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A .

r11(a101
COLE CA O
rlo 1 llJTI COLECAO
PONTOS PONTOS
Pela primeira vez um livro traz a palavra Márcio Souza
direta dos indios na discussao de seus José Rlbamar Bessa
problemas. Mário Juruna, Megaron e Mário Juruna
Marcos Terena, militantes indios da causa Megaron
indígena, transmitem· para o mundo dos Marcos Terena
brancos as posicoes e os anseios dos
indígenas brasileiros, mostrando como os
vários grupos indígenas confinados e
submetidos pelo Governo Brasileiro se
dispoem a solucionar seus próprios problemas.

OS INDIOS VAO A LUTA


traz também um pequeno ensaio de
Márcio Souza - conhecido romancista e
ensaísta - e de José Ribamar Bessa -
historiador e sociólogo amazonense -
que tracam um panorama geral da
questao indígena no Brasil, delimitando
marcos para a compreensao dos anseios
expressados pelos dirigentes tribais.

um lancamento daO
EDITORA MARCO º LIMITADA
f

OS INDIOS VAO A LUTA


Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
Márcio Souza, Ribamar Bessa
Mário Juruna, Megaron, Marcos Terena.

Exemptar n.0
1840

,,
Os Indios Vao a Luta

Direitos adquiridos pela Editora Marco Zero Ltda.


Travessa da Paz, 15 - 20250 - Rio Comprldo
Rio de Janeiro - RJ
Copyright by Márcio Sou za, Ribamar Bessa, Mário Juruna, Rio de Janeiro
Megaron, Marcos Terena e Memélia Moreira. 1981
COLEQÁ02 ·
PONTOS

Volume 2

Di retores: fNDICE
Maria José Silveira
Tania Maria Mendes
Daniel Aaráo Reís F.0
Felipe José Lindoso
Sobre os Autores . . .. .. . . .. . . . ... ... ... 7
Capa:

. . . . . . . ..
Anita Slade
llu strac;ao : A Questáo Indígena no Brasil 9
Páxepytygi Márcio Souza e Ribamar Bessa

CIP-B.rasil. Cataloga(:áo-na-fonte I. Os pavos indígenas na socieda-


Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ. de de classes brasileiras
SituaQáo demográfica . . . . . . . . . . 11
134 Os índios váo a luta / Márcio Souza . . . SituaQáo jurídica . . . . . . . . . . . . . . 15
[ et al. . ] - Rio de Janeiro : Marco A política indigenista oficial . . . . 19
Zero, 1981.
(Col~áo Dois Pontos ; v. 2) IntegraQáo f orQada e exterminio 23

1. fndios da América do Sul - BrasU II. A luta dos pavos indígenas do


2 . fndios da América do Sul - Brasil - Brasil contra o capitalismo
Rela~oes com o governo 1. Sousa, Márclo
11. Série. - OrganizaQao e resisténcia . . . . . . 33
A terra e a autodeterminaºªº 38
CDD - 980.41
980.5
81-0768 CDU - 325.45(81)
.
Falam os fndios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Mário Juruna, Megaron e Marcos Tere·na.

Mário Juruna ................ . ... . 51


Megaron . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . 58
~reos Terena ........ . ........... 64
I
SOBRE OS AUTORES

Para falar pelos índios, chamamos tres


lideres indígenas: Mário Juruna, cacique Xa- ,
vante; Megaron, futuro chefe Txukarramae e
Marcos, do grupo Terena, criador e dirigente
da Uniao das NaQ6es Indígenas - UNIND.
Seus depoimentos f oram organizados e apre- ---¡
sentados pela jornalista Memélia Moreira. __J
Márcio Souza, conhectdo romancista ama-
zonense, autor de "Galvez, o Imperador do
Acre" e "Mad Maria", é também um incansá-
vel divulgador da causa indígena. Escreveu
várias pe~ de teatro ligadas a temática do
indio no Amazonas e dirigiu o filme "O co-
m~o antes do comeQo", curta-metragem so-
bre o mito de origem do grupo Dessana.
José Ribamar Bessa, também amazonen-
se, é sociólogo e historiador. Foi colaborador
do CIMI - Conselho Indigenista Missionário
- e um dos fundadores :do PORANTIM, jor-
nal dedicado a causa indígena.

7
A Questéio Indiqena no
Brasil

Márcio Souza e Ribamar Bessa


Parte I

Os povos indígenas na sociedade


de classes brasileiras

Situarao demográfica.

Nenhum Censo realizado no Brasil se


preocupou em levantar dados sobre a popula-
c;áo indígena. Pela primeira vez, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
para o Censo de 1980, .decidiu considerar a
populagáo indígena, especialmente ,aquela sob

11
o controle da Funda~o Nacional do lndlo - 2. Grupos em contato intermitente -
FUNAI. sáo aqueles que estabeleceram urna
certa distancia das frentes de pene-
Mas entre os anos de 1978 e 1979, o Con· traQáo, mantero contatos esparsos,
selho Indigenista Missionário - CIMI - reali·
nao comerciam ou dependem da so·
zou um levantamento demográfico publicado
ciedade envolvente e continuam a
no jornal PORANTIM (n.º 11, setembro de
1979), dando canta da existencia de urna po- proceder segundo o modo de produ-
pula<;ao de [ 210.360] indios, espalhados por ~áo tribal.
todo o território brasileiro.

3. Grupos em contato permanente -


Falando ~erca de f155 lfnguaSJ diferentes, neste grupo estáo representados a
esta popula<;ao indígena pode ser agrupada grande maioria dos pavos indígenas
em quatro categorias distintas, considerando do Brasil. Sao os grupos que ao
o nivel e grau de contato coma sociedade de longo da história estabeleceram di-
classes brasileira envolyente: versas relac;óes com a sociedade en-
volvente. Estas rela<;óes colidiram
1. Grupos isolados - sáo aqueles povos
que conseguiram escapar do contato com o curso autónomo d.esses pavos,
coro a sociedade envolvente, habitan- romperam o equilfbrio do modo de
tes de regióes de acesso dificil. Sáo produ<;ao tribal e criaram vigorosos
pouco numerosos, vivem plenamente la<;os de subordina<;áo e dependencia
o seu modo de produ<;áo, mas repre- em rel~áo a sociedade abrangente.
sentam o elo mais frágil, já que um Os pavos em contato permanente vi-
contato mínimo pode levá-los ao ex- vero em constante conflito. Conflito
t;ermfnio. de sua cultura original com a cultura
1' ' '

12 '13
da sociedade de classes. Conflito de Situa,áo jurídica.
seu modo de produQáo sem proprie-
dade privada coro o modo de produ-
Qáo capitalista. Conflito por verem o
Existe no Brasil urna institui<:;ao federal
desabamento de seu mundo em traca encarregada de formular e executar a política
de sua entrada na escala mais b aixa indigenista do governo. Trata-se da FundaQao
da sociedade envolvente. Nacional do indio - FUNAI, criada em
J
05-12-67J depois de um escandalo que envol·
veu o antigo SERVIQO DE PROTEQÁO AO
4. Integrados - é urna categoria dis- f NDIO - SPI, acusado de irregularidades
cutível, mas representa aqueles po· administrativas e de colaborar para o exter-
vos que tiveram o seu modo de pro- mínio dos índios ao invés de defende-los.
duQáo inteiramente quebrado e hoje
vendem a sua forQa de trabalho co- Do ponto de vista legal, a FUNAI é con-
mo qualquer campones ou operário. siderada como "tutor do indio", já que o
o fator étnico torna o problema da índio é considerado juridicamente como "re-
integraQáO mais dilacerante, pois lativamente incapaz", is to é, o índio no Brasil
esses povos váo rapidamente desapa- tem a categoria do menor de idade ou dos
recendo, nao por estarem assimila- débeis mentais. Assim, sob o pret xto de ofe-
dos a sociedade envolvente, mas por- recer a prote<:;ao do Estado, ne e aos índios
que desapareceram literalmente en- e
os direitos elementares do cidadao brasileiro...
quanto naQáo, enquanto cultura e até Como se nao bastasse ser considera,do
enquanto criaturas hwnanas. Na ver- pela Lei como menor de idade ou retardado
dade nao existe integraQáO, O que há mental, o indio é vítima de seu tutor. A FU-
é extermínio, genocidio, assassinato N AI nao cumpre coro a sua finalidade: defen-
em massa der o índio.

