Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O) escrovismo
no Brasil
Mario Maestri
Coordenacao:
Maria Ligia Prado
Maria Helena Capelato
Klaus Hilbert,
so) Lucia e Arno Kern,
Nincia Santoro e
DA Rene Gertz.
Maestri, Mario
O escravismo no Brasil / Mario Maestri ; coordenacao Maria
Ligia Prado, Maria Helena Capelato. — Sao Paulo : Atual, 1994. —
(Discutindo a histéria do Brasil)
Bibliografia.
ISBN 85-7056-673-5
1. Escravidao — Brasil 2. Escravidao — Brasil — Histéria |.
Prado, Maria Ligia. II. Capelato, Maria Helena. JI. Titulo. IV. Série.
94-3201 CDD-981
' Sumario
Datepape Om ed EE 1
fitodoeaor EE EED 5
GiEROIGRIA. Ee EE IE RE 105
Bithosmaia EE EE 109
O escraovismo clAssico
Trabalho especializado
9
ie TN
ae
Europa.
NO inicio do século XV, o reino lusitano era um Estado rural
pobre, com uma populacao gue nao superava 1 milhio de habitantes.
Fm parte coberto por montanhas e florestas, possuia poucas terras
térteis, sobretudo proprias 4 cultura do trigo. NaAo raro, faltava pao nas
cidades e nos campos.
Portugal contava com algumas poucas verdadeiras cidades —
Lisboa, Porto, Setabal, Lagos. Elas se localizavam na faixa litor&nea
mais desenvolvida. Os nicleos urbanos do interior nio passavam de
rusticos burgos rurais. A producao manufatureira era raguitica, a
artesanal, acanhada. O desenvolvimento da cultura, das artes e dos
oficios era timido, e o pais, pobre em riguezas minerais.
Espremidos entre o poderoso reino de Castela e o Atlintico
bravio, tentando viver de terras ingratas, os lusitanos voltaram-se para
o mar. O litoral português é estreito e pouco piscoso. A captura da
baleia, do atum e da sardinha levava os pescadores a mares distantes,
treinando-os na grande navegacao. A pesca e a navegacao de pegue-
na e grande distincia permitiram uma incipiente, mas ativa, induistria
naval.
1 ocali2acêo estratégica
10
mae ia EE es ee ae aa AE ESEL REELE LLEEE EL ER EE RI AR IM EE AE MS ARE TE
hi'
ke
f Portugal entre os séculos XVIl e XVUI
N £ AI ii
. Ad NR.
,
Ii
Es
we RE
“lead d! 1 and AE
Anvers, Londres, etc. A costa lusitana encontrava-se a meio caminho
da nova rota comercial. Os navios eram abastecidos e protegidos nos
portos portugueses.
No final do sêculo XIV, Portugal vivia sob a ameaca do voraz
reino de Castela, gue lutava para dominar a peninsula inteira. Em
1385, a gente miuda portuguesa, os burgueses do litoral, a média ea
oar EE LR bees n n”
nobreza haviam
VEE
soberano, dom
Joao 1 (1385-1433). Nascia a dinastia de Avis.
NO inicio do século XV, a Europa Continental n&o conseguia
romper o monopdlio italo-muculmano do comércio com o Oriente.
As ricas mercadorias vindas da Asia e da Africa — ouro, marfim.
corantes, tecidos, vinhos finos, etc. — pagavam elevados tributos aos
senhores do Mediterrineo. Cristios e muculmanos disputavam acirra-
damente o controle do estratégico mar interno.
13
OES 2p OBISED -”
C
ae” T
N Es 6
SOET 2InjSIE) VORLY ik
SI ON € diy; 91 APAAA OP) OT D
“Osl d 7 ' P SEUII ges
VICINI os vldVAV |f €vvr waBsy
Pe : ve
vt I
JOpElog odED- O
LOST ZNUUON )
/
, e :
P ass Pop, SIT minaD, / 4 VCVL OPEN 1
Em Er oor TE Es
es “ry
SI
“n $ Os] LZVI SOJOSV 7
SPIPu] SP IPAGPD oa PUIVD PP OSPA op PIOM
Te ] ia
A conguista de Ceuta ndo rendeu os frutos esperados. A cidadela
tOrnou-se o centro de incessantes e custosos combates entre portu-
gueses e muculmanos. E os comerciantes, gue€ chegavam do interior
do continente, dirigiram-se para outros portos do norte da Africa.
Apesar do fracasso relativo do assalto a Ceuta, a Coroa lusitana
continuaria investindo contra as costas marrodguinas. Porêm, uma
outra estratégia seria desenvolvida para obter o controle do ouro
sudanéês.
14
O nascimento do escravismo
OMEFCAONO
15
2
ER vee oi
#
rd by Capitania do Pard
EE ER EE EE El
Capitania do Maranhdio
EF
EE
Capitania de
Pernambuco
mm MEE EE EE EE EE NEE EE EE EE MEE EE EE EE MEEN. MEER EER EE (EE mEw
Capitania da Bahia
Linha de marcacao de Tordesilhas
RE RE sets Salvador
Capitania de IIhêus
Capitania de
Porto Seguro
Pe ma EE EE EE EE ' dEam mn EER N EEN EE EE HEER EE EE EE
Capitania do
Espirito Santo
Capitania de So Tomé
Rio de JAneirc Capitania do Rio de Janeiro
EE Capitania de Santo Amaro
- —/ Capitania de Sao Vicente
Capitania de Santana
id
Os donatirios necessitavam @ncontrar atividades, rentdveis e
permanentes, gue financiassem a ocupacao das colênias, ao menos
até gue as minas fossem descobertas. A agromanufatura acucareira
era uma atividade difundida no Mediterrineo, nas ilhas atlinticase no
sul de Portugal. Antes de 1530, mudas de cana-de-acicar haviam sido
testadas no litoral da Terra do Brasil. Essas e outras regioes da
Améêrica revelaram-se favordveis ao Cultivo da cana-de-ac&car.
16
Os lusitanos dominavam as técnicas da producao do acucar e€
participavam do seu comércio internacional. Porém, para gue a sua
producao fosse rent4ivel, era necessirio gue os operarios trabalhas-
sem muito e recebessem guase nada. Os camponeses portugueses —
trabalhadores livres — nao viajariam ao Novo Mundo para ali conhe-
cer uma vida ainda pior do gue a européia.
Nas Améêricas, os homens livres podiam abandonar o trabalho
duro das plantacoes e dedicar-se a uma peguena agricultura suficien-
te para sua sobrevivência, nas abundantes terras da regido. Uma
macica transferência de trabalhadores para o Brasil aumentaria o
preco do trabalho em Portugal, o gue prejudicaria os proprietirios
feudais lusitanos.
N gronde solucao
7; (Ee
Tecnologia teudal
18
gr
Ë
dt
aa
d se
aller fa
ee
'
-
Cscravidêo de indios
Os Primelros Contatos
19
Preciosas terramentas
NE NN
HEDE.
EN
Ouerreivros temlveis
sFEEFEFEES REG
gido. As aldeias podiam aliar-se, FEE
Senhores do l|itoral
Az
“corda”. marcavam o nimero de “luas” gue ele viveria. Dai o nome
jndios de corda.
Era peguena a guantidade de indios de corda mantida pelas
aldeias tupinambd4s. E elas nio gostavam de ceder todos os pristonel-
ros aoS europeus, mesmo em troca das valiosas ferramentas.
Com o desenvolvimento das plantac6es e o aumento da necessi-
dade de bracos mais fortes e confiantes, os colonos pressionaram as
comunidades aliadas para gue Ihes entregassem seus indios de corda
e aprisionassem uma guantidade maior de cativos.
A luta pelo controle da mao-de-obra indigena e das terras do
litoral envenenaria as relac6es entre os colonos e as comunidades da
costa. Ouando os indios de corda se mostraram fonte insuficiente de
cativos, os colonos passaram a atacar e a escravizar, primeiro, as
comunidades nativas inimigas e, depois, as aliadas.
23
O Him dos Povos da costa
24
Exasperados pela violência escravista, as comunidades da Costa
lancavam duros atagues contra as colênias lusitanas. Donat4rios e
colonos perderam bens e vidas nas maos dos brasis. A situacio
tornava-se ainda mais critica com o apoio dado aos nativos rebelados
pelos franceses gue visitavam o Brasil.
Temendo o insucesso da colonizacao, dom Joao II criou, em
1549, um governo-geral para o Brasil, com sede na capitania real da
Bahia. Uma das principais instruc6es do primeiro governador-geral,
Tomé de Sousa, era coibir os “saltos” e outras violências contra Os
nativos.
A administracio portuguesa debatia-se com uma grande contradi-
cAO, resultando em medidas aparentemente conflitivas. Assim. as
violências dos colonos contra os nativos dificultavam as trocas dos
produtos europeus por produtos americanos — em boa parte mono-
se
oet
Diticil decisêo
26
N substituicêo de brasis
Por ofricanos
CEsperancas frustradas
Aldeias nativas do litoral, gue se tinham refugiado no interior,
conscientes do poderio militar lusitano, desejando voltar as fêrteis
terras da costa ou temendo as expedicêes escravizadoras lusitanas
27
gue percorriam os sertoes — eatradas—, aceitavam ou pediam para
ser “descidas”. Contavam com a protecao dos jesuitas.
Submetidos as mesmas condicoes de existência dos povos do
litoral, os americanos “descidos” tambêém morriam cComo moscas, nas
plantacoes, rocas e aldeias de indios.
Em 1503, em Mundus Novus, o navegador Amêrico Vespicio
relatava sua visita as costas setentrionais do Brasil:
29
3 terra natal era impossivel. Portanto, podiam ser facilmente escravi-
zZados, ao menos nos primeiros tempos.
Africanos, provenientes de diversasregiëes da Africa, eram vendi-
dos nas donatarias. Os colonos compravam Cativos de diferentes
linguas e culturas. Como veremos, a diversidade de lingua e cultura
dificultava tambêm a resistência servil.
Desde o inicio
50
EE
Er
—EEER
Coastelos, presidios
e teitorias
Constwucbes vasticas
.
ee sa N AE. MEd reN.
ku
25
carga humana. Em verdade, deviam esperar gue os cativos fossem
negociados e trazidos do interior. Com fregtiëncia, durante essa longa
espera, os tumbeiros eram assaltados por piratas africanos e euro-
peus, gue lhes levavam os Cativos, as Cargas e, até mesmo, os navios.
Em 1813, o tumbeiro cubano Rozaria, gue se abastecia em
Angola, teve seus guase seiscentos cativos roubados Dor piratas norte-
americanos. Em 1823, a escuna brasileira Feiticeira foi assaltada, em
SOYO, no norte de Angola, por piratas africanos, no momento em gue
cComprava Cativos para vendé-los em Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro. Esses roubos podiam ocorrer nos prêprios portos negreiros
africanos. Em fevereiro de 1827, o tumbeiro Estrela do Mar, prove-
niente do Rio de Janeiro, foi roubado em 213 cativos no Dorto de
Molembo, ao norte do rio Zaire.
A Construcdo de uma feitoria exigia pouco capital. Ela podia ser
transferida de local, sem maiores problemas, guando, em uma regiëo,
OS CativOS @scasseavam Ou encareciam. O italiano Caetano Nazollini,
estabelecido na ilha de Bolama, préximo ao Cabo Verde, o espanhol
dom Pedro Blanco, com barrac6es no rio Gallinas, ao sul de Serra
Leoa, o italo-francês Theodoro Canot, com feitoria em New Cestos,
toram alguns dos mais famosos e ricos feitores da Costa Oocidental, no
sêculo XIX.
