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Discutindo a Histêria do Brasil

O) escrovismo
no Brasil

Mario Maestri

Coordenacao:
Maria Ligia Prado
Maria Helena Capelato

Para os colegas e amigos:

Klaus Hilbert,
so) Lucia e Arno Kern,
Nincia Santoro e
DA Rene Gertz.

Para meu filbo Gregdrio,


due leu os originais.
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my ed ar
O Mario Maestri, 1994.

Copyrigbt desta edicdo:


ATUAL EDITORA LIDA., 1994.
Rua José Antonio Coelho, 785
O4011-062 — Sao Paulo — SP
Todos os direitos reservados.

Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)


(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Maestri, Mario
O escravismo no Brasil / Mario Maestri ; coordenacao Maria
Ligia Prado, Maria Helena Capelato. — Sao Paulo : Atual, 1994. —
(Discutindo a histéria do Brasil)

Bibliografia.
ISBN 85-7056-673-5
1. Escravidao — Brasil 2. Escravidao — Brasil — Histéria |.
Prado, Maria Ligia. II. Capelato, Maria Helena. JI. Titulo. IV. Série.

94-3201 CDD-981

indices para catalogo sistematico:


Brasil : Escravidao : Histéria 981

Colecao Discutindo a Histéria do Brasil

Editor: Wilson Roberto Gambeta


Assistente editorial: Shirley Gomes
Preparacdo de texto: Noë G. Ribeiro
Paulo $4
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Assistente de producdo editorial: Rita Feital
kevisao: Maria Luiza X. SOouto
Maria de Fatima C. A. Madeira
Fdiloracao eletronica: Silvia Regina E. Almeida
Virginia S. Araujo
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José Rogerio L. de Simone
Mauricio T. de Moraes
Projelo grafico: Tania Ferreira de Abreu (capa)
Marcos Puntel de Oliveira (miolo)
GCapa: Punicao puablica na Praca Santana'
(RJ.), Gravura de Rugendas, séc. XIX.
Mapas: SONIA Vaz
Fotolito: Binhos/STAP
Compostcao: Graphbox

NOS PEDIDOS 'TELEGRAFICOS BASTA CITAR O CODIGO: ANCH 89817


i b ai I T T f FR d

' Sumario

Datepape Om ed EE 1

fitodoeaor EE EED 5

1. Escravidao antiga e escravidao colonial ...... ie 7


2 Becravidae de indios ER EE 19
3. Comércio negreiro: da Africa ao Brasil .... ee 31
4A ésctavidao tas oldades ie
ee 53
3. Escraviddo nOs'EAMDOS EE EE 2
6. Gastigo'e resistência sefvil ie EE ER 87

GiEROIGRIA. Ee EE IE RE 105

Bithosmaia EE EE 109

Diseutindo:eiess ERA EA 112


Jntroducaêo

Brasil: 350 anos


de escrovismo

Brasil foi um dos primeiros paises americanos a conhecer


a escravidao e o ultimo a aboli-la. Até 1888, o escravismo
foi o coracdo do Brasil. Pouco compreenderemos da
histria brasileira se desconhecermos o nosso passado
EsCravista.
NO cCapitulo 1 — Escravidao antiga e escravidao colonial —,
apresentamos as diferencas entre o escravismo clissico e o colonial.
Os cativos americanos viveram condicêes de existência ainda piores
do gue as conhecidas na Antiguidade. Destacamos tambêém a partici-
pac4o dos portugueses no nascimento do trifico negreiro interna-
cional.
NOS primeiros tempos da Colênia, o indio, e nio o africano.
trabalhou até a morte nas vilas e engenhos. Os colonos sê comecaram
a importar macicamente africanos no fim do sêculo XVI, guando as
comunidades nativas escasseavam, consumidas pela escravidao. No
Capitulo 2 — Escravidao de indios —, analisamos essa realidade e as
razoes da substituicdo do escravo americano pelo africano.
A imensa maioria dos cativos negros escravizados no Brasil agui
chegou, ainda jovem, da Africa. Durante sêculos, o trafico negreiro
alimentou a populacdo escravizada. No capitulo 3 — Comércio
negreiro: da Africa ao Brasil—, falamos da triste trajetéria do africano.
desde o momento em gue perdia a liberdade, no continente negro,
até sua venda, no Brasil.
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As cidades escravistas eram risticas e pouco desenvolvidas. Elas


desempenhavam funcoes administrativas e comerciais e apoiavam o
esforco exportador rural. Nessa @poca, vivia-se melhor nos Campos
do gue nas cidades. Apenas o esforco do cativo tornava habitiveis as
cidades e as residências urbanas. No capitulo 4 — A escravidao nas
cidades —, tratamos da escravidao urbana e da sua influência no
modo de viver e morar de entao. Uma realidade gue ainda podemos
apreciar nas poucas moradias urbanas da Colênia e do Impêrio gue
resistem 4 especulacdo imobiliria e 4 despreocupacio de nossas
autoridades.
Veremos no Capitulo 5 — Escravidao nos campos — gue o Brasil
escravista foi essencialmente rural. Vivia-se e trabalhava-se, sobretu-
do, nos engenhos, nas minas, nas fazendas cafeicultoras, nas planta-
cOes de fumo, nas estêincias e chargueadas. Dedicamos esse capitulo
4 andlise das principais atividades rurais escravistas. Nele, tratamos
tambêém das condicoes de vida dos trabalhadores escravizados —
alimentacdo, vestu4rio, moradia, sade, familia.
No cCapitulo 6 — Castigo e resistência servil —, abordamos a
violência senhorial ea resistência servil. Os senhores preocupavam-se
com os lucros e despreocupavam-se com os cativos. Eles trabalhavam
muito. Eram mal-alimentados. Malvestidos. Mal-alojados. Se reclama-
vam ou se rebelavam, eram Castigados. Durante três sêculos e meio,
f(omos uma nacao de torturados e torturadores.
Durante as caminhadas nos sertoes africanos, nos barrac6es das
feitorias, a bordo dos navios tumbeiros ou nas cidades e plantacêes, o
cativo lutou, como pêde, contra a escravidao. Trabalhava mal, fugia,
adguilombava-se, roubava, assassinava senhores e feitores, organizava
revoltas e insurreicêes. Foi a unido da resistência escrava e do
movimento abolicionista gue alcancou, em 1888, a vitêria final contra
a escravidao.
Por problemas de espaco, muitos outros aspectos importantes do
escravismo brasileiro nao foram mencionados — a alforria, os cultos
africanos, a vida dos libertos, etc.
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Escraovidêo ontga
2e escvrovidêo colonial

O escraovismo clAssico

a Antiguidade, as principais civilizacoes do Mediterrineo


funcionavam, nos campos e nas cidades, apoiadas pelo
trabalho escravizado. Na Idade Mêédia, a escravidao cons-
tituiu uma forma secund4ria de producio. O escravismo
americano foi uma superacdo e nio uma continuidade da instituicao
conhecida pelo Mundo Antigo ou pela sociedade feudal.
Na Antiguidade mediterrinica, as unidades agricolas escravistas
— fazendas — e@ram , na sua maioria, pegueninas explorac6es rurais
de subsistência. Nelas, o proprietêrio trabalhava, de sola sol, ajudado
pela familia e por um ou dois Cativos. As fazendas dedicavam-se a
uma agricultura variada ea peguena criacio. Sua producao destinava-
se a, sobretudo, alimentar a familia senhorial e os trabalhadores
escravizados.
Apenas uma peguena parte da producio das fazendolas era
vendida. Portanto, nio havia sentido gue o cativo trabalhasse para
produzir alêm do necessdrio para o consumo familiar e para o
pegueno coméêrcio. Essa forma de producio servil é denominada
eSCravismo patriarcal.
No mundo grego e no Impéêrio Romano, nos dois sêculos anterio-
res e posteriores ao nascimento de Cristo, nos arredores das cidadese
em regioes proximas ao mar, a rios ea lagos navegdveis, desenvolve-
ram-se fazendas escravistas especializadas na producao de gêneros
agricolas para o mercado. Os romanos chamavam-nas de villa.
Uma grande villa possuia uma ou duas centenas de hectares de
terra e de dez a vinte trabalhadores escravizados. Elas procuravam
-
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produzir o gue consumiam, mas, principalmente, orientavam sua


producao para o mercado. A viticultura e a oleicultura eram as
principais atividades da villa. Algumas delas produziam frutas, vege-
tais, peixes, flores, etc.

Trabalho especializado

A viticultura e a oleicultura exigem cuidados especializados


somente durante certas épocas. Portanto, os cativos trabalhavam
intensamente apenas alguns meses por ano. O tipo de mercadoria
produzido e o tamanho da villa limitavam a exploracao dos trabalha-
dores escravizados. A vida do cativo nessas exploracêes escravistas
pegueno-mercantis era dura e monbtona, porém superior 4 conheci-
da, um milênio mais tarde, pelo escravo americano. Entretanto, a villa
possuia alguns cativos, marcados no rosto, trabalhando acorrentados,
em drduas tarefas, e dormindo em locais semelhantes as senzalas —
ergastulos.
Os grandes latifindios do sul da It4lia destinavam-se 4 criacao
animal, € n4o 4 agricultura. Nao foram as invasêes bêrbaras gue
puseram fim ao Impêrio Romano. A produc4o escravista romana
entrou em crise devido 4 sua incapacidade de evoluir, de peaguena
producao rural mercantil, para grande producao mercantil.
A producao escravista romana foi incapaz de organizar, no fim do
Império, nas grandes propriedades nascidas da concentracao da terra
nas maos de alguns poucos proprietêrios, grandes latifindios agrico-
las escravistas gue produzissem mercadorias para o mercado.
As causas dessa impossibilidade foram diversas. Os latifindios
agricolas deveriam produzir trigo e éleo. Nio havia, poréêm, mercado
para essa grande producao. Os peguenos e médios agricultores
produziamograoeoleogue consumiame destinavam uma peguena
parte da sua producao ao comé@rcio. Apesar de a villa produzir para o
mercado, a economia romana manteve-se sempre essencialmente
natural. Isto é, a maioria das pessoas produzia o gue consumia.
A cerealicultura exige trabalho intensivo apenas em determinadas
épocas—aradura, semeadura, colheita, etc. A oleicultura necessita de
operdrios especializados e cuidados peri6dicos. Elas se adaptavam
mal ao trabalho de grandes eguipes de rudes trabalhadores escraviza-
dos. Os cativos empregados nesses latifandios deveriam ser “$ustenta-
dos” durante todo o ano.
Muita producaêo, Pouco mercado

Os latifindios escravistas exigiam elevados gastos com a vigilan-


cia dos escravos e grandes inversbes de capitais. As revoltas servis
sicilianas mostraram o perigo representado pelas grandes concentra-
cOes de escravos. Os rudimentares meios de transporte da época
limitavam também a grande produc4o. O escoamento das mercado-
rias SO era possivel nas zonas servidas por meios de transporte
aguaticos.
Incapaz de evoluir para a situacdo de grande producdo escravista
mercantil, minada pela oposicdo do cativo ao trabalho feitorizado, a
produc4o escravista romana entrou, lentamente, em Crise para, a
seguir, dar lugar 4 produc4o feudal.
O senhor romano dividiu parte do latifindio entre peguenos
arrendatêrios livres — os colonos. Eles pagavam ao senhor, pelo
aluguel da terra, uma parte do gue produziam. Esses arrendatarios
interessavam-se pelo sucesso da produc4o; nio sabotavam os instru-
mentos de trabalho — gue eram seus; n4o precisavam ser vigiados.
Como tinham familia, reproduziam a forca de trabalho. Assim, o
senhor nio gastava com a compra de cativos.
Escravos e colonos trabalhavam nos mesmos latifindios. Vendo
gue a produtividade destes era superior 4 dos cativos, os senhores
cComecaram a transformar os trabalhadores escravizados em colonos.
sem obter a liberdade completa, eles recebiam o direito de explorar,
COMO duisessem, um terreno. Em troca, trabalhavam alguns dias, cada
semana, para os senhores e entregavam-lhes parte de suas colheitas.
A pressao dos escravos em favor dessa situac4o acelerou a transicio
da produc4o escravista para a producao feudal.
Os homens gue viveram esses acontecimentos guase nio tiveram
consciëncia da dissoluc4o do escravismo romano. Lentamente. duran-
te sêculos sem desaparecer, a escravidao se transformou em uma
iNstituicdo secundaria, num mundo feudal dominante.

Portugal e ocomércio de homens


O servofoia principal forca de trabalho do mundo feudal. Porém.
a €scravidao nao desapareceu da Europa. Compravam-se e vendiam-
se cativos, sobretudo na bacia do Mediterrineo. A luta pelo dominio
da peninsula Ibérica fortaleceu a escravidao. Em nome de Deus e dos

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bons lucros, muculmanos €@ cristdos escravizavam-se uns aos outros.


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No comeco do sêculo XVII, cerca de 250 mil europeus viviam como


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escravos na Africa do Norte.


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Portugal, o peguenino reino do extremo oeste EUrOpEU, CONtri-


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buiria para o vigoroso renascimento do escravismo, em Outras para-


gens do mundo, guando ele vinha retrocedendo, havia sêculos, na
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Europa.
NO inicio do século XV, o reino lusitano era um Estado rural
pobre, com uma populacao gue nao superava 1 milhio de habitantes.
Fm parte coberto por montanhas e florestas, possuia poucas terras
térteis, sobretudo proprias 4 cultura do trigo. NaAo raro, faltava pao nas
cidades e nos campos.
Portugal contava com algumas poucas verdadeiras cidades —
Lisboa, Porto, Setabal, Lagos. Elas se localizavam na faixa litor&nea
mais desenvolvida. Os nicleos urbanos do interior nio passavam de
rusticos burgos rurais. A producao manufatureira era raguitica, a
artesanal, acanhada. O desenvolvimento da cultura, das artes e dos
oficios era timido, e o pais, pobre em riguezas minerais.
Espremidos entre o poderoso reino de Castela e o Atlintico
bravio, tentando viver de terras ingratas, os lusitanos voltaram-se para
o mar. O litoral português é estreito e pouco piscoso. A captura da
baleia, do atum e da sardinha levava os pescadores a mares distantes,
treinando-os na grande navegacao. A pesca e a navegacao de pegue-
na e grande distincia permitiram uma incipiente, mas ativa, induistria
naval.

1 ocali2acêo estratégica

Nas cidades maritimas portuguesas desenvolveu-se uma burgue-


sla mercantil dedicada aos negécios do mar. Peguenas embarcacoes
viajavam ao Mediterrêineo para vender os risticos produtos portugue-
ses — peixes, sal, frutos, Couros, cera, etc.
Fatores externos também contribuiram para o maior desenvolvi-
mento do litoral português. Na Idade Mêédia, o coracado do mundo
Europeu transferira-se da bacia do Mediterrineo para o interior do
Continente. No norte da Europa, uma dinimica producio mineradora
e têxtil se desenvolvera.
Logo, galeras genovesas ultrapassaram o estreito de Gibraltar para
comerciar nas cidades mercantis da Europa do norte — Bruges,

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f Portugal entre os séculos XVIl e XVUI

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Anvers, Londres, etc. A costa lusitana encontrava-se a meio caminho
da nova rota comercial. Os navios eram abastecidos e protegidos nos
portos portugueses.
No final do sêculo XIV, Portugal vivia sob a ameaca do voraz
reino de Castela, gue lutava para dominar a peninsula inteira. Em
1385, a gente miuda portuguesa, os burgueses do litoral, a média ea
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baixa nobreza, unidos, derrotaram o expansionismo cCastelhano. A


decisao da populacao e a rigueza da economia litorinea salvavam a
independência do reino. Como o alto clero e a alta
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nobreza haviam
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apoiado o reino de Castela, subiu ao trono um novo


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soberano, dom
Joao 1 (1385-1433). Nascia a dinastia de Avis.
NO inicio do século XV, a Europa Continental n&o conseguia
romper o monopdlio italo-muculmano do comércio com o Oriente.
As ricas mercadorias vindas da Asia e da Africa — ouro, marfim.
corantes, tecidos, vinhos finos, etc. — pagavam elevados tributos aos
senhores do Mediterrineo. Cristios e muculmanos disputavam acirra-
damente o controle do estratégico mar interno.

Primeira Cona uista

Em Otima posicAo geografica, Portugal teve um papel essencial na


disputa entre cristaAos e muculmanos. A vitêria de 1385 Aproximaraa
burguesia das cidades maritimas da nova Casa reinante. As classes
mercantis e a nobreza apoiariam constantes empresas militares da
Goroa lusitana nas costas africanas do Mediterrineo ocidental.
Ceuta foi a primeira grande aventura africana de Portugal. A rica
cidade muculmana localizava-se na costa marroguina, na entrada do
Mediterrêineo. Em Ceuta, grandes guantidades de produtos africanos.
Asiaticos e europeus eram trocadas. Nela, terminavam muitas rotas
transaarlanas gue traziam, desde o interior do continente, no lombo
de milhares de camelos, ouro e outros produtos africanos.
Os lusitanos conguistaram Ceuta, em 1415, para sagueara cidade,
dominar seu comé@rcio, apossar-se da producao de trigo da regiëo,
Capturar cativos para as plantacbes de acacar do Algarve, combatera
pirataria muculmana no Mediterrineo ocidental e lancar, dali, opera-
COES COrsarias COnNtra OS MOUFrOS.
Na Europa, era grande a carência de ouro. O principal objetivo do
atague a Ceuta foi o controle do comêrcio do ouro sudanês. Com ele,
os lusitanos esperavam lucrar muitissimo com as trocas realizadas
nessa regido do Mediterraneo.
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A conguista de Ceuta ndo rendeu os frutos esperados. A cidadela
tOrnou-se o centro de incessantes e custosos combates entre portu-
gueses e muculmanos. E os comerciantes, gue€ chegavam do interior
do continente, dirigiram-se para outros portos do norte da Africa.
Apesar do fracasso relativo do assalto a Ceuta, a Coroa lusitana
continuaria investindo contra as costas marrodguinas. Porêm, uma
outra estratégia seria desenvolvida para obter o controle do ouro
sudanéês.

() gronde negobcio ofricano

Do castelo de Sagres, no Algarve, o principe dom Henrigue


(1394-1460), terceiro filho de dom Joëo 1, organizaria o envio de
expedicées maritimas as costas atlênticas da Africa. Nos primeiros
tempos, os barcos portugueses limitaram-se a realizar operacêes de
pirataria nos mares dos reinos de Marrocos e de Granada. Depois,
aventuraram-se, Cada vez mais ao sul, ao longo da costa atlintica do
continente negro.
O objetivo estratégico da exploracao do litoral africano era
deslocar, do norte da Africa para as costas atlênticas da Africa, as
caravanas gue atravessavam Oo Saara trazendo ouro do Suddo.
O objetivo permanente das expedicées maritimas portuguesas era
a realizacao de bons negcios. Portanto, se fazia necessêrio trazer da
Africa riguezas gue frutificassem os investimentos em homens, barcos
e mercadorias.
Na longa circunavegacio do continente africano, os lusitanos
obtiveram Oo ouro procurado e muito mais. A certa altura dessa
exXxploracao maritima, eles se encontraram em condicées de planejare
executar a abertura de um caminho maritimo atê os cobicados
mercados orientais. Realizava-se, assim, o velho sonho europeu: pêr
fim ao monop6lio mouro do comêrcio com as Indias, ou seja, com as
regioes gue compreendiam as costas da atual India e do Oriente
distante.
Entretanto, o grande negécio dos lusitanos na Africa consistia no
comércio de escravos. Em boa parte, foram os lucros do comêrcio de
Cativos gue permitiram aos portugueses explorar as costas do cConti-
nente negro, resistir aos atagues castelhanos, abrir uma rota para o
Oriente, descobrir e colonizar uma imensa regido do Novo Mundo.

14
O nascimento do escravismo
OMEFCAONO

Os espanhêis chegaram a América em 1492, e os portugueses, as


atuais costas do Brasil em 1500. A partir dos anos de 1530, fundaram-
se as primeiras plantacoes na Amé@rica lusitana. Nessa @poca, a
escraviddo desaparecia em grandes regiëes da Europa. Na peninsula
Ibérica, ao contririo, ela se fortalecera com a captura de cCativos
durante a reconguista cristd da peninsula e com o comércio portuguës
na Africa. Mesmo na peninsula Ibêrica o escravismo ocupava um
lugar secund4rio, em um mundo dominado pela producao feudal.
Jê dissemos gue a escravidao moderna nio foi uma continuidade
Ou um renascimento do escravismo classico, mas uma superacdo.
Diversas causas econbmicas e histêricas permitiram o surgimento da
producao escravista americana. Neste livro, basearemos nossa andlise
no estudo do escravismo colonial brasileiro.
As primeiras expedic6es enviadas ao atual litoral do Brasil decep-
cionaram os lusitanos. As populacêes nativas ndo produziam merca-
dorias gue pudessem ser vendidas na Europa. E, como nio conhe-
cijam a metalurgia, ignoraram a localizac4o de minas de ouro ou prata.
Até 1530 apenas algumas risticas feitorias haviam sido erguidas
nas praias da Amé@êrica lusitana. Nelas, ou durante visitas periédicas,
lusitanos e franceses trocavam, com os povos da costa, produtos
nativos — pau-brasil, peles, ervas, animais exXOtcos, et. — por
mercadorias @uropéias. Esse comé@rcio era mediocre se comparado
Aguele realizado com as fndias ou as fabulosas riguezas dos astecase
dos incas sagueadas pelos espanhois.

Ocupar Para NOo perder

Os franceses visitavam com fregtiëncia as costas do atual Brasil.


Temendo perdê-las, e, com elas, as minas gue ali se encontrassem. a
Coroa lusitana decidiu ocupd4-las territorialmente. Para tal, usou o
sistema de cCapitanias hereditdrias.
As costas foram divididas em guinze colênias, entregues a mem-
bros endinheirados da burguesia e da média nobreza lusitana. A
Coroa mantinha direitos senhoriais sobre as donatarias. Porém. elas
deviam ser ocupadas e exploradas pelos donatdrios.

15
2
ER vee oi
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AS duinze primeiras capilanias gerais


Nes EE "IS HEETEE EE ENE.

rd by Capitania do Pard
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Capitania do Maranhdio
EF
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T 1]. |TOENCapitania do Piaui


Capitania de
Jodo de Barros

ER ER REA DE G EER ESE HE rig Capitania


de Itamarac4

Capitania de
Pernambuco
mm MEE EE EE EE EE NEE EE EE EE MEE EE EE EE MEEN. MEER EER EE (EE mEw

Capitania da Bahia
Linha de marcacao de Tordesilhas

RE RE sets Salvador

Capitania de IIhêus

Capitania de
Porto Seguro
Pe ma EE EE EE EE ' dEam mn EER N EEN EE EE HEER EE EE EE

Capitania do
Espirito Santo

Capitania de So Tomé
Rio de JAneirc Capitania do Rio de Janeiro
EE Capitania de Santo Amaro
- —/ Capitania de Sao Vicente

Capitania de Santana

id
Os donatirios necessitavam @ncontrar atividades, rentdveis e
permanentes, gue financiassem a ocupacao das colênias, ao menos
até gue as minas fossem descobertas. A agromanufatura acucareira
era uma atividade difundida no Mediterrineo, nas ilhas atlinticase no
sul de Portugal. Antes de 1530, mudas de cana-de-acicar haviam sido
testadas no litoral da Terra do Brasil. Essas e outras regioes da
Améêrica revelaram-se favordveis ao Cultivo da cana-de-ac&car.

16
Os lusitanos dominavam as técnicas da producao do acucar e€
participavam do seu comércio internacional. Porém, para gue a sua
producao fosse rent4ivel, era necessirio gue os operarios trabalhas-
sem muito e recebessem guase nada. Os camponeses portugueses —
trabalhadores livres — nao viajariam ao Novo Mundo para ali conhe-
cer uma vida ainda pior do gue a européia.
Nas Améêricas, os homens livres podiam abandonar o trabalho
duro das plantacoes e dedicar-se a uma peguena agricultura suficien-
te para sua sobrevivência, nas abundantes terras da regido. Uma
macica transferência de trabalhadores para o Brasil aumentaria o
preco do trabalho em Portugal, o gue prejudicaria os proprietirios
feudais lusitanos.

N gronde solucao

JA vimos gue, na peninsula Ibêrica, a escravidao era uma forma


secundaria de exploracao do trabalho. Com ela, produzia-se ac&car
no Mediterrineo, no Algarve, nas ilhas da Madeira. dos Acores e
Canarias. Para os proprietêrios, a escravidio era a melhor SOlucao
para o problema americano de mao-de-obra.
Multidées de americanos, no inicio, ede africanos.a seguir, Fora
m
reduzidas a escravidao, nas fazendas escravistas do Brasil. A @SCr
aVi-
dao, forma de producio secund4ria e decadente na Europa, assumi-
ria, por mais de três sêculos, um papel dominante no Novo Mundo.
Em fins do sêculo XV, era jé possivel superar as barreiras
gue
haviam motivado a crise da escravidao romana. O escravismo
COlo-
nial, levando ao paroxismo tendências j4 existentes na escravidao
clêssica, deu lugar a uma das mais bestiais formas de pro
ducdo
cConhecidas pelo homem.
O Crescimento do comércio e do mundo urbano EUrOpeu gara
ntia
um mercado guase inesgotivel 3 producio americana. Mel
horaram
muito os meios de transporte. A distincia entre centros produt
orese
cOnsumidores no era mais um problema.
A partir do sêculo XVI, o transporte maritimo tornou-se cada vez
mais confidvel e a capacidade de Carga dos navios Cresceu.
Os
grandes navios romanos viajavam PrOximos ds costas
e transporta-
vam, no maximo, uns 30 mil litros de vinho. No sêéculo XVII
navios de
mais de mil toneladas cruzavam o Atlêntico repletos de
mercadorias.
17

7; (Ee
Tecnologia teudal

As caracteristicas da producao do acticar contribuiram também


para o nascimento da grande producao escravista. A agromanufatura
acucareira ocupa os operarios durante todo o ano. Suas atividades
podiam ser subdivididas em atos simples e repetitivos, capazes de ser
pu
n

efetuados por trabalhadores feitorizados, isolados ou em eguipes.


aa

O desenvolvimento das têcnicas, do com@rcio e das financas


FT ON
NN

medievais colaborou igualmente para a formacio de latifiandios


EP FO
EE

acucareiros @scravistas. As prensas, as caldeiras, os purgadores do


EE
TV”

engenho eram financiados por bangueiros europeus. Essa complexa


T

— eé Cara — maguinaria, desconhecida pelo Mundo Antigo, devorava


Ti

imensas guantidades de matêria-prima, obrigando os trabalhadores


escravizados a jornadas infernais de trabalho.
Os colonos chegados ao Brasil dispunham de abundantes terras
virgens e de produtos gue se adaptavam, 4 perfeicdo, ao trabalho
rude e permanente. Tinham acesso ao mercado europeu em expan-
sao e, principalmente, a trabalhadores escravizados, em grande nti-
mero e baratos, nativos ou africanos. Portanto, estavam em condicbes
de produzir, transportar e vender grandes guantidades de bens
coloniais.
Os amos faziam os cativos trabalhar, sem cessar, produzindo mais
mercadorias e mais lucros. E economizavam na alimentacio, em
vestimentas, alojamento e cuidados para com os trabalhadores escra-
vizados. E abusavam nos castigos. Nessas condices, a escravidio
elevou-se ao estigio de grande produc4o mercantil, com consegiiën-
Cias terriveis para os trabalhadores. Mal-alimentados, malvestidos,
mal-alojados, maltratados, milhêes de cativos trabalharam até a morte,
sem descanso, no Brasil.