14 15
Lotada como órgáo do Ministério do Inte- como colocar urna raposa para cuida.r de .um
rior, a FUNAI está obrigada a submeter-se a galinheiro. A FUNAI só pode atuar estreita·
política desse ministério. E o Ministério do mente colaborando com· as grandes empresas
Interior é o responsável pelos projetos de '
interessadas na explorac;ao das riquezas da
"desenvolvimento" e invasáo das terras indí-
terra dos índios.
genas por grandes empresas nacionais e mul-
tinacionais. Numa comparaQao com a situa- A [segi.mda contrad.icao) - e esta é urna
Qáo dos trabalhadores brasileiros, era como se verdadeira armadílha contra os povos indíge-
a política sindical, já tutelada pelo Ministério nas -, está no texto do "Estatuto do fnd.io",
do Trabalho, passasse para a alQada do Minis- nos artigos 2 (v), 17 e 22, que se referem ao
tério do Planejamento. artigo 4 e 198 da ConstituiQáo brasileira, onde
O "Estatuto do fndio", criado pela Lei se le que a propriedade das terras indígenas
n.0 6001 de 1973, mostra claramente as con- é do Estado brasileiro, garantin ovos
tradiQóes da política indigenista do govemo. indígenas apenas a "possessáo ermanente'
das terras em que habitam". A Co i WQáo ·
A primeira contradiQao já foi assinalada: brasileira reconhece apenas a propriedade
a FU AI é um órgao do Ministério do Inte- privada da terra, nao a maneira coletiva pela
rior, como a SUDAM, SUDENE, SUDESUL e qual os povos indígenas entendem a posse de
outras autarquías encarregadas de elaborar
-
..urna J?Olítica em benefício das empresas, es-
um território.
pecialmente das grandes empresas nacionais Como se nao bastasse, o artigo 20 abre
e multinacionais. Desse modo, a FUNAI de-
amplas t>rechas legais para a violac;ao total_
pende das verbas e das decisoes políticas do
Ministério do Interior. Justamente do Minis- dos direitos de posse permanente. Os povos
tério que tem incentivado a exploraQáo eco- indígenas podem ser removidos de seu terri-
nómica das regioes que incluem territórios tório, de maneira permanente ou temporária,
indígenas. O absurdo da situaQ~O é claro, é sob as seguintes cond.iQoes:

16 17
1) por razóes de Seguranca Nacionat (O A política indigenista oficial.
que entendem por S-e gutanca·. Nacio·
nal os governantes de planta.o).
A ConvenQáo 107 da Conferencia Geral da
2) para realizar obras de desenvc:>lvi· Organizac;;ao Internacional do Trabalho -
OIT - sobre a "Protec;;ao e Integrac;;áo das Po-
mento nacional.
pulac;;óes Indígenas e outras populac;;óes tribais
ou semi-tribais de países independentes", a.do-
3) para explorar as riquezas do subsolo tada em Genebra, em 27-06-57, garante as co-
no interesse da sefil!ranc;;a ~acicmaj e munidades indígenas o direito de propriedade

do desenvolvimento nacion~ da terra, tanto "coletiva como individual."
Ainda que o Congresso Nacional tenha
Uma[ierceira contradic;ao] existe, no que aprovaido esta resoluc;;ao, em 1965, e b Presi-
se refere ao usufruto dos bens existentes no dente da República tenha promulgado o de-
território indígena. Enquanto um artigo do creto n.0 58 . 824, de 14-07-66, reconhecendo a
"Estatuto do indio" garante o uso exclusivo matéria, o Estado bra~ileiro nao reconhece
das riquezas pelos povos indígenas, outro ar- como propriedade legal e de direito o regime
tigo e.ria a. "renda indígena". A "renda iridíg·e- tje "propriedade comunal". Neste sentido,
tanto a Constituic;;áo, como o "Estatuto do fn-
~', administrada pela FUNAI, tem ·o ,objeti:
dio" e o "Estatuto da Terra", legiti'mam e
-
vo, pelo menos teórico, de ser destinada em
benefício das comunidades in~genas. ~ ver-
asseguram apenas o regime de propriedade
capitalista.
dade é que a "renda iild.ígena" tem servido Atualmente há urna grande pressáo dos
para golpear o trabalho comunitário, des- povos indígenas, e de seus aliados no campo
viando a máo de obra <lis tribos de sua pro· e na cidade, contra a política indigenista ofi-
duQáo para o consumo comunitário e colocan- cial, pelo seu caráter racista e opressor que
do esta produc;áo e a máo .de obra no merca- nega o direito que estes povos devem ter a
do capitalista. autodeterminac;;áo e a propriedad~ comunal

~1a 19
da terra. Em suas asseml':>léias, as n~Qóes in· (1973)_determinava que a "emancipaQáo" -
dígenas lutam para afirmar seu regime de isto é,. dar aos índios os mesmos direitos de
propriedade comunal frente ao sistema de um cidadao brasileiro -, só podia ser conce-
propriedade privada .capitalista. dida quando solicitada pelos índios; que a
Devido a essas press6es, a FUNAI resol- idade mínima para ser emancipado era de 21
veu modificar o "Estatuto ·do fndio", a través anos e que o Estado, proprietário das terras
de duas medidas recentes que longe de resol· indígenas, deveria garantir a posse por parte
ver o problema, pretendiam acabar com as das comunidades; o "Projeto de Emancipa-
poucas conquistas desses pavos arrasados. Qáo" permitia que esta se realizasse por ini-
Estas medidas eram o "Projeto de Emancipa- ciativa da FUNAl, conforme o interesse das
Qáo" e o "Plano de EstadualizaQáo", ambas comunidades indígenas, reduzia a idade de
apresentadas como atitudes para proteger os 21 para 18 anos, e retirava do Estado a atri-
índios. vamos ve-las separadamente: buiQao de proteger o território indígena, já
que as terras seriam divididas entre os índios
1. O Projeto de emancipaQáO. em par.celas individuais. Eis como o govemo
No final de 1978, o govemo brasileiro entende a propriedade da terra para os ín-
preparava um projeto que era apresentado dios: que seja propriedade privada.
como se fora "destinado a promover a eman- Dezenas de assembléias indígenas foram
cipaQáo dos índios e permitir-lhes o acesso a realizadas em todo o território brasileiro, pro-
propriedade da terra". Em 30 de outubro, o testando contra o projeto. Os líderes indíge-
entáo ministro Rangel Reis propunha ao Pre· nas repudiaram o atentado, afirmando que de
sidente da República mudanQaS substanciais fato e na prática o projeto destinava-se. a
no texto do "Estatuto do fndio". Mas estas "emancipar" as terras dos índios, náo os ín-
mudanQas náo queriam modificar os artigas ,,,.. para eñtregar essas ter ras... as gl-ande;
...dios,
racistas e anti-índio do documento, mas alte- empresas.
rar os poucos pontos do Estatuto que repre- Nas cidades, estudantes, trabalhadores
sentam conquistas dos povos indígenas. 40 comércio e da indústria, antropólogos,
Assim, enquanto o "Estatuto do fndio ., professores, as mais diversas camadas da so-

20
ciedade brasileira também realizaram atos .- - · -1.ntegrat&> for,ada e txtermfnio.
. ... - ..
públicos e comícios contra tal projeto. Tam·
bém no exterior aconteceram protestos. Fren·
te a tanta pressáo, o governo retrocedeu e
arquivou o projeto. A _situac;ao das naQóes indígenas, boje, no_
Brasil, é de permanente Iuta para garantir a
2. A estadualiza~áo: posse sobre seus territórios tradicionais. que
Alguns meses atrás, o ex-presidente da estao sendo invadidos com a expansáo do
FUNAI, coronel Nobre da Veiga, propós "di- capitalismo. ,Principais vítimas do "milagre",
os povos indígenas consideram que a luta
vidir a responsabilidade da tutela dos ín·di.os
com os governos estaduais "; isto é, cada Es· pela terra é a luta fundamental para garantir
tado da FederaQáo deve resolver os conflitos sua própria sobrevivencia.
de terra co'm os· pavos indígenas sob a sua _Enumerar caso por caso das agressóes
jurisdiQáo. Esta medida vem sendo combati- ao território indígenas seria impossível aqui.
·da, pois na prática significa entregar os povos De qualquer modo, é preciso destacar alguns
indígenas nas maos dos capitalistas das pro- dos mais recentes. Enumerando os inimigos
víncias que sempre se mostraram vorazes em dos povos indígenas, vamos descobrir que sao
relaQao as riquezas das na<;oes indígenas, já os mesmos inimigos dos trabalhadores. Sao
que os governos estaduais nao se estabelecem inimigos dos povos·indígenas, além da FUNAI,
autonomamente frente as classes dominantes é claro, o grande capital financeiro, o latifún-
locais. Os povos indígenas que vivero em ter- dio, as grandes empresas madeireiras, as hi
ritório do Estado brasileiro lutam pela auto· drelétricas, as grandes fazendas agro-pecuá·
determinaQáO, quer dizer, pelo direito de eles rias, as 'estradas e ás e·m presas de minerac;áo
mesmos decidirem sobre seu destino, sem
interferencias autoritárias do governo federal
l.· Os Yanomami. ~ Sf.{''- · '
e dos governos estaduais. Do Estado brasilei-
ro. querem apenas que respeite este direito a Os Yanomami ocupam tradicionalmente
autodeterminaQáo. urna extensa regiáo de floresta tropical, na

23
área de ~frontei.ra - entre o ·Brasil e -a Venezuela. !mediatamente, na ·Serra dos Surucucus
Dispersos em mais de 320 aldeias, eles totali- - zona de aldeias Yanomami -, abrem-se di·
zam urna popula~o de aproximadamente versos garimpos de cassiterita. A Companhia
17. 000 pessoas, nos dois países, vivendo em Vale do Rio Doce, sociedade de econcn1ia
.sua :g rande . mª:ioria ~ isolaidos do contato com mista com participagao majoritária do gover·
·a sociedade nacional envolvente. no, entra ·na regiao. Um fato interessante, o
No Brasil, os Yanomami habitam áreas ex-presidente da. FUNAI, coronel Nobre da
.compreendidas no Território de Roraima e no Veiga, na época era o chefe do Servic:;o de Se-
.estado do Amazonas. A populac:;ao desses Ya- guranc:;a da referida companhia.
nomami .no território brasileiro está estima- Diferentes entidades de apoio a causa in-
da em 9.000 pessoas. dígena já apresentaram .orize projetos para a
Em 1974, a Perimetral ' Norte - BR-210, criac:;ao do PARQUE INDfGENA YANOMA·
invadiu _a parte sul do território Yanomami, MI, que foram arquivados pela FUNAI. Nas
levando com ela urna série de doenc:;as, oca- principais capitais brasileiras foram criados
sionando dezenas de mortes. Em 1975, após grupos de apoio ao Parque Yanomami. Nao
a publicac:;ao das investigac:;óes geológicas do faz muito tempo, a FUNAI aparentemente
Projeto RADAM-BRASIL, aconteceu urna de- aceitou a proposta do Parque, e veio com um
senfreada corrida para a minerac:;ao, em pleno projeto propondo a criac:;ao de 21 pequenas
território de Roraima. O coronel Ramos Pe· áreas pulverizando aterra Yanomami, deixan-
reira, a época governador do território, de- do de fora mais de 65 °10 do território desse
clarou: povo, e abrindo espaco entre as 21 áreas para
w