AO contrêrio das feitorias, os castelos eram poderosas construcêes
mantidas pelas Coroas europêias ou por companhias monopolistas
dedicadas ao trafico. Tinham altas muralhas, torres, paêtios internos,
armazéns, potente artilharia e guarnic&Ao européia e africana. Seus
poroes guardavam centenas de infelizes. Os castelos serviam tambêm
cComo base de apoio para a navegac&o dos respectivos paises nesses
remotos mares.
Era ilusbrio o poderio dos castelos. Eles se encontravam encrava-
dos, na Africa, a milhares de guilêmetros da Europa. $ua seguranca
dependia dos senhores da regiëo, a gueém os europeus pagavam taxas
e tributos. Um senhor africano nao precisava assaltar os muros de um
castelo para arruin4-lo. Bastava impedir gue as Caravanas vindas do
interior chegassem até ele.
Apenas nas praias da Costa de Marim, chegaram a funcionar 23
castelos e fortes: treze holandeses, nove ingleses e um dinamarguës.
Nos sêculos XVIIN e XIX, com a pacificac&o relativa da concorrência
européia nos mares africanos, de modo geral, as mais Ageis e menos
Custosas feitorias substituiram os castelos.
36
Em Angola e Mocambigue, desde fins do século XV, os lusitanos
iniciaram uma primeira penetracao nos sertoes. Para garantir a chega-
da de cativos e de mercadorias na costa, fundaram peguenos presi
dios ao longo do curso de rios como o Kuanza e o Zambeze. Essas
peguenas feitorias militarizadas obtinham, das populacoes do inte-
rior, através do pagamento de tributos e do comé@rcio, catvos €
mercadorias.
T '
Marrakesh F - MAR
ds ME, OITERR
Nhas . f.— eSidjilmassa WFRpol VZO
MV
lé GUuinué 1 He
,
mr y /
OCEANO
ATLANTICO
ep Heriio de mineraiio
de Oouro
37
ZAfrica — Aa mêe negra
Entre 10e 15 milhes de africanos— homens, mulheres, criancas,
jovens e adultos — foram desembarcados nas Améêricas. Estima-se
gue de 3a 5 milhêes desses africanos chegaram ao Brasil. Fenmenos
essenciais das sociedades africanas explicam por gue a Africa entre-
gou aos negreiros europeus, com tanta facilidade, um nimero tio
elevado de habitantes.
Em meados do sêculo XV, as sociedades africanas COmpunham-
se, em geral, de comunidades aldeas gue conheciam uma organiza-
CAOo @conOmica e social baseada na familia e, sobretudo, na aldeia.
As aldeias eram formadas por uma ou mais familias ampliadas, ou
seja, pelo grupo social constituido pelo patriarca, por suas esposas,
descendentes e agregados. Na Africa Negra, os homens ricos pos-
suiam diversas esposas; os jovens e os pobres, apenas uma. |
A posse da terra era coletiva. As aldeias viviam especialmente da
agricultura. Os campos agricolas eram explorados pelas familias,
isoladas ou associadas, por meio de têcnicas agricolas extensivas e
itinerantes. Os africanos nao conheciam o arado, e o principal
Instrumento agricola consistia na enxada de ferro. Além das planta-
cOes, destinadas aos cereais e tub&rculos, cultivavam-se peguenas
hortas, com diversos vegetais.
Sociedades domésticas
Cltermos jovens
Fluxo humano
39
esposas, em aldeias e familias distantes. @Ouando os europeus Chega-
ram 3 Africa, grande parte desse fluxo humano foi reorientado e
passou a ser vendido aos negreiros da costa.
Fra distinta a sorte de um cativo incorporado a uma familia
africana ou vendido para a Amé@rica. Como veremos mais adiante, a
diferente destinacêo do homem africano tinha tambêém conseguiën-
cias diversas para a Africa Negra.
Na Africa, todas asfamilias tinham acessoa terra, eo Coméêrcio era
pouco desenvolvido. NO se plantava apenas para vender. O agrega-
do trabalhava para se sustentar e entregava parte da producio ao
patriarca. Nêo tinha sentido fazé-lo produzir alêém desse patamar. Em
verdade, a parte da producao gue ele entregava ao senhor era
determinada pelo costume, sendo, portanto, fixa.
O agregado n4o era escravo. Integrado a familia do patriarca,
passava a fazer parte dela. Nao podia ser vendido ou executado.
Tinha direito a ter bens e podia ser castigado apenas de forma
moderada. Era cComum gue se Casasse com um membro da comunida-
de local. Apos duas ou três gerac6es, o descendente de um agregado
passava 4 condicao de individuo livre.
O africano Gustavus Vassa foi segtiestrado, em meados do século
AVIII, ainda jovem, no reino de Benin. Apês ser escravizado nas
Américas, escreveu suas memêrias. Nelas, lembrava:
Como um ofricano
perdia ao liberdade
40
A venda de um aldeëo culpado de um delito era uma alternativa para
a pena de morte.
Puniam-se muitos atos com a perda da liberdade. O responsavel
— mesmo involuntirio — por uma morte era levado a familia da
vitima para ser executado ou vendido. O adaltero podia ser entregue
ao marido ofendido. Homens e mulheres apontados, justa ou injusta-
mente, como feiticeiros eram mortos ou vendidos. Os devedores
pagavam, algumas vezes, suas dividas com a propria liberdade. O
roubo, o crime de sangue, a antropofagia eram penalizados com o
cativeiro.
Diversos infratores pertenciam, guando condenados, aos chefes
aldebes. Com o desenvolvimento do trafico de cativos, senhores
africanos mostraram-se zelosos na descoberta de feiticeiros, adualte-
ros, etc. NAo raro, incentivavam suas mais belas esposas a seduzir
jovens inexpertos. Assim, aumentavam seus ganhos. A reducdo a
escraviddo e a venda eram tambêém uma forma de os chefes das
aldeiase de linhagens se livrarem de seus opositores ou concorrentes.
Homens ou mulheres condenados ao Cativeiro ou aprisionados
durante um atague entregavam, se tivessem direito, dois cativos para
se livrarem da venda. Um africano rico podia ser obrigado a ceder,
para resgatar a liberdade perdida, bom numero de substitutos.
Vendendo os filhos
41
Em busca de lucros fdceis, dois ou três africanos cCapturavam
criancas € jovens gue brincavam nas imediacoes das aldeias. Tais
operac6es mostravam-se perigosas. Raptores aprisionados eram exe-
cutados ou vendidos. T4o comum @ram @sses segtiestros, gue meni-
nos e meninas, viajando para o Novo Mundo, brincavam de raptor e
raptado nos conveses dos tumbeiros.
Tambêm se organizavam campanhas escravizadoras de maior
porte. Homens de uma ou diversas aldeias associavam-se para assaltar
povoacoes distantes e capturar prisioneiros. Aldeias eram cercadas
durante a noite e atacadas ao amanhecer: as chocas, incendiadas: os
guerreiros, mortos; as mulheres e as criancas, aprisionadas. Comuni-
dades de comerciantes-guerreiros viviam do rapto e da venda de
CativOS.
Reinos escrovizadores
Exportando a vida
43
dd Ted
14) dT N ë
fossem incapazes de andar, eram deixados, 4 beira das trilhas, com as
gargantas abertas.
Feitores adiantavam mercadorias para gue comerciantes africanos
negociassem cativos no interior durante essas longas expedicoes.
Como muitos mercadores endividados jamais voltavam ao litoral, com
o tempo os feitores europeus enviaram seus filhos mesticos para
negociar nos sertêes. Em muitas regi6es da Africa, os mulatos eram
identificados como tratantes de cativos.
Comerciantes e feitores trapaceavam sem pejo. Os africanos
descansavam € alimentavam os prisioneiros, antes de apresent4-los
nas feitorias. Rapavam e pintavam o cCabelo e a barba de prisioneiros
idosos. Esfregavama pele dos cativos enfermos com polvora, suco de
limao, éleo de palma, pedra-ume e outros produtos, para melhorar a
aparência da “mercadoria”. Os feitores lambiam a pele dos cativos
para descobrir essas fraudes. Para melhor enganar os vendedores,
embebedavam os comerciantes africanos. Lancavam dgua nos vinhos
e licores trocados pelos cativos. Adulteravam as mercadorias.
Comerciantes obrigavam os cativos, sob ameaca de morte, a nio
revelar aos feitores as doencas graves. Os europeus examinavam
detidamente os cativos e compravam preferencialmente jovens do
sexo masculino em plena satide. Examinavam os olhos, os muisculos,
as articulacoes. Exigiam gue mostrassem a lingua, os dentes, o sexo,
gue falassem, saltassem, corressem. Africanos muito jovens Ou muito
velhos, baixos, de tOrax estreito, com malformacées, sem dentes Ou
dedos, de cabeleiras falhas, com vermes, escorbuto, etc. eram
rejeitados.
1 utando pelo Or
45
parasitas e doencas de pele durante a travessla. Aparando-se as
unhas, procurava-se diminuir OS ferimentos € as infeccbes provoca-
dos durante as alucinantes disputas realizadas nos porêes, por um
pouco mais de espaco, luz e ar. Repetiam essas operacoes a bordo.
Fra Comum gue os comerciantes africanos assinalassem, nos
sertoes. Com suas marcas, os cativos. No raro, marcavam-nos
também no momento do embargue, guando a “carga'” pertencia a
diversos proprietdrios. Fazijam-se marcas nos bracos, nas nidegas, no
rOStO, etc., com peguenos sinetes ou fios de metal, no inicio de ferro,
depois de prata, aguecidos ao rubro. Antes de aplicar a marca,
podia-se untar com sebo o local a ser gueimado. Como veremos, por
motivos profilêticos, os cativos e cativas eram embarcados e viaja-
vam nus.
Nas feitorias e portos lusitanos da Africa, os cativos eram batiza-
dos antes de embarcar. Em fila, um apês o outro, recebiam um nome
Cristao —registrado no rol do navio—e, fregtientemente, a marca de
EER
nos nunca haviam visto o mar ou nio sabiam nadar. Acidentes com
EE
trageédias.
VA. EE LA WETENDE
Calculo econdmico
Macabra ttavessia
No inicio, os portugueses transportaram alguns poucos Cativos na
coberta ou no convés das peguenas caravelas ou das mais espacosas
naus. A seguir, as mais variadas embarcacêes — charruas, Carracas.
patachos, sumacas, etc. — foram empregadas no trifico. De modo
geral, os @uropeus utilizaram navios semelhantes para transportar
praticamente o mesmo numero de cativos.
Com o tempo, os estaleiros europeus construiram navios, com
diversas cobertas, destinados ao tr4fico. Nos navios de três cobertas,
para prevenir revoltas, os homens viajavam no porio inferior. as
mulheres, no intermedidrio, e as Criancas e as gestantes, no superior.
47
Nos navios menores, os homens
jam no porao, com a agua e as
mercadorias, as mulheres nas ca-
bines e os jovens e criancas nos
conveses, apenas protegidos por
um toldo.