18
gr
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aller fa
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-
Cscravidêo de indios

Os Primelros Contatos

OS primeiros tempos da Colênia, americanos nativos—e


nao africanos — foram obrigados a trabalhar nas planta-
cCOes, rocas e aldeias da Terra do Brasil.
Para ocupar as capitanias, os donatdrios vendiam bens.
faziam empréstimos, arrendavam navios, arregimentavam colonos.
Duas ou trés naus partiam do Tejo abarrotadas de passageiros,
terramentas, sementes, animais e produtos para serem trocados com
Oos Drasis — assim eram chamados, nos primeiros tEMPOS, OS Nativos.
Os colonos desembarcavam numa regido escolhida do litoral.
servida por um bom porto, onde erguiam, rapidamente, em geral
numa elevaco, uma vila, gue era protegida por defesas precarias.
Muitas vezes, escolhia-se para a fundacao da vila um
local
regiientado pelos brasileiros — assim eram chamados, nos prime
iros
(EMPOS, OS Europeus gue comerciavam pau-brasil. O suces
so da
expedicdo dependia, em boa parte, do acolhimentoe do APOI
O— em
alimentos, caca, materiais de CONStrUCAO — das populacbes
nativas da
regido.
Uma ou duas centenas de colonos partcipavam das expe
dicoes
colonizadoras. Era dificil a situacao das pegueninas vilas, isola
das no
imenso litoral, rodeadas por milhares de brasis. NO inicio
da COloniza-
€AO, Os lusitanos procuraram manter boas relacoes com as
COMmunida-
des locais.
De modo geral, os nativos receberam sem problemas
os lusitanos.
Até 1530, as comunidades da costa haviam se habituado
a trOCar OS
produtos da terra por preciosas ferramentas Com Os
brasileiros, gue
vinham € partiam, sem fincar raizes na América.

19
Preciosas terramentas
NE NN
HEDE.
EN

Os brasis conheciam a agricultura, mas desconheciam a metalur-


EE
EE EE

gia do ferro. Machados, enxadas, foices e outros instrumentos de ferro


eram imensamente apreciados por eles. As ferramentas europëias
facilitavam as 4rduas atividades produtivas dos povos da costa.
Ao chegarem 4 Amé@rica, o donatêrio ou seu representante distri-
buia terras aos colonos gue possuissem os meios para explord-las. No
inicio, os colonos plantaram suas rocas de subsistência e ergueram os
primeiros engenhos nas proximidades das vilas.
JA vimos gue, com as primeiras plantacêes, colocava-se o proble-
ma da mao-de-obra. Era necessêrio encontrar m&o-de-obra gue “acei-
tasse” condicoes durissimas de trabalho. O colono europeu nio
aceitava essas condicoes de existência! Ele vinha ao Novo Mundo
para enriguecer — rapidamente, se possivel —, e nio para trabalhar,
COMO mOuro, em terras selvagens!
Os primeiros trabalhadores escravizados, nas vilas e plantacêes,
foram Cativos comprados as comunidades da terra. Esses nativos eram
chamados de judios de corda.
NO inicio do sêculo XVI, a faixa litorinea, Com uma extensio
média de 200 km, era ocupada pela floresta Atlêintica. Alêm de
exuberante vegetacdo, possuia rios piscosos e farta caca. Ao contrario
dos sertoes, as suas terras se adaptavam muito bem 4 agricultura. O
interior, ao contrario, era agreste e relativamente desabitado.
Cerca de 600 mil nativos, sobretudo de cultura tupinamb4 — um
dos dois bracos do tronco tupi-guarani —, viviam na faixa litorinea.
Para a época, uma populacao considerdvel. Portugal possuia entio
um milh4o e meio de habitantes.

Ouerreivros temlveis

Os tupinamb4s eram aguerridos cacadores, coletores e agriculto-


res Originarios da Amaznia central. Viviam em aldeias — Habas —,
Circulares e independentes, de três a sete residências coletivas —ocas
—, de 350 habitantes, aproximadamente. As ocas organizavam-se em
torno de um aldeaëo de prestigio — o principal.
O principal podia ter diversas esposas. Os aldebes, em geral,
tinham apenas uma @sposa. A autoridade do principal era superficjal.
Ela baseava-se no prestigio e no poder de convencimento. A socieda-
20
de tupinamb4 constituia-se pela associacao voluntiria de produtores
independentes.
A principal atividade econlémica tupinamb4 consistia na horticul-
tura de floresta tropical e subtropical. Nas rocas, plantadas pelas
mulheres em uma clareira aberta na mata virgem pelos homens, as
principais ferramentas horticultoras eram o machado de pedra e o
bastao de plantar. O produto de base da horticultura tupinamb4 era a
mandioca
A caca, a pesca ea coleta com-
pletavam a alimentacao tupinam-
b4, especialmente para suprir as
proteinas necessarias. Os tupinam-
Das no conheciam o pastoreio.
Até a chegada dos europeus, as
Amé@ricas desconheceram o gado EAIE!

bovino, egiino, caprino e ovino.


ATLETE

A aldeia tupinamb4 era itine-


rante. Mudava-se de local guando
——HAU

diminuiam a fertilidade da terra, a


abundancia da caca e da pesca e as
condicbes higiënicas de uma re-
T

sFEEFEFEES REG
gido. As aldeias podiam aliar-se, FEE

mas e@ram absolutamente auténo-


mas, o gue facilitou muito a con- AL
guista do litoral pelos portugueses,
As comunidades tupinambas Aldeia tupinambd fortficada com
necessitavam de grande guantida- guatro residéncias coletivas.
de de terras, principalmente para a
caca, a pesca e as atividades coletoras. Ouando da chegada dos
europێus, a longa e estreira faixa litorinea encontrava-se guase
totalmente desbravada pelos tupis-guaranis.

Senhores do l|itoral

NOS séculos anteriores, os tupinambis haviam aniguilado ou


expulsado, para o interior, comunidades nativas de cacadores e
coletores tecnologicamente menos aparelhadas. Os tupinambis guer-
reavam, $€m cessar, com povos de sua lingua ou de outras culturas
defendendo e conguistando territ6rios para as aldeias. |

$ Biblioteca Publica Municipa!


Padre Arlindo Marcon
Carlos Barbosa - RS
O mercendrio alemdo Hans Staden presencia banguete antropofdgico
tupinamba, segundo ilustracio européia.

Durante os combates, os guerreiros capturavam alguns inimigos,


gue eram imediatamente abatidos ou levados para as aldeias, como
prisioneiros.
A antropofagia foi a instituicao tupinamb4 gue mais impressionou
OS EUropeus. OS prisioneiros — guerreiros, mulheres, criancas —
Cram devorados nos campos de batalha ou apês viverem, por
sEmanas, meses €& até mesmo anos, nas aldeias dos vencedores. Os
prisioneiros recebiam esposas & viviam praticamente cComo seus
senhores. A economia tupinamb4 nao alcancara um refinamento gue
permitisse a escravidao.
O cativo era abatido e devorado no patio das aldeias durante
cComplexos rituais. Em geral, o prisioneiro falava a mesma lingua,
POrtava as mesmas armas, pintava-se € COmMPortava-sê COMO OS seus
Captores. Um colar de algodao, dependurado no pescoco, distinguia
Oo cativo destinado ao festim. Contas de frutos Ou OSSOS. presos 3

Az
“corda”. marcavam o nimero de “luas” gue ele viveria. Dai o nome
jndios de corda.
Era peguena a guantidade de indios de corda mantida pelas
aldeias tupinambd4s. E elas nio gostavam de ceder todos os pristonel-
ros aoS europeus, mesmo em troca das valiosas ferramentas.
Com o desenvolvimento das plantac6es e o aumento da necessi-
dade de bracos mais fortes e confiantes, os colonos pressionaram as
comunidades aliadas para gue Ihes entregassem seus indios de corda
e aprisionassem uma guantidade maior de cativos.
A luta pelo controle da mao-de-obra indigena e das terras do
litoral envenenaria as relac6es entre os colonos e as comunidades da
costa. Ouando os indios de corda se mostraram fonte insuficiente de
cativos, os colonos passaram a atacar e a escravizar, primeiro, as
comunidades nativas inimigas e, depois, as aliadas.

Sacrificio de prisionetro em aldeia pPIMaMba Foruficada

23
O Him dos Povos da costa

Os colonos serviram-se de outros métodos para obter cativos,


além de escambar, com as Comunidades aliadas, as apreciadas ferra-
mentas européias pelos indios de corda.
Furopeus percorriam o litoral, nos seus navios, oferecendo visto-
sas mercadorias. Os nativos gue aceitavam subir a bordo para apreciar
OS produtos eram aprisionados, escravizados e vendidos nas donata-
rias. A essas operacbes se denominavam saltos.
Colonos visitavam aldeias amigas e pediam, aos principais e aos
aldeoes, filhas e sobrinhas, como esposas. Para os tupinambis, tais
casamentos eram sinal e penhor de alianca. As infelizes “esposas”,
longe das familias, eram escravizadas ou vendidas pelos “maridos”.
Os colonos despertavam a cupidez dos nativos oferecendo mer-
Cadorias por cativos, tanto indios de corda, aprisionados nos comba-
tes, guanto desvalidos familiares e vizinhos dos vendedores, trazidos
pela forca ou pelo engano para serem vendidos.
Os colonos recorriam a pérfidos e cruéis estratagemas. As comu-
nidades da costa nao conheciam a escravidao. Por um simples
machado ou durante épocas de fome, em troca de uma gamela de
farinha, um nativo “vendia” a liberdade a um colono, por toda a vida,
sem saber o gue fazia,

Res Ppondendo OOS otaa uEes

Os portugueses fomentavam a inimizade entre as aldeias nativas.


Apo6s os combates, obtinham dos vencedores, por algumas mercado-
rias, prisioneiros em abundincia. NAo raro, ajudavam militarmente
uma das comunidades envolvidas na luta.
Ouando se sentiram fortes, os lusitanos serviram-se de todas as
desculpas para atacar aldeias dos brasis e aprisionar cCativos. De
maneira geral, as comunidades nativas apoliavam os atadgues portu-
gueses. Pensavam gue, assim, @scapariam A escravizacao.
As violências praticadas contra as comunidades da costa nao
ficavam sem resposta. Nos primeiros tempos, devido a imensa su-
perioridade numérica dos nativos, nao era ainda radicalmente dese-
guilibrada a correlacao de forcas entre europeus € americanos.

24
Exasperados pela violência escravista, as comunidades da Costa
lancavam duros atagues contra as colênias lusitanas. Donat4rios e
colonos perderam bens e vidas nas maos dos brasis. A situacio
tornava-se ainda mais critica com o apoio dado aos nativos rebelados
pelos franceses gue visitavam o Brasil.
Temendo o insucesso da colonizacao, dom Joao II criou, em
1549, um governo-geral para o Brasil, com sede na capitania real da
Bahia. Uma das principais instruc6es do primeiro governador-geral,
Tomé de Sousa, era coibir os “saltos” e outras violências contra Os
nativos.
A administracio portuguesa debatia-se com uma grande contradi-
cAO, resultando em medidas aparentemente conflitivas. Assim. as
violências dos colonos contra os nativos dificultavam as trocas dos
produtos europeus por produtos americanos — em boa parte mono-
se
oet

polizadas pela Coroa—e colocavam em perigo as colênias portu gue-


sas, devido as represêlias dos americanos.

Diticil decisêo

A Coroa sabia gue era necessêrio reprimir a escravizacao indiscri-


minada dos brasis. Entretanto, os engenhos acucareiros. principal
tonte de rigueza da Colênia, necessitavam — e devoravam — de
guantidades crescentes de terras e de bracos escravizados.
Os cativos ocupavam as terras mais fêrteis do litoral. Os
Unicos bracos trabalhadores disponiveis eram os da populacdo
americana. Portanto, a Coroa tinha due permitir a apropriacao
pelos colonos dos melhores terrenos ea “producio” de crescente
numero de escravos.
A Coroa ordenou gue fossem aprisionados apenas os “verdadei-
ros” indios de corda (os nativos, maiores de idade, gue se vendessem
.
Apos serem “informados” sobre o “neg6cio”) e os americanos captura-
dos nas “guerras justas”, ou seja, nas guerras declaradas pelas autori-
dades coloniais contra as cComunidades due se opunham 4 coloni-
ZaCdo.
Geralmente, os governadores-gerais & Os OUtros responsiveis
pelo cumprimento das instrucêes da Coroa eram grandes
plantadores
e necessitavam também de cativos. As determinacées
reais, na maioria
das vezes, foram desobedecidas ou Cumpridas apenas parc
ialmente.
25
O sucesso da economia acucareira teve consegtiëncias desastro-
sas para os povos do litoral. As melhores terras das aldeias nativas
foram abocanhadas pelos insaciëveis engenhos, gue necessitavam de
grandes extensoes de terrenos fêrteis para seus canaviais. E a resistên-
cia dos americanos as violências dos colonos servia de pretexto para
novas “guerras justas'”. Multidoes de tupinambis e de nativos de
outras culturas foram feitorizados pelos lusitanos.
Os portugueses venceram com facilidade a oposicao das aldeias
tupinambas isoladas. Em alguns poucos casos, os brasis se confedera-
ram, por breve espaco de tempo, para se opor aos invasores.

Solucaêo deses perada

Nos anos de 1560, derrotados repetidas vezes, os povos da Costa


ainda em liberdade ofereciam uma resistência desesperada, interna-
vam-se nos sertoes ou aceitavam viver, sob o senhorio lusitano ea
protecdo dos jesuitas, em grandes reducoes indigenas, em terras
miseraveis.
AS comunidades jesuiticas espanholas, na Amêrica meridional,
num contexto distinto, longe das comunidades europêias, com terri-
tOrio garantido e sem a obrigacao de fornecer trabalhadores para os
Colonos, garantiram, por um longo tempo, a sobrevivência & o
desenvolvimento das comunidades guaranis da regiao.
Entretanto, no litoral brasileiro, prêximas as plantacêes e vilas
portuguesas, gue abocanhavam suas terras e exploravam o trabalho
de seus habitantes, as reducêes jesuiticas facilitaram e aceleraram a
COncENtradAO e 4 dizimacao das comunidades nativas.
OS americanos eram aprisionados facilmente e em grande guanti-
dade. Portanto, Custavam pouco. Eram uma mercadoria abundante e
barata. Uma espêcie de instrumento de trabalho descartavel.
Os americanos escravizados — malvestidos, mal-alimentados,
mal-alojados — trabalhavam até a exaustio. Tambêém era baixa a
resistëncia das populac6es americanas a muitas doencas EUrOopéias
desconhecidas, sobretudo virais.
Derrotadas, estressadas, escravizadas, vivendo sob condicbes de
vida e trabalho infernais, golpeadas continuamente por epidemias
desconhecidas, foi indescritivel a hecatombe populacional Conhecida
pelas comunidades da costa.

26
N substituicêo de brasis
Por ofricanos

Para ocupar as costas do atual Brasil, a Coroa lusitana dividiu-as


em guinze colênias— Capitanias hereditêrias—, gue foram entregues
a nobres e burgueses endinheirados do reino. A responsabilidade
pela ocupaca4o das donatarias ficava a cargo dos donatdrios e dos
colonos gue aceitassem acompanh4-los. Esse tipo de colonizacio
prosperou principalmente onde foi possivel produzir acicar, uma das
grandes riguezas do comé@êrcio da @poca.
As capitanias da Bahia e de Pernambuco logo se destacaram pela
produc4o acucareira. Nos anos de 1570, a capitania da Bahia possuia
dezoito engenhos; dez anos depois, guarenta. Nos engenhos, traba-
Ihavam de sessenta a cem cativos. Na Bahia e nas outras Capitanias,
os nativos feitorizados eram utilizados tambêém no transporte, nas
rocas de mantimentos, nas pescarias, nas construcbes, nas criacoes
de gado, etc.
Nos anos de 1560, faltando nativos na costa, os colonos foram
procura-los nos sert6es. O descimento— regulamentado pela Coroa
—significara o deslocamento de povos do interior para olitoral, onde
viveriam em aldeias supervisionadas pelos jesuitas.
Essas operacbes deviam ser feitas sob a supervisio dos jesuitas.
Os “descidos” seriam remunerados se trabalhassem para os colonos.
Em teoria, eles optavam livremente pela migracao.
A realidade foi bem outra. Comunidades do interior eram levadas
— pelo convencimento, engano ou forca — para o litoral. Ali, eram
repartidas pelos engenhos, plantacêes e aldeias de indios. Nio raro.
os colonos simplesmente escravizavam os “descidos”.
A ocupac4o das capitanias do Norte — Sergipe, Paraiba, Rio
Grande do Norte — permitiu gue multidêes de nativos fossem
transferidas dessas regiëes, como trabalhadores escravizados ou gua-
se, para as Capitanias da costa.

CEsperancas frustradas
Aldeias nativas do litoral, gue se tinham refugiado no interior,
conscientes do poderio militar lusitano, desejando voltar as fêrteis
terras da costa ou temendo as expedicêes escravizadoras lusitanas

27
gue percorriam os sertoes — eatradas—, aceitavam ou pediam para
ser “descidas”. Contavam com a protecao dos jesuitas.
Submetidos as mesmas condicoes de existência dos povos do
litoral, os americanos “descidos” tambêém morriam cComo moscas, nas
plantacoes, rocas e aldeias de indios.
Em 1503, em Mundus Novus, o navegador Amêrico Vespicio
relatava sua visita as costas setentrionais do Brasil:

Nadgueles paises tal multidio de gente encontramos gue


ninguém, enumerar poderia, como se lê no Apocalipse: gente,
digo, mansa e tratdivel. |

Nos anos de 1580, o jesuita José de Anchieta anotaria:

A gente gue de 20 anos a esta parte é gastada, nesta Baia,


barece coisa gue se ndo pode crer, porgue nunca ninguëm
cuidou lacreditou] gue tanta gente se gastasse, nunca, guanto
mais em tdo pouco tempo...

Tal era o despovoamento do litoral gue os colonos penetravam


mais de 250 lêguas sertdo adentro atris de cativos. Devido as
distências, boa parte dos capturados ou “descidos” morria durante a
viagem. Ouando tambêm os brasis do interior comecarama escassear,
os colonos voltaram-se para o trafico negreiro internacional.
As multidbes de americanos feitorizados permitiram uma primeira
acumulacao de riguezas. Com elas, os colonos fundaram suas fazen-
das e engenhos e iniciaram a importacdo de africanos.

Jndios por negros

De modo geral, explica-se a substituicdo dos cativos americanos


pelos africanos com base na maior resistência fisica e docilidade do
negro. O americano resistiria mais ao cativeiro, se oporia ao trabalho
escravizado, seria fisicamente debilitado.
Essas explicacbes sugerem gue o negro e o indio teriam Caracte-
risticas raciais distintas. O indio seria selvagem, frêgil, incapaz para o
trabalho continuo. Ou seja, um ser imprestêvel para a civilizacao. Seu
desaparecimento seria um fato inevitavel. O negro, por sua vez, seria
um ser décil, resistente, sem iniciativa. Adaptado, ontem e hoje, ao
trabalho duro e penoso. Um homem talhado para a escravidao.
Segundo essas explicacoes racistas, na Colênia e no Império, apenas
O @uropeu possuiria gualidades humanas superiores — iniciativa,
amor ao trabalho, capacidade de mando, etc.
O principal motivo da substituicao dos americanos pelos africa-
nos foi a extincao das populac6es nativas, determinada pela ocupa-
Cao colonial da costa e escravizacdo de seus habitantes. Poréêm, outros
(atores contribuiram, de forma secund4ria, nesse processo, tais cComo:
e A venda de africanos para os colonos interessava 4 Coroa e aos
cComerciantes europeus. Os navios partiam da Europa carregados
de mercadorias baratas. Elas eram trocadas, nas costas africanas,
por multidoes de cativos.
e Nas Amé@ricas, os africanos eram trocados por grandes guantidades
de produtos coloniais. Os negreiros — traficantes de negros —
pagavam pouco pelos cativos, na Africa, e os vendiam por precos
elevados, no Novo Mundo.

Voltar Para Casa

Os cativos americanos, aprisionados no litoral e no interior. nio


rendiam taxas 4 Coroa lusitana. J4 os africanos escravizados eram
taxados guando embarcavam da Africa e guando desembarcavam na
America.
O Trafico Triangular permitia gue as Coroase as classes mercantis
européias icassem, através de mecanismos econêmicos guase imper-
ceptiveis, com a maior parte das riguezas produzidas pelos trabalha-
dores escravizados no Novo Mundo.
Os colonos também se beneficiavam com a escravidao africana A
captura de nativos conflagrou o litoral. Comprando africanos. Os
colonos podiam estabelecer melhores relacêes com as COmunidades
do litoral sobreviventes, utilizZadas na vigilincia e repressdo dos
Cativos africanos.
Nos anos de 1580, a captura de Cativos se tomava muito dificil e
irregular. Os cativos africanos, ao Contririo. eram oferecidos, sem
cessar, em grande guantidade, nos mercados do litoral.
Os africanos apresentavam algumas vantagens. Ao contririo
dos
natvos, nio conheciama terra onde eram escravizados.
Fu gir de volra

29
3 terra natal era impossivel. Portanto, podiam ser facilmente escravi-
zZados, ao menos nos primeiros tempos.
Africanos, provenientes de diversasregiëes da Africa, eram vendi-
dos nas donatarias. Os colonos compravam Cativos de diferentes
linguas e culturas. Como veremos, a diversidade de lingua e cultura
dificultava tambêm a resistência servil.

Desde o inicio

Desde a fundacao das capitanias, alguns africanos foram trazidos


para o Brasil. Apenas com a escassez de nativos, eles comecarama ser
vendidos em abundiancia nas colênias do litoral. Nosidosde 1600, os
africanos j4 eram expressivamente majoritArios nas Capitanias produ-
toras de acuicar — Bahia, Théus, Pernambuco, etc.
Em 1755, interessada em desenvolver o trafico negreiro, gue Ihe
rendia grandes lucros, a administrac&o lusitana proibiu toda e gual-
duer escravizacao de nativos. O gue nio guer dizer gue, antes ou
depois desta data, nêo se tenham escravizado americanos.
As regioes coloniais pobres, gue n4o produziam mercadorias
apreciadas na Europa, cContinuaram a utilizar americanos como mAao-
de-obra escravizada. Foi o caso, em épocas diversas, de Sao Paulo,
Maranhao, Par4, etc. |
A partir do inicio do século XVII, a escravidio brasileira tornou-se
essencialmente negra. Foi devido 4 chegada incessante e em grande
escala da mao-de-obra africana as colênias luso-brasileiras gue a
escravidao nacional pêde desenvolver-se com inusitado vigor.
Antes de analisarmos a escravid&o negra, falaremos sobre os
principais passos da captura, armazenamento, venda e transporte dos
africanos escravizados até o Brasil.

50
EE
Er
—EEER

Comévrcio neg peEloO:


da Africa oo Brasil

Coastelos, presidios
e teitorias

Oo inicio da expans4o maritima portuguesa, durante as


primeiras viagens as costas atlinticas do Saara, os lusita-
nos desembarcavam seus cavalos e lancavam-se, Como
desesperados, sobre peguenos acampamentos de nêma-
des berberes. Apês grossa pancadaria, voltavam exultantes aos na-
ViOs, com alguns cativos, gue eram levados a Lagos, no sul de
Portugal, onde eram vendidos.
A religiëo servia de justificativa aos atagues escravizadores lusita-
nos. Os africanos seriam reduzidos 4 escravidao, mas ganhariam a
salvacao eterna. Gomes de Zurara, Oo Cronista português da aventura.
africana, escreveu, no sêculo XV, gue, para Os Cativos. perder a
liberdade era “peguena cousa em comparacao de suas almas. gue
eternamente haviam de possuir verdadeira soltura”.
A medida gue avancavam ao longo da costa. os lusitanos foram
compreendendo ague deviam superar esses métodos prim4rios de
aprisionamento de cativos. As populacêes saarianas afastavam-se do
litoral, o gue dificultava a captura de cativose astrocas comerciais Ao
entrarem na Africa Negra, as populacêes, em maiornimero do gue as
da costa do Saara e do Sahel, mostraram-se mais belicosas. Nio raro,
ao iremd caca de cativos, os lusitanos recebiam mais pancadas do gue
distribuiam.
A partir de meados do sêculo XV, os lusitanos fincaram rafzes no
forte de Arguim, ao norte do rio Senegal, e transformaram a
Alta
31
Guiné no maior centro de captura de cativos, gue e@ram levados,
inicialmente, para a Europa e para as ilhas adanticas produtoras de
acticar e, a seguir, para as possessbes espanholas e lusitanas da
America.
Ao contrario do gue ocorria inicialmente, esses cCativos africanos
nao eram capturados diretamente pelos lusitanos. Eram simplesmente
comprados as comunidades da costa. A maior parte desses cativos,
aprisionados nos primeiros tempos do trafico europeu, foram trazidos
dos primeiros 80 guilêmetros do litoral africano. Mais tarde, como
veremos, OS Cativos comecaram a chegar do interior do continente
negro.
A medida gue os lusitanos avancavam em direc&o ao sul e gue se
desenvolvja a ocupac4o colonial da Améêrica, cresceram as necessida-
des européias de cativos, e outras regioes das costas africanas foram
envolvidas pelo coméêrcio de homens. Entao, os Cativos passaram a
ser trazidos para a costa de regioes cada vez mais distantes dos sertêes
africanos.
O padrdo lusitano de obtencao de escravos se manteria nos
séCulos seguintes e seria imitado por todas as nacées europëias gue se
envolveram no trafico. Como veremos a seguir, até o fim do trafico
negreiro internacional, em 1867-1808, os europeus apenas compra-
ram cCativos de senhores e negociantes africanos. Fora algumas
excEcOeEs, eles se limitaram a estabelecer feitorias, presidios — sede
militar e administrativa lusitana — e castelos, no litoral, em geral sob
a protecao de um senhor africano, sem penetrar nos sertêes. Era
tambêm comum gue os negreiros fundeassem os navios ao longo das
praias para embarcar cativos.