"Minh:a opiniáo é que uma dr.ea -


a entrada das empresas de mineracao. Pelas
consequencias trágicas que o projeto da FU-
rica como esta, com ouro, diamante, NAI acarreta aos Yanomami, a imprensa
uránio, náo pode se. dar ·ao · zuxo de passou a chamar estes espac:;os de corredores
conservar meia dezena de tribos in- da morte. Como se nao fosse suficiente a
.,,dígenas im11edindo o desenvolvimen- agressao da rodovia e das empresas de mine-
l •
ra~ao, foi criado agora o Distrito..Agro-pecuá-
rio de Roraima, com· a pr.eviSáo da· entrada de .na do Lontra estavam atacados por urna vio·
milhares de colonos em ·terras Yanomami. - ·· lenta epidemia de gripe, em consequencia dos
A luta pelo PARQUE YANOMAMI con· e contatos.

tendo toda terra tradicionalmente. habitada


pela nagao Yanomami, é fundamental para a A FUNAI penetrou na área para "prote·
sobrevivencia <leste povo que come~a a ser di· ger o~ índios", mas em 1971 o médico Antó-
zimado em sua própria casa. nio Madeiros, visitando a aldeia Parakana do
Lontra, descobre que dais agentes da FUNAI
2. Os Parakaná tinham contagiado 35 índios com süilis. Co·
mo conseguéncia, nasceram 8 criangas Pa-
Mais de 10.000 índios, pertencentes a 16 'rakaná completamente cegas. Além da gri-
grupos diferentes: Gorotire, Kuben-Kran-Ken, pe e da süilis, muitas outras enfermidades
Menkronotire, Kararao, Assurini, Araueté, foram introduzídas e provocaram mortes. Os
Waimiri-Atroari, Tuxá, Pankararu, Truká, fazendeiros também deram a sua .contribuiQáo
Kaingang, Guarani, Xokleng, Gavioes e ·Para~ civilizadora, envenenando dezenas de índios
kana, estao com suas terras ameagadas pela no rio Cajazeiras. Em 1976, mais de uma de·
construgáo de hidrelétricas planejadas pelo zena de índios morreram de malária, e em
governo para gerar 100 milhoes de Kwatts a 1977, seis morreram de poliomielite e outros
servigo das grandes empresas. 16 foram assassinados sumariamente.
O drama da nagáo Parakaná é represen- A situ~áo é táo grave entre os Parakaná,
tativo quanto as _90nsequencias das hidrelétri~ que representantes da "Aborigene Protection
_cas para os poyas indígenas, Society'', entidade formada por renomados
Povo semi-nómade da regiáo entre os rios cientistas, com sede em Londres, após visita-
Tocantins e o Xingu, os Parakaná se manti- rem a aldeia Parakaná, em 1972, conc1u<ram
nham relativamente isolados até o momento que este povo estava em acelerado processo
em que a Transamazónica desabou sobre eles de extinQao. Agora, com a construQao da hi-
como o inferno. Mais de 200 índios foram drelétrica de TUCURUI 1 os Parakaná já foram
mortos, e em abril de 1979, 95º/o dos Parajta~ transferidos ·quatro vezes, para áreas düeren-

26
-tes. facilitando a· entrada das empresas cons-
trutoras. -
O grande latüúndio, apoiado por políti·
cos, tanto do Partido do governo como "opo·
sicionistas", com a cumplici·dade da FUNAI e
3. Outros povos indígenas. do próprio Estado, está invadindo e expro·
priando pela violencia as terras indígenas, em
No Maranhao e norte de Goiás, empresas conflitos tao ferozes que empalidecem a pe-
multinacionais, como a SWIFT, MINERAQAO netra.Qao do Oeste dos Estados Unidos no sé-
BADIN, AGROPECUARIA AMÉRICA DO SUL, culo passado.
esta.o invadindo território indígena. Em janei- Em Mato Grosso, empresas agro-pecuá·
ro de 1979, os fazendeiros envenenaram um rias como TAPIRAGUAIA S.A., BODOQUENA
__?acho de bananas matando 5 índios Guajá. S. A., XAVANTINA S. A., está.o tomando pela
Ac;úcar envenenado, roupas contaminadas, violencia as terras dos Xavante, Bororó, Ta-
produtos químicos desfolhantes e tóxicos, pirapé e Karajá.
sao algumas técnicas para eliminar os pavos Com as grandes empresas invadindo o
indígenas, segundo denúncia da regional mara- território indígena, o processo se completa.
nhense do Conselho Indigenista Missionário Antes, chegaram as escalas da FUNAI e do
- CIMI. governo, sem esquecer a de certos missioná·
rios retrógrados como os salesianos do alto rio
Na última assembléia geral do Conselho Negro, Amazonas, com o objetivo de romper
Indigenista Missionário - CIMI, realizada e minar as culturas indígenas, demolindo sua
em julho de 1979, em Goiania, o bispo para· resistencia espiritual, da mesma forma que a
guaio, ·dom Alejo Obellar, depois de ouvir <is tuberculose arrasa.u sua resistencia física. ~
·denúncias dos crimes cometidos na regiao do uma educaQáo colonizadora, arrogante, nao se
estado do Acre, por empresas como a 00- preocupa com o ensino bilíngue, nem mesmo
PERSUCAR, MANASA, PARANACRE, COLO- com algum tipo de dosifica<;ao do uso da lin-
NIZADOR.A ITAPIRANGA e outras, excla· gua do recinto da escola. As aulas sao minis·
mou:
tradas em portugues, num modelo de ensino 1
"Nao é possível. Isto é um genocidio". que é o mesmo das grandes cidades, com as

. 28 29
mesmas matérias, os mesmos livros e 'llate- material, construir . ambulatóiios, resolver
riais didáticos. O objetivo dessa es.c ola insul- essas necessidades que ·a omissáo deliberada
tuosa é a destribaliza9áo, é converter o indio, do poder público nunca soluciona, quando o
transformá-lo em brasileiro. Esta escola, onde trabalho do CIMI é bem outro, um trabalho
quer que exista, é urna fábrica macabra de. difícil de fazer crescer a consciencia do pro-
caricaturas de "civilizados", que buscará.o a blema indígena junto comos próprios índios,
cidade para viverem marginalizados, como sem paternalismo, sem imediatismo, no res-
máo de obra barata do exército de reserva. peito a peculiaridade das naQóes indígenas.
Apenas na cidade de Manaus, segundo urna Um ,outro expediente usado pela FUNAI,
recente investigaQáo da Universidade 'ª ºAma- é cooptar pela corrupcao as lideran9as indí-'
zonas., existem 10 mil índios na triste situa9áo _genas que vao aparecendo e ainda nao conse-
de destribalizados, se.m casa, sem família., guiram a maturidade. Vários líderes do nor-
sem língua, sem memória, sem nada: mortos deste já receberam propostas em dinheiro,
vivos. alguns aceitaram. outros recusaram. Na im·
A mais recente tática da FUNAI procura p ossibilidade de calar a boca de todos os líde-
romper a nascente unidade das lideran9as in- res indígenas a bala, a FUNAI está tentando
dígenas. Na gestáo do coronel Nobre da fazer isto com dinheiro. E para urna autar-
Veiga, a FUNAI foi invadida por agentes do quía como a FUNAI, onde sempre estáo re-
Servi90 Nacional de InformaQóes - ~ clamando da falta de verbas, é estranha a _
nao para espionar os funcionári,os em seus prodigalidade com que o dinheiro aparece
desmandes, nem mesmo espionar as lideran· ·q uando é preciso calar um l:íoder tagarela. Mas
Qas indígenas, mas engajados na prepara9áo nao é difícil saber de onde vem esse dinheiro
de urna estratégia que isole os ~ovos indíge· providencial. Outro costume recente indica a
genas dos movimentos que os ap iam. No nor- procedencia. Agora, quando surge um ~onfli­
deste, estes agentes come9aram um trabalho to, a FUNAI imediatamente organiza selecio-
meticuloso jogando ps índios contr~ o pes- nada comissáo de políticos do PDS, patróes e
soal do CIMI, informando erroneamente que Iatifundiários, que age abertamente no Con-
o CIMI tinha obrigaQ~<? .d~ dar assistencia gresso, pela imprens~, na própria área con-
.30 ~31
flitada, defendendo os interesses do capital
financeiro contra os povos indígenas~ Os po-
derosos, frente a crescente organiz~ao e re-
sistencia dos povos indígenas, também estáo
se organizando.

Parte II
X

' A luta dos povos indígenas do


Brasil contra o capitalismo

Organizafáo e resistencia.