Com os novos tumbeiros, os
armadores forneciam plantas gue
ensinavam como “empilhar”, nos
porées, maior guantidade de cati-
vos. Esses navios transportavam
de 300 a 3 000 metros cabicos de
carga Gtil, ou de cem a guatro-
centos cativos. Um alvar4 real
portuguës, de novembro de
1813, gye ditava instruc6es sobre
a higiene e a alimentacao dos
cativos, determinou gue as em-
barcac6es transportassem apenas
cinco cativos por tonelada.
Nas primeiras dêcadas do sê-
Culo XIX, os tumbeiros gue par-
tiam de Angola para o Rio de
Janeiro transportavam, em mé-
dia, aproximadamente 450 cati-
vos. Em meados do sêculo, na-
TPI)
viosa vaporlevaram para o Brasil
S
Epeetp
E
Vs
ODE
| T até mil cativos por viagem. Po-
Ad LD da ads réêm, essas embarcacoes ndo se
meel mm - Te.” Em Te
sale EA
EENERA
EE PE
SLAE RIESLE
E adaptavam bem ao trafico. Boa
Ee
| EE aa” VIE 2E
ar
ET Daa OR ES
| EED ED ES Oo transporte.
A travessia atlintica, entre a
sy ( od de - N @-
48
dias. Um tumbeiro gue partisse de Mocambigue viajava até três meses
para chegar ao Rio de Janeiro. Ouanto mais demorada a viagem,
maior a mortalidade a bordo. Um navio europeu gue partisse para a
Africa e, dali, para a Amêrica, demorava, no minimo. dezoito meses
para voltar ao Velho Continente.
Até inicios do sêculo XVIII, a mortalidade média dos Cativos nos
tumbeiros encontrava-se em torno dos 20%. A partir de meados desse
sêculo, os tumbeiros ingleses gue transportavam africanos escraviza-
dos da Africa ao Caribe, demoravam de dois a trés meses na viageme
perdiam cerca de 10% dos passageiros. Os tumbeiros franceses, na
mesma rota e na mesma Êpoca, 13%. A mortalidade dos negreiros
holandeses, nos anos de 1730 e no inicio do sêculo XIX. era
praticamente a mesma: 11,4%.
Estima-se gue, no sêculo XIX, em torno de 10% dos cativos
morriam durante a travessia. Acredita-se gue a gueda da mortalidade
a partir de meados do sêculo XVIN tenha sido devida, entre Outros
fenêmenos, 4 difusao da vacinac&o contra a variola nas praias
africanas. Estima-se gue mais de 1 milhao e meio de africanos tenha
morrido durante a travessia. Nesses dados nao estio incluidas as
perdas totais devido a naufrigios, muito mais Comuns do gue se
imagina. Em meados do sêculo XVINI, uma companhia monopolista
luso-brasileira teria perdido em naufrigios nada menos do gue 14 dos
seus 43 navios tumbeiros. É desnecessdrio dizer gue os tumbeiros
Possuiam escaleres em nimero suficiente apenas para a tripulacao.
Longa vlagem
49
deviam lavar as maos em baldes de 4gua salgada. A agua para beber
meio litro — era distribuida três vezes a cada 24 horas.
Um. dois ou três dos seguintes produtos podiam fazer parte da
dieta dos tumbeiros: arroz, farinha, batata-doce, feijdo, milho, peixe
salgado, carne-seca, toucinho. Um estudo sobre a carga dos navios
tumbeiros partidos do Rio de Janeiro, entre fins de 1827 e inicios de
1830. revelou gue a carne-seca “esteve presente em 94% dos carre-
gamentos, a farinha de mandioca, €m 92%, o arroz e o toucinho, em
O8%”.
O tumbeiro Arsênia partiu do Rio de Janeiro, em novembro de
1827, para buscar cativos em Molembo e Cabinda. Levava a bordo “8
sacos de feijao, 13 de arroz, 110 de farinha, 130 arrobas de carne-seca,
EE Ee
* mm, RES
afr
ir
r
ER
EE
ji
Ee
d
erN
F
7E
aa
dek
RE
pd.
yy
SR
ee
.
os
Wa
,
DER
Se
!
sr
FM
RA
`
ea
E
Ee.
OE dd
'
`
DRS
har
GE
ET. Fi
rd
R”
oe Eg
%
AR
' i
al
po
PA
id
ore
N SO
"de,
“ar
ET
safe”.
Fi
KERE
EER”
'
Ts
P,”
ë# j
M
sa
so)
n mEEEE”ma
OR
N
£f
J
#
N
n
N
we
Os negreiros tinham instrumentos para alimentar, aA forca, Os
cativos gue se negavam a comer. A alimentacao da tripulacao e,
sobretudo, dos oficiais era mais variada e rica — cames, temperos
diversos, frutas, vinhos, etc.
Os negreiro tentavam diminuir a mortalidade entre os Cativos.
Uma mangueira de lona, presa a um mastro, Captava o ar fresco e
levava-os aos poroes, se o calor era insuportvel ou o ar irrespirdvel.
Os cativos doentes, enlouguecidos ou debilitados, defecavam, urina-
vam € vomitavam, sem poder se aproximar dos baldes ou das
precarias latrinas. os negreiros mandavam lavar, periodicamente, Os
pisos dos porêes com vinagre e& 4gua do mar. Para prevenir o
escoburto, diversas vezes por semana a boca dos cativos era enxagua-
da com vinagre e eles recebiam, geralmente pela manha, uma
peguena racao de alcool.
Macabra danca
Se o tempo permitisse, os cativos eram levados para os tombadi-
Ihos, duas vezes ao dia, acorrentados, para dancarem, sob a muisica
improvisada de algum marinheiro e o chicote do negreiro. Duas vezes
por semana, lavavam-nos com a dgua do mar. Durante a viagem, o
Cabelo, a barba e as unhas eram cortados novamente.
Para acalmar a carga humana, os negreiros faziam Circular pelos
poroes cachimbos e fumo e permitiam gue os cCativos Cantassem
musicas africanas. Alguns deles recebiam um pegueno chicote para
manter a ordem, nos porêes, durante a noite. Devido ao servico,
tinham direito a algumas regalias.
Os cativos embarcados encontravam-se ji debilitados. E facil
imaginar as consegiëncias da travessia atlintica para a sautde fisica e
pSiguica dos africanos. Os tumbeiros possuiam um “Cirurgiao”, um
Pratico ou, pelo menos, um sangrador, gue se ocupava da tripulacao
e viglava o estado geral da “carga”.
Durante as visitas de controle, os “médicos” entravam descalcos
nos porbes, pois deviam caminhar, literalmente, sobre os cCativos.
Protegidos pela semi-escuridao, os prisioneiros beliscavam e€ mor-
diam os pés desprotegidos do “visitante”.
Na segunda metade do século XIX, era comum vacinar Os CativOs
contra a variola antes do embargue. Essa doenca aterrorizava Os
negreiros. O cativo descoberto infectado era isolado ou envenenado
51
Desembargue e
venda de cativos
23
costas nacionais, sob os olhos cimplices das autoridades. Entre 1830
e 1850, os desembargues de cativos eram feitos sem controle sani-
tAriO.
O desembargue nos portos brasileiros — Salvador, Sao Luis,
Recife, Rio de Janeiro, etc. — @ra menos problem4tico do gue o
embargue na Africa. As instalac6es portuirias e os meios de desem-
bargue ofereciam mais seguranca. Vergados pela travessia macabra,
os Cativos deixavam-se conduzir como autêmatos. -
Fra dantesco o espetdculo dos cativos desembarcando nas Améêri-
cas. Cobertos de pastulas, pareciam mortos-vivos. Os homens, com o
sexo a balancar, entre as pernas, imensos em proporcio aos COrDOS
magérrimos. As mulheres, curvadas, as costelas 4 mostra. As crianci-
nhas, peguenos Zumbis, sê olhos, agarradas aos peitos exauridos das
mades.
(3 desemba va Ee
54
Os cativos gravemente doentes eram vendidosa preco de liguida-
cao. Peguenos empresêrios se especializavam na cura e posterior
venda, com lucros, dessas "pecas” desenganadas, Muitos cativos
morriam apês o desembargue. No Rio de Janeiro, enterravam-nos em
valas comuns, enrolados em panos, perto do Valongo — na rua do
Cemitêrio.
Era grande a tensdo no momento da compra, Os operdrios
modernos sao despedidos, se adoecem, se se mostram insubmissos
ou indbeis, Desfazer-se de um cativo era mais dificil. Os novos
compradores gueriam saber por gue se vendia o escravo. A venda
seria anulada se o vendedor nao revelasse ao comprador uma grave
doenca ou um “vicio” do cativo — beber, fugir, roubar, etc.
7 venda
Mêédicos e feitores praticos acompanhavam os amos no momento
da compra. Apreciac6es fantasiosas influenciavam as transac6es. Em
algumas regi6es, dava-se preferência aos cativos de canela fina. Em
outras, aos de canela grossa. Os cativos deviam caminhar, pular,
correr, levantar pesos, falar, tossir. Os cabelos, a pele, os dentes, a
lingua, o peito, os 6rg4os sexuais eram examinados. Temiam-se as
doencas das vias respiratorias, a sifilis, os tumores ocultos,
Os fazendeiros vinham 4 cidade para adguirir peguenos, médios
ou grandes lotes de trabalhadores. A compra de um sê Cativo nao
justificava a viagem e os gastos. Eles compravam peguenos lotes de
africanos de diversas nacionalidades. Ninguém se sentiria completa-
mente isolado nas fazendas. E evitava-se comprar Cativos gue falas-
sem a mesma lingua.
Os africanos chegados ao Brasil eram chamados de “cativos
NOVvos” ou “bocais”. Novos na terra, nio conheciam a lingua e as
prêticas produtivas. Ouando se acostumavam 4 terra, 4 lingua e ao
trabalho diërio, passavam a ser denominados “ladinos”. Alcancavam,
entio, um malior preco. Os trabalhadores escravizados nascidos no
Brasil eram chamados de “crioulos”.
Muitos cadvos novos permaneceram nas cidades. Nelas, conhe-
ciam uma vida miserdvel, mas superior gue lhes reservaria o campo.
A imensa maioria dos africanos chegados As Amêricas foi adaguirida
para trabalhar nas plantacêes, nas minas, nos criatêrios, etc. Ao
contrério de hoje, durante a Colênia e o Impêrio, a maior parte da
populagao brasileira vivia e trabalhava no mundo rural.
55
Os fazendeiros compravam chapêus de palha, roupas risticas,
uma resistente manta para os cativos recÊm-adguiridos. Vigiados—a
pé, em cCarrocas € por barcos —, os trabalhadores escravizados
partiam para enfrentar os sofrimentos da escravidao rural. Na segunda
metade do sêculo XIX, os cativos gue chegavam das outras provincias
do Brasil, para trabalhar nas fazendas cafeicultoras do Centro-Sul,
viajavam por estradas de ferro.
Poréêm, antes de descrever os duros trabalhos do cativo rural,
analisaremos, rapidamente, a vida nas cidades brasileiras durante a
escravidao.
af
27
A impressdo de concentrac4o urbana satisfazia os senhores. Ela
reforcava o sentimento de seguranca e de poder dos escravistas. Ao
contririo das cidades, no mundo rural os amos viviam em fazendas
jsoladas, cercados por multidêes de ameacadores cativos.
Na Colênia, as Casas, uma ao lado da outra, definiam as ruas. As
residências avancavam, desalinhadas, sobre os caminhos urbanos,
gue tinham tracado e largura irregulares. Desniveladas e esburacadas,
as ruas n4ao possufjam Calcamento nem calcadas, o gue n4o era um
problema. Passavam por elas guase somente transeuntes, a pé ou
montados e poucas carretas e carrocas. Homens e mercadorias eram
transportados pelos cativos.