Constwucbes vasticas

Na Africa, as feitorias mais pobres eram dirigidas por um europeu


ou um mestico — o feitor —, secundado por um escrivio europeu e
ajudantes africanos. Um muro de troncos, de taipa, uma cerca de
espinho ou uma trincheira delimitavam e protegiam as instalacoes da
feitoria e dificultavam a fuga dos cativos. No portao principal, um
velho canhao, voltado para o interior do cercado, atemorizava Os
prisionéiros. Disparavam-se canhio e mosguetes para saudara ch ega-
da dos comerciantes africanos de prestigio, provenientes do interior.
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As construcobes da feitoria eram ruisticas. Uma torre de madeira
controlava o mar e as 4reas vizinhas. As cabanas dos feitores, dos
afudantes e dos comerciantes eram de adobe, chao batido e de
coberturas de palha. O mobiliërio compunha-se de algumas mesas,
cadeiras, catres e baus. O barracao dos prisioneiros no passava de
uma simples cobertura de palha, sem paredes, cercado por uma
segunda palicada. Muitas feitorias possuiam diversos barracoes. Os
depsitos de mercadorias podiam ser de material nio inilamavel.
Os cativos chegavam do interior do continente e permaneciam,
nos barracoes, atados, em geral em grupo de dez, a uma Corrente
presa em dois pilares da cobertura, 4 espera dos tumbeiros — navios
gue traficavam negros para o Brasil. As mulheres e as criancas
Circulavam soltas no interior da palicada interna dos barracoes.
Fra dura a vida do cativo 4 espera do embargue. Naio hê dados
precisos sobre a taxa de mortalidade — muito elevada — dessa
populacdo. Os documentos, de 1756 e 1771, de uma companhia
monopolista lusitana gue comerciava cativos, em Luanda e Benguela,
indicam gue, dos 8 854 cativos armazenados em seus barracêes, 6,2%
teriam morrido ou fugido. Pouco mais.de 1% n4do teria podido
embarcar, devido a enfermidades.
Na Costa, era comum a falta e a carestia de gêneros alimenticios.
Ouando os tumbeiros demoravam a chegar, os cativos deviam traba-
Ihar em rocas de subsistência. Como os aterrorizados africanos
Custavam pouco e a comida muito, eles passavam fome ou eram mal
alimentados. O feitor italo-francës Teodoro Canot conta em suas
memorias (1854) gue servia aos Cativos uma sopa com os restos dos
dois bois gue matava semanalmente — cabeca, sangue, tripas, couro,
etc. Em fins do sêculo XVIII, em Angola, o alimento dos Cativos
cOnsistia em sal, feijdo, milho e peixe salgado.
Os feitores mais caprichosos obrigavam, periodicamente, os cati-
vos a se exercitarem ea se banharem, em grupo, no mar. Eles deviam
lavar os olhosea boca, com a 4gua salgada, para prevenir as aftalmias
Ee Ooescorbuto.
As: feitorias serviam de elo entre os comerciantes africanos e Os
proprietêrios dos tumbeiros. Tal divisdo do trabalho organizava e
simplificava o trafico humano, aumentando sua rentabilidade. Comer-
ciantes africanos chegavam do interior, $SoZinhos ou em Caravanas,
trazendo Cativos, arroz, peles, marfim, ouro, cera, pimenta, penas de
animais, 6leo de palma, etc:
34
Falso poderio

to ca va m em ar ma zé ns as me rc ad or ia s exi gid as pel os


Os feitores es
africa nos — arm as, pêl vor a, dlc ool , fum o, tec ido s, fer ram ent as, esp e-
lho. ouro, algemas, grilhoes, barras de ferro, etc. Muias vezes, ds
mercadorias eram trazidas pelos tumbeiros e entregues. em constgna-
cao, aos feitores, gue ficavam, assim, devedores dos comerciantes
europeus e americanos.

.
ee sa N AE. MEd reN.
ku

A fortaleza de Mina, no litoral africano. segundo gravura de


Theod ME de bB) —— 1528-1598.

Os feitores procuravam ter os barracoes repletos de CativOs


guando da chegada dos tumbeiros, gue, normalmente abasteciam as
feitorias com mercadorias. Os navios procuravam se demorar nas
inseguras e insalubres praias apenas o tempo de desembarcar as
mercadorias e embarcar a carga humana, Entretanto, essas estadas
eram, em geral, muito longas.
Entre 1827 e 1830, durante a forte expansdo da producao cateicul-
tOra escravista no Brasil, os tumbeiros chegados do Rio de Janeiro se
demoravam em Angola de guatro a cinco meses para completar a

25
carga humana. Em verdade, deviam esperar gue os cativos fossem
negociados e trazidos do interior. Com fregtiëncia, durante essa longa
espera, os tumbeiros eram assaltados por piratas africanos e euro-
peus, gue lhes levavam os Cativos, as Cargas e, até mesmo, os navios.
Em 1813, o tumbeiro cubano Rozaria, gue se abastecia em
Angola, teve seus guase seiscentos cativos roubados Dor piratas norte-
americanos. Em 1823, a escuna brasileira Feiticeira foi assaltada, em
SOYO, no norte de Angola, por piratas africanos, no momento em gue
cComprava Cativos para vendé-los em Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro. Esses roubos podiam ocorrer nos prêprios portos negreiros
africanos. Em fevereiro de 1827, o tumbeiro Estrela do Mar, prove-
niente do Rio de Janeiro, foi roubado em 213 cativos no Dorto de
Molembo, ao norte do rio Zaire.
A Construcdo de uma feitoria exigia pouco capital. Ela podia ser
transferida de local, sem maiores problemas, guando, em uma regiëo,
OS CativOS @scasseavam Ou encareciam. O italiano Caetano Nazollini,
estabelecido na ilha de Bolama, préximo ao Cabo Verde, o espanhol
dom Pedro Blanco, com barrac6es no rio Gallinas, ao sul de Serra
Leoa, o italo-francês Theodoro Canot, com feitoria em New Cestos,
toram alguns dos mais famosos e ricos feitores da Costa Oocidental, no
sêculo XIX.
AO contrêrio das feitorias, os castelos eram poderosas construcêes
mantidas pelas Coroas europêias ou por companhias monopolistas
dedicadas ao trafico. Tinham altas muralhas, torres, paêtios internos,
armazéns, potente artilharia e guarnic&Ao européia e africana. Seus
poroes guardavam centenas de infelizes. Os castelos serviam tambêm
cComo base de apoio para a navegac&o dos respectivos paises nesses
remotos mares.
Era ilusbrio o poderio dos castelos. Eles se encontravam encrava-
dos, na Africa, a milhares de guilêmetros da Europa. $ua seguranca
dependia dos senhores da regiëo, a gueém os europeus pagavam taxas
e tributos. Um senhor africano nao precisava assaltar os muros de um
castelo para arruin4-lo. Bastava impedir gue as Caravanas vindas do
interior chegassem até ele.
Apenas nas praias da Costa de Marim, chegaram a funcionar 23
castelos e fortes: treze holandeses, nove ingleses e um dinamarguës.
Nos sêculos XVIIN e XIX, com a pacificac&o relativa da concorrência
européia nos mares africanos, de modo geral, as mais Ageis e menos
Custosas feitorias substituiram os castelos.

36
Em Angola e Mocambigue, desde fins do século XV, os lusitanos
iniciaram uma primeira penetracao nos sertoes. Para garantir a chega-
da de cativos e de mercadorias na costa, fundaram peguenos presi
dios ao longo do curso de rios como o Kuanza e o Zambeze. Essas
peguenas feitorias militarizadas obtinham, das populacoes do inte-
rior, através do pagamento de tributos e do comé@rcio, catvos €
mercadorias.

A Africa no sêculo XVI


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dos povos Bantus
Provdveis limites dos reinos
africanos pré-coloniais

37
ZAfrica — Aa mêe negra
Entre 10e 15 milhes de africanos— homens, mulheres, criancas,
jovens e adultos — foram desembarcados nas Améêricas. Estima-se
gue de 3a 5 milhêes desses africanos chegaram ao Brasil. Fenmenos
essenciais das sociedades africanas explicam por gue a Africa entre-
gou aos negreiros europeus, com tanta facilidade, um nimero tio
elevado de habitantes.
Em meados do sêculo XV, as sociedades africanas COmpunham-
se, em geral, de comunidades aldeas gue conheciam uma organiza-
CAOo @conOmica e social baseada na familia e, sobretudo, na aldeia.
As aldeias eram formadas por uma ou mais familias ampliadas, ou
seja, pelo grupo social constituido pelo patriarca, por suas esposas,
descendentes e agregados. Na Africa Negra, os homens ricos pos-
suiam diversas esposas; os jovens e os pobres, apenas uma. |
A posse da terra era coletiva. As aldeias viviam especialmente da
agricultura. Os campos agricolas eram explorados pelas familias,
isoladas ou associadas, por meio de têcnicas agricolas extensivas e
itinerantes. Os africanos nao conheciam o arado, e o principal
Instrumento agricola consistia na enxada de ferro. Além das planta-
cOes, destinadas aos cereais e tub&rculos, cultivavam-se peguenas
hortas, com diversos vegetais.

Sociedades domésticas

A caca, a pesca e a coleta forneciam grande parte das proteinas


necessarias a alimentacao. Algumas comunidades praticavam o pasto-
reio. O artifice alde&o trabalhava o couro, o ferro, o marfim, a argila,
a madeira, etc. No geral, o artesanato nêo era especializado e supria,
principalmente, as necessidades das aldeias. Porêm, alguns artifices
dedicavam-se apenas a sua arte, como os ferreiros.
O limitado desenvolvimento da especializacao do trabalho, das
técnicas e das ferramentas africanas determinava relacoes sociais de
producao definidas como dom€sticas. A familia nuclear— pai, esposa
e filhos menores — era a principal célula de producëo e de consumo
da sociedade africana.
Essa sociedade no se encontrava, ainda, dividida em classes
antagÊnicas. Entretanto, conhecia a desigualdade ea e@Xploracao. Nas
sociedades aldeës, as mulheres eram exploradas pelos homens, os
jovens pelos velhos, os agregados pelos patriarcas.
58
Os patriarcas eram os grandes privilegiados. Suas esposas, Hlnos,
genrose agregados deviam-lhe respeito, obrigacoes, tributos. O chefe
da familia nuclear possuia também importante ascendência sobre sua
esposa, seus filhos, seus genros.
A sociedade patriarcal africana defendia gue essa forma de
organizacao era democrdtica, ainda gue fosse somente em relacdo aos
homens. Em teoria, todos os jovens seriam, algum dia, patriarcas Ou
chefes de familia. Portanto, exerceriam a autoridade. O gue nao era
verdade.

Cltermos jovens

Muitos patriarcas eram jovens e& muitos adultos permaneciam


solteiros e, portanto, sempre “jovens”. As mulheres e os agregados —
em geral estrangeiros 4 aldeia — constituiam as categorias soCcials
mais exploradas da sociedade domé@stica africana.
Em boa parte da Africa, a mulher era responsivel pelas plantac6es
e por muitas outras atividades. A esposa devia ceder parte de sua
producio ao marido. O africano gue tivesse muitas mulheres, detinha
grandes recursos materiais e muitos filhos. Era um homem rico e
poderoso.
Homens de familias extintas, estrangeiros, Cativos adguiridos no
COMÊrcio, prisioneiros, etc, tornavam-se agregados ao serem incorpo-
rados 4 familia ampliada de um patriarca. O agregado perdia seu
nome de familia e assumia o de seu senhor. Enguanto nao fosse
incorporado a familia do patriarca, o Cativo permanecia um `estran-
geiro”. Portanto, podia ser vendido ou morto.
O agregado era considerado, durante toda a sua vida, como um
homem jovem e solteiro, mesmo gue fosse idoso, casado e pai de
filhos. Ele e seus filhos deviam obrigacêes e tributos ao patriarca—o
“pai” de todos eles.
Nas comunidades aldeas, a reproducao e a ampliacio das desi-
gualdades e dos privilêgios sociais davam-se principalmente atravês
da producdo, circulacdo e distribuicado de esposas e de cativos.

Fluxo humano

A sociedade africana produzia multidêoes de cativos e de esposas.


Eles eram afastados de suas aldeias e integrados, Como agregados e

39
esposas, em aldeias e familias distantes. @Ouando os europeus Chega-
ram 3 Africa, grande parte desse fluxo humano foi reorientado e
passou a ser vendido aos negreiros da costa.
Fra distinta a sorte de um cativo incorporado a uma familia
africana ou vendido para a Amé@rica. Como veremos mais adiante, a
diferente destinacêo do homem africano tinha tambêém conseguiën-
cias diversas para a Africa Negra.
Na Africa, todas asfamilias tinham acessoa terra, eo Coméêrcio era
pouco desenvolvido. NO se plantava apenas para vender. O agrega-
do trabalhava para se sustentar e entregava parte da producio ao
patriarca. Nêo tinha sentido fazé-lo produzir alêém desse patamar. Em
verdade, a parte da producao gue ele entregava ao senhor era
determinada pelo costume, sendo, portanto, fixa.
O agregado n4o era escravo. Integrado a familia do patriarca,
passava a fazer parte dela. Nao podia ser vendido ou executado.
Tinha direito a ter bens e podia ser castigado apenas de forma
moderada. Era cComum gue se Casasse com um membro da comunida-
de local. Apos duas ou três gerac6es, o descendente de um agregado
passava 4 condicao de individuo livre.
O africano Gustavus Vassa foi segtiestrado, em meados do século
AVIII, ainda jovem, no reino de Benin. Apês ser escravizado nas
Américas, escreveu suas memêrias. Nelas, lembrava:

OS prisioneiros de guerra gue ndo tinbam sido vendidos ou


resgalados, nos os retinbamos como escravos. Mas como eram
distintas as suas situacoes das dos escravos das jndias Ociden-
lais/ Os nossos lescravos] trabalbavam mais do gue os restantes
membros da comunidade; entretanto, os alimentos, aroupaeo
alojamento dos seus amos eram duase iguais aos gue eles
possuiam ..J.

Como um ofricano
perdia ao liberdade

Muitos caminhos levavam um africano livre ao cativeiro A “justi-


ca” africana retirou a liberdade de multidêes de homens e mulheres
A sociedade aldea africana nao conhecia a divisao de classes -
portanto, igonorava instituicoes estatais como a policia. a Drisao, etc.

40
A venda de um aldeëo culpado de um delito era uma alternativa para
a pena de morte.
Puniam-se muitos atos com a perda da liberdade. O responsavel
— mesmo involuntirio — por uma morte era levado a familia da
vitima para ser executado ou vendido. O adaltero podia ser entregue
ao marido ofendido. Homens e mulheres apontados, justa ou injusta-
mente, como feiticeiros eram mortos ou vendidos. Os devedores
pagavam, algumas vezes, suas dividas com a propria liberdade. O
roubo, o crime de sangue, a antropofagia eram penalizados com o
cativeiro.
Diversos infratores pertenciam, guando condenados, aos chefes
aldebes. Com o desenvolvimento do trafico de cativos, senhores
africanos mostraram-se zelosos na descoberta de feiticeiros, adualte-
ros, etc. NAo raro, incentivavam suas mais belas esposas a seduzir
jovens inexpertos. Assim, aumentavam seus ganhos. A reducdo a
escraviddo e a venda eram tambêém uma forma de os chefes das
aldeiase de linhagens se livrarem de seus opositores ou concorrentes.
Homens ou mulheres condenados ao Cativeiro ou aprisionados
durante um atague entregavam, se tivessem direito, dois cativos para
se livrarem da venda. Um africano rico podia ser obrigado a ceder,
para resgatar a liberdade perdida, bom numero de substitutos.

Vendendo os filhos

Durante a falta ou a carestia de alimentos, as aldeias produziam,


naturalmente, cativos. Para comprar alimentos e sustentar a si € aOs
seus, patriarcas e pais de familia viam-se obrigados a vender ou a
empenhar, primeiro, seus cativos, depois, seus agregadose, finalmen-
te, seus familiares. Os retirantes de zonas atingidas por catdstrofes
naturais ou guerras eram muitas vezes aprisionados e vendidos pelas
comunidades onde se refugiavam.
O rapto de criancas e de jovens era uma importante fonte de
Cativos, pois os patriarcas africanos preferiam compri-los, porgue se
adaptavam melhor a nova familia. Os negreiros privilegiavam Os
jovens em detrimento das criancas e dos velhos. Os jovens opunham-
se menos d prisdo e ocupavam pouco espaco nos tumbeiros. Para o
traficante, um cativo de 35 a 40 anos era considerado velho. Portanto,
a idade média dos africanos transportados para a América era baixa.

41
Em busca de lucros fdceis, dois ou três africanos cCapturavam
criancas € jovens gue brincavam nas imediacoes das aldeias. Tais
operac6es mostravam-se perigosas. Raptores aprisionados eram exe-
cutados ou vendidos. T4o comum @ram @sses segtiestros, gue meni-
nos e meninas, viajando para o Novo Mundo, brincavam de raptor e
raptado nos conveses dos tumbeiros.
Tambêm se organizavam campanhas escravizadoras de maior
porte. Homens de uma ou diversas aldeias associavam-se para assaltar
povoacoes distantes e capturar prisioneiros. Aldeias eram cercadas
durante a noite e atacadas ao amanhecer: as chocas, incendiadas: os
guerreiros, mortos; as mulheres e as criancas, aprisionadas. Comuni-
dades de comerciantes-guerreiros viviam do rapto e da venda de
CativOS.

Reinos escrovizadores

A producao, circulacao e distribuicao de cativos existia j4 antes da


chegada dos europeus. Entretanto, essa realidade cresceu enorme-
mente guando os europeus se estabeleceram nas costas da Africa,
oferecendo apreciadas e abundantes mercadorias por Cativos.
NO interior ou ao longo do litoral, atraidos pelo florescente
COMÊTCIO, reinos negros reorientaram parte de suas atividades ou
nasceram sob o signo do trafico negreiro. Poderosos reinos escraviza-
dores organizavam, periodicamente, operacêes militares contra po-
pulacbes vizinhas. Entre tais nacbes, destacam-se os reinos de Sego,
Oio, Benin, Daomé, a confederacao Achanti, etc.
No golfo da Guiné, no Sudao ocidental e central, na Africa central.
aldeias e cidades eram cercadas e assaltadas por soldados poderosa-
mente armados, gue executavam os guerreiros derrotados. Os CAMPO-
neses, os artifices, as mulheres, os jovens e as Criancas, aos milhares,
eram levados para serem vendidos aos negreiros.
Algumas comunidades dedicaram-se 4 caca de cativos para nao
terminar em tumbeiros. Os européus vendiam aos africanos pêlvorae
fuzis de pederneira. Essas ferramentas de caca e de guerra aumenta-
vam a capacidade produtiva e militar de uma comunidade, deseguili-
brando as relacêes de forca de uma regido.
Milhoes de fuzis foram exportados para a Africa. Para enfrentar Os
assaltos de escravizadores armados pelos europeus, regtientemente
42
uma Comunidade capturava cativos para troc4-los pelas armas gue
permitiriam defender-se. O cavalo, outra poderosa arma de guerra,
era também negociado por grandes guantidades de cativos. No sêculo
XVII, um cavalo 4rabe chegava a valer 25 cativos.

Exportando a vida

A producdo e a distribuicio de cativos antes da chegada dos


europeus nêo causavam problemas para a Africa. Esses homens e
mulheres imergiam, como cCativos e mulheres solteiras, em uma
aldeia, para emergirem, em Outra, como agregados e esposas. Esse
deslocamento tinha apenas uma grande consegtiëncia. Cativos e
esposas eram obrigados a produzir mais, pois deviam se alimentar e
entregar o excedente ao patriarca ou ao esposo.
J&, guando um africano era vendido para a América, a Africa
perdia muito, pois trocava-se um produtor no auge de sua capacidade
por simples mercadorias. As operacêes escravizadoras incentivadas
pelo comêrcio de escravos despovoavam imensas regioes da Africa.
Os escravizadores abatiam as presas como nuvens de gafa-
nhotos sobre uma plantacdo. As populacêes eram aprisionadas;
os gados, roubados ou abatidos; as plantacbes e as provisêes,
taladas e sagueadas; as aldeias, incendiadas e destruidas. Os
africanos gue escapavam aos escravizadores, sofriam, por longos
meses, as segtielas do atague.
Acredita-se gue, para cada africano gue chegava com vida na
America, no minimo três outros morriam no Continente negro Como
cConseguëncia, direta ou indireta, dos atagues escravizadores, no
momento da captura, guando do transporte ao litoral, durante o
armazenamento nas feitorias ou guando da viagem para a Améêrica.
Como veremos, era igualmente grande a mortalidade dos cativos
recêm-chegados ao Novo Mundo.
De cada três africanos desembarcados nas Amêricas, dois eram
homens, um mulher. E isso por dois principais motivos: nas Amêricas,
os colonos preferiam comprar homens; na Africa, senhores e guerrei-
rosretinham as Cativas e as convertiam em esposas. COmo a expansio
demografica depende do nimero de mulheres de uma comunidade.
esse fenêmeno diminuiu, em alguma medida, o forte impacto do
tratico negreiro sobre o crescimento da populacio africana.

43
dd Ted

O emba vae maldito


Os cativos eram levados para a costa pelos escravizadores ou por
comerciantes especializados no com@êrcio com o litoral. Africanos
eram negociados, diversas vezes, nos sertoes, antes de chegarem as
feitorias. Mercadores viajavam, por meses, pelo interior, comercian-
do, nas aldeias, produtos europeus por cativos e géneros da regiëo.
Ao completarem a “carga”, tomavam a direcao do mar.
Duranté as longas marchas, os
Cativos eram vigiados pelos co-
merciantes e Capangas, armados
com chicotes e fuzis. Eles viaja-
vam, em fila indiana, atados ao
pescoco. Em Angola, a corrente,
Corda, rmadeira ou bambu gue su-
jeitava os cativos chamava-se i-
bambo. As criancas e as mulheres
avancavam sem Correntes. Na Afri-
ca ocidental, paus bifurcados nos
dois extremos aprisionavam Os ca-
tivos, dois a dois, pelo pescoco;
durante a noite, mantinham-nos
presos com algemas.
Nas caminhadas pelos sertêes,
gue podiam durar meses, os cati-
VOS Carregavam pesadas cargas
sobrea cabeca — milho, dentesde
elefantes, pele, cera, etc. Se nao
houvesse nada para cCarregar,
transportavam pedras e sacos de
areia de uns vinte guilos. Os
comerciantessabiamague cansados
e mal-alimentados os prisioneiros
podiamsermaisfacilmentecontro-
para o litoral.
lados. Rios e pirogas eram usados
pelas Caravanas escravistas.
Os cCativos avancavam, aterrorizados, com pernas e pés feridos,
guase sem forcas para andar. Os come@rciantes abusavam do chicotee
os cCativos sabiam gue ndo adiantava se fazer de doentes ou de
moribundos, para atrasarem a marcha ou se furtarem ao Cativeiro: Se
44

14) dT N ë
fossem incapazes de andar, eram deixados, 4 beira das trilhas, com as
gargantas abertas.
Feitores adiantavam mercadorias para gue comerciantes africanos
negociassem cativos no interior durante essas longas expedicoes.
Como muitos mercadores endividados jamais voltavam ao litoral, com
o tempo os feitores europeus enviaram seus filhos mesticos para
negociar nos sertêes. Em muitas regi6es da Africa, os mulatos eram
identificados como tratantes de cativos.
Comerciantes e feitores trapaceavam sem pejo. Os africanos
descansavam € alimentavam os prisioneiros, antes de apresent4-los
nas feitorias. Rapavam e pintavam o cCabelo e a barba de prisioneiros
idosos. Esfregavama pele dos cativos enfermos com polvora, suco de
limao, éleo de palma, pedra-ume e outros produtos, para melhorar a
aparência da “mercadoria”. Os feitores lambiam a pele dos cativos
para descobrir essas fraudes. Para melhor enganar os vendedores,
embebedavam os comerciantes africanos. Lancavam dgua nos vinhos
e licores trocados pelos cativos. Adulteravam as mercadorias.
Comerciantes obrigavam os cativos, sob ameaca de morte, a nio
revelar aos feitores as doencas graves. Os europeus examinavam
detidamente os cativos e compravam preferencialmente jovens do
sexo masculino em plena satide. Examinavam os olhos, os muisculos,
as articulacoes. Exigiam gue mostrassem a lingua, os dentes, o sexo,
gue falassem, saltassem, corressem. Africanos muito jovens Ou muito
velhos, baixos, de tOrax estreito, com malformacées, sem dentes Ou
dedos, de cabeleiras falhas, com vermes, escorbuto, etc. eram
rejeitados.

