, um histórico de relacio- O narcisismo excessivo assume a forma de amar
namentos transitórios ou um histórico de mu- a si mesmo a ponto de excluir os outros, de
dar rapidamente para uma nova condição perder de vista o fato de que os outros são se-
quando se frustra é provável de responder da res sensíveis, que os outros também são egos
mesma forma no grupo de terapia. em formação, cada um construindo e experi-
mentando um mundo único. Em sua forma
extrema, os narcisistas são solipsistas que ex-
O paciente narcisista perimentam o mundo e os outros indivíduos
como objetos que existem unicamente por sua
O termo narcisista pode ser usado de di- causa.
ferentes maneiras. É importante pensarmos que
os pacientes narcisistas representam uma varie-
dade e uma dimensão de preocupações, em vez Problemas gerais
de uma categoria diagnóstica limitada.48 Em-
bora haja um diagnóstico formal de transtor- O paciente narcisista muitas vezes tem um
no da personalidade narcisista, existem muito curso mais turbulento, mas mais produtivo no
mais indivíduos com traços narcisistas que grupo do que na terapia individual. De fato, o
criam problemas interpessoais característicos formato individual proporciona tanta gratifica-
no decorrer da terapia de grupo. ção que o problema básico emerge muito mais
A natureza das dificuldades do indivíduo lentamente: escuta-se cada palavra do pacien-
narcisista aparece de forma abrangente nos te, examina-se cada sentimento, fantasia e so-
critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o nho seu, muito se dá e pouco se pede dele.
transtorno da personalidade. O diagnóstico de No grupo, ao contrário, espera-se que o
transtorno da personalidade exige que pelo paciente divida o tempo, entenda, sinta empatia
menos cinco de nove critérios sejam satisfei- e ajude os outros, forme relacionamentos, se
tos: um sentido grandioso de importância pes- preocupe com os sentimentos dos outros, rece-
soal; preocupação com fantasias de sucesso ili- ba feedback construtivo, mas às vezes crítico.
mitado, poder, amor ou brilhantismo; uma Muitas vezes, os indivíduos narcisistas sentem-
crença de que se é especial e somente pode ser se vivos quando estão no palco: julgam a utili-
compreendido por outras pessoas especiais e dade do grupo para eles com base em quantos
superiores; uma necessidade de admiração minutos do grupo e do terapeuta obtiveram em
excessiva; um sentido de merecimento; com- uma dada reunião. Eles defendem sua superio-
portamento interpessoal explorador; falta de ridade ferozmente e muitas vezes levantam ob-
empatia; inveja freqüente de outras pessoas; jeções quando alguém aponta semelhanças en-
atitudes ou comportamentos arrogantes e or- tre eles e outros membros. Pela mesma razão,
gulhosos.49 esses pacientes também têm objeções quanto a
De forma mais geral, muitos indivíduos ser incluídos com os outros membros em inter-
com dificuldades narcisistas apresentam aspec- pretações do grupo como um todo.
332 IRVIN D. YALOM

Eles podem ter uma resposta negativa a sido desperdiçado com John – tempo que
certos fatores terapêuticos cruciais – por exem- ela poderia ter usado muito melhor. O que
plo, coesão e universalidade. Pertencer a um Vicky não conseguia entender há pelo me-
grupo, ser como os outros, pode ser sentido nos um ano no grupo era que esse tipo de
como uma experiência homogeneizadora e incidente não indicava que ela estaria me-
depreciativa. Assim, o grupo traz à luz as difi- lhor na terapia individual. Pelo contrário:
culdades do paciente narcisista em seus relacio- o fato de que essas dificuldades surgiram
namentos. Outros membros podem sentir an- no grupo era exatamente a razão pela qual
tipatia pelo paciente narcisista, pois raramen- o formato de grupo era especialmente indi-
te enxergam a vulnerabilidade e fragilidade que cado para ela.