As lojas € os armazéns eram escassos. Com o tempo, algumas
pracas e ruas se especializaram, sobretudo no comêrcio. Esses locais
mais animados tornaram-se centro de convivência de senhores e
trabalhadores escravizados.
Primeivos calcamentos
Principalmente no fim da Colênia, as principais ruas, pracas e
ladeiras comecaram a ser calcadas. E, mais tarde, iluminadas. As
cAmaras municipais passaram a se preocupar com o alinhamento,
nivelamento, largura e calcamento das artêrias urbanas.
As ruase pracas eram calcadas de forma ristica e sum4ria. Turmas
de cativos fincavam pedras, rudemente preparadas, em toda a largura
dos caminhos urbanos. As calcadas foram construidas, mais tarde,
para separar o trafego de homens e de veiculos.
NOS primeiros tempos, as pracas nio serviam, como hoje, ao lazer
e 4 permanência da populac4o. Eram terrenos, sem 4drvores e pavi-
mentacdo, destinados as atividades publicas — mercado, procissêes,
festas, etc. Cavalos, boise porcos pastavam, soltos, 4 noite, nas pracas
e nas ruas.
Na praca central, localizava-seopelourinho, simbolodaautonomia
e dos direitos municipais., Em tornodela, erguiam-se os edificios pibli-
CO$—Igrejamatriz,cAmara, prisêo,etC.—easprincipaisresidências. Os
cativos eram Castigados e executados ao pé do pelourinho. As casas
maisricaslocalizavam-setambêm nasesguinas centrais.
O espaco urbano era ocupado pelas ruas, logradouros e guartei-
roes. Os guarteiroes eram subdivididos em terrenos urbanos. Muitos
lotes tinham aproximadamente dez metros de frente, e três, guatro de
8
fundos. As casas têrreas e os sobrados eram levantados, nos limites
dos terrenos, sobre o alinhamento das ruas.
Sem jardins dianteiros, as residências ocupavam os três limites do
terreno. Reservava-se a parte dos “fundos” para o grande guintal.
Ouando totalmente ocupadas, as guadras produziam a impressao de
concentracao urbana, jé assinalada. Porêm, todo o “miolo” da guadra
era ocupado pelo espaco semivazio dos guintais.
Sobrados senhoriais
E
Pa
para o guintal, como local de trabalho, cozinha, dormitêrio de
AAS
escravos, etc. O piso do andar têrreo era de chao batido ou de laje.
SEEP.
AE N
SEA
A familia senhorial morava no segundo andar, mais arejado e
aa . MA
iluminado. Ele dispunha de assoalho, de longas tibuas, gue garantia
&
si
`
melhor protecao contra a umidade e parasitas doméêsticos.
A sala da frente do segundo andar, com janelas, balcées e sacadas
para a rua, destinava-se a vida social — reuni6es, jantares, etc. A peca
posterior era reservada ds mulheres. Entre as duas, sem iluminacio ou
aeracao direta, Hicavam os dormitérios senhoriais — as alcovas.
O recolhimento da alcova—a Gnica peca gue nio se comunicava
diretamente com a rua @ o duintal —, alêm de manter as mulheres
reclusas, protegia também os proprietdrios contra possiveis atentados
servis.
Moradias separadas
59
A falta de continuidade entre o espaco doméstico (interiop e o
publico (exterior) era outra caracteristica autoritdria dos sobrados.
Fles nao possuiam areas intermediërias, cComo jardins, alpendres, etc.
gue facilitassem o contato entre a rua e a residência.
Os beirais dos telhados projetavam-se sobre a rua. Os telhados.
sem calhas, de telha-canal (colonial), eram de “duas 4guas”. Portanto,
asdguas da chuva escorriam para a rua e para o guintal. Nos sobrados
mais ricos, pecas de madeira trabalhada ornavam os beirais. As
tachadas eram sObrias. No têrreo, uma ou mais janelas distribuiam-se.
geralmente a esguerda e a direita da porta de acesso.
DLava-se maior atencdo as portas de entrada e 4 fachada. Os
marcos das portas e das janelas eram de pedra ou de madeira. As
vergas — pecas gue repousam sobre as ombreiras das portas e janelas
— eram retas ou levemente argueadas. As portas e janelas eram
fechadas com tibuas. Balcêes, falsos balcêese uma maior ormamenta-
cao lembravam o status mais elevado do andar superior.
Junto a fachada dos sobrados, construia-se uma calcada, de uns
25 centimetros, para gue as 4guas da chuva, caidas pelos beirais, nao
minassem os fundamentos dos sobrados. No térreo, um Corredor unia
a @ntrada ao guintal. Uma escada interior ligava o andar têrreo e o
SUperior.
OS guintais dos sobrados tinham importantes funcêes. Forneciam
produtos, abundantes nas fazendas, mas raros nas cidades. Eles
dispunham de galinheiros, despensas, peguenas hortas, Arvores fruti-
feras, um poco. Dormitêrios para os cativos e privadas podiam ser
COnstruidos nos guintais.
Contorto suburbano
60
Pe
n
eN and
n
periferias das aglomeracêes urbanas, as chicaras permitiam as fami-
ER
Negros domésticos,
gonhadores e de aoluguel
Ate por volta de 1888, a vida nas cidades repousou nos ombros
dos Cativos. Em peguenas, grandes e médias cidades do litoral e do
interior, multidoes de cativos trabalhavam em multiplas atividades.
algumas delas hoje desaparecidas. Eram eles due tornavam possivela
permanéncia dos senhores nas cidades. Boa parte desses trabalhos
era realizada pelos cativos domésticos.
Ee
O1
N HAT
i
*
ad
n
ES
N
pobres esforcavam-se para ter, no minimo, um trabalhador escraviza-
do. No possuir seguer um molegue de pouco preco ou uma negra
imprestavel era sinal de pobreza e causa de grandes dificuldades.
Mesmo as grandes cidades do litoral n4o possuiam servicos
hidraulicos. Cativos recolhiam 4gua em lagoas, rios e afroios; nos
pocos, cacimbas e chafarizes. Se possivel, cCavavam-se pocos nos
Guintais das residências.
Aguadeiros cativos, com peguenos tonéis, transportados em Car-
rocas tracionadas por burros, ou nas costas dos animais, vendiam o
liguido aos fregueses em suas residências e pelas ruas.
Levar a 4gua — para beber, cozinhar, lavar-se — as residências
exigia grande esforco dos cativos. Como vimos, os senhores, de modo
geral, moravam nos andares superiores dos sobrados. E alguns
possuiam até cinco andares! A 4gua de beber era guardada em bilhas.
Os escravos traziam toalhas, bacias e jarras com 4gua para amose
convidados lavarem as maos apds as refeicêes. O banho exigia mais
trabalho para os cativos. Senhores, sinhis e sinhazinhas se lavavam,
Com parcimOnia, nos dormit6rios, com a ajuda de lavatêrios, bacias,
jarras e toalhas.
Banho de COMNECA
62
' j
F Ty j N
ds dy
"dd
Ou nas chdcaras. Produtos e servicos eram produzidos nos guintais
SP
03
porcelana; alimentar os braseiros; lavar os pés dos senhores; limparas
botas e botins para o dia seguinte, etc.
Dormindo na cozinha
da kam F
MEME f Ne F FT Ed
Feedds Mis - dy Es”
F E Ë ia ea j re d J rd
ea ” n, F fr” ; f
rd red Ty EE EF i
j 5 ,
' ies f ra E Ë G " ig rd N Ee di sd gedek
“ar r] ' mr Med FAT
gee ad Pe as % LT. riT py” Pl
F - - m ME
r. ow
ey
TE.
aa
f
Ra ad
er.
`n” damme
ed”
. ed "
OOSlie $ EE”
T
ri j MEE”
l ad ed
OE as
rd E 1E
dd
ii F-
e
died ] TA ie ET od sd et F
04
O gue obtivessem alêm do ganho pertenceria aos ganhadores.
Com o gue Ihes sobrava, deviam alimentar-se, vestir-se, cComprar
terramentas, etc. Alguns ganhadores obtinham o direito de viver
independentemente. Escravos ganhadores, depois de anos de sacrifi-
CIOS, juntaram a soma necessiria para comprar a liberdade aos
senhores.
Nas cidades, ganhadores, parados em locais habituais, esperavam
ser contratados. Nos portos, o desembargue de mercadorias e dos
passageiros — em escaleres, canoas, jangadas — era também um
MONOPOlio servil.
Vendedores ombulantes
OS
Nos jornais do Império, senhores noticiavama intencao de alugar,
comprar ou vender cativos, dotados das mais variadas habilidades,
para as mais diversas funcoes.
ZA modewmizac&o urbana
do Brasil escravista
ELE g € TE
eh
Tr, E
'' 1 ie da hy Ë LY N
“ag! TT Ta ER id Ar
"N Li 1 3
de d
BE MET vd
Ed A ME
FiisEs fe
Eer nek
Ti EE ' EE j
TT 8
TE bag
f MET En HE
ve
|
”
hak
d
P
vat
Me
ki
OE DE YS
dd rog.
EERS
py EF '
Eed . skets;
dm
OO
Com a liberdade de comércio, os produtores nacionais eram
mandados, sem passar por Lisboa, para a Europa, e as mercadorias
estrangeiras chegavam, mais baratas e abundantes, diretamente do
exterlor, aos portos nacionais.
Comerciantes estrangeiros passaram a vender mOveis, objetos
dom@ésticos, materiais de construcdo importados. Essas inovacoes
refinaram os habitos coloniais. Como nio ameacavam a estrutura
escravista do pais, eram apoiadas pela Coroa lusitana.
No Rio de Janeiro, dom Jo4o ordenou a substituicaio dos balcoes
e janelas de grades de madeira cruzada dos sobrados coloniais por
janelas envidracadas, mais adaptadas 4 nova dignidade da capital.
O barateamento do preco do vidro pês fim aos postigos—folhas
cCegas— gue protegiam as portas e janelas das residências. Agora, elas
podiam permanecer fechadas, mesmo durante o dia, impedindo a
introduc4o de chuva, poeira, insetos, etc., sem mergulhar a casa na
escuridao.
Nova iluminacêo
07
O estilo neocldssico correspondia 4 nova realidade do pais. Com
a Independência, os escravistas evoluiam, de classe colonial a senho-
res de uma imensa nac4o. Na nova arguitetura, procuravam expres-
sar, simbolicamente, para si mesmos, para os estrangeiros e para os
setores subalternos, os principios sobre os guais propunham edificar
a Nova NacA0 — EUropeismo, aristoCratismo e unidade senhorial.
O novo estilo difundiu-se por todo o Brasil. No interior e na Corte,
COM POUCOS recursos, Os senhores usavam os materiais de construcao
tradicionais ea mao-de-obra servil. De modo geral, a adoc&io da nova
orientacao arguitetOnica foi superficial e restringiu-se aos saloes
sOC1ais € ao uso de colunas, escadarias, platibandas e frontêes. Ou
seja, ao tratamento externo das residências.