1 utando pelo Or

Os Cativos adguiridos pelos feitores ficavam presos nos barrac6es


A espera dos tumbeiros. Na Costa africana, mesmo guando os negrei-
ros vendiam produtos aos feitores, no momento em gue embarcavam
OS cCativos, o acerto era feito em moeda sonante. Em Angola e
Mocambigue, no sêculo XIX, os comerciantes portugueses manti-
Em

nham enredadas contas com os poderosos comerciantes negreiros do


Rio de Janeiro.
Antes de partir, os negreiros alimentavam melhor os Cativos,
banhavam-nos no mar, rapavam suas cabeleiras e aparavam as unhas.
As duas primeiras medidas tentavam combater o desenvolvimento de

45
parasitas e doencas de pele durante a travessla. Aparando-se as
unhas, procurava-se diminuir OS ferimentos € as infeccbes provoca-
dos durante as alucinantes disputas realizadas nos porêes, por um
pouco mais de espaco, luz e ar. Repetiam essas operacoes a bordo.
Fra Comum gue os comerciantes africanos assinalassem, nos
sertoes. Com suas marcas, os cativos. No raro, marcavam-nos
também no momento do embargue, guando a “carga'” pertencia a
diversos proprietdrios. Fazijam-se marcas nos bracos, nas nidegas, no
rOStO, etc., com peguenos sinetes ou fios de metal, no inicio de ferro,
depois de prata, aguecidos ao rubro. Antes de aplicar a marca,
podia-se untar com sebo o local a ser gueimado. Como veremos, por
motivos profilêticos, os cativos e cativas eram embarcados e viaja-
vam nus.
Nas feitorias e portos lusitanos da Africa, os cativos eram batiza-
dos antes de embarcar. Em fila, um apês o outro, recebiam um nome
Cristao —registrado no rol do navio—e, fregtientemente, a marca de
EER

uma peguena cruz, feita a fogo, sobre o corpo. Os sacerdotes


ES PAS WE

cobravam por cabeca batizada. Entretanto, muitos africanos eram


batizados no Brasil.
O embargue dos cativos se fazia em escaleres europeus ou em
MEER

pirogas africanas. Algumas pirogas portavam mais de oitenta passa-


Ed

geiros. Os cativos embarcavam acorrentados, em grupos de dois, de


dez, etc. $6 se retiravam as algemas dos cativos guando eles subiam
NE

aos navios. Morriam aos milhares durante o embargue. Muitos africa-


OE Ee

nos nunca haviam visto o mar ou nio sabiam nadar. Acidentes com
EE

escaleres e pirogas, mesmo proximos as praias, transformavam-se em


ENG

trageédias.
VA. EE LA WETENDE

Calculo econdmico

Os negreiros embarcavam o mais ripido possivel a carga € os


Cativos. As costas africanas eram insalubres e perigosas. Como vimos,
navios armados assaltavam os negreiros para roubarem-Ihes os pri-
Sioneiros.
Atulhavam-se os tumbeiros de cativos. Os alimentos e a 4dgua
eram embarcados com parcimênia. Cativos foram vendidos, na Amé-
rica, por precos dez vezes superiores ao pago nas feitorias. Mesmo
gue o grande niimero de cativos aumentasse a mortandade entre os
46
“passageiros”, os negreiros sabiam gue parte dos cativos embarcados
em excesso chegaria ao Novo Mundo. Teriam, portanto, bons lucros.
O embargue dava lugar a cenas lancinantes. Cativos tentavam
desesperadas revoltas e, com fregtiëncia, aterrorizados, mal chega-
vam a bordo, jogavam-se ao mar. Os negreiros armavam redes nos
costados dos tumbeiros para prevenir esse ato. $Sio compreensiveis as
razoes do terror dos prisioneiros.
Milhares de cativos — criancas, adolescentes e adultos — chega-
vam 4 Costa, apOs penosas caminhadas, depois de capturados e
vendidos, de uma aldeia a outra, ds vezes durante anos. Parte dessa
populac4o jamais vira o mar e muito menos um homem branco.
Nos sertbes africanos corriam as mais diversas interpretacoes
sobre os @uropeus e o trafico negreiro. Acreditava-se gue os homens
brancos eram cCanibais e compravam multidêes de cativos para
saciarem fome pantéfaga. Ou acreditava-se gue os brancos trabalha-
vam para uma raca de gigantes antropo6fagos gue moravam no além-
mar...
Os tumbeiros, imensos, iméveis nas ondas. de velas esvoacantes,
eram Vistos como seres ou embarcacbes semimdgicas. O africano
Gustavus Vassa, a guem ja nos referimos, registrou em suas memdêrias
Oo pavor gue sentiu ao pisar o navio gue o levaria 4 Améêrica.
A bordo da estranha entidade, diante de homens gue Ihe pare-
ciam demOnios — tinham roupas ex6ticas: pele, barba e cabelos de
cores inusitadas; um cheiro guase irrespirivel —, o jovem Gustavus
Vassa compreendeu seu terrivel destino. Serviria de petisco a um
banguete canibal. Simplesmente desmaiou de medo.

Macabra ttavessia
No inicio, os portugueses transportaram alguns poucos Cativos na
coberta ou no convés das peguenas caravelas ou das mais espacosas
naus. A seguir, as mais variadas embarcacêes — charruas, Carracas.
patachos, sumacas, etc. — foram empregadas no trifico. De modo
geral, os @uropeus utilizaram navios semelhantes para transportar
praticamente o mesmo numero de cativos.
Com o tempo, os estaleiros europeus construiram navios, com
diversas cobertas, destinados ao tr4fico. Nos navios de três cobertas,
para prevenir revoltas, os homens viajavam no porio inferior. as
mulheres, no intermedidrio, e as Criancas e as gestantes, no superior.

47
Nos navios menores, os homens
jam no porao, com a agua e as
mercadorias, as mulheres nas ca-
bines e os jovens e criancas nos
conveses, apenas protegidos por
um toldo.
Com os novos tumbeiros, os
armadores forneciam plantas gue
ensinavam como “empilhar”, nos
porées, maior guantidade de cati-
vos. Esses navios transportavam
de 300 a 3 000 metros cabicos de
carga Gtil, ou de cem a guatro-
centos cativos. Um alvar4 real
portuguës, de novembro de
1813, gye ditava instruc6es sobre
a higiene e a alimentacao dos
cativos, determinou gue as em-
barcac6es transportassem apenas
cinco cativos por tonelada.
Nas primeiras dêcadas do sê-
Culo XIX, os tumbeiros gue par-
tiam de Angola para o Rio de
Janeiro transportavam, em mé-
dia, aproximadamente 450 cati-
vos. Em meados do sêculo, na-
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viosa vaporlevaram para o Brasil
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A travessia atlintica, entre a
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Costa ocidental africana e o Bra-


sil, levava de guarenta a sessenta

Planta fornecida pelos armadores com


instrug6es para colocagio de cativos.
[corte horizontal]

48
dias. Um tumbeiro gue partisse de Mocambigue viajava até três meses
para chegar ao Rio de Janeiro. Ouanto mais demorada a viagem,
maior a mortalidade a bordo. Um navio europeu gue partisse para a
Africa e, dali, para a Amêrica, demorava, no minimo. dezoito meses
para voltar ao Velho Continente.
Até inicios do sêculo XVIII, a mortalidade média dos Cativos nos
tumbeiros encontrava-se em torno dos 20%. A partir de meados desse
sêculo, os tumbeiros ingleses gue transportavam africanos escraviza-
dos da Africa ao Caribe, demoravam de dois a trés meses na viageme
perdiam cerca de 10% dos passageiros. Os tumbeiros franceses, na
mesma rota e na mesma Êpoca, 13%. A mortalidade dos negreiros
holandeses, nos anos de 1730 e no inicio do sêculo XIX. era
praticamente a mesma: 11,4%.
Estima-se gue, no sêculo XIX, em torno de 10% dos cativos
morriam durante a travessia. Acredita-se gue a gueda da mortalidade
a partir de meados do sêculo XVIN tenha sido devida, entre Outros
fenêmenos, 4 difusao da vacinac&o contra a variola nas praias
africanas. Estima-se gue mais de 1 milhao e meio de africanos tenha
morrido durante a travessia. Nesses dados nao estio incluidas as
perdas totais devido a naufrigios, muito mais Comuns do gue se
imagina. Em meados do sêculo XVINI, uma companhia monopolista
luso-brasileira teria perdido em naufrigios nada menos do gue 14 dos
seus 43 navios tumbeiros. É desnecessdrio dizer gue os tumbeiros
Possuiam escaleres em nimero suficiente apenas para a tripulacao.

Longa vlagem

Durante a viagem, os Cativos permaneciam, boa parte do dia, em


Hila, amarrados, dois a dois, pelos tornozelos. nos porbes. Os angola-
nos, de forma afetuosa, chamavam de malungo— companheiro —oo
parceiro de corrente. As mulheres e as criancas viajavam nos conveses
ou nas cobertas superiores. Os nichos ou os porbes podiam ser to
baixos gue, durante a viagem, Os infelizes nio se levantavam plena-
mente. Eles podiam ter entre 0,60 e 1.5 metro. Para dormir, os
africanos apoiavam as cabecas sobre os vizinhos.
A alimenta€ao distribuida, em geral sob a forma de SOpa, em
vasilhames individuais ou coletivos, era pouca, malpreparada e sem
tempero. Os prisioneiros comiam. duas vezes ao dia, as 10 e as 16
horas, servindo-se de colheres de pau. Antes das refeicêes. Os CativOs

49
deviam lavar as maos em baldes de 4gua salgada. A agua para beber
meio litro — era distribuida três vezes a cada 24 horas.
Um. dois ou três dos seguintes produtos podiam fazer parte da
dieta dos tumbeiros: arroz, farinha, batata-doce, feijdo, milho, peixe
salgado, carne-seca, toucinho. Um estudo sobre a carga dos navios
tumbeiros partidos do Rio de Janeiro, entre fins de 1827 e inicios de
1830. revelou gue a carne-seca “esteve presente em 94% dos carre-
gamentos, a farinha de mandioca, €m 92%, o arroz e o toucinho, em
O8%”.
O tumbeiro Arsênia partiu do Rio de Janeiro, em novembro de
1827, para buscar cativos em Molembo e Cabinda. Levava a bordo “8
sacos de feijao, 13 de arroz, 110 de farinha, 130 arrobas de carne-seca,
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8 pipas de aguardente e 160 algueires de sal”, para alimentar a


tripulaco e os africanos. O brigue Boa Viagem, destinado aos portos
de Benguela e Luanda, Zarpou do mesmo porto, um mês mais tarde,
levando, para alimentar a tripulacdo e cativos, “10 barricas de acacar,
15 sacos de arroz, 2 sacos de café, 110 sacas de farinha e 8 barris de
tOUCiNho”.
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Os negreiros tinham instrumentos para alimentar, aA forca, Os
cativos gue se negavam a comer. A alimentacao da tripulacao e,
sobretudo, dos oficiais era mais variada e rica — cames, temperos
diversos, frutas, vinhos, etc.
Os negreiro tentavam diminuir a mortalidade entre os Cativos.
Uma mangueira de lona, presa a um mastro, Captava o ar fresco e
levava-os aos poroes, se o calor era insuportvel ou o ar irrespirdvel.
Os cativos doentes, enlouguecidos ou debilitados, defecavam, urina-
vam € vomitavam, sem poder se aproximar dos baldes ou das
precarias latrinas. os negreiros mandavam lavar, periodicamente, Os
pisos dos porêes com vinagre e& 4gua do mar. Para prevenir o
escoburto, diversas vezes por semana a boca dos cativos era enxagua-
da com vinagre e eles recebiam, geralmente pela manha, uma
peguena racao de alcool.

Macabra danca
Se o tempo permitisse, os cativos eram levados para os tombadi-
Ihos, duas vezes ao dia, acorrentados, para dancarem, sob a muisica
improvisada de algum marinheiro e o chicote do negreiro. Duas vezes
por semana, lavavam-nos com a dgua do mar. Durante a viagem, o
Cabelo, a barba e as unhas eram cortados novamente.
Para acalmar a carga humana, os negreiros faziam Circular pelos
poroes cachimbos e fumo e permitiam gue os cCativos Cantassem
musicas africanas. Alguns deles recebiam um pegueno chicote para
manter a ordem, nos porêes, durante a noite. Devido ao servico,
tinham direito a algumas regalias.
Os cativos embarcados encontravam-se ji debilitados. E facil
imaginar as consegiëncias da travessia atlintica para a sautde fisica e
pSiguica dos africanos. Os tumbeiros possuiam um “Cirurgiao”, um
Pratico ou, pelo menos, um sangrador, gue se ocupava da tripulacao
e viglava o estado geral da “carga”.
Durante as visitas de controle, os “médicos” entravam descalcos
nos porbes, pois deviam caminhar, literalmente, sobre os cCativos.
Protegidos pela semi-escuridao, os prisioneiros beliscavam e€ mor-
diam os pés desprotegidos do “visitante”.
Na segunda metade do século XIX, era comum vacinar Os CativOs
contra a variola antes do embargue. Essa doenca aterrorizava Os
negreiros. O cativo descoberto infectado era isolado ou envenenado

51

Biblioteca Publica Municipa


Padre Arlindo Marcon
Carlos Barbosa - RS
se

e jogado ao mar: medida gue se adotava para separar a “maca


estragada das sadias”. Se podiam, os negreiros escondiam a enfermi-
dade dos cativos e dos tripulantes.
Como vimos, os cativos viajavam guase nus. Com tal medida.
tentava-se diminuir a incidência de parasitas. Eles sofriam fregtiente-
mente de disenteria, escorbuto, sarampo e variola. Sarna, corbinculos
e outras doencas de pele atacavam os africanos gue viajavam em
promiscuo e doloroso contato. Alguns cativos enlougueciam ou
suicidavam-se antes de chegar ao destino. Os doentes eram tratados
sumariamente em improvisadas “enfermarias”.
AA escrovidaêo
nos cidades

Desembargue e
venda de cativos

r6ximos das cCostas americanas, os negreiros distribuiam,


aos Cativos, com maior liberalidade, a 4gua e as racoes gue
sobrassem. Confiantes, permitiam gue eles permaneces-
sem mais tempo nos conveses. Informados de gue ndo
seriam devorados, os africanos batiam palmas e cantavam, alegres, ao
avistarem as praias.
Ao atracarem nos portos, os tumbeiros exalavam um odor terrivel-
mente fétido. No navio, funciondrios efetuavam uma primeira inspe-
CAo sanitiria. Nos portos existiam locais isolados destinados a guarda-
rem, por alguns dias, os cativos. Temia-se a introduc4o de epidemias.
No Rio de Janeiro, nos sêculos XVIII e XIX, as ilhas das Cobras e de
Jesus, respectivamente, serviram para tal finalidade.
No inicio do sêculo XIX, os ingleses iniciaram o combate ao
trafico negreiro internacional. Nio gue se opusessem 4 escraviddo.
Nas colênias inglesas, ela se manteria aré 1833. Com a Revolucao
Industrial, a Inglaterra precisava das matêrias-primas africanas —
marfim, cera, arroz, etc. Os africanos deviam ser explorados na Africa.
Era necessdrio destruir os reinos africanos da costa, ocupar colonial-
mente o continente, reorientar as atividades comerciais africanas.
Em 1830, como veremos, os ingleses obtiveram das attoridades
brasileiras a proibicao formal do trafico. Deste ano até 1851, guando
cessou, realmente, o trfico transatlintico em direcio ao Brasil,
centenas de milhares de cativos desembarcavam ilegalmente nas

23
costas nacionais, sob os olhos cimplices das autoridades. Entre 1830
e 1850, os desembargues de cativos eram feitos sem controle sani-
tAriO.
O desembargue nos portos brasileiros — Salvador, Sao Luis,
Recife, Rio de Janeiro, etc. — @ra menos problem4tico do gue o
embargue na Africa. As instalac6es portuirias e os meios de desem-
bargue ofereciam mais seguranca. Vergados pela travessia macabra,
os Cativos deixavam-se conduzir como autêmatos. -
Fra dantesco o espetdculo dos cativos desembarcando nas Améêri-
cas. Cobertos de pastulas, pareciam mortos-vivos. Os homens, com o
sexo a balancar, entre as pernas, imensos em proporcio aos COrDOS
magérrimos. As mulheres, curvadas, as costelas 4 mostra. As crianci-
nhas, peguenos Zumbis, sê olhos, agarradas aos peitos exauridos das
mades.

(3 desemba va Ee

Cuando os cativos se encontravam no navio, ou logo apls


desembarcarem, negreiros e comerciantes facilitavam a visita de
africanos, da mesma nacionalidade, aos recém-chegados. O objetivo
era tranguiliza-los, facilitando o desembargue e a posterior venda.
Trabalhariam até a morte, mas nio seriam devorados em festas
Canibalescas!
Alguns cativos chegavam da Africa destinados aos futuros pro-
prietarios. Nos ultimos anos do trafico, fazendeiros subiam a bordoe
disputavam os valiosos trabalhadores escravizados. Grande parte dos
CatIVOS era entregue a comerciantes especializados no comércio
humano.
NO Rio de Janeiro, no inicio do sêculo XIX, na rua do Valongo,
cerca de cingtienta armazéns vendiam trabalhadores escravizados. Os
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maiores, em sobrados de dois andares, armazenavam de trezentos a


guatrocentos cativos. Os africanos ficavam expostos, sentados sobre
esteiras ou em longos bancos e estrados de madeira, na frente ou no
exterior das lojas.
Os comerciantes apresentavam o melhor possivel a “mercadoria”.
Rapavam as cabeleiras e as barbas crescidas. Banhavam os Cativos.
Alimentavam-nos abundantemente. Cuidavam de suas enfermidades.
Premiavam, com fumo, aguardente e rapé, os bem-comportados. Os
insubmissos eram chicoteados.

54
Os cativos gravemente doentes eram vendidosa preco de liguida-
cao. Peguenos empresêrios se especializavam na cura e posterior
venda, com lucros, dessas "pecas” desenganadas, Muitos cativos
morriam apês o desembargue. No Rio de Janeiro, enterravam-nos em
valas comuns, enrolados em panos, perto do Valongo — na rua do
Cemitêrio.
Era grande a tensdo no momento da compra, Os operdrios
modernos sao despedidos, se adoecem, se se mostram insubmissos
ou indbeis, Desfazer-se de um cativo era mais dificil. Os novos
compradores gueriam saber por gue se vendia o escravo. A venda
seria anulada se o vendedor nao revelasse ao comprador uma grave
doenca ou um “vicio” do cativo — beber, fugir, roubar, etc.

7 venda
Mêédicos e feitores praticos acompanhavam os amos no momento
da compra. Apreciac6es fantasiosas influenciavam as transac6es. Em
algumas regi6es, dava-se preferência aos cativos de canela fina. Em
outras, aos de canela grossa. Os cativos deviam caminhar, pular,
correr, levantar pesos, falar, tossir. Os cabelos, a pele, os dentes, a
lingua, o peito, os 6rg4os sexuais eram examinados. Temiam-se as
doencas das vias respiratorias, a sifilis, os tumores ocultos,
Os fazendeiros vinham 4 cidade para adguirir peguenos, médios
ou grandes lotes de trabalhadores. A compra de um sê Cativo nao
justificava a viagem e os gastos. Eles compravam peguenos lotes de
africanos de diversas nacionalidades. Ninguém se sentiria completa-
mente isolado nas fazendas. E evitava-se comprar Cativos gue falas-
sem a mesma lingua.
Os africanos chegados ao Brasil eram chamados de “cativos
NOVvos” ou “bocais”. Novos na terra, nio conheciam a lingua e as
prêticas produtivas. Ouando se acostumavam 4 terra, 4 lingua e ao
trabalho diërio, passavam a ser denominados “ladinos”. Alcancavam,
entio, um malior preco. Os trabalhadores escravizados nascidos no
Brasil eram chamados de “crioulos”.
Muitos cadvos novos permaneceram nas cidades. Nelas, conhe-
ciam uma vida miserdvel, mas superior gue lhes reservaria o campo.
A imensa maioria dos africanos chegados As Amêricas foi adaguirida
para trabalhar nas plantacêes, nas minas, nos criatêrios, etc. Ao
contrério de hoje, durante a Colênia e o Impêrio, a maior parte da
populagao brasileira vivia e trabalhava no mundo rural.
55
Os fazendeiros compravam chapêus de palha, roupas risticas,
uma resistente manta para os cativos recÊm-adguiridos. Vigiados—a
pé, em cCarrocas € por barcos —, os trabalhadores escravizados
partiam para enfrentar os sofrimentos da escravidao rural. Na segunda
metade do sêculo XIX, os cativos gue chegavam das outras provincias
do Brasil, para trabalhar nas fazendas cafeicultoras do Centro-Sul,
viajavam por estradas de ferro.
Poréêm, antes de descrever os duros trabalhos do cativo rural,
analisaremos, rapidamente, a vida nas cidades brasileiras durante a
escravidao.

As cidades do Braosil escravista

No Brasil, durante a escraviddo, o mundo rural dominou o


urbano. As cidades nasciam e cresciam para apoiar a sociedade
escravista — agricola, monocultora, exportadora. Mesmo os grandes
centros urbanos desempenhavam apenas func6es administrativas,
SOCIais € cOmerciais acessbrias. Nessa época, vivia-se melhor nas
fazendas do gue nas cidades.
Sobretudo na Colênia, as cidades nao possuiam populacêes
numerosas. Flas eram habitadas, de modo permanente, por alguns
funcionarios civis e militares, por oficiais mecinicos, comerciantes,
etc. Era insignificante a populac&o trabalhadora livre urbana.
Os senhores residiam nas mais confortiveis fazendas, onde diri-
giam os trabalhos rurais, e ocupavam as residências urbanas apenas
Em ocasioes especiais — eleicbes, festas, entressafra, etc. Os cativos
domé@sticos chegavam e voltavam para as fazendas com os amos. Até
o Him da escravidao, durante parte do ano as peguenas e médias
cidades permaneciam semidesabitadas.
-

A vida urbana baseava-se no trabalho do cativo. A construcao das


MEE: EER.

ruas, pracas, chafarizes, residências, igrejas, mercados e edificios


publicos era dirigida por homens livres e executada por trabalhadores
escravizados. As matérias-primas eram produzidas pelos cativos.
As construcbes eram rusticas e simples. A gualidade da mao-de-
obra e a precariedade dos materiais limitavam o nivel tecnolêgico e
arguitetênico das obras. Em geral, especialmente na Colênia, as
residências, de grossas paredes, eram de adobe, pau-a-pigue e taipa
de pilao, ou seja, eram construidas com barro, madeira, bambu, etc.
As obras mais ricas utilizavam pedra, barro, tijolos, call.
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Vista de rua do Rio de Janeiro na Colénia.

Era comum cConstruir durante a entressafra e nos momentos de


marasmo da economia de exportacio, guando abundavam cCativos
desocupados. Obrigados ou voluntariamente, os senhores empresta-
vam OS cativos para a construcado e conservacio das estradas e
edificios puablicos, etc.

(Centvros urbanos escravistas

Os centros urbanos coloniais caracterizavam-se pela grande rusti-


cidade, uniformidade e simplicidade, no gue diz respeito ao plano
urbanistico, 4 ocupacao dos lotes urbanos, as residências, ao tracado
das ruas e pracas, etc.
As residências tinham a forma de grandes blocos, macicos e
retangulares. No geral, eram caiadas. Construidas. uma ao lado da
outra — praticamente com os mesmos materiais. as mesmas dimen-
soes, as mesmas fachadas, a mesma altura —. davam uma forte
impressdo de monotonia e concentracio. A ausência de arvores, nas
ruase nas pracas, e de jardins domésticos aumentava esse sentimento.
A uniformidade e a monotonia das moradias e das cidades
brasileiras refletiam o mundo escravista — autoritdrio. simples, rigido,
rustico. Proprietarios brutais & cativos brutalizados eram os dois
grandes polos desse universo.

27
A impressdo de concentrac4o urbana satisfazia os senhores. Ela
reforcava o sentimento de seguranca e de poder dos escravistas. Ao
contririo das cidades, no mundo rural os amos viviam em fazendas
jsoladas, cercados por multidêes de ameacadores cativos.
Na Colênia, as Casas, uma ao lado da outra, definiam as ruas. As
residências avancavam, desalinhadas, sobre os caminhos urbanos,
gue tinham tracado e largura irregulares. Desniveladas e esburacadas,
as ruas n4ao possufjam Calcamento nem calcadas, o gue n4o era um
problema. Passavam por elas guase somente transeuntes, a pé ou
montados e poucas carretas e carrocas. Homens e mercadorias eram
transportados pelos cativos.
As lojas € os armazéns eram escassos. Com o tempo, algumas
pracas e ruas se especializaram, sobretudo no comêrcio. Esses locais
mais animados tornaram-se centro de convivência de senhores e
trabalhadores escravizados.

Primeivos calcamentos
Principalmente no fim da Colênia, as principais ruas, pracas e
ladeiras comecaram a ser calcadas. E, mais tarde, iluminadas. As
cAmaras municipais passaram a se preocupar com o alinhamento,
nivelamento, largura e calcamento das artêrias urbanas.
As ruase pracas eram calcadas de forma ristica e sum4ria. Turmas
de cativos fincavam pedras, rudemente preparadas, em toda a largura
dos caminhos urbanos. As calcadas foram construidas, mais tarde,
para separar o trafego de homens e de veiculos.
NOS primeiros tempos, as pracas nio serviam, como hoje, ao lazer
e 4 permanência da populac4o. Eram terrenos, sem 4drvores e pavi-
mentacdo, destinados as atividades publicas — mercado, procissêes,
festas, etc. Cavalos, boise porcos pastavam, soltos, 4 noite, nas pracas
e nas ruas.
Na praca central, localizava-seopelourinho, simbolodaautonomia
e dos direitos municipais., Em tornodela, erguiam-se os edificios pibli-
CO$—Igrejamatriz,cAmara, prisêo,etC.—easprincipaisresidências. Os
cativos eram Castigados e executados ao pé do pelourinho. As casas
maisricaslocalizavam-setambêm nasesguinas centrais.
O espaco urbano era ocupado pelas ruas, logradouros e guartei-
roes. Os guarteiroes eram subdivididos em terrenos urbanos. Muitos
lotes tinham aproximadamente dez metros de frente, e três, guatro de

8
fundos. As casas têrreas e os sobrados eram levantados, nos limites
dos terrenos, sobre o alinhamento das ruas.
Sem jardins dianteiros, as residências ocupavam os três limites do
terreno. Reservava-se a parte dos “fundos” para o grande guintal.
Ouando totalmente ocupadas, as guadras produziam a impressao de
concentracao urbana, jé assinalada. Porêm, todo o “miolo” da guadra
era ocupado pelo espaco semivazio dos guintais.