reside por trás do comportamento grandioso e
exibicionista, um núcleo vulnerável que o pa- Embora os pacientes narcisistas se sintam
ciente narcisista mantém bem escondido.51 frustrados por seus pedidos de atenção serem
tão rejeitados no grupo quanto em sua vida
• Uma participante de um grupo, Vicky, criti- exterior, essa mesma frustração motivadora
cava muito o formato de grupo e freqüente- constitui uma grande vantagem do modo
mente reafirmava sua preferência pelo for- terapêutico de grupo. Além disso, o grupo tam-
mato de terapia individual. Ela muitas ve- bém é catalisado: alguns membros beneficiam-
zes defendia sua posição citando artigos psi- se por ter de assumir posturas assertivas con-
canalíticos que criticavam a abordagem da tra a ganância do narcisista, e membros que
terapia de grupo. Não gostava de ter de di- sejam abnegados demais podem usar aspectos
vidir o tempo no grupo. Por exemplo, a três do comportamento do paciente narcisista como
quartos do caminho em uma reunião, o modelo.
terapeuta comentou que percebia que Vicky Outra paciente narcisista, Ruth, que pro-
e John estavam sob forte pressão. Ambos curou a terapia por sua incapacidade de man-
admitiram que precisavam e queriam tem- ter relacionamentos profundos, participou do
po para falar naquele dia. Após um momen- grupo de maneira bastante estilizada: ela in-
to de embaraço, John abriu mão, dizendo sistia em informar os membros a cada semana
que acreditava que o seu problema poderia sobre os mínimos detalhes de sua vida e em
esperar até a sessão seguinte. Vicky consu- especial de seus relacionamentos com homens,
miu o resto da reunião e, na sessão seguin- seu principal problema. Muitos desses detalhes
te, continuou de onde havia parado. Quan- eram alheios ao grupo, mas ela insistia em fa-
do parecia que ela tinha intenção de usar zer um recital completo (como a fase “olhem
toda a reunião novamente, um dos mem- para mim” da primeira infância). Além de olhar
bros comentou que John havia ficado espe- para ela, não havia outra maneira em que o
rando na reunião anterior. Porém, não hou- grupo poderia se relacionar com Ruth sem fazê-
ve como fazer uma transição, pois, como o la se sentir rejeitada. Ela insistia que a amiza-
terapeuta comentou, somente Vicky pode- de consistia de compartilhar detalhes íntimos
ria liberar o grupo totalmente, e ela não de- da vida. Ficamos sabendo, entretanto, em uma
monstrou que o faria tranqüilamente (Vicky entrevista de acompanhamento, com uma par-
havia caído em um silêncio repressor). ticipante que havia saído do grupo, que Ruth
Entretanto, o grupo voltou-se para John, freqüentemente a convidava para sair – mas
que estava em meio a uma grande crise em ela não agüentava mais ficar com Ruth por sua
sua vida. Ele expôs sua situação, mas não propensão a usar as amigas da mesma manei-
houve como fazer um bom trabalho. Ao fi- ra em que se pode utilizar um analista: como
nal da sessão, Vicky começou a chorar em um ouvido sempre paciente, sempre solícito e
silêncio. Os membros do grupo, pensando sempre disponível.
que ela chorava por causa de John, volta- Alguns indivíduos narcisistas que têm um
ram-se para ela, que chorava, no entanto, sentido profundo de singularidade e merecimen-
como falou, por todo o tempo que havia to não apenas sentem que merecem a atenção
PSICOTERAPIA DE GRUPO 333
máxima do grupo, como também acreditam que traí a mim mesma ou meu marido. Aprendi a
ele deveria se oferecer sem nenhum esforço da conhecê-lo e a cuidar de você profundamente
parte deles. Essas pessoas esperam que o grupo com todas as suas falhas e com as suas habili-
cuide delas, seja acessível a elas, apesar do fato dades. Isso é não acontecer nada?”.
de que elas não são acessíveis a ninguém. Espe- Alguns meses depois do final da terapia,
ram presentes, surpresas, cumprimentos e preo- em uma entrevista de acompanhamento, pedi
cupação, embora não dêem a ninguém. Espe- que Bill lembrasse alguns dos momentos mais
ram poder expressar a sua raiva e escárnio, mas significativos ou pontos de mudança na tera-
permanecendo imunes à retaliação. Esperam ser pia. Ele descreveu uma sessão no final da tera-
amadas e admiradas simplesmente por estarem pia em que o grupo assistiu a um videoteipe
ali. Já vi essa postura ser especialmente acentua- da sessão anterior. Bill ficou chocado ao ver
da em mulheres bonitas, que foram elogiadas a que havia esquecido a maior parte da sessão
vida toda simplesmente em virtude de sua apa- completamente, lembrando apenas dos pou-
rência e sua presença. cos momentos em que estava centralmente
A falta de consciência ou empatia pelos envolvido. Seu egocentrismo havia sido de-
outros é óbvia no grupo. Após diversas reu- monstrado poderosamente para ele e confir-
niões, os membros começam a observar que, mava o que o grupo vinha tentando lhe dizer
embora o paciente faça trabalho pessoal no gru- há meses.