Os povos indígenas do Brasil comeQam a


con1preender a necessidade de organizar-se
para resistir a investida das empresas capita-
listas que expropriam suas terras para - de-
pois de separá-los de seus meios de produQáo
-, tra.nsformá-los em mao de obra barata,

32 33
exterminando-os dessa forma como povos e O líder da naQáo Pareci, Daniel Matenho
arrasando sua identidade étnica. Cabixi, falanc;lo a respeito das "assembléias
Em sua organizaQáo, guardando as espe- como armas de luta", destacou que elas esta-
vam servindo como instrumentos. para a apre-
cificidades históricas ·de cada povo, eles assi- sent~Qáo dos problemas e a busca de alterna-
milam métodos de luta e mobilizaQáo dos tivas para resolv&los, além de permitirem a
operários e dos camponeses. comunicaQáo entre as diversas na<;óes, crian-
do condic;óes para analisar a atua~áo da FU-
ra
-
E m abril de 1974, foi realizada a primeí-
grande
.

assembléia plnri-nacional dos po· N Al e dos missionários.


vos indígenas do Brasil, ero Diamantina, Mato É preciso destacar, e este destaque sem-
Grosso. A partir desta data, até boje; já fo- pre será pequeno, o papel revolucionário do
ram realizadas 13 assembléias ampliadas,
Conselho Indigenista Missionário - CIMI,
além ·d e dezenas de assembléias em cada pa-
na organizaQáo e un1dade da luta indígena.
vo indio.
Este atuante setor progressista da Igreja Ca·
Na 3.ª assembléia, realizada ero Meruri, tólica, estabeleceu urna nova prática ·de evan-
JYiato Grosso, o líder da naQáo Bororó, Txe- gelizac;ao, fugindo do dogmatismo colonizador,
bae Ewororo, em seu discurso, declarou que e entendendo a evangelizac;áo como a divulga-
estas assembléias amplas "estavam desper· c;áo da boa nova, da boa noticia. Esta postura,
tando a consciencia dos índios". vivenciada ao lado dos povos indíg·enas, indica
A partir da 7.ª assembléia ampla, reali· que a boa nova evangélica está ero ~evar aos
zada em Surumu-RR, território de Roraima, povos indígenas nao a esperan<;a numa vida
reuniao que foi dissolvida pela FUNAI e a depois da marte, mas o· conheci'mento de seus
Polícia Federal, comeQou um ,clima crescente
·-
problemas, de seus inimigos e a consequente
de repressáo contra a umdade e a organizaQáo organizaQáo para a. luta. O Conselho Indige-
dos indios no Brasil, sem no entanto impedir nista Missionário - CIMI, vero apoiando as
a coesáo e a mobiliza.Qáo desses pavos. assembléias, be1n ,como as lutas pela recon-

34 35
quista de terra e autodeterminagao. Todos o seu terr1t6rio na ilha de Sao Pedro, em Ser·
aqueles que desejarem participar ao lado dos gipe.
povos indígenas na luta contra a agressao
capitalista, terao muito o que aprender com Mas estas vitórias parciais também
o Conselho Indigenista Missionário - CIMI. custaram sangue dos indios e dos que com-
É possível dizer que nenhum esforgo canse· batem ao lado deles. Enquanto oprimidos, os
quente poderá ser efetivado sem a participa- povos indígenas também tiveram a sua cota
~ªº deste órgao da Igreja. de mortos, como os trabalhadores brasileiros
já tiveram o seu Manoel Fiel Filho e Santo
Em suas assembléias, os Kaingang de Dias. Em 15 de julho de 1976, 62 fazendeiros
Nonoai, Rio Grande do Sul, decidiram expul· trucidararn o indio Simao Cristino, da nagáo
sar os invasores de seu território, em 1978; Bororó, e o Pe. Rodolfo; meses depois foi
os Guarani expulsaram duas grandes compa- assassinado por PMs e fazendeiros o Pe. Bur-
nhias madereiras de suas terras; em junho de nier. Em dezembro de 1979 o líder da na<;ao
1979, os Kaingang de Chapecó obrigaram o Pankararé, Angelo Pereira Xavier, foi assassi-
chefe da FUNAI a renunciar, e durante dez nado em Brejo dos Burgos, Bahia, quando
dias assumiram a direQáo do Posta; em Peruí- saía em defesa das terras de seu povo; em
be, julho de 1979, os índios atacaram urna fá· janeiro de 1980, .Angelo Creta, jovem líder da
brica de aguardente, armados de tacapes e nagao Kairtgang de Mangueirinha, Paraná,
terQados, incendiando 15 mil litros de cacha- cujas terras estao ocupadas pela Madeireira
Qa e destruindo o alambique de propriedade SL...t\.VIERO, também foi assassinado. Neste ·
de Joáo Seguro. Em janeiro de 1980, os Xa- momento, vários líderes indígenas estlío
vantes expulsaram de suas terras a Fazenda a,mea<;ados de marte, como é o caso do líder
Xavantina, tendo o governo federal desapro- Macuxi, Tomás, que defende as terras de seu
priado e assinado decreto de criac;;ao da Re- povo .cont ra a invasao do fazendeiro Newton
serva de Parabubure, e os Xokó recuperaram Tavares, em Roraima.

36 37
A terra e a autodeterminafao. 2. Griladas: terras indigenas invadidas
mas onde a posse pelo invasor ainda depende
de regulariz~ao.

Present~ente as terras indígenas podem 3. Expropriadas: terras invadidas e rou·


hadas das na<;5es indígenas, onde a posse e o
.. ser divididas em trés situaQ6es concretas, dominio já estáo legalmente nas máos dos
exatamente aquelas situaQóes que marcam o
invasores.
grau de penetrac:;ao da frente de expansao d o
capitalismo no campo brasileiro. A história Há urna lógica diabólica por trás destas
da terra dos povos indígenas é um capítulo trés situaQ6es em que as terras indígenas se
d a história da terra no Brasil, o que faz com
que a problemática indígena se coloque ent~
encontram no Brasil. Estas tres situa<;6es ao
-
!Jivés de configurarem urna alternativa, repre-
os problemas do campo, ao lado do campe- sentam um movimento, urna escalada. En·
s inato brasileiro, e ao mesmo tempo se con- quanto grupos de populaQao espalhados pelos
figure como algo em separado, pelas caracte- sertoes, as nac;6es indígenas esta.o sujeitas ao
rísticas histórico-culturais das populac;6es processo geométrico do capitalismo, onde a
indígenas. Mas no avanQo atual das forc;as .terra deve ser convertida em mercadoria. Co-
produtivas, ....a guestáo indígena no Brasil dei- mo a forc;a de t rabalho dos operários, as terras
xou de ser um fenómeno etno~ráfico para indígenas há muito já entraram no cálculo do
, interessar aqueles que lutam pela transfor· capitalismo, da mesma forma que as terras
~mac;ao da sociedade brasileira. devolutas. A ocupac;ao de terras, como é rea-
lizada no Brasil, é fruto do modelo de desen-
A terra dos indios pode ser assim apre· volvimento económico que já vem sendo apli·
sentada: cado no país há muito tempo, bem antes do
Golpe de 64. Este modelo prefere a ocupaQao
1. Ameagadas: sao aqueles territórios de terras na fronteira económica do que a re-
ainda nao invadidos, mas situados em visáo da estrutura ·f undiária de alta concen·
áreas minerais ou cobiQadas por fazendeiros. trac;áo, com poucos Iatüundiários senhores de

38 39
l imensas glebas e um enorme contingente de há ricos nem pobres, exploradores e explora-
Ltrabalhadores com pouca ou nenhuma terra. dos. Quando a frente económica do capitali&-
A lógica diabólica agora ·fica clara: o ca- mo se intromete na terra indigena, o modo
pitalismo está definindo a natureza social e de produc;ao capitalista também invade junto,
histórica da terra indígena, independentemen· introduzindo brutalmente a propriedade pri-
te da vontade dos indios. A terra dos índios vada, rompendo com a produc;ao comunitá-
é urna relagao social ordenada pelo capitalis- ria, voltando essa produgao para o mercado
mo como dominac;ao. Trata-se, portanto, de e reduzindo os índios a meros assalariados
urna rel~ao política. Ao situar politicamente na mais ínfima escala. Para um indio, que
o problema, o capitalismo indica a forma de nunca compreenderá a propriedade privada,
combate-lo. E este combate político, que por exemplo, será urna arbitrariedade sem li-
nasce do confronto económico, só terá f orQas mites a venda de sua forQa de trabalho. É
_,q uando for assumido pelos trabalhadores. aqui que se coloca o fator chave de sua marte
Sao eles, junto aos índios, a única forc;a ca- enquanto membro de urna naQáo. A obstina-
paz de barrar o genocí·dio .dos povos indíge- gáo das naQ6es indígenas em conservarem o
nas e efetivamente encaminhar a luta indíge- seu modo de produgao, sem propriedade pri-
na para a sua autodeterminaQáo enquanto vada, .c riou u·m ódio subjacente na ideología
naQ6es. Do ponto de vista social, a participa- do capitalismo. Cada naQao indígena é um in-
Qáo dos trabalhadores é ainda mais relevante, sulto ao capitalismo que diz que a proprie·
posto que a tragédia indígena nao apenas é a da<ie privada é sagrada, cada nagáo indígena
resultante das formas de ocupaQao de suas que luta pelo seu modo de produQao comu-
terras, mas trata-se de um choque entre mo- nitário é urna pequena Cuba a dar mau exem-
dos de produc;ao diversos e antagónicos. As plo aos outros explorados.
nagoes indígenas no Brasil, como um todo, Mas se os capitalistas abominam os po-
reproduzem-se dentro de um modo de produ- vos indígenas por este fato, os trabalhadores
c;ao sem propriedade privada, voltado para a engajados na· luta dos índios tem muito o que
subsistencia da oomunidade. Entre os pavos aprender com essas naQ6es. Aprenderá.o como
indígenas nao há patróes e empregados, nao :1 conseguiram resistir durante séculos, e cmno