Sobrados senhoriais

Nas cidades, as elites moravam principalmente nos sobrados. Em


geral, eles tinham dois pisos, mas havia sobrados de mais andares. Em
Recife, alguns, muito estreitos, possuiam cinco.
Os sobrados continham comumente duas pecas por andar. As
pecas eram iluminadas e arejadas pelas portas e janelas gue davam
para a rua e para o guintal. As alturas das pecas podiam ultrapassar os
guatro metros.
O andar têrreo dispunha de duas grandes pecas. A gue dava para
a rua servia como loja, oficina, deposito, estrebarias, etc. A gue dava

E
Pa
para o guintal, como local de trabalho, cozinha, dormitêrio de

AAS
escravos, etc. O piso do andar têrreo era de chao batido ou de laje.

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A familia senhorial morava no segundo andar, mais arejado e

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iluminado. Ele dispunha de assoalho, de longas tibuas, gue garantia

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melhor protecao contra a umidade e parasitas doméêsticos.
A sala da frente do segundo andar, com janelas, balcées e sacadas
para a rua, destinava-se a vida social — reuni6es, jantares, etc. A peca
posterior era reservada ds mulheres. Entre as duas, sem iluminacio ou
aeracao direta, Hicavam os dormitérios senhoriais — as alcovas.
O recolhimento da alcova—a Gnica peca gue nio se comunicava
diretamente com a rua @ o duintal —, alêm de manter as mulheres
reclusas, protegia também os proprietdrios contra possiveis atentados
servis.

Moradias separadas

A rigida divisao entre o andar têrreo — destinado ao pablicoe aos


cativos—e 0 $uperlor—reservadoa familia—respeitava, nos h4bitos
residenciais urbanos, a radical separacao de classes da escravidao.

59
A falta de continuidade entre o espaco doméstico (interiop e o
publico (exterior) era outra caracteristica autoritdria dos sobrados.
Fles nao possuiam areas intermediërias, cComo jardins, alpendres, etc.
gue facilitassem o contato entre a rua e a residência.
Os beirais dos telhados projetavam-se sobre a rua. Os telhados.
sem calhas, de telha-canal (colonial), eram de “duas 4guas”. Portanto,
asdguas da chuva escorriam para a rua e para o guintal. Nos sobrados
mais ricos, pecas de madeira trabalhada ornavam os beirais. As
tachadas eram sObrias. No têrreo, uma ou mais janelas distribuiam-se.
geralmente a esguerda e a direita da porta de acesso.
DLava-se maior atencdo as portas de entrada e 4 fachada. Os
marcos das portas e das janelas eram de pedra ou de madeira. As
vergas — pecas gue repousam sobre as ombreiras das portas e janelas
— eram retas ou levemente argueadas. As portas e janelas eram
fechadas com tibuas. Balcêes, falsos balcêese uma maior ormamenta-
cao lembravam o status mais elevado do andar superior.
Junto a fachada dos sobrados, construia-se uma calcada, de uns
25 centimetros, para gue as 4guas da chuva, caidas pelos beirais, nao
minassem os fundamentos dos sobrados. No térreo, um Corredor unia
a @ntrada ao guintal. Uma escada interior ligava o andar têrreo e o
SUperior.
OS guintais dos sobrados tinham importantes funcêes. Forneciam
produtos, abundantes nas fazendas, mas raros nas cidades. Eles
dispunham de galinheiros, despensas, peguenas hortas, Arvores fruti-
feras, um poco. Dormitêrios para os cativos e privadas podiam ser
COnstruidos nos guintais.

Contorto suburbano

A cozinha localizava-se nos fundos do andar têrreo ou no guintal,


Num puxado encostado a residência. Em Portugal, a cozinha era o
COrac4o da casa. No Brasil, sua expulsêo do corpo principal da
residência permitiu o afastamento dos cativos e cativas cozinheiros.
Durante muito tempo, nas cidades, foram raras as padarias, Os
ACOUgues, Os armazéns, etc. O abastecimento de 4gua, a iluminacao,
OS @SgOLtOS € o transporte pablico praticamente nio existiam. Muitos
senhores abasteciam-se em suas fazendas distantes.
A classe senhorial hesitava entre o conforto das fazendas e a
Crescente importancia politica, social e cultural das cidades Nas

60
Pe
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periferias das aglomeracêes urbanas, as chicaras permitiam as fami-
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lias ricas dispor, nas cidades, dos cConfortos rurais.


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As chêcaras eram fazendolas com uma residência guase urbana.


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veguenas criacbes de animais produziam carne e leite. Pomares,


hortas e plantac6es forneciam frutas. legumes, cereais, tubêrculos,
etc. POCOS e arroios garantiam a 4gua necessêria. Animais assegura-
EE;

vam, nds pastagens, o transporte. As chicaras permitiam gue os


senhores fossem servidos por uma abundante escravaria. Alguns
proprietarios moravam nelas, mas possuiam moradias urbanas, ocu-
padas em ocasiëes especiais.
A Casa tÊrrea era usada como moradia e local de trabalho dos
homens livres e pobres — artesaos, libertos, peguenos comerciantes,
etc. Era construida com os mesmos materiais e pela mesma mao-de-
obra servil gue erguia os sobrados.
As Casas têrreas mais simples possuiam duas pecas. A sala da
trente destinava-se 4 recepcao de hêspedes e A realizacio das
atividades comerciais e produtivas. A de tris servia de dormitêrioe de
|
!
local de estar para as mulheres. Cozinhava-se num pegueno puxado,
levantado no p4tio, junto a casa.
A casa térrea possuia apenas uma porta, ou uma porta e uma Ou
duas janelas, na fachada. Como o sobrado, era levantada sobre o
EE

alinhamento da rua e possuia cobertura de “duas dguas` — de palha


ou de telha-canal— ee guintal. Logo, as cAmaras municipais proibiram
a CONStrucdo, no perimetro urbano, de casas de telhados de palha. O
piso era de chao batido.

Negros domésticos,
gonhadores e de aoluguel
Ate por volta de 1888, a vida nas cidades repousou nos ombros
dos Cativos. Em peguenas, grandes e médias cidades do litoral e do
interior, multidoes de cativos trabalhavam em multiplas atividades.
algumas delas hoje desaparecidas. Eram eles due tornavam possivela
permanéncia dos senhores nas cidades. Boa parte desses trabalhos
era realizada pelos cativos domésticos.
Ee

Nas residências mais ricas, trabalhava uma grande guantidade de


CatiVOS — porteiros, cocheiros, cCozinheiras. COpeiros, lavadeiras,
engomadores, pajens, mucamas. etc. Nas menos ricCas, era CoOmum
gue alguns Cativos se ocupassem de todas essas funcoes. As
Familias

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pobres esforcavam-se para ter, no minimo, um trabalhador escraviza-
do. No possuir seguer um molegue de pouco preco ou uma negra
imprestavel era sinal de pobreza e causa de grandes dificuldades.
Mesmo as grandes cidades do litoral n4o possuiam servicos
hidraulicos. Cativos recolhiam 4gua em lagoas, rios e afroios; nos
pocos, cacimbas e chafarizes. Se possivel, cCavavam-se pocos nos
Guintais das residências.
Aguadeiros cativos, com peguenos tonéis, transportados em Car-
rocas tracionadas por burros, ou nas costas dos animais, vendiam o
liguido aos fregueses em suas residências e pelas ruas.
Levar a 4gua — para beber, cozinhar, lavar-se — as residências
exigia grande esforco dos cativos. Como vimos, os senhores, de modo
geral, moravam nos andares superiores dos sobrados. E alguns
possuiam até cinco andares! A 4gua de beber era guardada em bilhas.
Os escravos traziam toalhas, bacias e jarras com 4gua para amose
convidados lavarem as maos apds as refeicêes. O banho exigia mais
trabalho para os cativos. Senhores, sinhis e sinhazinhas se lavavam,
Com parcimOnia, nos dormit6rios, com a ajuda de lavatêrios, bacias,
jarras e toalhas.

Banho de COMNECA

Os banhos de corpo inteiro, mais raros, eram tomados em tinase,


mais tarde, em baciées de cobre ou de folha-de-flandres. As dguas,
aguecidas, eram trazidas da cozinha, em jarras. Os negros e as negras
ajudavam os amos durante a toalete.
Inexistiam redes de esgoto ou coleta de lixo. Os cativos atiravam,
AOS guintais ou 4 rua, as 4guas servidas. A evacuacado dos dejetos
PEssoais era mais complexa. Construiam-se precarias latrinas nos
duintais. De dia e de noite, os senhores serviam-se de urinis. Eles
eram esvaziados, em vasos de ferro, providos de tampas, chamados
Cabungos ou tigres.
Os tigres eram guardados, nos sobrados, debaixo das escadas, ou,
NOS duintais, em peguenas casinhas. Escravos domésticos ou Cativos
dedicados a tal tarefa — os cabungueiros— despejavam os utensilios
repletos em cursos d'4gua préximos as cidades. As posturas munici-
pais puniam com acoites os cativos gue lancavam as fezes e os lixoOs
domé@êsticos pelas ruas e terrenos baldios.
Por muito tempo, foi rudimentar o abastecimento das cidades em
gÊneros alimenticios. Alguns proprietrios Proviam-se nas fazendas

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Ou nas chdcaras. Produtos e servicos eram produzidos nos guintais
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das residências. Cuidar de peguenas criacoes, hortas, drvores frutife-


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ras, etc. constituia mais uma ocupacdo dos cativos.


Eram infindaveis as obrigacoes dos cativos doméêsticos. Os ali-
mentos deviam ser beneficiados e preparados. Porcos, Cameiros,
galinhas, etc., comprados vivos, eram sacrificados nas cozinhas e nos
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duintais. Os graos de café deviam ser gueimados e moidos: os feijoes,


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escolhidos; o leite, fervido, etc.


Eram raras as padarias. Para produzir o pao — de milho, de fubd,
de centeio —, moiam-se os gros, amassavam-nos € COziam-se as
massas, fregtientemente, nas residências senhoriais.

COoiabada Para todo o oano


Em certas épocas, sob as ordens rispidas das senhoras. os Cativos
trabalhavam, sem parar, nas cozinhas e nos guintais, colhendo.
limpando, preparando as frutas para a producao de tachadas de
marmelada, figada, pessegada, etc. Os frutos da época, abundantes.
eram assim conservados para todo o ano.
Os cativos doméêsticos trabalhavam sem cessar. Tudo era dificile
trabalhoso. Os assoalhos de longas tibuas deviam ser esfregados,
penosamente, com areido.
A lenha, trazida das proximidades da cidade ou cCOomprada no
mercado e de vendedores ambulantes, devia ser cortada emachase
preparada para alimentar OS risticos fogOes. As chapas dos fogoes
precisavam ser lavadas e raspadas, com pedras especiais. NO inverno.
nas regioes frias, produzia-se o Carvio gue gueimaria nos braseiros.
Cativas e cativos lavavam roupas e panos, batendo-os contra
tAbuas ou surrando-os com pedacos de pau, nos Cursos d'dgua. As
oupas deviam ser passadas, engomadas, remendadas. Os ferros de
passar levavam em seu bojo brasas ardentes ou eram aguecidos nas
brasas. Cativos lavavam “para fora”.
Multos produtos, tais como tecidos risticos, sabêes. velas. Cigar-
TO, goma, cola, etc., hoje em desuso ou adguiridos prontos. era
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produzidos, de forma artesanal, pelos Cativos.
AO cair da noite, exaustos, os negros e negras nao podiam, ainda,
descansar. Tinham de trancar as portas; fechar as pesadas
janelas:
acender as velas nos casticais, candeeiros, lampioes;
preparar chdse
refeic6es noturnas: prover de dgua as moringas;
esguentar os lencêis
com ferros guentes: despejar e limpar urin6is
e escarradeiras de

03
porcelana; alimentar os braseiros; lavar os pés dos senhores; limparas
botas e botins para o dia seguinte, etc.

Dormindo na cozinha

Finalmente, os Cativos, exaustos, recolhiam-se a estreitos e insalu-


bres dormitêrios, nos andares têrreos dos sobrados, nos porêes das
residências, em guartinhos construidos nos guintais. Muitos nio
tinham dormitorios. Dormiam sobre esteiras, pelegos ou cobertores,
nas cozinhas, despensas, corredores ou ao pé da cama dos senhores.
Os cativos realiZavam variados servicos urbanos. O transporte das
mercadorias era um monopdllio servil. Para um homem livre, Carregar
pela cidade um pegueno pacote constituia motivo de chacota e
desprezo.

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Meio de transporte comum durante a escravidao.

Os cativos domeéësticos transportavam objetos e seus proprietdrios.


Na Colênia, as cadeirinhas e as redes, Carregadas por cativos, foram
tradicional meio de transporte.
Nas cidades, cativos ganhadores ocupavam-se habitualmente do
transporte de pessoas ë mercadorias. Os ganhadores eram Cativos,
empregados nas mais diversas atividades, aos guais os proprietirios
facilitavam uma relativa liberdade de acao, em troca da entrega de
uma renda fixa diëria, semanal ou mensal — Oo ganho.

04
O gue obtivessem alêm do ganho pertenceria aos ganhadores.
Com o gue Ihes sobrava, deviam alimentar-se, vestir-se, cComprar
terramentas, etc. Alguns ganhadores obtinham o direito de viver
independentemente. Escravos ganhadores, depois de anos de sacrifi-
CIOS, juntaram a soma necessiria para comprar a liberdade aos
senhores.
Nas cidades, ganhadores, parados em locais habituais, esperavam
ser contratados. Nos portos, o desembargue de mercadorias e dos
passageiros — em escaleres, canoas, jangadas — era também um
MONOPOlio servil.

Vendedores ombulantes

O abastecimento urbano dependia dos cCativos. Pela manhi.


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ganhadores percorriam as ruas oferecendo — em vasilhames. Cestos.


tabuleiros, etc. —d4dgua, leite, pao, café, galinhas, milho, alho. cebola.
lenha, etc.
AS posturas municipais determinavam gue, apês visitarem Os
tregueses e percorrerem as ruas, os vendedores permanecessem em
sitios especialmente delimitados. Se parassem pelas ruas e pracas,
serlam acoitados e multados.
Negros ganhadores dedicavam-se a variados servicos. Munidos de
bacias, navalhas e tesouras, cortavam o cabelo e a barba de escravos
livres e pobres, ao ar livre. Cativos praticavam a medicina popular. As
portas das vendas, comercializavam poc6es, rezas, ervas e realizavam
peguenas operacoes cirurgicas.
NOs mercados — de cécoras, junto aos produros — ou em
peguenas barracas, Cativos vendiam frutas, verduras. aves e& Outros
produtos. Senhoras enfeitavam as mais lindas Cativase Obrigavam-nas
a vender, como ganhadoras, o cCOrpo. Cativas armavam peguenas
cozinhas nas ruas e pracas e serviam refeicbes econbmicas.
Nas cidades e nos campos, alugar Cativos a terceiros era Outra
difundida pratica senhorial. Empresirios escravistas COMPravam moO-
legues e os enviavam a aprender um oficio. A seguir, eles eram
empregados como Cativos ganhadores ou de aluguel. Cativas eram
obrigadas a abandonar os filhos recém-nascidos em Caixas giratOrias
— rodas dos expostos — de asilos e orfanatos. para ser alugad
as
COMO amas-de-leite.

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Nos jornais do Império, senhores noticiavama intencao de alugar,
comprar ou vender cativos, dotados das mais variadas habilidades,
para as mais diversas funcoes.

ZA modewmizac&o urbana
do Brasil escravista

Com a transferência da Coroa portuguesa para o Brasil, em 1808,


encerrou-se o periodo colonial. O Brasil passava a ser a sede do
Impêrio lusitano. Era necessêrio adaptar a ristica capital colonial as
novas e dignissimas funcoes. O Brasil, em geral, e o Rio de Janeiro,
em especial, conheceram importantes transformacoes.
A familia real e acompanhantes — 10 mil pessoas — aboletaram-
se nas melhores residências carjiocas. Prédios foram reformados e
construidos. A presenca de uma corte européia introduziu modos de
vida mais `modernos” no Brasil.

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Senhora brasileira em sua residéncia.

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Com a liberdade de comércio, os produtores nacionais eram
mandados, sem passar por Lisboa, para a Europa, e as mercadorias
estrangeiras chegavam, mais baratas e abundantes, diretamente do
exterlor, aos portos nacionais.
Comerciantes estrangeiros passaram a vender mOveis, objetos
dom@ésticos, materiais de construcdo importados. Essas inovacoes
refinaram os habitos coloniais. Como nio ameacavam a estrutura
escravista do pais, eram apoiadas pela Coroa lusitana.
No Rio de Janeiro, dom Jo4o ordenou a substituicaio dos balcoes
e janelas de grades de madeira cruzada dos sobrados coloniais por
janelas envidracadas, mais adaptadas 4 nova dignidade da capital.
O barateamento do preco do vidro pês fim aos postigos—folhas
cCegas— gue protegiam as portas e janelas das residências. Agora, elas
podiam permanecer fechadas, mesmo durante o dia, impedindo a
introduc4o de chuva, poeira, insetos, etc., sem mergulhar a casa na
escuridao.

Nova iluminacêo

A substituicao de candeeiros e velas por lampioes de mecha


Circular e manga de vidro acabou com o império da luz do sol sobre
a vida colonial. Sob a luz dos lampi@es, nas tertulias, sinhazinhas
martelavam pianos e declamavam sonetos. Iluminados por eles,
cativos, apOs trabalharem de sola sol nas roc€as, iniciavam Oo serdo nas
sedes das fazendas.
Em 1816, como parte da politica de modernizacao da ex-colênia,
chegava ao Brasila “missao cultural francesa”, com pintores, masicos,
artifices, arguiteros, etc. Na época, o estilo neocldssico imperava na
Europa. Ele foi rapidamente introduzido no Brasil.
O estilo neoclassico teve fulgurante sucesso na arguitetura brasi-
leira. A simplicidade e rusticidade do “estilo colonial” cederam lugara
complexidade e ao aristocratismo das estatuas, colunas, frontoes,
platibandas de inspiracdo greco-romana.
Na Corte, foram construidos prédios neocldssicos gue se eguipa-
ravam aos europeus. Eles eram projetados por arguitetos franceses e
executados por artifices estrangeiros. Essas construcées impressiona-
vam os senhores do interior, gue, ao voltarem para suas regioes,
procuravam imita-las, reformando suas moradias Ou construindo
nNovas.

07
O estilo neocldssico correspondia 4 nova realidade do pais. Com
a Independência, os escravistas evoluiam, de classe colonial a senho-
res de uma imensa nac4o. Na nova arguitetura, procuravam expres-
sar, simbolicamente, para si mesmos, para os estrangeiros e para os
setores subalternos, os principios sobre os guais propunham edificar
a Nova NacA0 — EUropeismo, aristoCratismo e unidade senhorial.
O novo estilo difundiu-se por todo o Brasil. No interior e na Corte,
COM POUCOS recursos, Os senhores usavam os materiais de construcao
tradicionais ea mao-de-obra servil. De modo geral, a adoc&io da nova
orientacao arguitetOnica foi superficial e restringiu-se aos saloes
sOC1ais € ao uso de colunas, escadarias, platibandas e frontêes. Ou
seja, ao tratamento externo das residências.

Reformando o velhe
Nas novas construcêes e nas reformas dos sobrados e casaroes
Coloniais, a importacao de calhas permitiu gue os beirais fossem
Substituidos por platibandas, ornadas por vasos, fruteiras e estatuas
de louca do Porto, com figuras da mitologia, das estacbes, das
virtudes, etc.
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Nas fachadas, as janelas e portas coloniais cederam lugara outras,


de vergas em semicircunferência, com a parte superior em ferro
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vazado ou vidro, simples e colorido. Sobre as fachadas. frontoes
realcavama entrada principal ou o centro do prédio. As pilastras eram
apenas delineadas sobre as fachadas. As residências eram pintadas em
cores suaves — branco, rosa, azul-pastel.
As salas de estar, as cozinhas, os dormitêrios e os guintais
permaneceram, como a sociedade, profundamente escravistas. Eram
uma continuacao das moradias coloniais. Toda a residência funciona-
va apenas devido ao esforco do cativo. Em verdade, o gue nasceu e se
desenvolveu no Brasil foi uma espêcie de estilo neocldssico escravis-
ta, rustico e simples.
A partir de meados do sêculo XIX, as cidades brasileiras conhece-
ram outras grandes modificac6es. Em relacdo 4 Colênia, a populacio
urbana cresceu e especializou-se. Muitos proprietdrios rurais passa-
ram a morar nas cidades, apenas visitando as fazendas.
AA cafeicultura escravista vivia grande apogeu. A boa situacao
e@cCONOMICa permitiu a importacao de novos e refinados materiais de
COnstrucdo. Aprimorou-se otransporte fluvial. Estradas de ferro foram
construidas.
Nas cidades do interior, ruas, ladeiras e pracas comecaram a ser
Calcadas e, como no Rio de Janeiro, surgiram os primeiros jardins
POblicos, protegidos por grades de ferro. Nas ruas do centro, Os
trabalhadores escravizados no podiam andar sobre as calcadas.
Tampouco penetrar nas novas e elegantes pracas.

Porêo elevado

Por essas épocas, importantes modificacêes foram introduzidas


nas residências das elites. A banalizacao do uso de condutores de
dgua e de calhas facilitou a construcao de telhados mais complexos.
Fntretanto, a grande revolucdo foia casa de porao alto, ainda sobre o
alinhamento da rua. A construcdo de um porio semi-elevado. tendo
de um a dois metros de altura, permitiu elevar e assoalhar o andar
terreo, gue passou a ser habitado pelos senhores.
O porao era arejado por respiradores protegidos por grades de
terro. Se “habitavel”, era destinado aos cativos, aos empregados, as
despensas e as atividades domé@sticas, retirando do guintal algumas
das suas funcoes.
Ingressava-se na residência por uma escada com alguns degraus.
O interior das casas sofreu modificacoes importantes. As mais riCas

09
contavam com salas de recepcio — com forros, paredes e portas
pintados —, saletas de musica, capelas, escritorios, etc. As janelas das
pecas sociais davam para a rua. Flas possuiam elegantes Cortinas e,
muitas vezes, balcbes de ferro fundido.
As pecas dianteiras, protegidas contra a crescente indiscricao das
ruas, servjam as funcbes sociais. As intermediërias, independentes,
destinavam-se as atividades familiares — refeicoes, estar, dormitrio.
A cozinha e a nova casa de banho se localizavam nas pecas traseiras,
desgualificadas, proximas ao guintal.
Logo, esse tipo de casa conheceu outra revoluciondria inovacio,
ao recuar lateralmente, em relacao ao terreno urbano, em geral,
apenas de um lado. O outro, no inicio, guando se afastava, fazia-o
minimamente.
Eram os cativos gue construiam essas residências. Artifices livres
intervieram apenas na construcao das casas mais luxuosas. As paredes
eram grossas e o acabamento, rastico. O uso do papel de parede
importado escondia as imperfeicêes do acabamento.
As novas construc6es assinalaram o fim da uniformidade residen-
cial e arguitet6nica colonial. As residências dos senhores mais ricos
distinguiam-se pelas solucbes arguitetênicas, pelos elementos da
fachada, e nao apenas pelo tamanho.
O recuo lateral das construc6es em relac4o ao terreno permitia,
nas residências mais ricas, elegantes jardins e entradas laterais. E,
mesmo nas mais pobres, permitia gue todos os cêmodos fossem
iluminados e ventilados diretamente. Entretanto, era ainda pratica-
mente impossivel viver sem a abundante criadagem servil.

Desescrovizacê&o urbana

Nos anos de 1870, as cidades viveram um radical processo de


desescravizacao. Ele modificaria profundamente a vida urbana nacio-
nal. Devido 4 imposicao do governo britinico, o trafico negreiro
internacional em direcao ao Brasil cessou, em 1850. Nos anos ante-
riores, prevendo a abolicao do trafico, os negreiros importaram
grandes guantidades de africanos e africanas.
A cafeicultura consumia Cativos insaciavelmente. Ao se esgotarem
OS @stogues, o preco do escravo disparou. De todo o Brasil, Cativos
empregados, nas cidades e nos campos, em atividades menos produ-
tivas, comecaram a ser vendidos aos cafeicultores.

70
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Nas cidades, nao havia sentido manter um cativo em uma ativida-
de pouco rentavel se ele podia ser vendido, por uma alta soma, aos
cafeicultores. Em S4o Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, para
facilitar a transferência dos cativos para o campo, os cafeicultores
aprovaram leis municipais e provinciais gue taxavam Os escravos
urbanos. Por dêcadas, o trafico interno suprimiu as necessidades da
cafeicultura.
Coma carência de cativos urbanos, as cidades brasileiras comeca-
ram a se modernizar, a se desescravizar. Em pouco tempo, faltaria o
infatigavel cativo gue vivia, nas cidades, buscando, trazendo, levan-
do, transportando, Carregando, abanando, cozinhando.
Entao, foram construidos os primeiros esgotos, as primeiras
hidraulicas e redes de distribuicao de 4gua, os primeiros sistemas de
transporte publico de passageiros e de mercadorias. Faltando o
cativo, inimeros outros servicos urbanos nasceram ou se desenvolve-
ram. Esse processo facilitou o prosseguimento da venda de cativos
urbanos.
Anos antes gue a escravidao desaparecesse nos campos, ela
assumia um papel muito secundario nas cidades.

71
Cscrovidêo nos COAMPos

Cngenhos acucareiros e
mMIMEracAo escravista
imensa maioria dos cativos gue desembarcaram nas
Américas foi enviada ao cCampo para trabalhar nas plan-
tacoes e minas. As primeiras grandes fazendas do Brasil
escravista dedicaram-se 4 agromanufatura acucareira.
Os latifandios acucareiros possuiam milhares de hectares. Porêm,
se explorava apenas uma peguena parcela de terra de cada vez. Os
engenhos deviam possuir abundantes matas, para alimentar as forna-
has com lenha. Muitos deles cessaram as atividades por falta de
cCombustivel.