Reformando o velhe
Nas novas construcêes e nas reformas dos sobrados e casaroes
Coloniais, a importacao de calhas permitiu gue os beirais fossem
Substituidos por platibandas, ornadas por vasos, fruteiras e estatuas
de louca do Porto, com figuras da mitologia, das estacbes, das
virtudes, etc.
ms
Porêo elevado
09
contavam com salas de recepcio — com forros, paredes e portas
pintados —, saletas de musica, capelas, escritorios, etc. As janelas das
pecas sociais davam para a rua. Flas possuiam elegantes Cortinas e,
muitas vezes, balcbes de ferro fundido.
As pecas dianteiras, protegidas contra a crescente indiscricao das
ruas, servjam as funcbes sociais. As intermediërias, independentes,
destinavam-se as atividades familiares — refeicoes, estar, dormitrio.
A cozinha e a nova casa de banho se localizavam nas pecas traseiras,
desgualificadas, proximas ao guintal.
Logo, esse tipo de casa conheceu outra revoluciondria inovacio,
ao recuar lateralmente, em relacao ao terreno urbano, em geral,
apenas de um lado. O outro, no inicio, guando se afastava, fazia-o
minimamente.
Eram os cativos gue construiam essas residências. Artifices livres
intervieram apenas na construcao das casas mais luxuosas. As paredes
eram grossas e o acabamento, rastico. O uso do papel de parede
importado escondia as imperfeicêes do acabamento.
As novas construc6es assinalaram o fim da uniformidade residen-
cial e arguitet6nica colonial. As residências dos senhores mais ricos
distinguiam-se pelas solucbes arguitetênicas, pelos elementos da
fachada, e nao apenas pelo tamanho.
O recuo lateral das construc6es em relac4o ao terreno permitia,
nas residências mais ricas, elegantes jardins e entradas laterais. E,
mesmo nas mais pobres, permitia gue todos os cêmodos fossem
iluminados e ventilados diretamente. Entretanto, era ainda pratica-
mente impossivel viver sem a abundante criadagem servil.
Desescrovizacê&o urbana
70
Ai
ag
ak
ey
Nas cidades, nao havia sentido manter um cativo em uma ativida-
de pouco rentavel se ele podia ser vendido, por uma alta soma, aos
cafeicultores. Em S4o Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, para
facilitar a transferência dos cativos para o campo, os cafeicultores
aprovaram leis municipais e provinciais gue taxavam Os escravos
urbanos. Por dêcadas, o trafico interno suprimiu as necessidades da
cafeicultura.
Coma carência de cativos urbanos, as cidades brasileiras comeca-
ram a se modernizar, a se desescravizar. Em pouco tempo, faltaria o
infatigavel cativo gue vivia, nas cidades, buscando, trazendo, levan-
do, transportando, Carregando, abanando, cozinhando.
Entao, foram construidos os primeiros esgotos, as primeiras
hidraulicas e redes de distribuicao de 4gua, os primeiros sistemas de
transporte publico de passageiros e de mercadorias. Faltando o
cativo, inimeros outros servicos urbanos nasceram ou se desenvolve-
ram. Esse processo facilitou o prosseguimento da venda de cativos
urbanos.
Anos antes gue a escravidao desaparecesse nos campos, ela
assumia um papel muito secundario nas cidades.
71
Cscrovidêo nos COAMPos
Cngenhos acucareiros e
mMIMEracAo escravista
imensa maioria dos cativos gue desembarcaram nas
Américas foi enviada ao cCampo para trabalhar nas plan-
tacoes e minas. As primeiras grandes fazendas do Brasil
escravista dedicaram-se 4 agromanufatura acucareira.
Os latifandios acucareiros possuiam milhares de hectares. Porêm,
se explorava apenas uma peguena parcela de terra de cada vez. Os
engenhos deviam possuir abundantes matas, para alimentar as forna-
has com lenha. Muitos deles cessaram as atividades por falta de
cCombustivel.
AL
EerAm ER ee N
Ad EWER
' m
RR
' MA
dip
ad Te
nd
VAL
ae
d '
EE AA
n Pa's” DU
'
ME N rs
de
4
* ë
$
AI”
dk
Os engenhos mais ricos eram chamados de reais, Suas moendas
eram movidas pela forca hidriulica. Os trapiches, ao contrrio,
funcionavam com a energia animal — bovina e cavalar.
Os engenhos necessitavam de bons pastos para os animais gue
trabalhavam nas moendas e no transporte. O gado vacum e cavalar
era criado em fazendas do interior, para gue n4o invadissem Os
canaviais e para nao desperdicar terras proprias ao acucar.
73
Lra balhoe d UIO
Corvrida do ouro
GColbnia.
14
Escravos vigiados lavando diamantes em Curralinho.
Um deles mostra a pedra encontrada.
Ty
Gatchos negrvos
O cativo era presenca marcante nos criatOrios. As maiores fazen-
das possuiam rocas de subsistência —(eijdo, mandioca, milho, etc. Os
alimentos deviam ser beneficiados. Era necessêrio buscar 4gua nas
fontes e cortar e transportar lenha dos matos. As cercas de pedra
deviam ser levantadas. Os caminhos, reparados. Fossos deviam ser
cavados. Esses duros trabalhos da fazenda eram monopélio servil.
Alguns cativos trabalhavam tambêm como pedes. Entao, devido
as funcbes gue desempenhavam, obtinham alguns “privilêgios” e
podiam até mesmo receber peguenos “salêrios”. No pastoreio, muitas
vezes a escraviddo perdia o seu carêter despêtico e assumia um
conteado patriarcal. No sêculo XIX, cativos cuidavam sozinhos de
fazendas, guando da ausência dos amos.
Geralmente as fazendas pastoris se encontravam em regiëes
distantes dos centros consumidores. Eram elevados os gastos e a
mortalidade animal durante o transporte do gado em pêé. Em regiëes
longinguas, aproveitava-se dos animais apenas o gue se transportava
com facilidade — couro, lingua, sebo, graxa. A partir do sêculo XVII
a grande solucao foi o abate dos animais ea salgacao das carnes.
O Ceara, no sêculo XVIII, e o Rio Grande do Sul, nos sêculos
AVIIT e XIX, foram grandes produtores, respectivamente, de carne-
seca ede chargue, nomes diferentes para um produto guase idêntico.
As carnes salgadas eram um dos principais alimentos dos cativos e
dos homens livres pobres.
NO sêculo XVIII, os primeiros saladeiros permanentes eram esta-
belecimentos complexos, ainda ague rudimentares. Possuiam man-
gueiras, bretes, galpoes, patios, tinas, tangues, varais, etc. Em meados
do século XIX, as chargueadas sulinas possufjam instalacêes de tijolos
ce telhas, peguenas estradas de ferro, m4guinas a vapor.
Matanca contHinua
Nas chargueadas mais bem e@guipadas e capitalizadas, trazia-se o
animal das mangueiras para o brete, onde era abatido, com um golpe
na nuca, para, em seguida, ser transportado por um Carrinho correndo
sobre trilhos, até uma cancha acimentada, onde Ihe tiravam o couroe
despedacavam sua carcaca.
Trabalhadores especializados dedicavam-se is mais diversas ativi-
dades — campeiro, desnucador, Zzorreiro, chargueador, aguadeiro,
78
salgador, graxeiro, etc. Em relacdo aos primeiros tempos, pouco se
perderia da matéria-prima. Com as carnes produziam-se diversos
tipos de chargue. O sebo e a graxa eram extraidos por maguinas a
vapor. Aproveitavam-se o cabelo, as patas, os ossos, etc.
Os saladeiros localizavam-se junto a cursos d'igua, de modo gue
seus produtos pudessem ser facilmente transportados. Durante a
“safra”, centenas de milhares de animais eram abatidos. Pelotas, no
Rio Grande do Sul, foi o maior centro chargueador brasileiro. Na
regiëo, cerca de trinta chargueadas, com uns sessenta trabalhadores
escravizados cada uma, trabalhavam, durante o verdo, sem parar.
Trabalhava-se duro nas chargueadas. Os negros deviam aprovei-
tar Oo verdo para preparar a maior guantidade possivel de animais.
Eram comuns as jornadas de dezoito horas de trabalho. Os cativos
paravam apenas para comer e dormir, durante algumas horas. Nao se
respeitavam seguer domingos e dias santos. O trabalho era pesado e
violento. No sêculo XIX, um estrangeiro comparou as chargueadas a
um estabelecimento penitenciario.
O ve; cofé
ME PET Ma
EE
L, OE”
ss DE
A-— E-- IE,
EL
EE el sd IM RAIE
ss kos N,
ay Ward
F. EE de café.
DU
No lombo de mulas
SI
ar
er
EE
TEER
Mesmo no sêculo XIX, os cativos vestjam-se de forma sumidria e
andavam, praticamente todos, descalcos. A falta de calcados facilitava
acidentese enfermidades. Os cativos vivjam infestados de verminoses
e bichos-de-pé. Nas cabecas, podiam portar turbantes de panos, a
africana, rusticos barretes e chapêus de palha.
Os trabalhadores escravizados das cidades andavam mais bem-
vestidos do gue os do campo. Em teoria, as posturas municipais
proibiam os amos de enviar as ruas cativos em andrajos ou seminus.
Porém, em geral, Os Cativos urbanos vestiam-se pobremente. As
mulheres usavam risticas Camisas e sajas de tecido grosseiro. Os
homens, calcbes e camisas de pano resistente.
Na cidade e no campo, negros trabalhavam apenas com um
calcao de tecido grosseiro, de algodao riscado, ou com uma tanga de
pano-da-costa ou de estopa. As criancas escravizadas permaneciam,
até grandotas, nuas.
Os escravos dom@sticos, sobretudo os gue viviam em contato
Com OS amos, vestiam-se melhor. Aos domingos, era hibito ordenar
gue negros e negras se postassem diante da residência, bem-vestidos,
para demonstrar a rigueza do senhor.
NO sul do Brasil, devido as baixas temperaturas, os calcêes, saias
e camisas podiam ser de beatao, um rustico tecido de |&. Um
rudimentar artesanato caseiro produzia ponchos de lê para os cativos.
Essas pecas podiam ser vestidas 4 moda indigena, como um calcao de
uma sê peca — cbiripa.
Nas Gltimas dêcadas da escravidao, os tecidos baratearam e Os
cativos encareceram. Segundo parece, os senhores passaram a vestir
um pouco melhor seus escravos molambentos.
B2
EN * N AE DEE WE
Ee Ee EA N
si n me
df v] .
od Af;
es es cr av is ta s, o ca ti vo er a al im en ta do
Janeiro, em muitas explorac
a co m ba na na e su co de la ra nj a.
com farinha de mandioca misturad ad oc a-
ti vo s ca fe ic ul to re s, ao ac or da r, be bi am ca fé
Em geral os ca
no verdo, €, no inverno, uma dose de
do com acticar mascavo,
es pê ci e de la va ge m de mi lh o ou de
aguardente. Como refeicao, uma
feijao, com toucinho.
ay
o pr at o ba si co do s ca ti vo s. El e er a
Ne
ac om pa nh ad o de
Ee
a ta mb êé m se r co mi do co m ab 6b or a ou co uv e.
angu de milho. Fle podi
Ou apenas com sal,
era comum dar aos cativoS, COMO almoco, uma
No Maranhio,
co mo ja nt ar , fa ri nh a co m ar ro z. Pr od uz ia -s e ar ro z
espiga de milho e,
abundantemente na regiao.
e XI X, o ch ar gu e foi um im po rt an te al im en to
Nos sêculos XVIN
po br es e se rv is . Po ré m — tu do in di ca — se rv ia m- no co m
das classes
parcimOnia aos CativOS.