40
historicamente mantiveram sociedades com- para a massa, declarou que "a luta do povo
plexas, culturalmente brilhantes, com urna Kaingang é a !uta de todos nós", referindo-se
eficiente tecnologia, integrados ao meio am· aos operários da constru~áo civil presentes
biente, sem propriedade privada e sem explo- ao ato e que estavam em seu quinto dia de
ragao de seu semelhante. Há um re-encontro greve.
no futuro entre os trabalhadores brasileiros e Os Sateré-Mawé, do rio Andirá, Amazo-
ps povos indígenas, e a luta pela sobreviven- nas, dirigiram urna carta assinada pelo líder
cia desses pavos, conduzida ~los trabalhado- Antonio Ferreira, aos estudantes e antropó-

res, será a luta para garantir este re-encon- logos, solicitando apoio contra o projeto de
tro. construgáo da rodovia Maués-Itaituba, que
Os pavos indígenas do Brasil já compre- corta suas terras em beneficio dos plantado·
enderam que o principal inimigo é o sistema res de guaraná.
capitalista, apoiado sobre a propriedade pri-
1
Sintetizando estas experiencias, o bispo
vada dos meios de produgao. Eles sabem que de Sao Félix do Araguaia, Pedro Casaldáliga
a sociedade brasileira nao está divtdida entre declarou:
"brancos" e "índios", mas entre explorados e
exploradores, entre os que tem os meios de "A luta indígena, a luta operdria
produQao e os que apenas tem a sua f orQa de e a luta camponesa sáo uma só luta,
trabalho. Para os índios a sociedade capita- pois sáo lutas do povo oprimido,
lista é completamente absurda. marginalizado, sem voz e sem vez,
Por esta razáo, ainda que mantenham a classe explorada, máo de obra bara-
especificidade de suas lutas, os índios estáo ta, povo a servir;o do lucro do capi-
buscando seus aliados natur_ais: os operários, talismo nacional e internacional".
os camponeses sem terra, os estudantes, etc.
E assinalou:
Em dezembro de 1979, num ato público
realizado em Curitiba pela criagao do Parque "Em virtude dos povos indígenas
Mangueirinha, o líder Kaingang, assassinado constituirem uma cultura diferente
quarenta días depois, Angelo Cretá, falando da nossa, estas lutas tém algumas di-
\
13
ferenr;as que devem ser levadas em Nacionalidades e estado brasileiro pluri-
contan. nacional.
Por fim, declarando que todos
esses setores esta.o interessados na
construQáo de wna sociedade sem
classes, disse que: !~as últimas assembléias indígenas, como
"A única garantia para a sobrevi- a realizada em janeiro de 1980 na cidade de
véncia dos povos indígenas, é a uniáo, Manaus, Amazonas, o tema principal das dis-
garantia que pode nao ser suficente, cussoes foi o problema da autodetermina.Qáo e
pois os setores que váo construir esta nacionalidade. Os estudiosos da questáo indí-
sociedade devem estar conscientes da gena, por seu lado, também colocaram o deba-
existéncia de diferentes na<;óes den- te sobre este problema como urna questao do
tro do Brasil". mo1nento atual, desenvolvendo urna série de
perguntas: em que medida é possível se falar
Por estas razoes, os povos indígenas lu- em naQ6es indígenas no Brasil? O que é que
tam pela autodeterminaQáo. Eles descobri· entendemos por "minoría étnica" e "nac;áo"?
ram que a !uta pela terra é fundamental, in- Quais os critérios quantitativos e qualltativos
dispensável, necessária, mas nao é suficiente para a definigao de urna "naQao"? Que é que
para que eles continuem vivendo como po- entendemos por '' autodeterminac;ao dos pavos
.vos. Em algumas áreas onde a terra indígena indígenas"? E já que nao basta definir auto-
- já foi demarcada, a intervenQao da FUNAI, determinaQao apenas como "o direito que cada
.no-meando arbitrariamente os chefes indíge· povo tem de decidir sobre seu destino hist<).
nas, interferindo na organizaQao política das rico", se faz necessário, no processo .da luta,
comunidades e controlando diretamente todo determinar para o caso concreto do Brasil a~
__!l pro.cesso de pÍoduQao e comercializag§l<i: características da autodeterminacao desses
retira completamente a autonomía desses po- povos, .como por exemplo, se apenas ficará
yos e os transforma em mao de obra barata a _gmitada a definir o direito do uso dª lÍilgua
serviQo da FUNAI. ~riginal na escola, ou vai mais fundo: garante

45
a perman~ncia dos mecanismos internos do func;áo e uso das linguas em questao e a aqui-
poder tribal e o modo de produ<;ao, perma- siQá.o por parte desses pavos do portugues
necendo com os pavos indígenas o direito de como segunda Ungua.
organizar sua própria economia e de pontro-
)ar seu processo produtivo.
Evidentemente, sao os próprios pavos
indígenas que deveráo dar as respostas atra·
vés de reivindicac;;óes concretas. No ano passa-
do, urna sub-comissáo de antropología da
Universidade do Amazonas redigiu um do-
cumento, reivindicando que os pavos indíge-
nas no Brasil deveriam ser reconhecidos como
nac;;óes, admitindo que isto só seria possível
num Estaido brasileiro realmente democrático
e popular, que se reconhecesse como Estado=-
?luri-Nacional.
O reconhecimento das nac;;óes indígenas
QOmo nacóes, além de ser _a µtiica garantía
para a posse efetiva do terrjtório, implicaría
urna redefini<;ao imediata da política indíge-
nista e a consequente definiQáo do que se
entende por relativa autonomia destas na-
~óes.. a elaboraQáo de alfabetos para as lín-
guas indígenas, a formulac;áo de urna política
de comunicagáo, divulgagáo e educac;áo onde
seriam respeitadas e usadas as línguas indí-
genas, a criagáo de toda urna infra-estrutura
para a execuc;ao desta política, a definic;ao da

f.7

Falam os Indios

Mário Juruna, Megaron e Marcos Terena

em depo-imentos recolhidos e apresentados por


Memélia Moreira
. MARIO JURUNA

Com 41 anos de idade, líder da comuni-


dade indígena de Namukurá, na reserva de
Sao lVIarcos em Barra do Garga (MT), o caci-
que xavante Mário Juruna dispensa apresen-
tru;óes. Há mais de seis anos ele apareceu no
cenário político nacional tecendo observa-
g6es sobre o problema indígena e criticando a
política oficial do órgao tutor.

"Estou cansado de lutar. Acho que vou


parar e ficar numa terrinha, cuidando da fa-
mília. E stou cansado mesmo, a gente f ala,
f ala, f ala, e Funai náo resolve nada. Passa um,
passa outro, sem·.pre prometendo e nada acon-
tece. A gente vai só morrendo. Xavante antes
era muito, tinha muita c;aQa, muita comida,
hoje a gente está esprimido, náo tern mais pa-
ra onde correr, tem gente para todo lado. Pa-
rece mesmo que a Funai quer que todo índio
morra. Mas acho que náo se vai morrer
assim, sem 11iais nada, a gente ainda vai bri-
gar muito. Olha, xavante sempre brigou mui-
to, desde os tempo do SPI (Servigo de Prote-
c;fio aos tndios). Depois vem mais outro para

51
brigar, como os kaingang, lá no Paraná. Ma- Vive igual índio, tutelado do marido, .t em que
taram o Kretá, mas já tem outros. se emancipar mas tem que cuidar dos meni-
Emancipagáo nos, nao pode deixar isso. A gente náo pode
Eu sei que a Funai quer dar emancipa- deixar de ser indio. Eles váo morr~r, váo ficar
gáo para nós para se ver livre de nós. Eles com muita raiva, mas a gente vai ser índio.
pensam que a gente é cachorro, que vai ficar Acho que esse negócio de emancipagáo é mui-
por aí solto. Eu náo vou pedir emancipagáo. to ruim m.esmo, porque se f os se bom, Funai
Funai tem obrigagáo de pagar as coisas nos- náo f azia tanta briga para emancipar. Funai
sas. Todos brasileiros tem obrigagao, porque nunca faz briga quando é para coisa boa de
tomaram tuda que é nosso. Antigamente, no índio. Quando brigam muito, pode ver, é
terr.:po dos avós, toda terra era nossa, aí che- coisa ruim para índio. Eu acho grac;;a, porque
garam os portugueses, levaram tudo, só so- eles pensam que índio ainda acredita neles.
brou um pouquinho para . nós. Acho que a Indio náo é besta náo, náo acredita mais na
f unai quer emancipar para a gente vagor im- Funai. A gente sabe quando eles mentem, mas
posto. Parece que só presta quem paga im- a gente ainda espera.
posto. indio nao pode pagar imposto, pode
ficar na terra o tempo todo, nao deve pagar Funai
imposto, brasileiro é que devia pagar imposto
porque tomou nossa terra. É nosso direito fi- Fica todo mundo trabalhando aí, ganhan-
car na terra. Eles querem. emancipar nós, mas do dinheiro para dizer que está cuidando de
nao é para ·melhorar, é para piorar. Se fosse_ .índio. N áo é verdade. E les náo gostam de re·
para a gente depois ficar como presidente da ceber índio, gritam com a gente quando a
funai, e§Já certo, mas nao é. Indio náo é gente vai ver os nossos direi'tos. Eles tem que
crianga, mas esse negócio aí dessa emancipa· pensar que _no dia em que os índios se acaba· _
<;tia é ruim. Eu acho que todo mundo é eman· rem, eles náo tém mais emprego. Esse di-
cipado, tem que se emancipar, mas nao é pa_ra nheiro que eles ganham, é dinheiro dos índios.
tomar nossa terra. É para viver melhor. As Eles só trabalham porque tem índio. Eles se
mulheres, elas também tem que se emancipar. aproveitam disso,_tem carro, casa boa. O que