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Este desenho. baseado em eravuras de Franz Post, mostra um engenho em


Pernambuco, no século XVII. com a casa-grande ao fundo.

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Os engenhos mais ricos eram chamados de reais, Suas moendas
eram movidas pela forca hidriulica. Os trapiches, ao contrrio,
funcionavam com a energia animal — bovina e cavalar.
Os engenhos necessitavam de bons pastos para os animais gue
trabalhavam nas moendas e no transporte. O gado vacum e cavalar
era criado em fazendas do interior, para gue n4o invadissem Os
canaviais e para nao desperdicar terras proprias ao acucar.

(-osa-g onde E. senzala

Alêm de acticar, os engenhos produziam praticamente tudo o gue


OS proprietrios & os cativos consumiam. Para tal, eram plantadas
rocas de subsistência. As melhores fazendas acucareiras dispunham
de barreiros, pedreiras, bambuzais, etc.
Nos engenhos, viviam os amos e seus familiares, alguns morado-
res e agragados e, em média, uns oitenta cativos. Nos mais rICOS, as
instalacêes produtivas e as residências eram de tijolo e pedra. Nos
mais pobres, de pau-a-pigue, taipa de pilao, e telhados de sape:
A casa-grande era construida num ponto alto e sadio, de modo
gue se pudessem controlar a senzala e os canaviais. Nela, residiam a
familia senhorial, alguns agregados e os Cativos mais prOxXimos dos
amos. As Casas-grandes dos maiores engenhos eram sobrados com
inimeras pecas — dormitêrios, refeitérios, cozinhas, despensas, la-
vanderias, adega, etc.
Perto da casa-grande localizavam-se os pêtios, os galinheiros, OS
monturos, os chigueiros, o arvoredo, o pomar, OS pocos, a senzala
dos cativos doméêsticos. Mais afastados, ficavam o engenho, as outras
instalacoes produtivas e as senzalas dos escravos das plantacoes.
A producao do acucar Constituia uma atividade manufatureira. A
matéria-prima—cana-de-acacar—avan€ava atravesdasinstalacoes—
casa da moenda, das caldeiras, de purgar, das caixas, do bagaco— até
se transformar em acticar pronto para ser consumido.
As atividades produtivas eram divididas em etapas gue iam das
mais simples as mais complexas, realizadas por cativos em longas e
penosas jornadas de trabalho. As atividades de maior responsabilida-
de podiam ser executadas por trabalhadores livres — em geral,
negros libertos. Cativos rebeldes eram acorrentados as Formalhas gue
deviam alimentar.

73
Lra balhoe d UIO

Nos latifandios acucareiros, eguipes de risticos trabalhadores,


estreitamente feitorizados, eram empregadas, durantetodo o ano, Sob
o sol abrasador, em duras, longas e repetidas tarefas. Primeiro,
gueimava-se, limpava-se, plantava-se, rocava-se. Depois, colhia-se.
Durante os cinco ou mais meses da safra, mourejava-se até
dezoito horas didrias. Nao raro Cativos e cativas trabalhavam guinze
dias seguidos, sem interrupcêo. O principal instrumento de trab
alho
cONSISta NO pesado e resistente enxadêo, com uns dois guilos.
AOS CaUVoS exigiam-se pesadas cargas de trabalho —a “tarefa”.
Se
terminassem o trabalho a tempo, o gue era dificil, descansavam.
Se
ndo o Cumpriam, apanhavam.
NOS @ngenhos, os cativos exaustos dormiam em pé. Préximo
as
prensas havia sempre afiados facêes, para Amputar maos ou brac
os
dos Cativos gue, ébrios de SONS, introduziam nas m4guinas os
dedos,
com os feixes de cana-de-acticar.
As condicbes de vida e trabalho nos engenhos eram tio duras gue
a esperanca de vida média ttil de um jovem e saud4vel africano nao
passava dos 10 anos aproximadamente. Se chegasse ao Brasil com 14
ANOS, aos 24, se ainda estivesse vivo, teria virado um bagaco.
O acucar dominou a economia escravista brasileira durante os
séculos XV] e XVII. Com a expulsao dos holandeses de Pernambuco,
cles se transferiram, Com escravos e Capitais, para Oo Caribe. O
desenvolvimento da producio acucareira nesta Gltima regiao, nos
séCulos XVII e XVIII, determinou a'decadência da agromanufatura
Acucareira no Brasil, gue, no entanto, continuou a produzir o alimen-
(O, sem cCessar.

Corvrida do ouro

(uando cairam as rendas do acticar, os luso-brasileiros dedica-


ram-se a, novamente, como haviam feito nos primeiros anos da
“EE

Colbnia, procurar minerais preciosos. Em fins do sêculo XVIL, foram


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descobertas, nos sertêes do Brasil central, as “minas gerais”.


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Na minerac4o, como no acucar, podiam ser empregadas grandes


mr
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eguipes de cativos, obtendo-se grandes lucros. Até os Gltimos anosdo


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séCulo XVINT, a minerac&o escravista foi a principal atividade da


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GColbnia.

14
Escravos vigiados lavando diamantes em Curralinho.
Um deles mostra a pedra encontrada.

A descoberta das minas contribuiu para gue muitos empresarios


escravistas abandonassem, com as escravarias, as plantacoes do lito-
ral. Ela relancou, igualmente, a importacdo de trabalhadores escravi-
zZados da Africa.
Coma mineracao, a colênia americana sofreu grandes transforma-
cOes. Milhares de portugueses transferiram-se para Oo Brasil, atraidos
pelo ouro. A sociedade colonial interiorizou-se, enrigueceu-se, urba-
nIZOU-se, refinou-se. Desenvolveu-se a vida cultural: musica, poesia,
arguitetura, escultura.
Como nos engenhos, centenas de milhares de cativos trabalha-
ram, até a morte, produzindo as riguezZas gue terminaram, em sua
maior parte, enriguecendo as elites portuguesas e européias.
No inicio da mineracdo, os cativos trabalharam nas faisgueiras,
recolhendo o ouro de aluvido, depositado nas margens e nos leitos
dos cérregos e rios. Ele era produzido pelo esfarelamento das rochas
auriferas, causado pela acao das dguas.
753
Jnsteumentos visticos

Na época da mineracêo, os principais instrumentos de trabalho


eram um pegueno saco de couro, a pê, a enxada e a bateia. Ou seja,
uma gamela de madeira ou de metal na gual se separavam, com a
ajuda da &4gua, por decantacio, as areias e os seixos do DO e pepitas
de Ouro, mais pesados.
Ao acabar, nas margens e nos leitos dos rios, o ouro de aluviëo,
INICIOoU-se a éxploracao, maistrabalhosa dos
, depOsitos auriferose das
rochas matrizes, nas encostas dos morros.
Essa exploracao mais complexa exigia ferramentas etécnicas mais
refinadas e maiores investimentos. Muitas vezes era necessirio em-
pregar centenas de cativos para desviar cursos d'dgua, construir
represas, levantar aguedutos, cavar galerias.
Os Avidos proprietêrios descuidavam-se das rocas de subsistência
e obrigavam os cativos — mal-alimentados — a minerar ininterrupta-
mente. Isso fez com gue os negros até passassem fome.
Mesmo mais tarde, guando foram organizadas plantacêes e cria-
cOes nas Minas Gerais, os alimentos custavam Caro e Os amos
ECONOoMIZAavam na alimentacdo dos cativos.
A mineracao era feita, sobretudo no inverno, de abril a setembro,
durante a estacao da seca. Os negros cativos trabalhavam intermind-
veis horas, gelados, semi-imersos nas dguas.
COMO se procurava @CcOnomizar em materiais e construcoes,
acidentes graves eram fregtientes. Em um sê desabamento de galeria,
teriam morrido duzentos cativos soterrados.

(Cviatbrios, chargueadas e cofé


As fazendas da costa necessitavam de animais para moverem as
moendas, transportar as mercadorias, alimentar os cativos. Regi6ëes do
interior dedicaram-se a4 criacao animal. Essa especializacao aumentou
a produtividade da economia colonial, integrou o interior & Costa e
CriOu @conomias nao escravistas complementares.
As fazendds pastoris exigiam poucos investimentos. As terras
eram recebidas como doac6es. Iniciava-se uma fazenda com umd
ristica cabana, rocas de subsistência, currais e algum gado. Os
trabalhadores alimentavam-se com a Carne e com o gue plantavame.
muitas vezes, vestiam-se com Oo couro animal. No Nordeste, Os
76
fazendeiros pagavam aos vagueiros com uma parte do gado de gue
eles proprios cuidavam. |
O gado reproduzia-se e crescia com poucos cuidados. O sucesso
da fazenda dependia muito da gualidade das pastagens. Os criat6rios
exigiam poucos trabalhadores. No Rio Grande do Sul, os trabalhos
limitavam-se aos rodeios, a castracdo, 4 marcacdo, ao transporte dos
animais ao mercado. No Nordeste ou no Sul, as maiores fazendas
possuiam cerca de dez vagueiros ou pe6es.
Os trabalhadores pastoris trabalhavam montados, e muitas vezes
sOzinhos, em espacos isolados. Se fossem cativos, podiam fugir
facilmente. Era baixa a rentabilidade das fazendas. Os cativos Custa-
vam Caro. Os africanos desconheciam a criacdo extensiva. Muitas
vezes, nio conheciam o cavalo. Por essas e outras razoes, o trabalho
escravizado adaptava-se mal ao pastoreio.
As tarefas pastoris nio exigiam trabalhos duros e necessitavam de
pouca m4o-de-obra. Homens livres — indigenas, mesticos, libertos,
etc. — empregavam-se, com freguência, nas fazendas como assala-
riados. A cCriacdio era uma das poucas atividades gue permitiam
alguma promocio social para um homem pobre, sobretudo mestico.

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EENS Ee Oe

Abate de gado em chargueada rudimentar, no RS.

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Gatchos negrvos
O cativo era presenca marcante nos criatOrios. As maiores fazen-
das possuiam rocas de subsistência —(eijdo, mandioca, milho, etc. Os
alimentos deviam ser beneficiados. Era necessêrio buscar 4gua nas
fontes e cortar e transportar lenha dos matos. As cercas de pedra
deviam ser levantadas. Os caminhos, reparados. Fossos deviam ser
cavados. Esses duros trabalhos da fazenda eram monopélio servil.
Alguns cativos trabalhavam tambêm como pedes. Entao, devido
as funcbes gue desempenhavam, obtinham alguns “privilêgios” e
podiam até mesmo receber peguenos “salêrios”. No pastoreio, muitas
vezes a escraviddo perdia o seu carêter despêtico e assumia um
conteado patriarcal. No sêculo XIX, cativos cuidavam sozinhos de
fazendas, guando da ausência dos amos.
Geralmente as fazendas pastoris se encontravam em regiëes
distantes dos centros consumidores. Eram elevados os gastos e a
mortalidade animal durante o transporte do gado em pêé. Em regiëes
longinguas, aproveitava-se dos animais apenas o gue se transportava
com facilidade — couro, lingua, sebo, graxa. A partir do sêculo XVII
a grande solucao foi o abate dos animais ea salgacao das carnes.
O Ceara, no sêculo XVIII, e o Rio Grande do Sul, nos sêculos
AVIIT e XIX, foram grandes produtores, respectivamente, de carne-
seca ede chargue, nomes diferentes para um produto guase idêntico.
As carnes salgadas eram um dos principais alimentos dos cativos e
dos homens livres pobres.
NO sêculo XVIII, os primeiros saladeiros permanentes eram esta-
belecimentos complexos, ainda ague rudimentares. Possuiam man-
gueiras, bretes, galpoes, patios, tinas, tangues, varais, etc. Em meados
do século XIX, as chargueadas sulinas possufjam instalacêes de tijolos
ce telhas, peguenas estradas de ferro, m4guinas a vapor.

Matanca contHinua
Nas chargueadas mais bem e@guipadas e capitalizadas, trazia-se o
animal das mangueiras para o brete, onde era abatido, com um golpe
na nuca, para, em seguida, ser transportado por um Carrinho correndo
sobre trilhos, até uma cancha acimentada, onde Ihe tiravam o couroe
despedacavam sua carcaca.
Trabalhadores especializados dedicavam-se is mais diversas ativi-
dades — campeiro, desnucador, Zzorreiro, chargueador, aguadeiro,
78
salgador, graxeiro, etc. Em relacdo aos primeiros tempos, pouco se
perderia da matéria-prima. Com as carnes produziam-se diversos
tipos de chargue. O sebo e a graxa eram extraidos por maguinas a
vapor. Aproveitavam-se o cabelo, as patas, os ossos, etc.
Os saladeiros localizavam-se junto a cursos d'igua, de modo gue
seus produtos pudessem ser facilmente transportados. Durante a
“safra”, centenas de milhares de animais eram abatidos. Pelotas, no
Rio Grande do Sul, foi o maior centro chargueador brasileiro. Na
regiëo, cerca de trinta chargueadas, com uns sessenta trabalhadores
escravizados cada uma, trabalhavam, durante o verdo, sem parar.
Trabalhava-se duro nas chargueadas. Os negros deviam aprovei-
tar Oo verdo para preparar a maior guantidade possivel de animais.
Eram comuns as jornadas de dezoito horas de trabalho. Os cativos
paravam apenas para comer e dormir, durante algumas horas. Nao se
respeitavam seguer domingos e dias santos. O trabalho era pesado e
violento. No sêculo XIX, um estrangeiro comparou as chargueadas a
um estabelecimento penitenciario.

O ve; cofé

No inicio do sêculo XIX, a producdo escravista entrara em Crise. O


preco do acticar cafra no mercado internacional. As minas haviam se
esgotado. Como o algodao, no sul dos Estados Unidos, o catë, no
Brasil, daria um novo vigor 4 producao negreira. Com a Revolucao
Industrial, o café passou a ser consumido em larga escala na Europa
e nos Estados Unidos. Cresceu seu mercado consumidor e aumentou
seu preco internacional.
No Brasil, inicialmente, o café foi plantado nos arredores do Rio
de Janeiro. Dali, migrou para o interior Hluminense e adaptou-se, de
forma excepcional, as terras do vale do rio Paraiba. Mais tarde,
expandiu-se para Minas Gerais, Sdo Paulo e Espirito Santo.
O funcionamento das fazendas escravistas produtoras de acicar
assemelhava-se ao das fazendas de café. Apenas a plantacio eo
beneficiamento do café exigiam investimentos menores gue a produ-
c4o acucareird.
Alguns proprietêrios aproveitaram OS terrenos preparados para a
cana-de-acucar e€ converteram-se ao plantio do café. Nas terras
incultas, as encostas eram desmatadas com foices e machados por
79
eguipes de cativos.A seguir, retiravam-se as madeiras mais valiosas e
punha-se fogo 4 mata.
Ap6sa limpeza das terras, iniciava-se a plantacao dos pês de cafê,
em filas, com enxadas. Apos três anos, os cafezais comecavama dar
frutos. A producao alcancava o apogeu no sexto ano. Ouando decaia
a producao, o cafezal era abandonado e os trabalhos recomecavam
em terras virgens. Entre os pés de café, cultivavam-se gêneros de
subsistencia.
Fguipes de cativos, usando ancinhos e enxadas, limpavam os
cafezais duas ou guatro vezes por ano. O ristico e resistente enxadao
(oi, sempre, a principal ferramenta da cafeicultura e da producio
escravista brasileira.

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F. EE de café.

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No lombo de mulas

Em maio, comecava a colheita. Com as maos nuas, num SO


movimento, os cativos arrancavam os grdos dos longos galhos, Os
guais eram separados da sujeira e guardados em sacos. Cada cativo
devia colher setenta, cem ou mais litros de caté.
Os graos de café eram esparramados, ao sol, sobre o terreiro, gue
se localizava diante da sede senhorial e da senzala. Deviam ser
revolvidos varjas vezes para secar com rodos de madeira. Apos ser
batido com varas ou em pilbes, o café era peneirado. Cativos velhos
e criancas selecionavam manualmente os graos.
No inicio, transportava-se o café das fazendas para os portos em
sacos de couro, nos lombos de mulas. Cada animal transportava de
120 a 150 guilos por viagem. Em Caravanas, negros conduziam
diversas mulas e faziam diversas viagens por ano. Nas ultimas décadas
da escravidao, guando escasseavam cativos para as plantacoes, foram
cConstruidas estradas de ferro ligando o interior aos poTrtos.
O trabalho nafazenda cafeicultora era pesado. Uma campainha ou
corneta dava osinal de despertar, is 4 ou 5 horas da manha. Em Carros
ou a pé, os cativos partiam, apos serem contados, para os campos. Os
escravoscafeicultorestrabalhavamarêfaltaraluzdo sol. Faziamapenas
ged

algumas peguenas interrupces para as refeicoes. De volta a sede.


jantava-se. ApOs um rapido repouso, iniciava-se o serdo: o trabalho
noturno feito na sede da fazenda. Ele podia ir até 3 meia noite. Entio.
Aapos serem contados novamente, os Cativos iam dormir nas senzalas.
Outros produtos agricolas foram produzidos, para exportacao ou
CONSUMO interno, em grande guanrtidade, no Brasil, por cativos. Entre
eles, o algodao, o tabaco, o arroz e o cacau. As atividades dessas
fazendas escravistas eram muito semelhantes as de uma plantacdo
Cafeicultora ou acucareira.

Pouca FOUPAa, Pouca cComida,


pÊssimo alojamento

As condicoes de existência dos Cativos brasileiros variavam Se-


gundo a regido em gue viviame, principalmente, segundo a OCUDAa-
CaAo a gue se dedicavam. Mas essas condicêes eram. em geral, muito
rUINS.

SI
ar
er
EE
TEER
Mesmo no sêculo XIX, os cativos vestjam-se de forma sumidria e
andavam, praticamente todos, descalcos. A falta de calcados facilitava
acidentese enfermidades. Os cativos vivjam infestados de verminoses
e bichos-de-pé. Nas cabecas, podiam portar turbantes de panos, a
africana, rusticos barretes e chapêus de palha.
Os trabalhadores escravizados das cidades andavam mais bem-
vestidos do gue os do campo. Em teoria, as posturas municipais
proibiam os amos de enviar as ruas cativos em andrajos ou seminus.
Porém, em geral, Os Cativos urbanos vestiam-se pobremente. As
mulheres usavam risticas Camisas e sajas de tecido grosseiro. Os
homens, calcbes e camisas de pano resistente.
Na cidade e no campo, negros trabalhavam apenas com um
calcao de tecido grosseiro, de algodao riscado, ou com uma tanga de
pano-da-costa ou de estopa. As criancas escravizadas permaneciam,
até grandotas, nuas.
Os escravos dom@sticos, sobretudo os gue viviam em contato
Com OS amos, vestiam-se melhor. Aos domingos, era hibito ordenar
gue negros e negras se postassem diante da residência, bem-vestidos,
para demonstrar a rigueza do senhor.
NO sul do Brasil, devido as baixas temperaturas, os calcêes, saias
e camisas podiam ser de beatao, um rustico tecido de |&. Um
rudimentar artesanato caseiro produzia ponchos de lê para os cativos.
Essas pecas podiam ser vestidas 4 moda indigena, como um calcao de
uma sê peca — cbiripa.
Nas Gltimas dêcadas da escravidao, os tecidos baratearam e Os
cativos encareceram. Segundo parece, os senhores passaram a vestir
um pouco melhor seus escravos molambentos.

Muito trabalho, Pouca comida

No Brasil, a maior parte dos bracos e das terras era dedicada a


producao exportadora. Geralmente, os alimentos Custavam Caro e Os
cativos comiam pouco e mal. Nas fazendas, cultivavam-se hortas para
alimentar as escravarias. Alguns empresêrios escravistas ndoalimenta-
vam Os cativos. Permitiam apenas gue eles cultivassem nesgas de
terras.
Nos engenhos acucareiros, na mineracdo, nas serrarias, nas ola-
rias, etc., Os cativos, na maioria das vezes, passavam fome. NO Rio de
F

B2
EN * N AE DEE WE
Ee Ee EA N
si n me

df v] .
od Af;
es es cr av is ta s, o ca ti vo er a al im en ta do
Janeiro, em muitas explorac
a co m ba na na e su co de la ra nj a.
com farinha de mandioca misturad ad oc a-
ti vo s ca fe ic ul to re s, ao ac or da r, be bi am ca fé
Em geral os ca
no verdo, €, no inverno, uma dose de
do com acticar mascavo,
es pê ci e de la va ge m de mi lh o ou de
aguardente. Como refeicao, uma
feijao, com toucinho.
ay

o pr at o ba si co do s ca ti vo s. El e er a
Ne

Na cafeicultura, o feij do foi


Ee

ac om pa nh ad o de
Ee

servido com sal, manteiga ou go rd ur a de po rc o,


EE

a ta mb êé m se r co mi do co m ab 6b or a ou co uv e.
angu de milho. Fle podi
Ou apenas com sal,
era comum dar aos cativoS, COMO almoco, uma
No Maranhio,
co mo ja nt ar , fa ri nh a co m ar ro z. Pr od uz ia -s e ar ro z
espiga de milho e,
abundantemente na regiao.
e XI X, o ch ar gu e foi um im po rt an te al im en to
Nos sêculos XVIN
po br es e se rv is . Po ré m — tu do in di ca — se rv ia m- no co m
das classes
parcimOnia aos CativOS.

Coachaca — alimento maldito

Nas faz end as pas tor is os cat ivo s ali men tav am- se pri nci pal men te
se gu nd o par ece , abu nda nte . Nas cha rgu ead as, os neg ros
com Carne,
consumia m far tos fer vid os pre par ado s co m Os res tos no apr ove ita -
veis dos animais — pescoco, rabo, costela, etc.
Ali onde era possivel, os negros completavam as escassas refei-
cbes com a coleta de frutos selvagens, com a ca€a, com a pesca, COM
mintsculas exploracêes agricolas e peguenas criacoes.
Para “matarem a fome”, Cativos roubavam mercadorias, objetos
EE EE

domésticos, alimentos ou esmolavam, pelas ruas e estradas, alguns


réis.
Normalmente, os recursos conseguidos pelos cativos eram c€onSu-
midos em cachaca, alimento de alto poder calêrico e baixa rigueza
protéica, o gue comprometia a j4 frigil satde dos trabalhadores
escravizados.
Nas fazendas, carrocas levavam as refeicées ao campo. Os Cativos
comiam, em pé ou de cécoras, o alimento trazido em gamelas e em
coités de madeira ou barro, com colheres de pau ou com as maos. Os
cativos gue produziam seus alimentos, preparavam-nos a noite nas
chocas ou nas senzalas.

83
Em
ME,
Inicialmente, os negreiros deixaram a iniciativa dos africanos a
construcdo de prec4rias chocas — com barro, galhos, taguaras, sapéë
—, nas proximidades das casas-grandes. Essas residências individuais
eram dificeis de ser vigiadas.

Prisoes escrovistas

Nas grandes fazendas, nas chargueadas, nas olarias, etc., onde os


cativos eram obrigados a cumprirlongas e duras jornadas de trabalho,
OS AMOS CONStruUiram — COomo na Antiguidade — residências coleti-
vas, ao estilo das prisbes — as senzalas.
As senzalas mais simples consistiam em barracêes guadrados, de
aproximadamente 35 m2, com paredes de pau-a-pigue, taipa de pildo,
pedras ou tjolos. Possufam uma ou duas portas e, nas paredes,
minusculas aberturas. Os telhados eram de sapé e, mais tarde, de
telhas.
Os Cativos acendiam peguenas fogueiras para preparar alimentos,
aguecerem-se, espantarem os insetos e os maus espiritos. Homens e
mulheres dormiam em senzalas, em compartimentos separados ou
em peguenos guartos.
A noite, apês serem contados, os Cativos entravam na senzala e as
portas eram acorrentadas. Paredes risticas e sumdrias de bambu ou
de outros materiais podiam dividir o interior da senzala em comparti-
mentos individuais.

Ri
Nas faz end as mai s rica s, as sen zal as era m con str uco es ret ang ula -
res. de alvenaria, divididas em peguenos cubiculos, com exiguas
portas e peguenas janelas, gue, lado a lado, davam para um longo e
estreito alpendre. As familias e até mesmo os catvos solteiros viviam
nesses “apartamentos”.
De dia, os cativos urinavam e defecavam ao ar livre, houvesse
bom ou mau tempo. Os amos mais caprichosos deixavam, a4 noite,
nos alpendres e dentro das senzalas, barris semicheios de 4gua, para
tal fim. Erguiam-se toscas latrinas nos fundos das senzalas.
Nas Gltimas décadas da escravidao, as senzalas eram grandes
construc6es em L ou em U ou verdadeiros “guadrados” — assim
chamadas em S&o Paulo. Divididas em peguenos guartos, elas davam
para um patio interno.

Sem diveito & familia

Muitas fazendas possuiam “hospitais”. Em estreitas, Gmidas e


escuras senzalas, os Cativos doentes repousavam, aos Cuidados de
uma negra ou negro velho — experto em pocbes e plantas —,
imprestvel para trabalhos pesados. Os “enfermeiros” ocupavam-se
tambêém das criancas peguenas, até as mies voltarem dos campos.
Nas cidades e nos campos, guando os propriet4rios permitiam, OS
Cativos contraiam casamento religioso e constituiam familia. Esses
Casos, entretanto, eram rarissimos. Em geral, os amos no incentiva-
vam Oo casamento dos cativos.
Durante o trafico negreiro internacional, os senhores importaram
mais homens do gue mulheres. Mesmo apés 1850, guando o nimero
de homens e mulheres tendeu a estabilizar-se nos peguenos, médios
e grandes plantéis, havia deseguilibrio de sexo e de idade. Os
senhores nio gastavam apenas para comprar cCénjuges aos Cativos.
A manutencao de familias era mais custosa do gue a de individuos
solteiros. Familias estaveis resistiam melhor 34 vontade despêtica do
senhor e dificultavam eventuais vendas de seus membros.
A mortalidade infantil na Colênia e no Império, sobretudo a de
Criancas nascidas de mdes escravizadas, era alta. Os amos nio se
interessavam pela reproducio natural dos plantéis. Em vez de se
ocuparem, por longos anos, dos “Crioulinhos” e concederem privilê-
glOS ds suas mdes, para gue os criassem, Compravam trabalhadores
escravizados, em idade de trabalhar, nos mercados. Era mais barato.