Nas faz end as pas tor is os cat ivo s ali men tav am- se pri nci pal men te
se gu nd o par ece , abu nda nte . Nas cha rgu ead as, os neg ros
com Carne,
consumia m far tos fer vid os pre par ado s co m Os res tos no apr ove ita -
veis dos animais — pescoco, rabo, costela, etc.
Ali onde era possivel, os negros completavam as escassas refei-
cbes com a coleta de frutos selvagens, com a ca€a, com a pesca, COM
mintsculas exploracêes agricolas e peguenas criacoes.
Para “matarem a fome”, Cativos roubavam mercadorias, objetos
EE EE
83
Em
ME,
Inicialmente, os negreiros deixaram a iniciativa dos africanos a
construcdo de prec4rias chocas — com barro, galhos, taguaras, sapéë
—, nas proximidades das casas-grandes. Essas residências individuais
eram dificeis de ser vigiadas.
Prisoes escrovistas
Ri
Nas faz end as mai s rica s, as sen zal as era m con str uco es ret ang ula -
res. de alvenaria, divididas em peguenos cubiculos, com exiguas
portas e peguenas janelas, gue, lado a lado, davam para um longo e
estreito alpendre. As familias e até mesmo os catvos solteiros viviam
nesses “apartamentos”.
De dia, os cativos urinavam e defecavam ao ar livre, houvesse
bom ou mau tempo. Os amos mais caprichosos deixavam, a4 noite,
nos alpendres e dentro das senzalas, barris semicheios de 4gua, para
tal fim. Erguiam-se toscas latrinas nos fundos das senzalas.
Nas Gltimas décadas da escravidao, as senzalas eram grandes
construc6es em L ou em U ou verdadeiros “guadrados” — assim
chamadas em S&o Paulo. Divididas em peguenos guartos, elas davam
para um patio interno.
85
Nas cidades e nos campos, Cativos e Cativas mantinham relacoes
afetivas €e sexuais— transitrias, semi-estiveis ou estiAveis — clandes-
tinas ou semiclandestinas. Em geral, nos registros de batismo, Consta-
va apenas o nome da mae de uma crianca nascida sob a escravidio.
Nas senzalas, homens e mulheres viviam separados. Muitas fazen-
das possuiam dezenas de homens e algumas poucas mulheres.
Apenas nos Gltimos anos se comeca a estudar o relacionamento
familiar, afetivo e sexual das comunidades escravizadas no Brasil.
806
Caostigo e
dep ae
pesistência servil
Coastigo e Ttortura
de escraovos
87
Como vimos, era exigida uma producio minima do cativo. Colher
tantas bracadas de cana-de-acticar ou litros de café, carnear certo
nimero de animais, etc. Ap6s terminar a tarefa, o negro descansava.
As tarefas exigidas obrigavam um produtor médio a trabalhar toda a
jormada. Nas cidades, o ganhador entregava, periodicamente, o ganho
a0 senhor. Nos dois casos, controlava-se apenas o resultado do
trabalho do escravo. Se ele nao entregasse o devido, na cidade, ou se
cumprisse mal a tarefa, no campo, era castigado.
nico bem
i U
seu — a dor.
Por mais de trezentos anos, o Brasil foiuma nacao de torturadores
e torturados. Castigar fisicamente o trabalhador era um direito e um
dever senhorial reconhecidos e apoiados pelo Estado e pela Igreja.
No inicio do sêculo XVIII, escrevja um jesuita:
Sala do tronco
59
Nos engenhos acucareiros, Cativos gue atentaram contra OS pro-
prietdrios foram passados nas moendas ou atirados as fornalhas. JA na
Colênia, os senhores foram proibidos, aos menos formalmente, de
matar os cativos. A pena Gltima era um monopélio da justica do
Fstado. Nao temos ainda estudos sobre o ntimero de cativos gue
foram condenados a forca e executados no Brasil escravista. Ele fo
certamente elevado.
Resistência sermvil
se duro, nos Campos e nas cidades. Nas residências, o negro vivia, dia
e noite, sob os olhos e as maos do escravista. O senhor abusava do
EL
90
Justica servil
Eram fregtientes os atentados contra o senhor, sua familia e seus
capatazes. Geralmente, esses atos de violência ocorriam durante o
trabalho, numa explosao de desespero e édio incontidos. Acostuma-
dos a tratar os Cativos como animais, propriet4rios e capatazes batiam
nos negros, mesmo guando eles trabalhavam com machados, facas ou
perigosas ferramentas.
O medo da morte e da tortura nio impedia os atos de sangue, gue
eram relativamente fregtientes. Nas chargueadas de Pelotas, onde os
cativos trabalhavam com afiadas facas, no Gltimo meio sêculo .de
escravidao, registraram-se, no minimo, uns oitenta assassinatos Ou
tentativas de assassinatos de senhores e feitores.
Contavam-se histrias de negros e negras gue teriam envenena-
do, ou guase, seus senhores. Acreditava-se gue, sobretudo os africa-
nos, conheciam secretos e poderosos venenos. Hoje sabe-se gue, na
maior parte dos casos, as dentuncias se deviam a fértil imaginac4o
senhorial e aos reduzidos conhecimentos da Medicina da época. Em
verdade, os proprietêrios viviam sob o medo constante de serem
justicados pelos seus cativos.
COMO vimoOS, nos primeiros tempos os cCativVOs respons4veis por
tais atos, se presos, eram barbaramente martirizados. A seguir, o
Estado reservou-se o direito de supliciar o miserdvel. Escravos gue
atentavam contra os amos eram, geralmente, enforcados. Em 1844, o
presidente da Provincia de Minas Gerais relatava, meses apês ter
assumido o governo, ter ordenado a execucao de treze cativos.
Para prevenir-se dos atentados, o senhor cercava-se de guarda-
costas e de cativos fiëis. Os proprietirios mais ricos nio se aproxima-
vam dos negros assenzalados. O feitor organizava o trabalho. distri-
buia as pancadas e era o principal alvo do 6dio dos Cativos.
! Z
Deus é gronde, o mato, maiom
`
91
ss LE LEWE
R ie, SEE
Er orR
Capudo-do-mato.
da
N ENEEA
Bilhetes premiados
93me
escravizados fugidos. Milhares de peguenos, médios e grandes gui-
Jombos pulularam, no litoral e no interior do Brasil, desde o inicio até
3 abolicdo da escravatura.
Os Cativos fugiam dos engenhos, plantac6es, fazendas, minas,
chargueadas e fundavam guilombos em locais afastados. Os guilom-
bolas se dedicavam a diversas atividades. Todas as regiëes do Brasil
escravista tiveram guilombos e mocambos.
ED.
ER T.T
,
ES
Ë
ESME
:
YE
ad
EE
GR
N.
J
AA
' FEDek
f
eer)
TE ds
YE&
'
d
RA
Ë
i
gs
Ef
”
God
F
fi le) id TT Ed sie!
f ar F el mk F Ta
se AF gs! sa fe ka
'ë Lae. PA Mar da mosie
ES Eier Ee BAd at af ” di see
FT -
Mineracao aguilombola
N. EA. . Ek... . he de
94
por alimentos com comerciantes. fazendeiros e regatoes dvidos de
Jucros.
Nas cer can ias das cid ade s, fuj 6es viv iam em pe gu en os gu il om bo s
len ha, ovo s, etc. 4 po pu la ca o urb ana . Ou il om bo la s
e vendiam caca,
pr eg av am -s e, co mo neg ros de gan ho, nas cid ade s ou al ug av am
em
seus servicos, a baixo preco, a fazendeiros.
A mai ori a dos gu il om bo la s viv eu da agr icu ltu ra. Co m fe rr am en ta s
bad as, pl an ta va m pe gu en as roc as de sub sis ten cia —
risticas ou rou
milho. mandioca, feijdo, ab6bora, etc. A caca, a pesca, d coleta e o
sague completavam a alimentacao fornecida pela agricultura. OS
guilombolas vendiam parte dos géneros agricolas gue produziam
para comprar armas, pêlvora, ferramenta, terro e Outros produtos.
Desde fins do sêculo XVI, a inéspita regiao da serra da Barriga,
nos territêrios do atual Estado de Alagoas, tornou-se refagio de
trabalhadores escravizados fugidos. Favorecidos pela luta entre ho-
landeses e pernambucanos, milhares de cativos escaparam dos enge-
nhos pernambucanos e formaram, na regido, duilombDos com mais de
mil habitantes. Fortes, resistiram por dêcadas aos aragues holandeses
e luso-brasileiros.
Para se oporem aos atagues reescravizadores, os guilombDolas
formaram uma confederacdo, sob o comando de chefes politicos e
militares. A confederacio dos guilombos de Palmares constututu um
verdadeiro Estado negro livre no coracdo do Brasil escravista. Apos
anos de feroz luta, ela foi destruida, em 1695, por uma poderosa
expedicao militar luso-brasileira.
Medo permanente
95
Muitos movimentos servis foram apenas tentativas coletivas de
fuga ou uma simples explosao contra um feitor singularmente odiado.
Fm Sao Paulo. em 1885, cerca de uma dezena de Cativos se sublevou
numa fazenda, matou o feitor e foi, a seguir, apresentar-se ao Juiz
Municipal.
O Brasil conheceu diversas importantes conspiracoes locais diri-
gidas contra a ordem escravista. De 1807 a 1835, a Bahia e sua capital,
Salvador, foram agitadas por uma impressionante sucessao de tentati-
vas e sublevac6es da grande massa servil da regiëo. |
O maior movimento baiano, de 1835, conhecido como a Revolta
Malé, foi um refinado movimento conspirativo. Os revoltosos, repri-
midos apês duro combate, haviam reunido dinheiro, armas, unifor-
mes, etc.
Os proprietêrios cercavam-se nas fazendas com Capatazes e
cCapangas para protegerem-se das revoltas negras. Como vimos, o
melhor tratamento dispensado ao cativo doméstico era também uma
forma de proteger-se do negro assenzalado. A guarda nacional e o
exército foram tambÊm usados contra os cativos sublevados.
O medo permanente de uma explosao geral das e@scravarias
influenciou profundamente a histêria do Brasil até a Abolicao. Sê
compreenderemos aspectos fundamentais de nossa histéria — como
OS movimentos nativistas, a Independência, a Regência, etc. — se
lembrarmos gue as elites nacionais temeram sempre uma sublevacao
servil. Suas vidas e privilêgios dependiam do controle das massas
escravizadas.
96
aa
ea
17
ca ti vo s er am pr ed om in an te me nt € af ri ca -
Aré o fim do trafico, os
re gi oe s do co nt in en te ne gr o. Fa la va m
nos. chegados de diferentes
rs as . Os am os in ce nt iv av am a AN IM O-
linguas e possuiam culturas dive
s es cr av iz ad os na sc id os na Af ri ca e OS
sidade entre os trabalhadore
ge ne id ad e cu lt ur al au me nt av a a at om iz a-
nascidos no Brasil. A hetero
cio da classe servil.
il , em po uc oS an os o af ri ca no mo rr ia ou
Ap6s chegar ao Bras
ut ai s co nd ic oe s de vi da . Ca ti vo s re cé m-
estropiava-se devido as br
tr ab al ha do re s ce if ad os pe la pr od uc do . Es se
chegados supriam os
o do s tr ab al ha do re s es cr av iz ad os di fi cu lt av a a
continuo renovament
ad ic do de lu ta e de um a co ns ci ën ci a an tl -
formacao de uma tr
cr av os af ri ca no s de sc on he ci am du as e tu do da te rr a
escravista. Os es
na gual desembarcavam.
lt ur al da es cr av ar ia er a ba ix o. A es cr av id ao br ut al iz av a
O nivel cu
fa ot ra ba lh ad or fe it or iz ad o. El es er am em pr eg ad os so br et ud o
e destru
em ta re fa s si mp le s e es ta fa nt es . Es ti ma -s e gu e, na se gu nd a me ta de do
as um em ca da mi l Ca ti vo s so ub es se ler e es cr ev er .
século XIX, apen
vi am ap la st ad os pe la s pe sa da s jo rn ad as pr od ut iv as .