53
1)

é que indio t em? Nada, eu náo tenho nada. dios. Náo podem esconder. Af eles ficam com
Eles náo conhecem comunidade, náo conhe- raiva porque eu viajo e conto para todo mun-
cem costume nosso, náo sabem f alar língua do as maldades que eles fazem. Eu visito to-
nossa, ficam aí sentados o dia inteiro f azendo dos os índios, em todo lugar. Aí eles querem
coisa contra índio. Roubando coisa de índio, me tirar da lideran~a, f azem campanha den-
a nossa terra. Eles roubam e náo váo para tro da aldeia para eu náo ser mais che/e. Mas
cadeia, como a doutora Laia (aidvogada Laia eles náo pcdem. f azer is so. É dijerente com os
Mattar Rodrigues, indiciada em processo de índios, a gente náo tira os chefes assim como
corrupgao por ter participado da venda de 80 os brancos. FOi o coronel Anael (coronel
mil hectares de terra dos xavante de Pimen- Anael GonQalves, assessor da Funai) para me
tel Barbosa), roubou e está aí, toda fe liz, tirar de ser chefe. Acho que eles náo conse-
ainda está mais importante, trabalha no Mi- guem. Mas se a comunidade quiser que eu
nistério do Interior. É assim. Podiam até te- saia, eu saio, mas eu vou continuar contando
. char a Funai que náo faz falta para índio. as coisas dos índios. Acho que eles queriam
Esse coronel (Nobre da Veiga, ex-presi- até que eu morresse, aí eles podiam f azer tudo
dente da Funai) náo gasta de índio. Entáo que é maldade.
por que vai trabalhar na Funai, só para ficar
rico? Ele grita com índio, náo atende direito, Missionários Salesianos
vive zangado. O que ele tá fazendo? Nada. Ele
só tira terra dos índios, censu ra quem é Eles fazem tudo que a Funai quer. Agora
amigo dos índi os, briga com tqdo mundo que acho que eles náo prestam. Ensinam a gente
quer ajudar nós. E le perdeu, eu fui par a o a rezar, todo portugues chegou aqui ensinan-
Tribunal Russell. Ele náo queria que eu f os se do rezar, mas f oi ficando com nossa terra,
para eu ficar calado, para eu náo contar para roubando nossas coisas, matando gente. Pa~
-
todo mundo que maldade estáo f azendo com ra que ensinam a rezar, só para índio ficar
os índios. Ele ficou irritado porque eu fui . besta, náo brigar. Tem uns padres que sáo
para o tribunal. Eles pensam que podem es- bons, mas eles sáo poucos. Ve o que eles fa·
conder as eoisas ruins que f azem com. os ín- zem lá com o pessoal do Alvaro (Álvaro Mo-

55
reira, ·cto· grupo 'tukano, do · Alto Rio . Negro), branca sempre pensa em passar por cima do
ensinam a rezar, tiram a língua do índio, .en- seu irmiio, náo resp-eita nada, vai sujando tu-
sinam portugués, tnas estiio deixando as me- da, terra, os rios, tudo. _Onde branco chega,
ninas sairem para trabalhar em Manaus e de- depois tem sujeira. Eu quería ver as leis dos .
pois ficar com doenga de branca porque fi- brancas, quería ver as leis dizerem que bran-
ca1n prostitutas. Muito antes deles ensinare11i ca é melhor do que índio. Mas eu já estou
rezar eles deviam lutar por nós, ver os nos- cansado, mas nao vou parar agora. Eu sei que
sos direitos. Eles fazem tuda mesmo que a eles querem aproveitar de mim, mas nao vou
Funai quer. Parece crian(;a, niio sabem pensar deixar. Todo dia es tao f alando de mim, mas é
sozinhos. porque eu denuncio coisas ruins dos brancas
e acho que só vou acabar de jalar quando es-
Tribunal Russell tiver bem. velhinho, quando ·morrer. Aí cacique
Mário Juruna nao vai jalar mais. Aí eles vao
Ninguém queria que eu fosse. Fizeram gastar."
campanha, mas nossa campanha foi melhor.
Agora eu quero saber para que /oi esse tribu-
nal.. Aqui parece que ninguém respeita nada.
Eu ainda niio vi o. resultado. Foi bom ir para
o tribunal. Em todo lugar índio está igual,
todo mundo roubando índio, parece mesmo
que índio nao é gente igual a branca. Todo
mundo f alou no tribunal que índio está per-
dendb terra. Branco pensa que é dono de
tuda, vai chegando, tomando terra, tomando
m.u lher, vai levando tuda. Só deixa terra ruim
para índio. Mas eu vou dizer, índio · é igual
branco. Nao é todo mundo filho de Deus?
indio · é até · melhor do que branco porque

57
MEGARON 1neu povo. Falava com meu povo que a estra-
da passaria na cachoeirinha e pediu para eles
rnudarem da aldeia para outro lugar, enquan-
to a estrada vinha chegando. Em 1967 os fa-
Megaron foi criado para "pacificar" os zendeiros comegaram a abrir a f azenda Agro-
brancos, como ele mesmo diz. É wn futuro pexim. Daí meu p essoal comegou a ir traba-
chefe txukarramáe, sub-grupo kaiapó gue vive lhar naquela fazenda, em 1968. Meu pavo co-
no norte do Parque Indígena do Xingú, no megou a f azer outra aldeia. Meus tios, Kruma-
;Pesto Indígena do Kretire. Sobrinho do caci- ri e Kremuro nao gostaram muito da mudan-
gue Raoni, Megaron ten1 25 anos e já partici- ga, eles queriam morar na terra deles mesmo.
pou d.e alguns ataques feitos pelos índios con- Eles niío gostaram porque eles saíram da
tra as fazendas que cercam o parque. Seu de· aldeia antiga que era o Kapoto para a ca-
poimento foi feito por escrito, embora Mega- choeira ( cachoeira Von Martius, f armada pelo
ron nunca tenha ido a escola. Seu sonho é rio Xingú). Depois da cachoeira para Porori,
ensinar portugues para as crian<;;as do Xingú que ntio era aldeia deles, era aldeia antiga dos
para que um dia elas nao sejam enganadas jurunas. É por isso que náo gostaram mu.ito
pelos brancas, como ele mesmo diz. da mudanga. Resolveram morar no rio J arina.
A BR-080, que deveria ligar Brasíla a Ma- Err.. 1969 para 1970 a estrada chegou no rio.
naus, é o grande problema desses indios e Logo que a estrada chegou no rio pessoal reu·
Megaron comeQa falando dela: niu para atacar a estrada. Meu tia Raoni falou
para pessoal nao fazer isso. Pediu para espe-
A Estrada e as brigas de meu povo com rar para ver o que ia acontecer. Quando es-
os caraibas da estrada BR-080 trada atravessou o rio, pessoal resolveu ata-
car pessoal da estrada. Foram lá, pegaram
D esde que essa estrada cortou o parque barco e levaram para aldeia. Meu pavo mu-
meu povo vem brigando com os caraíbas dou de aldeia pare estrada passar na cachoei-
(branco). Antes da estrada 'fXLSSar o Orlando ra. Caraíba em vez de passar lá passou bem
(Orlando Villas-Boas) já vinha jalando com. perto da aldeia cortando parque. A estrada

58 S9
passou perto da aldeia do meu povo e passou ra Cláttdio que nao estava gastando da estra-
bem em cima das rogas dos jurunas. da. Meu tio foi com seis pessoas olhar a inau-
N essa época eu estava morando no posto guragao. Falou com presidente da Funai (ge-
Leonardo (Posto Leonar·do Villas-Boas, ao sul neral Bandeira de Mello) 1 jalou com ministro
do parque do Xingú). Eu trabalhava com Or- do Interior (Costa Cavalcanti) dizendo que
lando naquele tempo. Mas quando meu povo nao estava gastando muito da estrada. Mas
tomou o barco da estrada. Orlando_ pediu para eles f alaram com meu tio que a estrada era
eu ir para junto com Cláudio ( Cláudio Villas- bom, que pela estrada Funai ia mandar coisas.
Boas) para conversar com meu pessoal, para E como sempre acontece com os índios, eles
eles devolverem o barco. Antes de nós irrnos enganaram meu tio, f alando que a estrada era
para a aldeia, pessoal da estrada f oram atrás bom. Em. 1971, 1972, Orlando falou para meu
do barco, ·mas o pessoal nao deixaram ele.s ti o que da estrada para cima era do parque,
encostar e nao entregaram o barco. Deram que a terra que estávamos morando nao era
tiros no pessoal da estrada e ele~ voltaram pa· mais nossa. Mas como eu já disse que antes
ra a estrada e pediram para Orlando e Cláu- do rneu povo mudar de aldeia do Porori, meus
dio para os dois irem conversar com meu tíos J(rumari e Kremuro ti.nha separado
pessoal. Orlando pediu para Cláudio ir na aldeia. Em janeiro de 1972 Orlando mandou
aldeia para conversar com m.eu tio Raoni. Or- f azer um sub-posto perto da estrada, para bai-
lando pediu para eu ir junto com Cláudio. Aí xo da aldeia dos juruna. Quando nós chega-