85
Nas cidades e nos campos, Cativos e Cativas mantinham relacoes
afetivas €e sexuais— transitrias, semi-estiveis ou estiAveis — clandes-
tinas ou semiclandestinas. Em geral, nos registros de batismo, Consta-
va apenas o nome da mae de uma crianca nascida sob a escravidio.
Nas senzalas, homens e mulheres viviam separados. Muitas fazen-
das possuiam dezenas de homens e algumas poucas mulheres.
Apenas nos Gltimos anos se comeca a estudar o relacionamento
familiar, afetivo e sexual das comunidades escravizadas no Brasil.

806
Caostigo e
dep ae

pesistência servil

Coastigo e Ttortura
de escraovos

s cativos trabalhavam duro, horas sem fim. Como paga-


mento, eram malvestidos, mal-alimentados e mal-aloja-
dos. Nao tinham direito a se casar e a ter filhos. Os amos
decidiam sobre o gue comeriam e cComo se vestiriam;
guanto e onde trabalhariam; se seriam alugados, emprestados ou
vendidos.
O escravo ops-se sem cessar ao cativeiro. A sua principal forma
de Oposic4oa escravidao foia resistência ao trabalho feitorizado. Sem
poder decidir a duracao do trabalho, ele esforcava-se Oo menos
possivel; dedicava-se o menos possivel as tarefas, interrompia Oo
oes
PIN

trabalho; fazia “corpo mole”. Assim, protegia, mesmo inconsciente-


neel

mente, sua vida biolêgica.


ae

Os senhores responderam 4 oposicao do cativo ao trabalho com


EER GE

a vigilancia e a violência. O negro devia ser vigiado, para gue


trabalhasse bem. As fazendas possuiam feitores e Capatazes gue
organizavam € controlavam, de chicote na mo, as tarefas.
Os gastos com a vigilêincia encareciam a producao.A de café ede
acucar adaptava-se bem 4 escravidio porgue os trabalhos eram feitos
por eguipes de cativos vigiadas por apenas um feitor. No séêculo
AVII, um feitor controlava dois ou três Cativos mineradores. Os
negros escondiam pepitas e diamantes nas unhas, orelha e Cabelos.
para troca-los por um pouco de comida ou bebida.

87
Como vimos, era exigida uma producio minima do cativo. Colher
tantas bracadas de cana-de-acticar ou litros de café, carnear certo
nimero de animais, etc. Ap6s terminar a tarefa, o negro descansava.
As tarefas exigidas obrigavam um produtor médio a trabalhar toda a
jormada. Nas cidades, o ganhador entregava, periodicamente, o ganho
a0 senhor. Nos dois casos, controlava-se apenas o resultado do
trabalho do escravo. Se ele nao entregasse o devido, na cidade, ou se
cumprisse mal a tarefa, no campo, era castigado.

nico bem
i U

De modo geral, os cativos gue trabalhavam nos Campos e nas


residências eram tratados de maneira desigual. Os amos procuravam
cConguistara devocao dos auxiliares diretos, o gue lhes servia tambêm
de protecao contra os negros assenzalados. Era comum incentivar
alguns cativos privilegiados com peguenos presentes.
O senhor na4o podia “despedir”, prender ou diminuir a curta
racao do escravo faltoso, pois o cativo aprisionado nao trabalharia.
er er

Diminuir a j4 escassa racao do cativo comprometia sua capacidade


EWE WE

produtiva. Para aumentar a guantidade e a gualidade da producdoe


Es

manter a disciplina, o amo castigava o negro naguilo gue possuia de


rr JEEP se EE

seu — a dor.
Por mais de trezentos anos, o Brasil foiuma nacao de torturadores
e torturados. Castigar fisicamente o trabalhador era um direito e um
dever senhorial reconhecidos e apoiados pelo Estado e pela Igreja.
No inicio do sêculo XVIII, escrevja um jesuita:

Para trazer bem domados e disciplinados os escravos é


necessdario gue o senbor Ibes ndo falte com o castigo, gauando
eles se desmandam e fazem por onde o merecerem.

Foram reguintados os aparelhos e mêtodos de tortura e submis-


sao utilizados pelos escravistas. Negros eram marcados com o F de
fujoes. Nas cidades, placas de ferro, correntes com pesos, gargalhei-
ras, etc., atadas ao pescoco ou aos ps, puniam os negros e dificulta-
vam as fugas. Os cativos castigados trabalhavam e dormiam com esses
instrumentos.
8a
7 casa da tortura

as po ss ui am sua s “ca sas do tro nco ,, loc ais on de ,


Muitas fazend
bal ho, se ca st ig av am os caV vOS , de ix an do -o s dei tad os, em
ap6s o tra
cOUroS Ou @steiras, presos pelos pés ao “tronco..
O tronco era um instrumento com a forma de uma tesoura sem
cabo, em ferro ou madeira, com orificios. Fechado, prendia os pês, as
ma os e, até me sm o, o pe sc oc o do cat ivo . Um si mp le s tr on co de
irvore, fincado no chio, diante da senzala, com ou sem argolas,
imobilizava o cativo, 4 noite ou durante Oo castigo.
As principais “ferramentas” de castigo eram as palmatOrias e OS
chicotes. Com as palmatorias, instrumentos de madeira ou ferro, com
um cabo é uma extremidade, em forma de hamburger, com furos, as
senhoras, especialmente, batiam nos pês, nidegas e maos das cativas
e cativos. Os negros deviam manter as maos estendidas durante o
castigo. Se a retirasse, a punicAo comecava de noVvo.
Havia diversos tipos e diversas denominacoes para os cChicotes
escravistas. Muitas vezes, os feitores eram portugueses. Devido a isso,
o chicote teria sido denominado bacalbau — prato predileto dos
lusitanos.
Os cativos recebiam algumas lambadas, durante o trabalho, para
acordarem e se esforcarem. Ouando cometiam graves delitos eram
condenados pelos amos ou pela Justica a verdadeiro martirio. Muitas
vezes se vjam condenados a mais de mil chicotadas. A tortura era
ministrada em sessOes diarias de cingtienta a cem golpes.

Sala do tronco

59
Nos engenhos acucareiros, Cativos gue atentaram contra OS pro-
prietdrios foram passados nas moendas ou atirados as fornalhas. JA na
Colênia, os senhores foram proibidos, aos menos formalmente, de
matar os cativos. A pena Gltima era um monopélio da justica do
Fstado. Nao temos ainda estudos sobre o ntimero de cativos gue
foram condenados a forca e executados no Brasil escravista. Ele fo
certamente elevado.

Resistência sermvil

Havia diversas formas de resistência do cativo 4 escravidio —


resistëncia ao trabalho, suicidio, justicamento, fuga, formacao de
Juilombos, insurreicbes, etc.
Os Cativos se suicidavam mais do gue os homens livres. A causa
imediata de um suicidio era, com fregtiiëncia, um atentado falido, o
medo de ser castigado, uma venda iminente, o nio-cumprimento de
uma alforria prometida, etc. Os cativos também se matavam, deprimi-
dos pelas péssimas condicoes de vida.
| O suicidio servil era um problema para os amos. Com a morte do
negro, o amo perdia um bem e as senzalas se intrangiilizavam. O ato
suicida podia ser imitado. No Brasil, houve suicidios servis coletivos,
incentivados por crencas religiosas. Mesmo guando fracassava, o
suicida prejudicava o senhor. Um autocida tinha o valor de mercado
diminuido. Fregiientemente, por ter tentado matar-se, o negro era
Chicoteado.
Os jornais do Impêrio noticiavam os suicidios de cativos. Em
(evereiro de 1862, na cidade de Rio Grande, no sul do Brasil. o jornal
Echo do $ul relatava gue uma escrava se lancara ao poco da residên-
cia senhorial. Ela fora comprada, havia guinze dias, doente. Seu ex-
HE

senhor a “obrigara com ameacas de sovas|..]a declarar no leilao gue


LE

ndo era doente”.


Proprietarios e feitores pressionavam o Cativo para gue trabalhas-
EE

se duro, nos Campos e nas cidades. Nas residências, o negro vivia, dia
e noite, sob os olhos e as maos do escravista. O senhor abusava do
EL

castigo fisico para fazer o cativo trabalhar e obedecer.


Ee

Muitas vezes, o escravo respondia violentamente as duras condi-


am
el.

cOes de vida e de trabalho. Essa violência explodia sob a forma de


revoltas, sublevaces e atentados contra os senhores.
aa

90
Justica servil
Eram fregtientes os atentados contra o senhor, sua familia e seus
capatazes. Geralmente, esses atos de violência ocorriam durante o
trabalho, numa explosao de desespero e édio incontidos. Acostuma-
dos a tratar os Cativos como animais, propriet4rios e capatazes batiam
nos negros, mesmo guando eles trabalhavam com machados, facas ou
perigosas ferramentas.
O medo da morte e da tortura nio impedia os atos de sangue, gue
eram relativamente fregtientes. Nas chargueadas de Pelotas, onde os
cativos trabalhavam com afiadas facas, no Gltimo meio sêculo .de
escravidao, registraram-se, no minimo, uns oitenta assassinatos Ou
tentativas de assassinatos de senhores e feitores.
Contavam-se histrias de negros e negras gue teriam envenena-
do, ou guase, seus senhores. Acreditava-se gue, sobretudo os africa-
nos, conheciam secretos e poderosos venenos. Hoje sabe-se gue, na
maior parte dos casos, as dentuncias se deviam a fértil imaginac4o
senhorial e aos reduzidos conhecimentos da Medicina da época. Em
verdade, os proprietêrios viviam sob o medo constante de serem
justicados pelos seus cativos.
COMO vimoOS, nos primeiros tempos os cCativVOs respons4veis por
tais atos, se presos, eram barbaramente martirizados. A seguir, o
Estado reservou-se o direito de supliciar o miserdvel. Escravos gue
atentavam contra os amos eram, geralmente, enforcados. Em 1844, o
presidente da Provincia de Minas Gerais relatava, meses apês ter
assumido o governo, ter ordenado a execucao de treze cativos.
Para prevenir-se dos atentados, o senhor cercava-se de guarda-
costas e de cativos fiëis. Os proprietirios mais ricos nio se aproxima-
vam dos negros assenzalados. O feitor organizava o trabalho. distri-
buia as pancadas e era o principal alvo do 6dio dos Cativos.

! Z
Deus é gronde, o mato, maiom
`

A tuga era a maneira mais simples, segura e ripida de o negro


libertar-se. O fujao causava grave prejuizo ao amo, gue j gastara
construindo senzalas e contratando vigias. Se fugisse e nio fOsse
recapturado, o amo perdia o seu valor de mercado. Mesmo Capturan-
do o fujao, o senhor jamais recuperava o trabalho nao realizado. Um
negro recapturado perdia o valor de mercado. A fuga era considerada
um grave “vicio”",

91
ss LE LEWE
R ie, SEE
Er orR

Capudo-do-mato.
da
N ENEEA

Os amos deviam gratificar os captores de fujoes e indeniza-los


|

pelos gastos com os negros aprisionados. A caca ao fujao tornou-se


PUUNEE n,

uma verdadeira profissao. Brancos pobres, mulatos, negros libertos e


até mesmo trabalhadores escravizados recebiam, desde o comeco do
La.
Ek.

sÊCulo XVIII, licencas para cacar os fujoes. Eram os Capitaes-do-mato.


ENE. . TE 1E

O capitao-do-mato era pago conforme o fujdo fosse capturado


numa cidade, nos campos ou em um Guilombo. Ele penetrava,
fortemente armado, nas martas € serras, Com seus caes, atris do negro.
92
me nt e, o ca ga do r vir ava cac a. Gr up os de fuj oes su rp re en -
Fregtiente
diam e justicavam os cacadores.
XIX , nas gr an de s cid ade s, os am os an un cl av am as
No sêculo
cat ivo s fug ido s. Pu bl ic av am -s € fr eg ti en te me nt e
caracteristicas dos
AnNGNCIOS COMO O seguinte:

No dia 25 de setembro do corrente ano fugiu do sitio Bom


Retiro do Boldrador um preto de nacdo Angola, cbamado Jose
Cabeca, teré pou co mai s de 20 ano s de ida de. bai xo, bei cos
vermel bos . Hnb a a mda o dir eit a lig ada por est ar fer ida , e lev ou
vestido camisa de algoddo, calcas de brim grosso, e na cabeca
uma carapuca, conforme usam os marinbeiros: como é muito
esperto, talvez se inculgue por liberto: por lanio roga-se as
pessoas a guem esse escravo se for apresentar, e pi ncipalmente
aos senbores capitaes de embarcacoes, gue o facam prender e
recolber ao calabouco: e gualguer pessoa gue o levar ao dito
sitio, ou delle der noticias, na ra dos Barbonior n. 22, recebe-
ra boa gratificacao.
Jornal do Commêrcio, 1 de outubro de 1833.

Bilhetes premiados

A populacao portava esses aniincios nos bolsos, esperancosa de


reconhecer, numa esguina, um fujio. O negro escapado era uma
espêcie de bilhete de loteria sempre premiado, o gue tornava internal
a vida daagueles gue se refugiavam nas cidades. Negros livres e
libertos, confundidos com fujoes, terminaram escravizados.
Eram muitas as Causas das fugas. Cativos escapavam para ndo ser
vendidos ou porgue os senhores nio os gueriam vender. Fugiam do
trabalho duro, da pouca comida, dos castigos constantes, de uma vida
mONnOtona e triste. Fugiam, em verdade, da escraviddo.
Nas grandes cidades, cativos tentavam passar por negros livres.
Se viviam perto da fronteira, refugiavam-se nos paises limitrofes,
onde, em geral, eram considerados livres. Fuj6es viviam e trabalha-
vam para proprietdrios, com pouco escrupulos, gue os acolhiam.
Cativos fugiam para viver, sozinhos ou em grupos, em lugares
apartados, nas serras, florestas, ilhas, etc.
Ouilombo e mocambo foram as duas denominacles brasileiras
mais comuns dadas aos agrupamentos cdlandestinos de trabalhadores

93me
escravizados fugidos. Milhares de peguenos, médios e grandes gui-
Jombos pulularam, no litoral e no interior do Brasil, desde o inicio até
3 abolicdo da escravatura.
Os Cativos fugiam dos engenhos, plantac6es, fazendas, minas,
chargueadas e fundavam guilombos em locais afastados. Os guilom-
bolas se dedicavam a diversas atividades. Todas as regiëes do Brasil
escravista tiveram guilombos e mocambos.
ED.
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Cativos fwjoes com instrumentos destinados ao castigo e a dificultar novas fugas.


EERDER
WP. EEErl iN

Mineracao aguilombola
N. EA. . Ek... . he de

Nas Minas Gerais, guilombolas praticavam a mineracao dlandesti-


TAN

na. Na AmazOnia, dedicavam-se ao extrativismo florestal. Perto das


EE

cidades ou ao longo dos caminhos, viviam do roubo. O ouro. Os


diamantes, os produtos das florestas, os bens roubados eram trocados

94
por alimentos com comerciantes. fazendeiros e regatoes dvidos de
Jucros.
Nas cer can ias das cid ade s, fuj 6es viv iam em pe gu en os gu il om bo s
len ha, ovo s, etc. 4 po pu la ca o urb ana . Ou il om bo la s
e vendiam caca,
pr eg av am -s e, co mo neg ros de gan ho, nas cid ade s ou al ug av am
em
seus servicos, a baixo preco, a fazendeiros.
A mai ori a dos gu il om bo la s viv eu da agr icu ltu ra. Co m fe rr am en ta s
bad as, pl an ta va m pe gu en as roc as de sub sis ten cia —
risticas ou rou
milho. mandioca, feijdo, ab6bora, etc. A caca, a pesca, d coleta e o
sague completavam a alimentacao fornecida pela agricultura. OS
guilombolas vendiam parte dos géneros agricolas gue produziam
para comprar armas, pêlvora, ferramenta, terro e Outros produtos.
Desde fins do sêculo XVI, a inéspita regiao da serra da Barriga,
nos territêrios do atual Estado de Alagoas, tornou-se refagio de
trabalhadores escravizados fugidos. Favorecidos pela luta entre ho-
landeses e pernambucanos, milhares de cativos escaparam dos enge-
nhos pernambucanos e formaram, na regido, duilombDos com mais de
mil habitantes. Fortes, resistiram por dêcadas aos aragues holandeses
e luso-brasileiros.
Para se oporem aos atagues reescravizadores, os guilombDolas
formaram uma confederacdo, sob o comando de chefes politicos e
militares. A confederacio dos guilombos de Palmares constututu um
verdadeiro Estado negro livre no coracdo do Brasil escravista. Apos
anos de feroz luta, ela foi destruida, em 1695, por uma poderosa
expedicao militar luso-brasileira.

Medo permanente

A documentacio historica brasileira assinala inumeras insurrei-


cOes de trabalhadores escravizados. Algumas ftoram reprimidas antes
da deflagracao. Outras foram derrotadas militarmente. Muitas vezes,
OS senhores aterrorizavam-se com insurreicoes inexistentes.
Os amos viviam sob o constante medo de uma sublevacdo servil.
Fles tentavam reprimir com o terror esses movimentos. O Codigo
Criminal punia como Crime de insurreicdo a conspiracdo de vinte Ou
mais Cativos para alcancar, pela violência, a liberdade. Os chefes dos
movimentos podiam ser condenados a penas gue jam desde guinze
anos de “galês” até a morte.

95
Muitos movimentos servis foram apenas tentativas coletivas de
fuga ou uma simples explosao contra um feitor singularmente odiado.
Fm Sao Paulo. em 1885, cerca de uma dezena de Cativos se sublevou
numa fazenda, matou o feitor e foi, a seguir, apresentar-se ao Juiz
Municipal.
O Brasil conheceu diversas importantes conspiracoes locais diri-
gidas contra a ordem escravista. De 1807 a 1835, a Bahia e sua capital,
Salvador, foram agitadas por uma impressionante sucessao de tentati-
vas e sublevac6es da grande massa servil da regiëo. |
O maior movimento baiano, de 1835, conhecido como a Revolta
Malé, foi um refinado movimento conspirativo. Os revoltosos, repri-
midos apês duro combate, haviam reunido dinheiro, armas, unifor-
mes, etc.
Os proprietêrios cercavam-se nas fazendas com Capatazes e
cCapangas para protegerem-se das revoltas negras. Como vimos, o
melhor tratamento dispensado ao cativo doméstico era também uma
forma de proteger-se do negro assenzalado. A guarda nacional e o
exército foram tambÊm usados contra os cativos sublevados.
O medo permanente de uma explosao geral das e@scravarias
influenciou profundamente a histêria do Brasil até a Abolicao. Sê
compreenderemos aspectos fundamentais de nossa histéria — como
OS movimentos nativistas, a Independência, a Regência, etc. — se
lembrarmos gue as elites nacionais temeram sempre uma sublevacao
servil. Suas vidas e privilêgios dependiam do controle das massas
escravizadas.

1888. AA vevoluc&o abolicionista

No Brasil, os escravos jamais organizaram movimentos gerais


contra a escraviddo. As mais importantes rebeliëes servis limitaram-se
IE

a um ou a alguns municipios dos territ6rios nacionais. Era material-


ae A ie

mente impossivel a organizacio de movimentos servis nacionais


contra a instituicao.
Durante a Colênia e o Império, eram tênues os Contatos entre as
EER

diversasregiëesdo pais. A imensa maioria dos cativos vivia isolada nos


campos,nasfazendas, catas, chargueadas, etc. Mesmoostrabalhadores
escravizados de fazendas préximas mantinham esCassos contatos.
Vinculos permanentes entre cativos das diversas regiëes eram impen-
saveis. Essa realidade impedia complês escravistas mais amplos.
aa

96
aa
ea

17
ca ti vo s er am pr ed om in an te me nt € af ri ca -
Aré o fim do trafico, os
re gi oe s do co nt in en te ne gr o. Fa la va m
nos. chegados de diferentes
rs as . Os am os in ce nt iv av am a AN IM O-
linguas e possuiam culturas dive
s es cr av iz ad os na sc id os na Af ri ca e OS
sidade entre os trabalhadore
ge ne id ad e cu lt ur al au me nt av a a at om iz a-
nascidos no Brasil. A hetero
cio da classe servil.
il , em po uc oS an os o af ri ca no mo rr ia ou
Ap6s chegar ao Bras
ut ai s co nd ic oe s de vi da . Ca ti vo s re cé m-
estropiava-se devido as br
tr ab al ha do re s ce if ad os pe la pr od uc do . Es se
chegados supriam os
o do s tr ab al ha do re s es cr av iz ad os di fi cu lt av a a
continuo renovament
ad ic do de lu ta e de um a co ns ci ën ci a an tl -
formacao de uma tr
cr av os af ri ca no s de sc on he ci am du as e tu do da te rr a
escravista. Os es
na gual desembarcavam.
lt ur al da es cr av ar ia er a ba ix o. A es cr av id ao br ut al iz av a
O nivel cu
fa ot ra ba lh ad or fe it or iz ad o. El es er am em pr eg ad os so br et ud o
e destru
em ta re fa s si mp le s e es ta fa nt es . Es ti ma -s e gu e, na se gu nd a me ta de do
as um em ca da mi l Ca ti vo s so ub es se ler e es cr ev er .
século XIX, apen
vi am ap la st ad os pe la s pe sa da s jo rn ad as pr od ut iv as .
Os cativos vi
Descansa va m e€ pr oc ur av am al im en to s no s PO oU uc OS mO mM EN LO S de
folga. Po rt an to , nê o ti nh am te mp o ne m di sp os ic ao pa ra re fl et ir so br e
sua sorte e tampouco para se organizarem.
Ao contririo da Grécia e de Roma escravistas, a escraviddo
colonial ja ma is Co nt ou co m um a “a ri st oc ra ci a es er av a, , tr ab al ha nd o
em at iv id ad es co mp le xa s e re fi na da s e, po rt an to , co m me lh or es
condicoes de existência. NAo houve uma elite Cultural escrava gue
dirigisse movimentos rebeldes.
Duas outras barreiras dificultavam a luta servil. A escraviddo era
uma forma de producio rentêvel e uma instituicao difundida e aceira
por amos e trabalhadores escravizados. Os cativos rebelavam-se
contra a sua escravizacao, e nio contra a instituicdo. No inicio do
sêculo XIX, cativos baianos gue organizavam uma rebeliao espera-
vam libertar-se, matar os brancos e escravizar os mulatos.
Devido 4 inexistência de uma alternativa a @scravidao, durante
séculos os cativos lutaram isolados, sem contar com algum apoio
entre as classes livres, ricas ou pobres. No Brasil, todos os grupos
sociais livres dependiam, direta ou indiretamente, da escravidao.
O primeiro grande golpe contra a escraviddo brasileira foi lanca-
do pelos ingleses. Como vimos, com a Revolucdo Industrial, a Gra-
Bretanha passou a interessar-se pela Africa. Em vez de cativos, o
continente negro devia passar a exportar matêrias-primas.

97
Desde o inicio do sêculo XIX, o governo inglês pressionou
Portugal e as outras nacOes escravistas para gue interrompessem o
trafico negreiro. Ap6s 1822, condicionou o reconhecimento da inde-
pendência do Brasil a um tratado, de 23 de novembro de 1826, gue
jlegalizava, a partir de marco de 1830, o comé@êrcio internacional de
CativOS.
Nos anos de 1820, com o esgotamento das minas e a crise da
producao acucareira nacional, a e@scraviddo extinguia-se no Brasil.
Dom Pedro 1 aceitou o tratado, gue foi ratificado, a seguir, pelo
Parlamento. Entretanto, o posterior desenvolvimento da cafeicultura
exigiria guantidades crescentes de cativos. Apesar do acordo, milha-
res de cativos continuaram sendo desembarcados, “clandestinamen-
te”, nas costas brasileiras. O tratado de 1826, principalmente a partir
de 1837, tornou-se uma “lei para inglês ver”.
Em 8 de agosto de 1845, a Bill Aberdee autorizou a Marinha de
Guerra inglesa a prender ea tratar, de acordo com o diploma de 1826,
os tumbeiros brasileiros como navios piratas. Temendo ver os portos
brasileiros blogueados, o Parlamento imperial votou, em setembro de
1850, e aplicou a Lei Eusébio de Oueirês, gue proibia e reprimia o
trafico de cativos.
Desde 1847, devido a grandes secas no Nordeste e sobretudo no
Geara, os cativos dessas regiëes eram vendidos para o Centro-Sul
cafeicultor. Antes da publicacao da lei, grandes guantidades de
cativos foram importadas preventivamente. Ouando elas se esgota-
ram, os cafeicultores do Centro-Sul passaram a comprar, a alto preco,
Cativos das cidades e das provincias de todo o Brasil.
Por décadas, o trafico interno alimentaria as necessidades da
producao cafeicultora. Poréêm, o novo comêrcio de trabalhadores
escravizados modificaria, de forma revoluciondria, a sociedade. Valo-
rizados, cativos empregados em regioes ou em atividades menos
produtivas eram vendidos, de todos os pontos do Brasil, aos cafeicul-
tores. Pela mesma razao, os senhores urbanos desfaziam-se de seus
negros.
Com a concentracdo dos cativos no Centro-Sul e importantes
regioes despovoando-se de escravos, em poucos anos rompeu-se a
unanimidade escravista nacional. Pela primeira vez na histêria do
Brasil, surgiam, nas cidades e nos campos, regiëes e grupos sociais
gue nao dependiam do trabalho escravizado.
Na segunda metade do sêculo XIX, o Capitalismo tornara-se a
principal forma de producao na Europa. Com ele, nascera e desen-

95
o mo vi me nt o op er ir io e soc ial ist a. No mu nd o int eir o, a
volvera-se
av a- se um an ac ro ni sm o soc ial , e cre sci a a Op os ic ao a
escravidao torn
essa pratica.
Até a segunda metade do século XIX, pensadores isolados haviam
ado a es cr av id êo . Co mo a pr od uc 4o neg rei ra era ren tav el ea
critic
e liv re a apo iav a, a di sc us sa o sob re a ins tit uic do nao pr eo cu -
sociedad
pava os empresêrios escravistas.
O fm do trafico deixara claro gue a escraviddo entraria, com o
passar dos anos, em agonia. A populacao escrava cChegava a gerar
uma guantidade satisfatêria de descendentes. Porém, o trafico interno
ea cafeicultura provaram gue os cativos podiam ser explorados, de
maneira rentdvel, ainda por muitos anos.
No inicio de 1860, a pressdo internacional e, sobretudo, a nova
opinido interna antiescravista exigiam leis gue reformassem e prepa-
rassem o fim do cativeiro. No seio desse movimento emancipacionis-
ta, Surgiriam as primeiras vozes abolicionistas, exigindo o Him total da
instituic&o. Entretanto, os cafeicultores, gue mantinham rigidamente
asrédeas da nacao, como um bloco, continuaram apegados ao direito
de continuar explorando o trabalho de seus cativos.
Em 1865, com a derrota do Sul escravista, nos Estados Unidos, a
escravidao sofreria outro violento golpe. O Brasil tornava-se a unica
nacao escravista independente. Apenas Cuba e Porto Rico, colênias
da Espanha, mantinham a instituicdo maldita.
Sobretudo nas cidades e nas provincias onde decaira a massa
escravizada, pela primeira vez setores da populacdo livre exigiam o
fim do cativeiro e a modernizacao do pais. Entre os jovens acadêmi-
COS antiescravistas, encontra-se o baiano e acadêmico de Direito
Antênio de Castro Alves, gue denunciou, a partir de 1865, poëtica e
radicalmente, o cativeiro negro.
A cafeicultura escravista era o principal apoio da monardguia ea
grande rigueza da nacdo. Dom Pedro I1 e o Parlamento imperial
determinaram gue as decisêes sobre o futuro da escraviddo fossem
tomadas pelo poder central. Os proprietdrios das diversas regiëes
podiam vender seus Cativos, mas ndo abolir a escraviddo em suas
provincias.
Devido ao fortalecimento do emancipacionismo, em 1867 o
imperador, em mensagem ao Parlamento, sugeriu gue algumas refor-
mas fossem feitas 4 instituicdo. Na fala de abertura da Assemblêia
Geral Legislativa, diria:

99
Ad
)

Provendo-se de modo gue, respeitada a propriedade atuale


sem abalo profundo de nossa primeira industria — a Agricul-
tra —, sejam atendidos OS altos interesses gue se ligam a
emancipacao.