po, ele nunca questiona, apóia ou ajuda os Muitos terapeutas diferenciam o indiví-
outros. O paciente narcisista pode descrever duo narcisista supergratificado, como Bill, e o
experiências de vida com grande entusiasmo, indivíduo narcisista subgratificado, que tende
mas é um péssimo ouvinte e fica aborrecido a ser mais negativo e enraivecido, até explosi-
quando outros falam. Um homem narcisista vo. O comportamento deste último no grupo é
costuma pegar no sono na reunião se as ques- compreendido incorretamente pelos outros
tões discutidas não forem imediatamente rele- membros, que interpretam a raiva como um
vantes para ele. Quando confrontado sobre o ataque contra o grupo, em vez de uma última
seu sono, ele pediu a compreensão do grupo tentativa de defender o self desprotegido. Con-
por causa de seu dia longo e difícil (embora seqüentemente, esses membros recebem pou-
estivesse sempre desempregado, um fenôme- ca compensação por suas mágoas caladas e
no atribuído à incapacidade dos empregado- déficits e correm o risco de abandonar o gru-
res de reconhecer as suas habilidades singula- po. É essencial que os terapeutas mantenham
res). Existem momentos em que é importante uma conexão empática com esses pacientes e
mostrar que existe apenas um relacionamento se concentrem em seu mundo subjetivo, parti-
na vida em que um indivíduo pode receber cularmente quando se sentem diminuídos ou
constantemente sem devolver ao outro – a mãe feridos. Às vezes, o líder do grupo pode até
e o bebê. precisar atuar como um advogado para que se
No Capítulo 12, no relato do relaciona- chegue a uma compreensão da experiência
mento de Bill e Jan, descrevi muitos dos mo- emocional desses provocativos membros do
dos narcisistas que Bill usava para se relacio- grupo.52
nar com outras pessoas. Grande parte de sua Um exemplo clínico:
incapacidade de enxergar o mundo do ponto
de vista do outro resumia-se a uma declaração • Val, uma mulher narcisista, insultava, não
que ele fez à outra mulher do grupo, Gina, após sentia empatia e era altamente sensível à
16 meses de reuniões. Ele disse com seriedade menor crítica. Em uma reunião, ela lamen-
que se arrependia de que nada havia aconteci- tou demoradamente que nunca recebia
do entre os dois. Gina o corrigiu rispidamente: apoio ou cumprimentos de ninguém do gru-
“Você quer dizer nada sexual, mas muita coisa po, muito menos dos terapeutas. De fato,
aconteceu comigo. Você tentou me seduzir. Eu ela conseguia lembrar de apenas três co-
recusei pela primeira vez. Não me apaixonei mentários positivos nas 70 reuniões do gru-
por você, não fui para a cama com você. Não po de que tinha participado. Um membro
334 IRVIN D. YALOM

respondeu imediata e diretamente: “Oh, seus comentários. Um comentou: “Se as pes-


espere aí, Val, pare com isso. Na semana soas falam de algum problema que você não
passada, os dois terapeutas defenderam tem, você diz que não é importante ou é
você bastante. Na verdade, você recebe mais bobagem. Veja bem, eu não tenho o proble-
apoio neste grupo do que qualquer outra ma que você tem com a questão de não re-
pessoa”. Os outros membros do grupo con- ceber cumprimentos suficientes do terapeuta
cordaram e ofereceram diversos exemplos ou de outros membros do grupo. Isso sim-
de comentários positivos que Val havia re- plesmente não é uma questão para mim.
cebido nas últimas reuniões. Como você se sentiria se eu a chamasse de
Mais adiante na mesma reunião, Val respon- ‘tola’ cada vez que você reclamasse disso?”.