Os cativos vi
Descansa va m e€ pr oc ur av am al im en to s no s PO oU uc OS mO mM EN LO S de
folga. Po rt an to , nê o ti nh am te mp o ne m di sp os ic ao pa ra re fl et ir so br e
sua sorte e tampouco para se organizarem.
Ao contririo da Grécia e de Roma escravistas, a escraviddo
colonial ja ma is Co nt ou co m um a “a ri st oc ra ci a es er av a, , tr ab al ha nd o
em at iv id ad es co mp le xa s e re fi na da s e, po rt an to , co m me lh or es
condicoes de existência. NAo houve uma elite Cultural escrava gue
dirigisse movimentos rebeldes.
Duas outras barreiras dificultavam a luta servil. A escraviddo era
uma forma de producio rentêvel e uma instituicao difundida e aceira
por amos e trabalhadores escravizados. Os cativos rebelavam-se
contra a sua escravizacao, e nio contra a instituicdo. No inicio do
sêculo XIX, cativos baianos gue organizavam uma rebeliao espera-
vam libertar-se, matar os brancos e escravizar os mulatos.
Devido 4 inexistência de uma alternativa a @scravidao, durante
séculos os cativos lutaram isolados, sem contar com algum apoio
entre as classes livres, ricas ou pobres. No Brasil, todos os grupos
sociais livres dependiam, direta ou indiretamente, da escravidao.
O primeiro grande golpe contra a escraviddo brasileira foi lanca-
do pelos ingleses. Como vimos, com a Revolucdo Industrial, a Gra-
Bretanha passou a interessar-se pela Africa. Em vez de cativos, o
continente negro devia passar a exportar matêrias-primas.
97
Desde o inicio do sêculo XIX, o governo inglês pressionou
Portugal e as outras nacOes escravistas para gue interrompessem o
trafico negreiro. Ap6s 1822, condicionou o reconhecimento da inde-
pendência do Brasil a um tratado, de 23 de novembro de 1826, gue
jlegalizava, a partir de marco de 1830, o comé@êrcio internacional de
CativOS.
Nos anos de 1820, com o esgotamento das minas e a crise da
producao acucareira nacional, a e@scraviddo extinguia-se no Brasil.
Dom Pedro 1 aceitou o tratado, gue foi ratificado, a seguir, pelo
Parlamento. Entretanto, o posterior desenvolvimento da cafeicultura
exigiria guantidades crescentes de cativos. Apesar do acordo, milha-
res de cativos continuaram sendo desembarcados, “clandestinamen-
te”, nas costas brasileiras. O tratado de 1826, principalmente a partir
de 1837, tornou-se uma “lei para inglês ver”.
Em 8 de agosto de 1845, a Bill Aberdee autorizou a Marinha de
Guerra inglesa a prender ea tratar, de acordo com o diploma de 1826,
os tumbeiros brasileiros como navios piratas. Temendo ver os portos
brasileiros blogueados, o Parlamento imperial votou, em setembro de
1850, e aplicou a Lei Eusébio de Oueirês, gue proibia e reprimia o
trafico de cativos.
Desde 1847, devido a grandes secas no Nordeste e sobretudo no
Geara, os cativos dessas regiëes eram vendidos para o Centro-Sul
cafeicultor. Antes da publicacao da lei, grandes guantidades de
cativos foram importadas preventivamente. Ouando elas se esgota-
ram, os cafeicultores do Centro-Sul passaram a comprar, a alto preco,
Cativos das cidades e das provincias de todo o Brasil.
Por décadas, o trafico interno alimentaria as necessidades da
producao cafeicultora. Poréêm, o novo comêrcio de trabalhadores
escravizados modificaria, de forma revoluciondria, a sociedade. Valo-
rizados, cativos empregados em regioes ou em atividades menos
produtivas eram vendidos, de todos os pontos do Brasil, aos cafeicul-
tores. Pela mesma razao, os senhores urbanos desfaziam-se de seus
negros.
Com a concentracdo dos cativos no Centro-Sul e importantes
regioes despovoando-se de escravos, em poucos anos rompeu-se a
unanimidade escravista nacional. Pela primeira vez na histêria do
Brasil, surgiam, nas cidades e nos campos, regiëes e grupos sociais
gue nao dependiam do trabalho escravizado.
Na segunda metade do sêculo XIX, o Capitalismo tornara-se a
principal forma de producao na Europa. Com ele, nascera e desen-
95
o mo vi me nt o op er ir io e soc ial ist a. No mu nd o int eir o, a
volvera-se
av a- se um an ac ro ni sm o soc ial , e cre sci a a Op os ic ao a
escravidao torn
essa pratica.
Até a segunda metade do século XIX, pensadores isolados haviam
ado a es cr av id êo . Co mo a pr od uc 4o neg rei ra era ren tav el ea
critic
e liv re a apo iav a, a di sc us sa o sob re a ins tit uic do nao pr eo cu -
sociedad
pava os empresêrios escravistas.
O fm do trafico deixara claro gue a escraviddo entraria, com o
passar dos anos, em agonia. A populacao escrava cChegava a gerar
uma guantidade satisfatêria de descendentes. Porém, o trafico interno
ea cafeicultura provaram gue os cativos podiam ser explorados, de
maneira rentdvel, ainda por muitos anos.
No inicio de 1860, a pressdo internacional e, sobretudo, a nova
opinido interna antiescravista exigiam leis gue reformassem e prepa-
rassem o fim do cativeiro. No seio desse movimento emancipacionis-
ta, Surgiriam as primeiras vozes abolicionistas, exigindo o Him total da
instituic&o. Entretanto, os cafeicultores, gue mantinham rigidamente
asrédeas da nacao, como um bloco, continuaram apegados ao direito
de continuar explorando o trabalho de seus cativos.
Em 1865, com a derrota do Sul escravista, nos Estados Unidos, a
escravidao sofreria outro violento golpe. O Brasil tornava-se a unica
nacao escravista independente. Apenas Cuba e Porto Rico, colênias
da Espanha, mantinham a instituicdo maldita.
Sobretudo nas cidades e nas provincias onde decaira a massa
escravizada, pela primeira vez setores da populacdo livre exigiam o
fim do cativeiro e a modernizacao do pais. Entre os jovens acadêmi-
COS antiescravistas, encontra-se o baiano e acadêmico de Direito
Antênio de Castro Alves, gue denunciou, a partir de 1865, poëtica e
radicalmente, o cativeiro negro.
A cafeicultura escravista era o principal apoio da monardguia ea
grande rigueza da nacdo. Dom Pedro I1 e o Parlamento imperial
determinaram gue as decisêes sobre o futuro da escraviddo fossem
tomadas pelo poder central. Os proprietdrios das diversas regiëes
podiam vender seus Cativos, mas ndo abolir a escraviddo em suas
provincias.
Devido ao fortalecimento do emancipacionismo, em 1867 o
imperador, em mensagem ao Parlamento, sugeriu gue algumas refor-
mas fossem feitas 4 instituicdo. Na fala de abertura da Assemblêia
Geral Legislativa, diria:
99
Ad
)
14
f.
T
in de ni za ca o, os se nh or es de um be m — o fil ho das
privava, sem
a ap ro va cd o, sa be do re s do car ate r an éd in o da lei, os
cativas. ApOs
s pa ss ar am a de fe nd ê- la , co m un ha s e den tes , ap re se nt an -
proprietdrio
re mé di o gu e aca bar ia, se m vio lên cia , no fut uro , co ma
do-a como um
escravidao.
A Le i Ri o B r a n c o se rv iu pa ra d e s m o b i l i z a r a o p i n i a o pu ab li ca
nternacional e nac ion al. Na Eur opa , acr edi tav a-s e gue Ped ro 1 fer ira
e a ins tit uic Ao. No Bra sil , os esc rav ist as exi gia m gue se
mortalment
esperass em os efe ito s da lei. Nos tat os, gua se nad a se mod ifi car a na
vida do mil hao e mei o de cat ivo s gue ha vi am agu ard ado , ans ios os, a
libertacao.
Por mais uma década, os cafeicultores puderam explorar, sem
preocupaces, seus negros. Porém, com o passar dos anos, a concen-
tracao dos cativos nas provincias cafeicultoras acentuava-se, sobretu-
do com a forte seca conhecida pelo Nordeste, em 1877-1880. Ela
obrigou populacées pobres a migrarem para o litoral, onde substi-
tuiram, por saldrios de fome, os Cativos gue foram vendidos, em
grandes guantidades, aos cafeicultores. Como VimoS, o alto preco
determinava gue os senhores urbanos vendessem também seus
cativos aos cafeicultores.
Com a desescravizac&o das cidades e de importantes regioes do
Brasil, o movimento contra a escraviddo renasceria com redobrado
vigor. Em 1875, o escritor Bernardo Guimardes publicaria, com
grande sucesso, o romance4 escrava Isaura, gue registraria e expres-
saria, ficcionalmente, as misêrias da escravidao.
Em marco de 1879, um deputado baiano denunciou, na Assem-
blêia Nacional, com grande repercussdo, a Lei Rio Branco e pediu a
extincao da escravidao. Esse discurso é tido como o marco do
nascimento do movimento abolicionista, gue passou a exigir, simples-
mente, o fim da instituicao. Por todo o Brasil, fundararam-se assoCia-
cCOes antiescravistas.
Nos primeiros anos de 1880, a agitacdo abolicionista abandonou
Os teatros e os salbes elegantes e transformou-se em movimento
popular, restrito ainda aos homens livres. Entretanto, nas eleicêes de
novembro de 1881, os escravistas alcancaram uma grande vitbria.
Nem um sê deputado abolicionista foi eleito. Joaguim Nabuco, lider
abolicionista moderado, recebeu apenas 90 dos 1911 votos, no
primeiro distrito eleitoral do Rio de Janeiro.
A reac4o abolicionista foi guase imediata. Descrente com o jOgo
parlamentar, controlado pelos escravistas, uma faccio do movimento
101
se radicalizZou, optando pela acao direta em alianca Com a mas
sa
esCravizada.
Pela primeira vez na histéria do escravismo brasileiro, homens
livres e escravizados lutavam, juntos, Contraa iNStituicao. Em novem-
bro de 1882, 73 cativos — homens. mulheres e Criancas — se:
rebelaram € escaparam de uma fazenda para a cidade de Campina,
dando vivas a liberdade e A Rep@blica. No Caminho, mataram seis
pEssO4S due tentaram se Opor ao movimento.