Diante da oposic&Ao dos representantes da cafeicultura, o impera-


dor retrocedeu. O ingresso do Impêrio na Guerra do Paraguai
justificaria o abandono de gualguer decisao reformadora efetiva.
Durante esses anos, apenas algumas decisbes muito secundarias
serjam tomadas em relacao a escravidao.
No comeco de 1866, o governo determinara o fim do emprego de
escravos em obras governamentais. No final do mesmo ano, decretara
a liberdade dos escravos da nacao gue duisessem servir na Guerra do
Paraguai. Em 1869, proibiu a venda de escravos em leildo pablico ea
separacao de casais e de filhos menores de 15 anos, guando da venda.
Com o fortalecimento do movimento emancipacionista e o fim da
Guerra do Paraguai, em marco de 1870, o poder imperial foi obrigado
a enfrentar a guestio servil. Ainda mais gue, nesse ano, o parlamento
espanhol libertara os filhos de maes escravizadas e os ancibes, em
Cuba e Porto Rico.
Em setembro de 1871, seria votada e aprovada a primeira lei gue
pretendia reformar substancialmente a escravidao. Contra a lei vota-
ram sobretudo as bancadas das grandes provincias escravistas: 540
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espirito Santo e Rio Grande do
Sul.
A lei reformava alguns aspectos da instituicdo: dava o direito aos
cativos de comprar a liberdade, mesmo contra a vontade de seus
senhores; punha fim &4 revogaca4o da alforria; proibia o abandono de
cativos invalidos. Segundo o governo, a lei, libertando os filhos de
maes escravizadas, poria fim ao Cativeiro, de forma lenta e gradual,
sem abalar a producao agricola.
A Lei Rio Branco respeitava estritamente os interesses escravistas.
Nascidos aps 1871, os “ingênuos” eram livres. Mas, como seriam
sustentados pelos proprietdrios de suas maes, eram obrigados a
trabalhar, atéê os 21 anos, gratuitamente, para os senhores, se eles
assim Oo aduisessem! Ouando da regulamentacêo da Lei Rio Branco,
determinou-se gue os proprietêrios podiam castigar fisicamente os
“ingeNUOS”.
NO inicio, os e@scravistas se opuseram 4 Lei do Ventre Livre.
Segundo eles, ela atentava contra o “direito de propriedade”, pois
100

14
f.
T
in de ni za ca o, os se nh or es de um be m — o fil ho das
privava, sem
a ap ro va cd o, sa be do re s do car ate r an éd in o da lei, os
cativas. ApOs
s pa ss ar am a de fe nd ê- la , co m un ha s e den tes , ap re se nt an -
proprietdrio
re mé di o gu e aca bar ia, se m vio lên cia , no fut uro , co ma
do-a como um
escravidao.
A Le i Ri o B r a n c o se rv iu pa ra d e s m o b i l i z a r a o p i n i a o pu ab li ca
nternacional e nac ion al. Na Eur opa , acr edi tav a-s e gue Ped ro 1 fer ira
e a ins tit uic Ao. No Bra sil , os esc rav ist as exi gia m gue se
mortalment
esperass em os efe ito s da lei. Nos tat os, gua se nad a se mod ifi car a na
vida do mil hao e mei o de cat ivo s gue ha vi am agu ard ado , ans ios os, a
libertacao.
Por mais uma década, os cafeicultores puderam explorar, sem
preocupaces, seus negros. Porém, com o passar dos anos, a concen-
tracao dos cativos nas provincias cafeicultoras acentuava-se, sobretu-
do com a forte seca conhecida pelo Nordeste, em 1877-1880. Ela
obrigou populacées pobres a migrarem para o litoral, onde substi-
tuiram, por saldrios de fome, os Cativos gue foram vendidos, em
grandes guantidades, aos cafeicultores. Como VimoS, o alto preco
determinava gue os senhores urbanos vendessem também seus
cativos aos cafeicultores.
Com a desescravizac&o das cidades e de importantes regioes do
Brasil, o movimento contra a escraviddo renasceria com redobrado
vigor. Em 1875, o escritor Bernardo Guimardes publicaria, com
grande sucesso, o romance4 escrava Isaura, gue registraria e expres-
saria, ficcionalmente, as misêrias da escravidao.
Em marco de 1879, um deputado baiano denunciou, na Assem-
blêia Nacional, com grande repercussdo, a Lei Rio Branco e pediu a
extincao da escravidao. Esse discurso é tido como o marco do
nascimento do movimento abolicionista, gue passou a exigir, simples-
mente, o fim da instituicao. Por todo o Brasil, fundararam-se assoCia-
cCOes antiescravistas.
Nos primeiros anos de 1880, a agitacdo abolicionista abandonou
Os teatros e os salbes elegantes e transformou-se em movimento
popular, restrito ainda aos homens livres. Entretanto, nas eleicêes de
novembro de 1881, os escravistas alcancaram uma grande vitbria.
Nem um sê deputado abolicionista foi eleito. Joaguim Nabuco, lider
abolicionista moderado, recebeu apenas 90 dos 1911 votos, no
primeiro distrito eleitoral do Rio de Janeiro.
A reac4o abolicionista foi guase imediata. Descrente com o jOgo
parlamentar, controlado pelos escravistas, uma faccio do movimento
101
se radicalizZou, optando pela acao direta em alianca Com a mas
sa
esCravizada.
Pela primeira vez na histéria do escravismo brasileiro, homens
livres e escravizados lutavam, juntos, Contraa iNStituicao. Em novem-
bro de 1882, 73 cativos — homens. mulheres e Criancas — se:
rebelaram € escaparam de uma fazenda para a cidade de Campina,
dando vivas a liberdade e A Rep@blica. No Caminho, mataram seis
pEssO4S due tentaram se Opor ao movimento.
Em maio de 1883, fundou-se, no Rio de Janeiro. a Confederacao
Abolicionista. Segundo parece, a partir do ano seguinte, peguenas
organizacoes dandestinas passaram a organizar fugas de cativos das
(azendas paulistas. Com o fortalecimento do movimento abolicionis-
ta, dom Pedro tentou, em 1884, a mesma manobra de 1871. No ano
seguinte, (oi aprovada uma timida lei gue libertava os trabalhadores
ESCrAavos sexagenarios.
A Lei saraiva-Cotegipe, de setembro de 1885, indignou profunda-
mente os abolicionistas, pois obrigava os escravos de 60 anos, agora
“homens livres”, a trabalhar, até completarem 65, para “indenizar” os
amos. Ela determinava a aplicac&o do Cédigo Criminal — penas de
até dois anos de prisdo — contra guem ajudasse trabalhadores
escravizados a fugir.
A lei nao alcancou os resultados. Nas cidades e nos cCampos,
fortaleceu-se o antagonismo entre escravistas e antiescravistas. Do
contronto de opinido se passava, agora, ao confronto fisico. Na
realidade, a permanência da escravidao inibia, havia ji muitos anos, o
desenvolvimento da propria producao cafeicultora. Entretanto, sem
mao-de-obra alternativa, os cafeicultores se apegavam 4 exploracio
de seus cativos.
Nos Gltimos meses da escravidao, a conterda entre abolicionistas
e antiabolicionistas guase assumiu um Car4ter de confronto geral. Os
Capangas dos escravistas organizavam antentados contra os lideres
de

abolicionistas. Feitores, capitaes-do-mato e policiais enfrentavam-se


AAR MA
eer. n NEE

Com populares, gue se opunham ao resgate de cativos refugiados nas


cidades. E os cativos, conscientes do apoio gue recebiam, agitavam-se
NNNNEEEEEEENEN

mais e mais. Em outubro de 1886, a escravidao foi abolida em Cuba,


EE. N ENE GP EER TEL; EEU

eo Brasil tornou-se a ultima nacdo escravista americana.


Hê indicios de gue abolicionistas radicais organizaram, em 1880,
para o Natal, uma fuga macica das fazendas paulistas. O plano teria
falhado, mas os cativos comecaram a escapar, a partir dos primeiros
dias de 1887, individualmente ou em grupos numerosos. indo refu-
EE

102
ee
of,
ER
2
meel
oe ars
gia r-s e pri nci pal men te nas cid ade s. Log o, o mo vi me nt o ass umi tu um
car&ter mul tit udi n4r io. A est oca da fin al na esc rav ida o ser ia, por tan to,
assestada pela sublevacdo servil incruenta.
Como os cativos desertavam incessantemente das fazendas pau-
de 188 7, sem out ra sol uc4 o, alg uns cCa tei cul tor es
listas. em junho
co nc ed er am a lib erd ade aos tra bal had ore s esc rav iza dos , des de gue
permanecessem trabalhando, por alguns anos, nas fazendas. Com
seus negros fugidos, outros fazendeiros passaram a assalariar cativos
escapados de municipios vizinhos.
Em S&o Paulo, em outubro de 1887, 150 cativos, armados, fugiram
de uma fazenda paulista, perto de ltu, aps derrotar, despir e
espancar policiais. Ap6s esse acontecimento, o Clube Militar pediuao
governo imperial para nêo empregar o exêrcito na captura de cativos
e reservi-lo para Casos mais graves de rutpura da ordem da nacao
esCravista.
No inicio de 1888, o abandono das fazendas se estendeu igual-
mente ao Rio de Janeiro. Em marco, os cafeicultores paulistas senti-
ram-se incapazes de opor-se as fugas. Entao, a assemblêia provincial
paulista, controlada por eles, pediu ao Parlamento imperial gue
votasse o fim da escravidao.
Desde meados dos anos 80, comecara-sea importar trabalhadores
europeus para a Cafeicultura paulista. O ingresso de grandes guanti-
dades de imigrantes comporia, nos anos seguintes, os bracos gue
trabalhariam no café e o exêrcito de desempregados e subemprega-
dos gue garantiriam a gueda tendencial do valor do trabalho assala-
riado.
Em 1888 na4o se discutia mais sobre o destino da instituicao, mas
sim se os escravistas seriam indenizados, como exigiam sobretudo os
cafeicultores do Rio de Janeiro, senhores de muitos trabalhadores
escravizados e de terras semi-exauridas. Os abolicionistas opunham-
se 4 indenizacdo, definida como escandalosa.
Os cafeicultores paulistas opuseram-se também 4 medida. Como
acabamos de ver, prevendo o fim da instituicao, desde 1884 haviam
comecado a promover a imigracao. Oueriam trazer da Europa multi-
does de trabalhadores. Portanto, preferiam gue os recursos do gover-
no e da nacao fossem investidos no financiamento das passagens dos
imigrantes até as suas fazendas.
Em 1887 e 1888, guase como numa metafora, imigrantes italianos
gue se dirigiam para as fazendas paulistas Cruzaram Com CativOs
103
fugidos gue desciam a serra, em direc&o ao porto de Santos. um dos
grandes refigios dos cativos foragidos.
Em fins de abril de 1888, as fazendas desertas de trabalhadores,
milhares de cativos emancipados, in extremis, a escravidao, em fase
terminal, agonizava no Brasil. Em 7 de maio, o Parlamento imperial
Aprovou um lacbnico projeto de lei gue extinguia a instituicao. Seis
dias depois, ele foi ratificado pelo Poder Executivo. Chegavam ao fim
mais de 350 anos de histéria escravista.
Nos Gltimos anos, tem-se debatido muito o sentido da Abolic&o.
Alguns autores afirmam ague ela teria constituido uma farsa, pois a
populacao negra continua, até hoje, marginalizada.
Apesar das limitaces da vitêria, o movimento abolicionista foia
Onica revolucao social vitoriosa no Brasil, obtida pela luta dos
trabalhadores escravizados em alianca com o movimento abolicionis-
ta. Com ela, o pais superou a escravidêo, e a forca de trabalho
nacional, antes dividida em trabalhadores livres e escravizados, se
uniIficou.
Em 13 de maio de 1888, o Brasil conguistava o triste laurel de ter
sido a Gltima nacao moderna a abolir a escravidao. O longo passado
escravista brasileiro ainda pesa tristemente sobre o presente de nossa
nacdO.
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EE” N TEE EE
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“EYES EEN” GEE `N
NEE.
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|
104

|
(Cronologia

|EE e

1444
e Portugue se s ap ri si on am os pri mei ros cat ivo s na Afr ica Neg ra.
1500
e Abril. Segunda expedicio portuguesa em direcao das indias chega
is costas brasilicas.

1532
e Dom Jo3o II institui o regime de donatarias no Brasil. Donatarios
podem escravizar brasis.

1537
e O papa Paulo II reconhece a humanidade dos indigenas.
1549
e Dom Joëo IN institui governo-geral e proibe escravizacdo indiscri-
minada de brasis.
1570
e Com Oo exterminio dos nativos, africanos sao introduzidos nas
capitanias acucareiras em grande guantidade.
1600
e Africanossuperam os nativos nas principais capitanias acucareiras.
1630-1654
e Holandesesinvademo Nordestee ocupam portos negreiros portu-
pueses. Paulistas cacam guaranis das missoes jesuiticas.
1685
e C6digo Negro francës.
1694-1695
e Destruicio da confederacdo do Ouilombo dos Palmares.

105
1695
Descobre-se ouro nas Minas Gerais. Grandes guantidades de
africanos sao importadas.
1755
Marguës de Pombal proibe escravizacao de nativos.
1773
Lei do Ventre Livre em Portugal.
1780
Colênia de Massachusetts abole a escravidao.
1791
Inicio da insurreicao escrava no futuro Haiti.
1804
Dinamarca proibe gue siditos participem de trafico.
Haiti abole a escravidao.
1808
Inglaterra proibe gue suditos participem do trafico.
Familia real desembarca no Brasil. Abertura dos portos ao comér-
cio internacional.
1813
Argentina abole a escravidao.
1815
Dom Jo4o acorda com a Inglaterra o fim do trafico ao norte do
Eguador.
1822
Independência do Brasil. Algumas senzalas se agitam; cativos
esperam ser libertados.
1823
Chile abole a escravidao.
1830
Tratado [23.11.26] determina fim do trafico internacional.
1831
Governo regencial decreta liberdade dos africanos gue entrissem
no Brasil.
1833
Abolicao da escravidao nas colênias britêinicas.
106
1835
Janeiro. In su rr ei ca o es cr av a em Sa lv ad or .
recurso, para cativo gue atentasse contra
Pena de morte, sem
senhor, feitor, etc.
1837
no poder apbiam o prosseguimento do contraban-
Conservadores
do de africanos para o Brasil.
1842
Uruguai abole a escravidao.
1848
Abolic&o da escravatura nas colênias francesas.
1850
Setembro. Sob pressao inglesa, a Lei Eusébio de Oueiros poe fim
ao trafico no Brasil.

1854
Peru abole a escravidao.

1863
Com 16 anos. Castro Alves escreve poesia sobre escravidao. Nasce
forte movimento contra a escraviddo.
1865
Sul escravista é derrotado na Guerra de Secessdo.
EUA abolem a escravidao
1869
Conde d'Eu. chefe das tropas de ocupacdo, abole escraviddo no
Paragual.
1870
Lei espanhola do ventre livre e da emancipacao de escravos idosoSs
em Cuba.
1871
Setembro. Lei do Ventre Livre liberta filhos de escravas, os guais
devem trabalhar até os 21 anos, gratuitamente, para os senhores.
1875
Bernardo Guimardes publica A escrava Isaura.
1879
Inicia o movimento abolicionista.
107
1885
Para combater o abolicionismo, governo aprova liberdade de
cativos com mais de 60 anos, gue devem trabalhar mais cinco anos
para indenizar os amos — Lei Saraiva-Lotegipe.
1886
Imigrantes entram, em grande guantidade, em S4o Paulo.
Abolic&o da escravatura em Cuba.
Abolicionistas radicais paulistas incitam e@scravos a abandonar
fazendas.

1887
No primeiro semestre, numerosos escravos fogem das fazendas.
Outubro. 150 escravos armados fogem de fazenda paulista, derro-
tam, despem e espancam a policia.
1888
13 de maio. Regente imperial sanciona a Lei Aurea, gue abole a
escravatura, num momento em gue a escravid4o praticamente nao
mais existia.

108
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ee ee
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1E]
Discutindo o texto

NEE EE EE EE EE EE

1. Descreva o funcionamento de uma villa romana. Oue tipo de


mao-de-obra era utilizado? Ouais os principais produtos gue ela
produzia?
2. Ouais os principais objetivos portugueses com a conguista de
Geuta?
3. Ouais os fendmenos gue permitiram a gênese do escravismo co-
lonial?
4, Ouem eram os “brasis”? Ouem eram os “brasileiros”? Ouem eram
os “indios de corda”?
. Nos primeiros tempos, como os colonos obtinham cativos?
KA

6. Ouais as principais razoes da substituicao dos nativos por africa-


NOS Como mAao-de-obra escravizada?
7. Descreva uma feitoria africana.

8. A Africa Negra conheceu, de forma difundida, a escraviddo mer-


cantil? Podemos definir os “agregados” africanos como cativos?
Expligue.
9. Como um africano podia perder a liberdade? Relate as principais
maneiras.
10. Ouais providências os negreiros tomavam, antes de embarcar os
CativOs?
11. Descreva as condicoes gerais da travessia atlintica em um tum-
beiro.
12. Ouais as primeiras medidas tomadas pelos comerciantes em rela-
cAO aos Cativos, ap6s o desembargue?

112
as pri nci pai s car act eri sti cas das cid ade s bra sil eir as du-
15. Descreva
rante o periodo colonial.
em era m os cat ivO S gan had ore s? Oua is sua s pri nci pai s ativ i-
14. Ou
dades?
Dê as pri nci pai s car act eri sti cas do est ilo neo cli ssi co nas residên-
15.
cias urbanas do Brasil de meados do sêculo XIX.
16. Descreva um engenho acucareiro.
17. Descreva uma chargueada.
1a. O gue era um a sen zal a? Co mo era m as sen zal as mai s sim ple s?

19. O gue era a “casa do tronco!


20. Ouais as principais formas de resistencia servil?
Ad. Fale sobre a Abolicao.
s4
APE
ei Ee,

13
Bate-papo Com o oautor

Mass Maestri nasceu em 1948, em Porto


Alegre, Rio Grande do Sul. É casado e tem dois
filhos, Marina e Gregêrio. Iniciou seus estudos em
ANENE | ! Historia na Universidade Federal do Rio Grande
de Sul, em 1969. Em 1970, devido 4 situacio politica da época, foi
viver no Chile, onde prosseguiu seus estudos no Instituto Pedagogico
da Universidad de Chile. Em 1973, apês o golpe militar naguele pais,
mudou-se para a Bélgica e ingressou na Université Catholigue de
Louvain, onde defendeu tese de mestrado e doutorado sobre a
histéria da Africa Negra e da escravidio colonial brasileira, respectiva-
mente.
#

Em 1977, de volta ao Brasil, trabalhou em diversas instituicoes de


ensino universitdrio, entre elas, o Mestrado em Histéria da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro. De 1984 a 1988, viveu em Milao, na
Itêlia, dedicando-se 4 pesguisa historica e trabalhando como corres-
pondente internacional de um didrio brasileiro. Atuou como profes-
sor, de 1989 a 1993, no Curso de POs-Graduacdo em Histria da PUC-
RS. Em 1990, realizou um projeto de pês-doutoramento em Histria,
financiado pelo CNPg, na Bélgica. Atualmente (1994) é professor de
Historia do Brasil na UFRGS.
Mario Maestri publicou guase vinte livros. Entre eles, no Brasil:
1910: A revolta dos marinbeiros (Global, 1982); Historia da Africa
Negra pré-colonial (Mercado Aberto, 1988); Serviddo negra(Mercado
Aberto, 1988); O escravo gaticbo: resistência etrabalbo(UFRGS, 1993);
Terra do Brasil(Moderna, 1993): Os senbores do litoral(UFRGS. 1994).
Na Italia, publicou io scbiavismo coloniale (Sellerio, 1989), Storia del
Brasile (Xenia, 1990), e, na Franca, L'esclavage au Brésil (Karthala,
1991). Publicou, igualmente, dois livros de ficcio: Um caminbo de
sombras (Mercado Aberto, 1987) e Carcaca de negro (Tchê, 1988).

1
A seguir, Mario Maestri responde a algumas perguntas relaciona-
das ao presente livro:

P. Como o autor, sobretudo sendo de origem italiana, se inte-


ressou pelo tema da escraviddao?
R. Durante mais de 350 anos, o Brasil foi uma sociedade onde as
principais classes eram a dos empresrios escravistase a dos trabalha-
dores escravizados. Esse periodo histêrico sê pode ser compreendido
no contexto da oposicao senhores versus escravos. A prépria histêria
do Brasil contemporêneo é profundamente influenciada pelo passado
! escravista.
| A historia do escravo constitui a prêé-histêria do trabalhador
brasileiro. Nesse sentido, todos nos, trabalhadorese assalariados, de
todas as origens étnicas, somos descendentes sociolêgicos dos escra-
vos brasileiros.

P. Nos altimos anos, alguns bistoriadores defendem due a


escraviddo nao teria sido dura. Oue os escravos comiam bem,
nao trabalbavam muito, eram pouco castigados, possuiam
Jamilias estdveis. Como o autor explica essas divergéncias?
R. Os historiadores escrevem a histêria a partir dos documentos,
segundo suas concepcêes metodol6gicas, politicas, ideolêgicas, cul-
turais, etc. A interpretacao da documentacio é influenciada pelas
opinioes do autor, conscientes e inconscientes, gueira ele ou nao.
O historiador Jacob Gorender, gue, na minha opini4o, é autor da mais
Importante obra sobre a escravidio — O escravismo colonial —,
esereveu gue essa divergência entre historiadores se deveria tambêém
ao fato de gue a escravidao foi igualmente boa e ruim. Boa para os
ESCravistas, ruim para OS escravos.

P. Oude o autor identificaria marcas do passado escravista


na sociedade brasileira contempordinea?
R. Asherancas escravistas da nossa sociedade sê0 multiplas e profun-
das. As principais so o racismo, o desprezo pelo trabalho manual, o
desrespeito aos direitos dos cidadaos das camadas populares.
Durante a escravidao, os proprietdrios, em geral brancos, tinham
Oo direito de fazer os escravos negros trabalhar Como guisessem e
retribui-los como desejassem. E, guando os trabalhadores esCraviza-
: dos resistiam, Os amos possuiam o direito — segundo a lei, a moral €
a religido — de castiga-los fisicamente.
j

Di

HE N heg FA rr
id
A escravidao influencia ainda a visao de nossas elites sobre Os
trabalhadores. Sobretudo porgue esse passado e essas idéias ajudam
a manter e a justificar seus privilêgios. Por outro lado, a visdo de
mundo das elites termina irradiando-se e difundindo-se entre as
proprias camadas populares.

P. A influéncia da cultura africana no Brasil é reconbecida.


Porém, pouco sabemos sobre a bistoria da Africa. Isso nao
prejudicaria o conbecimento da nossa bistoria?
R. Cerca de 3a 5 milhoes de africanos, homens e mulheres, foram
arrancados da Africa e trazidos para o Brasil. Foio trafico negreiro gue
alimentou, durante sêculos, a reposicio da mao-de-obra trabalhadora
do Brasil. Inimeros aspectos do nosso passado sao ignorados ou
incompreensiveis devido ao grande desconhecimento, no Brasil, da
histêria africana. A pouca atencao gue se di a esse aspecto é outra
espêcie de heranca escravista. Estudamos a histêria dos proprietdrios
escravistas, e ndo a dos trabalhadores escravizados.
gf
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EE
Lr
Discutindo a Histéria do Brasil
"

Discutindo a Historia NEE


do Brasil é uma cole- MS ss -
cao gue tem por obje- €
tivo apresentaraolei-
tor um amplo painel do
nosso passado.
Fe. A variedade de temas — desenvolvidos por
AR ie diferentes autores e nem sempre com os
se oats EE mesmos enfodgues — possibilitaa estudantes
ee e professores uma reflex&o critica do processo
historico e de suas abordagens.

Volumes publicados:

Cidade e cultura urbana na Primeira


Republica
O indio e a conduista portuguesa
O escravismo no Brasil

BLELEL TE

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