-
foi Cláudio, eu e Mairaue - <líder kajabi que
também vive no Xingú). Fomos de aviao até a
mos nesse lugar já estava todo mundo doente,
eles tinham pegado gripe muito f orte na es-
estrada e de lá f omos de barco até aldeia do trada. Esta gripe matou seis pessoas. Esta f oi
meu povo. Quando nós estávamos chegando a primeira gripe que m.eu pessoal pegou da
na aldeia, todo mundo estava armado para estrada.
atacar, mas como viram que era nós, eles nao Eu fiquei nesse sub-posto até pessoal f a-
atiraram em nós. Chegamos na aldeia e Cláu- zer roga. Fiquei seis meses ajudando meu po-
dio conversou com m.eu tio Raoni para ele de- vo. Quando chegou chefe do pos to, eu entáo
volver o barco. Ele deu o barco mas falou pa- fui para posto Leonardo outra vez. O chefe do

60 61
posto era Sidney (sertanista Sidney Possue- dos de arma e aí meu tio Kukrit mandou duas
lo) . Logo que pessoal mudou de aldeia os fa- pessoas ver o que eles estavam fazendo. Quan-
zendeiros invadiram o río abaixo da estrada do eles chegaram lá, o K remu ro ficou bravo
BR-080. com eles. Aí o pessoal f alou para ele ficar cal-
Mas o meu pessoal náo parou de brigar. mo que Kukrit ia conversar. Pessoal levou ca-
Eles sempre ficaram vigiando o rio, da estra- noa para pegar meu tio K ukrit que estava
da até a cachoeira. Depois que a estrada atra- do outro lado do rio, quando ele chegou, per-
vessou o rio Xingú e o meu povo mudott para guntou o que estava acontecendo, Kremuro
cima, apareceu todo tipo de gente para cagar r espondía que o nosso pessoal do Kretire
onga, para pescar e até comegaram a abrir as queriam matar filho dele que estava traba-
f azendas. Tinha alguns índios que achavarn lhando na estrada. Era mentira. Filho dele,
bom., t inha outros que náo gostavam muito. enquanto eles discutiam, caraíba náo entendia
Aqueles que achavam bom é porque queriarn nada. Kukrit falou para Kremuro esperar que
as coisas dos caraíbas e aqueles que náo gos- ele ia chamar meu tio Raoni, avisar meu tio
taram muito só queriam a terra deles. Em para eles brigarem. Mas o genro de Kremuro
1972, 1973, pessoal do Jarina pegou sarampo náo deixava, falava para Kukrit: jala com Rao-
na estrada. T inha um índio que trabalhava na ni nao vir que é tudo mentira do filho dele.
estrada, pegou sarampo e levou para pessoal E era mesmo, porque o filho do Kremuro Ji·
do Jarina. Só para ter uma idéia do que os ca- cou trabalhando na estrada e comegou a be·
raíba f izeram na estrada BR-080, quase eles ber pinga. E é por isso que mentiu e quase
fizeram pessoal do Jarina brigar com pessoal fez pessoal dele brigar com pessoal do Kre-
do K r etire. Um dia, quatro pessoas foram tire.
pescar per to da estrada e resolveram encostar Caraíba náo é ruim.. Eu sei que tem ca·
na estrada para com.er peixe, enquanto eles raíba bom e caraíba ruim. O que é ruim é
estavam assando peixe, caraíba gritou para doenga de caraíba. Caraíba tem doenga que
eles e p essoal do J arina gritava para eles ire1n índio náo tem. É is so que eu queria f alar, Me-
até outro lado para conversarem, caraíba e o garon, da tribo m.ekranonti, kaiapó.
nosso pessoal do Jarina. Estavam todos arnia-

62
onde caminha essa populagáo que compoe a
MARCOS TERENA nar;áo de meu País?
H oje este mundo está se sentindo assim,
totalmente perdido, totalmente desencontra-
Marcos Terena tem 28 anos. É do grupo do, olho para dentro de mim mesmo e vejo o
Terena que vive em Taunay, Mato Grosso do meu mundo, o mundo de minhas origens, o
Sul. Estudante de Ádministragao de Empre- 1nundo da minha raga, e por isso mesmo fago
sas na Faculdade Católica de Brasília, é um as perguntas acima, e ainda questiono se vale
índio acultur~do que decidíu lutar por seu a pena continuar caminhando em direcáo a
povo. A Funai quer transformá-lo em exemplo dita ''civilizag_áo~'· Quando digo origens, rac;a.
e e·mancípá-lo. Ele nao aceita. Criador da · refiro-me aquela em que nasci e que aprendi
Uniao das NaQ6es Indígenas-UNIND, hoje di- a amar e a identificar como carente e inocen-
rige a organizaQao que nao é aceita pelo Go- te e, por assim ser, está indo em diregáo as
verno. experiéncias já passadas pelos povos desta
';civilizagáo". Este povo, esta raga é a "indíge-
"Quando olho o nosso mundo, o nosso na", que no passado, na época do descobri-
País, e vejo a ansiedade nos olhos das pessoas mento do Brasil, somavam quase 6 milhóes e
que me cercam. Quando olho e vejo ricos fi· que na atualidade jazem no reduzido número
cando cada vez mais ricos e pobres ficando· de 200 mil.
cada vez mais pobres. Quando leio os jornais Sou de origem "índio ". Perten<;o a uma
e vejo o índice de desemprego, a marginaliza- nar;áo indígena chamada "Terena". Minha fa-
gáo da populagáo urbana, o índice de crimi- mília, meu povo enfim, pertence a urna aldeia
a
nalidade, as criangas desnutridas indo esco- que comporta cerca de. 3 mil índios, chamada
za em busca de algo novo na educar;;áo. Quan- ·"Bananal", jurisdicionada a um Posto Indíge-
do olho em redor e vejo essas mes1nas crian- .na da Funda<;áo Nacional do Indio, chamado
<;as caminhando para a marginalizac:;áo, sendo Taunay.
levadas ao vício, ao roubo e até mesmo ao Até o ano de 1976, nao conhecia este órgáo
assassínio, me pergunto o que significa "civi- federal chamado Fund~gáo Nacional do india
liza<;áo "? O que significa "integragáo"? Para

