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Ensaio teórico

Nome: Karina Ribeiro Fogaça


Matrícula: 180056034

Reflexões sobre o Grapefruit;


Oficina imagética

03 de outubro de 2022
Eu já tive uma banda. Costumávamos compor músicas com críticas políticas e sobre a consciência
ambiental. Acreditávamos ser jovens revolucionários. A banda acabou, nem chegamos a gravar nossas
músicas, a situação política atual do meu país me desanima e me arranca qualquer esperança e vontade que
um dia já tive de querer ser uma artista que grite para a sociedade.

O ano é 2022, a Rainha Elisabeth morreu, Ellon Musk fez o primeiro robô humanoide, a Nasa planeja
explorar marte e já fez sua primeira missão de defesa planetária contra asteroides que possam colidir com a
Terra, fake news, discursos ultrapassados de ódio e falso patriotismo voltam a guiar os debates políticos nesse
ano de eleição... século XXI, tecnologia decolando, a ignorância também e sou uma artista infeliz.

Posso não estar cumprindo com o meu dever de artista como a "voz" da sociedade, se é que a
sociedade de hoje tem voz, (ou políticos de estimação), mas me deserdo de tudo o que proclamaram sobre o
que os artistas em tempos como esse devem fazer, e escolho me afundar aqui e agora em um copo cheio de
nuvens e nostalgia, guardados na última prateleira de céus, pôr do sol, e risos de criança, reservados no fundo
da minha mente e da minha imaginação para o meu bel prazer, para que eu não desiste de ser uma artista, e
assim, da minha existência. Irei me servir uma dose de Yoko Ono.

Página 28 - Grapefruit

Eu imaginei esse peixe e o tomei para mim, acontece que foi em um céu diferente, o meu céu. Como
é o seu céu? É colorido? Como ele está? Chuvoso ou nublado? O peixe vai conseguir nadar nele?
O Livro de Instruções e Desenhos de Yoko Ono, uma obra de instruções poéticas dessa artista
conceitualista, me permitiu desdobrar a imaginação em variadas situações e cenários poéticos onde eu me
senti como o artista participante, e não apenas o observador. Essa preocupação da Yoko Ono de tornar o
expectador como ativo e o dar o sentimento de pertencimento às obras, foi o que me chamou atenção. Na
minha percepção, as instruções dessa artista permitem que o leitor construa a imagem, a cena, na sua própria
mente e consequentemente, a obra. Cada página desse livro permite a construção e o desdobramento de uma
obra diferente, na mente de cada leitor, e o tornando também, o artista desse momento. A relação do verbo-
visual se dá de uma forma de duas vias, a imagem não vem pronta, e nem a poesia. Vejo como uma relação
que demanda esforço do próprio leitor para construir a obra (através das instruções), para depois, ele se tornar
o observador e admirador do cenário em que foi proposto a construir. O único cenário que me permito admirar
nesse momento. O que posso controlar agora é apenas minha imaginação, de certa forma. Tomando a arte
como uma fuga à realidade, mas não vendando os olhos diante do agora. Talvez romantizando a desgraça, ou
apenas dando a graça onde não tem, dando um descanso a alma.
Quem já leu a saga de livros da Lucy Maud Monigomery e conheceu sua protagonista ruivinha, a Annie
visionária e incompreendida, pode saber do que estou falando. “Aqui há escopo para a imaginação.” Um
bordão muito falado por ela, uma pequena órfã que tinha a literatura como seu gás da vida, que em um dia
chuvoso e triste, agarrava-se ao livro, se escondia em qualquer canto intimista possível daquele orfanato
traumatizante, e fazia o céu cinzento e suas lágrimas serem os acessórios arrumados de última hora para a
performance improvisada de sua leitura.

Página 29 - Graperfruit Página 37 - Graperfruit

Essas são imagens que tirei do livro Graperfruit. Poderia ter destacado o livro todo. Nessas páginas
lembrei e me inspirei na Annie da Lucy Maud. Fiz uma grande obra com todos os sons do meu dia; gravei o
som da minha boca mastigando, da água descendo pela garganta, da minha respiração funda, meu teclado
mecânico ecoando no quarto, o som da escova de dente na minha boca, o canto no banho, ninguém mais
fazendo outros ruídos, apenas meu corpo e a casa, percebi que gravei a solidão; sons repetidos em ordem
diferente, de manhã, de tarde, e de noite. Tente também! Na sua obra tem ruídos de outros corpos?
Página 25 – Graperfruit

Uma dica: Talvez essa obra não seja indicada para solitários. É mais legal quando se tem uma pessoa
amada do lado para esperar que ela finalize a peça. Dica bônus: Admire - a enquanto ela faz isso.

Página 99 – Graperfruit Página 33 - Graperfruit

Nessas páginas me flagrei pensando na Matt Mullican e sua obra “Birth to Death List”. Pensei em uma
lista de memórias, a minha lista, sendo assim, aqui tratei de um autorretrato em que minhas memórias
pintaram. Um autorretrato com cicatrizes que tentei lavar com sabão, mas não saiu. Me aproximei da janela
antes mesmo de escurecer e fiquei por lá mesmo. Gravei na lista minha mãe se penteando, já que eu era a
filha. Lamentei por ela não poder ouvir.
Talvez a arte conceitual aqui abordada, possa borrar o limite do que é imagem e do que é palavra,
quando a arte presente naquele determinado momento para o observador, dependa dele para se tornar algo.
Podendo envolver a mente e até as emoções, quando seus olhos, (ou seus ouvidos), permitam ser apenas os
instrumentos para chegar na imagem em sua cabeça, como uma espécie de “meditação guiada”, e gosto de
pensar na relação onde o observador não está tão distante do artista em questão, eles podem estar na mesma
dimensão. Aqui pode não existir o “original”, e a “copia”, como dizia Walter Benjamim sobre a autenticidade,
mas podemos reproduzir os meios para se chegar à um lugar, não necessariamente o fim, sendo assim, o
artista na função de guia, e não o “iluminado”. Talvez a Yoko Ono tenha me guiado para dimensões em que
eu esqueci que podia brincar, que eu esqueci que eu podia inventar, e existir.
Referências

MONIGOMERYy, Lucy Maud. Annie de Green Gables. Editora Ciranda cultural, 1908;

ONO, Yoko. Grapefruit, o livro de instruções e desenhos de Yoko Ono.1964;

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas – Magia e técnica, Arte e política. Editora brasiliense, 3 edição;

MULLICAN, Matt. Birth to Death List. 1973.

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