deu a dois incidentes de um modo bastante
mal-adaptativo. Dois membros estavam en- Essa reunião ilustra diversos aspectos do
volvidos em uma dolorosa batalha por con- trabalho de grupo com pacientes de caráter di-
trole. Ambos estavam abalados e sentiam-se fícil. Val era excessivamente antagônica e ha-
extremamente ameaçados pelo grau de rai- via desenvolvido uma intensa e debilitante
va expressada, sua e de seu antagonista. transferência negativa em diversas tentativas
Muitos dos membros do grupo fizeram ob- anteriores com terapia individual. Nessa ses-
servações e ofereceram apoio. A resposta de são, ela expressou percepções distorcidas dos
Val foi que ela não entendia o porquê de toda terapeutas (de que eles haviam feito apenas
aquela comoção, e que os dois eram “trou- três cumprimentos a ela em 70 sessões quan-
xas” por ficarem tão bravos com nada. do, na verdade, eles haviam sido bastante soli-
Alguns minutos depois, Farrell, uma parti- dários com ela). Na terapia individual, a distor-
cipante que estava muito retraída e quieta, ção de Val pode ter levado a um grande impasse
se sentiu pressionada a revelar mais sobre porque suas distorções transferenciais eram tão
si mesma. Com considerável determinação, acentuadas que ela não acreditava que os
ela contou, pela primeira vez, detalhes ín- terapeutas teriam uma visão precisa da reali-
timos sobre um relacionamento que tinha dade. Os grupos de terapia têm uma grande
começado com um homem. Falou de seu vantagem no tratamento desses pacientes, pois,
medo de que o relacionamento não desse conforme ilustrado nessa vinheta, os terapeutas
certo, pois queria ter filhos desesperada- de grupo não precisam servir como defensores
mente e, mais uma vez, havia iniciado um da realidade: os outros membros do grupo as-
relacionamento com um homem que dei- sumem o papel e geralmente proporcionam um
xou claro que não queria filhos. Muitos poderoso e preciso teste da realidade para o
membros do grupo responderam de manei- paciente.
ra empática e solidária à sua revelação. Val Val, como muitos pacientes narcisistas, era
estava quieta e, quando chamada a falar, sensível demais a críticas. (Esses indivíduos são
disse que percebia que Farrell estava tendo como pacientes hemofílicos, que sangram ao
dificuldade para falar sobre isso, mas não menor ferimento e não têm os recursos neces-
entendia o porquê. “Essa revelação não pa- sários para interromper o fluxo de sangue.)53
receu ser grande coisa.” Farrell respondeu: Os membros do grupo estavam cientes de que
“Obrigada, Val, isso faz eu me sentir muito Val era muito vulnerável e não tolerava críti-
bem – faz eu não querer ter nada a ver con- cas. Ainda assim, eles não hesitaram em con-
tigo. Eu gostaria de colocar o máximo de frontá-la de maneira direta e consistente. Em-
distância entre nós duas”. bora Val tenha se magoado nessa reunião, como
A resposta do grupo a Val em ambos inci- em muitas outras, ela também ouviu uma men-
dentes foi imediata e direta. As duas pessoas sagem maior: os membros do grupo a levavam
que ela havia acusado de serem trouxas dis- a sério e respeitavam a sua capacidade de assu-
seram que se sentiam humilhadas com os mir a responsabilidade por seus atos e de mu-
PSICOTERAPIA DE GRUPO 335
dar o seu comportamento. Creio que é crucial A principal tarefa para o terapeuta de gru-
que o grupo assuma essa postura diante de pa- po que trabalha com todos esses pacientes pro-
cientes vulneráveis, pois ela pode ser entendi- blemáticos não é um diagnóstico preciso ou
da como uma poderosa afirmação. Quando o uma formulação da dinâmica causal inicial.
grupo começa a ignorar, proteger ou tratar um Quando o diagnóstico é de transtorno de per-
indivíduo narcisista como mascote, a terapia sonalidade esquizóide, borderline ou narcisis-
desse paciente fracassa. O grupo não possibili- ta, a questão é a mesma: o manejo terapêutico
ta mais testar a realidade, e o paciente adota de indivíduos extremamente vulneráveis no
um papel nocivo fora dos padrões. grupo de terapia.

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