64
- FUNAI, porque toda a minha infáncia, <.ido- assim, no entanto, esqueci-me de wm detalhe:
lescencia e juventude, passei-a junto aos meus minha origem era diferente, na minha casa o
patrícios, estudando e tentando trabalhar a costume era diferente, a língua era dij erente e
fi m de sustentar-me e atingir minhas aspira- a minha cara também er a diferente. Eu era
c;óes de jovem índio em contacto com a civi- u m " bugre". Bugre na minha regiáo significa
lizagáo. Assim sendo consegui tirar o ginásio, um pejorativo cruel para o índio bobo e igno-
hoje 1.º grau e o científico, hoje 2.0 grau. rante tal como um animal irracional, e assim
Tencionava formar-me em medicina o que niio fui identificado e assimilei esta identifica-
cons~gui e vi o rumo de meu destino ser des- <;áo. Uma vez eu entrei na escoza, já no giná-
viado para as atividades militares, ingressan- sio, para assistir um.a aula de História do Bra-
do no Curso de F'ormacáo de Oficiais Aviado- sil e a minha professora era uma pessoa mui-
res da Resen2a e niio podendo conclui-lo por to rica e elegante. Quando me apresentei com
· ter sido desligado "por inaptidáo" . Assi m o meu caderno de " pontos" para corre<.;áo, fui
sendo fui a/astado da FÁB e circunstancial- chamado de "ovelha negra". N áo entendi,
rr:.ente conheci a FUNAI em 1977. Requerí urna mesmo porque náo entendía o que significava
bolsa de estudo e ingressei após vestibular, na ser " ovelha negra", f iquei no entanto sabendo
Faculdade Católica de Ciéncias Humanas de que /ora chamado por este apelido simples-
Brasílía, no Curso de Administra<;áo e que mente porque eu houvera f eito um questioná-
to, paralelamente a isso, concluí també1!1' o r i o todo em tinta azul, desobedecendo uma
Curso de Piloto Privado, Piloto -Comercial e determ.inagáo dela que quería que todo aluno
habilita<;áo '/)ara os vóos de Instrumentos. fizesse as p erguntas em tinta azul e as res-
Aqui entáo gostaria de ater-me um pouco postas em tinta vermelha, e meu pai náo tinha
mais. recursos para comprar esta caneta. Fui viven-
Como índió terena, oriundo do ·Mato do nesta escoza, vivendo e conviven do com as
Grosso do Sul, persistí na luta concorrendo gozagóes, acostumei-me com a idéia até um
com os demais estudantes e criangas circun- dia em que me lembrei de um fato ocorrido
vizinhas a fim de conseguir formar em idénti- quando ainda cr ian<;a, frequentava uma esco-
cos graus de instru<;áo que os mesmos. Pensava za protestante. Depois de um recreio todos os
meus colegas riram. de mim e de meus sapa- oportunidade de mostrar a todos aqueles que
tos. 1Vao compreendia o porqué de tudo aqui- desacreditaram da capacidade do índio, e de-
lo, por que fazer tanto estardalhar;o. Quando monstrei isso ao persistir na luta em busca de
descobri o motivo fiquei um tanto triste e conseguir um brevet de piloto e conseguir.
muito mais desentendido. O motivo era porque Conseguí com meus esforr;os, labutando e es-
meus sapatos estavam jurados. Fiquei real- tudando, sem jarnais esm.orecer. Entretanto,
mente desconcertado quando posteriormente, a
quando cheguei a propor FUNAl meu apro-
alguns dias depois um colega meu, convidou- veitamento como funcionário e piloto, fui in-
me junto com seu pai para comprar sapatos ! armado pelo próprio Presidente Coronel No-
para ele e insistiu que eu escolhesse os sapa- bre da Veiga que isto só seria possível se eu
tos que ele deveria usar, e, na hora da compra,
aceitasse ou propusesse minha "emancipa-
ele com:prou um par para mim, mas nao quis
r;áo ". Novamente náo entendi, pois já houvera
aceitar, só aceitei porque o pai deste meu co-
voado nos avioes da FUNAl sem vínculo em-
lega disse-me que o seu jilho /icaria muito
pregatício. Questionei comigo mesmo, o que
triste se eu nao usasse aqueles sapatos que
ganha a FUNAl com minha emancipagfío. O
ele usaria. Días depois, conversando com este
mesmo colega a irma dele passou por nós e que ganho eu com a emancipar;áo. Busquei
num ato de censura disse: " ... Mamae já fa- orientar;ao nos livros de Lei e descobri que
lou para voce nao jalar com esse bugre ... ". este ato do órgao tutor do índio no Brasil, era
Compreendi aí entao que realmente eu era di- um. ato arbitrário, contraditório e ilegal, pois
! erente e como tal seria sempre discriminado. a Constituigao Brasileira diz " . . . a Lei náo
Pensei encontrar na FUNAl, porque a prejudicará o direito adquirido" e que " . . . é
Lei diz isso, um apoio de orientar;ao profis- livre o exercício de qualquer profissáo aten-
sional. Sempre procurei em. mim mesmo se- dendo os requisitos da Lei . .. ", entao, por que
guir uma orientar;ao de minhas origens, hu- para eu ser piloto da FUNAl preciso deixar de
mildade, perseveranga, coragem e justir;a, ser índio? Questionei e cheguei a triste con-
e assim informei a FUNAl, nao quería "doa- clusao que este veto era porque eu era di/ e-
c;oes", náo quería paternalismo, quería uma rente, eu era um índio.

68·- 69

A FUNAI, assim como o Estatuto do In- os outros que saíram, fizeram-no porque e
dio, preveem que o índio deve ser encaminha- própria FUNAI lhes prometeu emprego em S~
do a uma "integragao progressiva e harmo- Luís, Campo Grande ou Barra do Corda, e
nosa ", entretanto querem nos a presentar uma até hoje eles estao lá aguardando.
integragao sujeita a uma emancipagao preco- Lamento profundamente que a adminis,.-
a
ce e sem o mínimo de seguranga identidade tragáo atual da FUN Al tenha demonstrado
de índio. Parece-me que na atualidade a FU- claramente e por diversas vezes quais real-
N Al tem se preocupado tao somente em. sub- mente tem sido suas intengoes. Recentemente
meter o índio a emancipagao, independente ficou omissa quando um. índio estudante, nos-
de sua vontade ou náo. Como poderia entao, so colega da tribo Tuxá, desapareceu entre a
eu aceitar esta emancipagao, como poderia eu aula e seu emprego em plena Brasília. Ficou
deixar de ser filho de minha mae, irmao de omissa também, quando os índios Xavante
meus irmaos? Como renegar minha origem? da aldeia de Dom Bosco, foram ameagados pe-
Como deixar de ser um Terena? lo Secretário de Justiga de Mato Grosso, Do-
Muitas vezes vi a FUNAI, através de seus mingos Sávio, dizendo que se " . . . os Xavan~
Coronéis, entabulando como dominar um ín- te saíssem de suas resrevas seriam. tratados
dio, sua líderanga e sua comunidade. Exemplo como brancos . . . os índios sáo posseiros . .. "
disso f oi o jato dela nao mais querer que os Entendo que a FUNAI é um órgáo criado
15 estudantes índios permanecessem aquí em gragas a um M arechal consciente de suas ori·
Brasília, pois tomos chamados de "cobras" e gens e das suas obrigagoes para com aqueles
que ela estava criando estas cobras para sua que antes de todos já estavam nestas terras,
própria morte. "Brasília é uma cidade atípi- sem. nenhuma preocupagao económica imedia-
ca para os costumes indígenas". A perseveran- ta, respeitando seus costumes, sem violentar a
ga, a unidade de pensamento uniu novamen·te .sua organizagao mental, mesmo porque a evo.-
esses índios e os fizeram buscar náo na sua lugáo humana é lenta... Esse Marechal chama•
tutora mas na justiga comum, através do Tri- do Cándido, pensou também que para que
bunal Federal de Recursos, seus direitos, os is so f os se atingido inicialmente deveria contar
quais conseguiram. H oje som.os oito porque nos quadros deste órgáo com pessoas idóneas

70 7t

em patriotismo, em coragem, em dedica~áo e e espero com fé na nova sociedade brasileira,
cm tato especial, acostumadas com as índo- nos seus jovens, nas suas criangas, que se é
les e hábitos diversos dessas gentes primiti- possível ainda criar uma sociedade preocupa-
vas. da com o bem-estar comum, onde o índio
Vejo a FUNAI caminhando e levando possa viver e gerir seu próprio patrimonio e
consigo toda a nar;iio indígena para o abismo sua pessoa, independente de orienta<;iio de
.da integragiio que será por certo, uma tormo. entendidos de índio, pois penso que é possí·
~de desintegrar;iio da sociedade indígena, eman- vel ao índio ser o que o branco é, sem entre-
cipando o índio e tomando o que é de mais tanto, deixar de ser índio. Respeitando e sen-
. importante para a sobrevivencia desse povo, do respeitado, nas suas raízes culturais, cos-
que é a terra. A terra que é vista pelo índio tumes e índoles, mas enquanto estiver aí o que
como algo diferente daquilo que os brancas está, coronéis com f orma<}áo militar e voltada
-;ostumeiramente veem., sem se preocupar com para os pensamentos de caserna, o índio ainda
o seu lado económico e produtivo mas táo padecerá por um longo tem'/)O em virtude das
somente em assegurar a permanencia dessa ignorancias destes senhores para o assunto. É
\erra como um meio de vida, de existencia, de preciso dar oportunidade ao índio, de que ele
soorevivencia, respeitando a terra como um seja o que realmente é, ou seja, do índio, pelo
ser sagrado, procurando náo feri-la, náo estra- índio, para o índio, e com isso possibilitar
um compartilhamento maior deste povo até
gá-la, mas conservando-a se possível intacta,
agora marginalizado e discriminado como
cultuando .seus rios, suas florestas, seus ani-
componente "miie" da po'/)Ulagiio brasileira.
mais porque ela transmite o maior bem que
se possui, a vida.
Se hojea FUNAI leva este povo para wma
,lntegrar;áo, despreparado como está, estará
levando-o para a marginalizagiio, para o de-
semprego, para o assalto, para concorrer
enfim .c om a táo sofrida. sociedade brasileira
em sua classe mais baixa. Mas penso também, Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
ti<»v1 .
www.etnolinguistica.org
72 '18
COLECA02
PONTOS

OS fNDIOS VAO A LUTA é o segun.do


volume da Col~ao 2 Pontos cujas livros t ra-
zem opinióes de dais ou mais autores sobre
um mesmo tema.
Ao publicar mais de um autor escrevendo
sobre um mesmo problema, queremos colo-
car a possibilidade de se abordar de modo
diferente cada questao, as enfases distintas, a
discussao.
Os temas serao sempre polémicos e
atuais refletindo as questóes que, de urna ou
outra maneira, fazem parte do nosso dia-a-
dia .

Livro já publicado:

• Vida de Mulher - de Maria Quartim de Mo-


raes e Maria Mendes da Silva
Próximos lan~amentos da Cole~ao 2 Pontos:
• O Negro - de Lélia Gonzales e Carlos Ha-
senbalg;
• A Violencia Urbana - de Técio Lins e Silva
e CarlO·S Alberto Luppi;
• Homeopatia e Alopatía - de Luiz Carlos
Bettarello e Orlando Orlandi;
• Reforma Agrária - de Maria Yedda Linhares
e Moacir Palmeira.
ci , . ea.itkk .{¿_ ~a_ .
~? rr Ju.) , ;z,ia>iia-h·veva

~~ Al~.¡7)? ?t. 1 ~
..t. ltt?A.e..~ J ( ) ~ ó>'í)

• ~ ./!_, 1 l""' i~ ~e~ t(.

eivt\..e._ ~c;&¿~),e .J)


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EDITORA GRAF1CA LUNA LTDA. .. ~_¡. /' ' /
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Rua Bario a Slo Ftllx,121
Tel.: 243-9217 Rie-RJ ~u.~ ~it ~Ot ·"111 ///l.-lflt

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