Em maio de 1883, fundou-se, no Rio de Janeiro. a Confederacao
Abolicionista. Segundo parece, a partir do ano seguinte, peguenas
organizacoes dandestinas passaram a organizar fugas de cativos das
(azendas paulistas. Com o fortalecimento do movimento abolicionis-
ta, dom Pedro tentou, em 1884, a mesma manobra de 1871. No ano
seguinte, (oi aprovada uma timida lei gue libertava os trabalhadores
ESCrAavos sexagenarios.
A Lei saraiva-Cotegipe, de setembro de 1885, indignou profunda-
mente os abolicionistas, pois obrigava os escravos de 60 anos, agora
“homens livres”, a trabalhar, até completarem 65, para “indenizar” os
amos. Ela determinava a aplicac&o do Cédigo Criminal — penas de
até dois anos de prisdo — contra guem ajudasse trabalhadores
escravizados a fugir.
A lei nao alcancou os resultados. Nas cidades e nos cCampos,
fortaleceu-se o antagonismo entre escravistas e antiescravistas. Do
contronto de opinido se passava, agora, ao confronto fisico. Na
realidade, a permanência da escravidao inibia, havia ji muitos anos, o
desenvolvimento da propria producao cafeicultora. Entretanto, sem
mao-de-obra alternativa, os cafeicultores se apegavam 4 exploracio
de seus cativos.
Nos Gltimos meses da escravidao, a conterda entre abolicionistas
e antiabolicionistas guase assumiu um Car4ter de confronto geral. Os
Capangas dos escravistas organizavam antentados contra os lideres
de
102
ee
of,
ER
2
meel
oe ars
gia r-s e pri nci pal men te nas cid ade s. Log o, o mo vi me nt o ass umi tu um
car&ter mul tit udi n4r io. A est oca da fin al na esc rav ida o ser ia, por tan to,
assestada pela sublevacdo servil incruenta.
Como os cativos desertavam incessantemente das fazendas pau-
de 188 7, sem out ra sol uc4 o, alg uns cCa tei cul tor es
listas. em junho
co nc ed er am a lib erd ade aos tra bal had ore s esc rav iza dos , des de gue
permanecessem trabalhando, por alguns anos, nas fazendas. Com
seus negros fugidos, outros fazendeiros passaram a assalariar cativos
escapados de municipios vizinhos.
Em S&o Paulo, em outubro de 1887, 150 cativos, armados, fugiram
de uma fazenda paulista, perto de ltu, aps derrotar, despir e
espancar policiais. Ap6s esse acontecimento, o Clube Militar pediuao
governo imperial para nêo empregar o exêrcito na captura de cativos
e reservi-lo para Casos mais graves de rutpura da ordem da nacao
esCravista.
No inicio de 1888, o abandono das fazendas se estendeu igual-
mente ao Rio de Janeiro. Em marco, os cafeicultores paulistas senti-
ram-se incapazes de opor-se as fugas. Entao, a assemblêia provincial
paulista, controlada por eles, pediu ao Parlamento imperial gue
votasse o fim da escravidao.
Desde meados dos anos 80, comecara-sea importar trabalhadores
europeus para a Cafeicultura paulista. O ingresso de grandes guanti-
dades de imigrantes comporia, nos anos seguintes, os bracos gue
trabalhariam no café e o exêrcito de desempregados e subemprega-
dos gue garantiriam a gueda tendencial do valor do trabalho assala-
riado.
Em 1888 na4o se discutia mais sobre o destino da instituicao, mas
sim se os escravistas seriam indenizados, como exigiam sobretudo os
cafeicultores do Rio de Janeiro, senhores de muitos trabalhadores
escravizados e de terras semi-exauridas. Os abolicionistas opunham-
se 4 indenizacdo, definida como escandalosa.
Os cafeicultores paulistas opuseram-se também 4 medida. Como
acabamos de ver, prevendo o fim da instituicao, desde 1884 haviam
comecado a promover a imigracao. Oueriam trazer da Europa multi-
does de trabalhadores. Portanto, preferiam gue os recursos do gover-
no e da nacao fossem investidos no financiamento das passagens dos
imigrantes até as suas fazendas.
Em 1887 e 1888, guase como numa metafora, imigrantes italianos
gue se dirigiam para as fazendas paulistas Cruzaram Com CativOs
103
fugidos gue desciam a serra, em direc&o ao porto de Santos. um dos
grandes refigios dos cativos foragidos.
Em fins de abril de 1888, as fazendas desertas de trabalhadores,
milhares de cativos emancipados, in extremis, a escravidao, em fase
terminal, agonizava no Brasil. Em 7 de maio, o Parlamento imperial
Aprovou um lacbnico projeto de lei gue extinguia a instituicao. Seis
dias depois, ele foi ratificado pelo Poder Executivo. Chegavam ao fim
mais de 350 anos de histéria escravista.
Nos Gltimos anos, tem-se debatido muito o sentido da Abolic&o.
Alguns autores afirmam ague ela teria constituido uma farsa, pois a
populacao negra continua, até hoje, marginalizada.
Apesar das limitaces da vitêria, o movimento abolicionista foia
Onica revolucao social vitoriosa no Brasil, obtida pela luta dos
trabalhadores escravizados em alianca com o movimento abolicionis-
ta. Com ela, o pais superou a escravidêo, e a forca de trabalho
nacional, antes dividida em trabalhadores livres e escravizados, se
uniIficou.
Em 13 de maio de 1888, o Brasil conguistava o triste laurel de ter
sido a Gltima nacao moderna a abolir a escravidao. O longo passado
escravista brasileiro ainda pesa tristemente sobre o presente de nossa
nacdO.
er er N
EE” N TEE EE
EE
“EYES EEN” GEE `N
NEE.
EE N EE
|
104
|
(Cronologia
|EE e
1444
e Portugue se s ap ri si on am os pri mei ros cat ivo s na Afr ica Neg ra.
1500
e Abril. Segunda expedicio portuguesa em direcao das indias chega
is costas brasilicas.
1532
e Dom Jo3o II institui o regime de donatarias no Brasil. Donatarios
podem escravizar brasis.
1537
e O papa Paulo II reconhece a humanidade dos indigenas.
1549
e Dom Joëo IN institui governo-geral e proibe escravizacdo indiscri-
minada de brasis.
1570
e Com Oo exterminio dos nativos, africanos sao introduzidos nas
capitanias acucareiras em grande guantidade.
1600
e Africanossuperam os nativos nas principais capitanias acucareiras.
1630-1654
e Holandesesinvademo Nordestee ocupam portos negreiros portu-
pueses. Paulistas cacam guaranis das missoes jesuiticas.
1685
e C6digo Negro francës.
1694-1695
e Destruicio da confederacdo do Ouilombo dos Palmares.
105
1695
Descobre-se ouro nas Minas Gerais. Grandes guantidades de
africanos sao importadas.
1755
Marguës de Pombal proibe escravizacao de nativos.
1773
Lei do Ventre Livre em Portugal.
1780
Colênia de Massachusetts abole a escravidao.
1791
Inicio da insurreicao escrava no futuro Haiti.
1804
Dinamarca proibe gue siditos participem de trafico.
Haiti abole a escravidao.
1808
Inglaterra proibe gue suditos participem do trafico.
Familia real desembarca no Brasil. Abertura dos portos ao comér-
cio internacional.
1813
Argentina abole a escravidao.
1815
Dom Jo4o acorda com a Inglaterra o fim do trafico ao norte do
Eguador.
1822
Independência do Brasil. Algumas senzalas se agitam; cativos
esperam ser libertados.
1823
Chile abole a escravidao.
1830
Tratado [23.11.26] determina fim do trafico internacional.
1831
Governo regencial decreta liberdade dos africanos gue entrissem
no Brasil.
1833
Abolicao da escravidao nas colênias britêinicas.
106
1835
Janeiro. In su rr ei ca o es cr av a em Sa lv ad or .
recurso, para cativo gue atentasse contra
Pena de morte, sem
senhor, feitor, etc.
1837
no poder apbiam o prosseguimento do contraban-
Conservadores
do de africanos para o Brasil.
1842
Uruguai abole a escravidao.
1848
Abolic&o da escravatura nas colênias francesas.
1850
Setembro. Sob pressao inglesa, a Lei Eusébio de Oueiros poe fim
ao trafico no Brasil.
1854
Peru abole a escravidao.
1863
Com 16 anos. Castro Alves escreve poesia sobre escravidao. Nasce
forte movimento contra a escraviddo.
1865
Sul escravista é derrotado na Guerra de Secessdo.
EUA abolem a escravidao
1869
Conde d'Eu. chefe das tropas de ocupacdo, abole escraviddo no
Paragual.
1870
Lei espanhola do ventre livre e da emancipacao de escravos idosoSs
em Cuba.
1871
Setembro. Lei do Ventre Livre liberta filhos de escravas, os guais
devem trabalhar até os 21 anos, gratuitamente, para os senhores.
1875
Bernardo Guimardes publica A escrava Isaura.
1879
Inicia o movimento abolicionista.
107
1885
Para combater o abolicionismo, governo aprova liberdade de
cativos com mais de 60 anos, gue devem trabalhar mais cinco anos
para indenizar os amos — Lei Saraiva-Lotegipe.
1886
Imigrantes entram, em grande guantidade, em S4o Paulo.
Abolic&o da escravatura em Cuba.
Abolicionistas radicais paulistas incitam e@scravos a abandonar
fazendas.
1887
No primeiro semestre, numerosos escravos fogem das fazendas.
Outubro. 150 escravos armados fogem de fazenda paulista, derro-
tam, despem e espancam a policia.
1888
13 de maio. Regente imperial sanciona a Lei Aurea, gue abole a
escravatura, num momento em gue a escravid4o praticamente nao
mais existia.
108
Bibliografie
ee ee
se
O fe it or au se ni e es tu do s so br e a es cr av id do
ALGRANDI, Leila Mezan.
na no Ri o de Ja ne ir o. Pe tr êp ol is , Vo ze s, 19 88 .
urba
Alice P. O algoddo em S$do Paulo: 1861-1675. Sao
CANABRAVA,
Paulo, Oueirês, 1984.
ti mo s an os da es cr av at ur a no Bra sil : 18 50 -
CONRAD, Robert. Os sl
o, Ci vi li za ca o Br as il ei ra /B ra si li a, INL , 197 5.
1688. Rio de Janeir
COSTA, Emilia Viott da. Da oenzala & colênia. 2% ed. Séo Paulo,
Ciëncias Humanas, 1982.
A esc rav idd o rea bil ita da. SAo Pau lo, Ati ca, 199 0.
GORENDER, Jacob.
O escravismo colonial. 5* ed. revista e ampliada. Sao Paulo,
Atica, 1988.
GOULART, José Alipio. Da palmatoria ao patibulo. Rio de Janeiro,
INL; Conguista.
(1915-1971). Da fuga ao suicidio: aspectos de rebeldia dos
escravos no Brasil. Rio de Janeiro, Conguista, INL, 1972.
109
GUTIERREZ. Ester. Negros, cbargueadas € olarias: um estudo sobre o
espaco pelotense. Pelotas, UFPel, 1993.
LEMOS. Carlos A. C. Cozinhbas, etc. 2. ed. Sao Paulo, Perspectiva,
1978.
Sao Paulo/Difusao
Aa,
110
PIA ZZA , Wal ter F. O esc rav o nu ma eco nom ia min ifu ndi dri a. san ta
Catarina, UOESG, 1972.
1E]
Discutindo o texto
NEE EE EE EE EE EE
112
as pri nci pai s car act eri sti cas das cid ade s bra sil eir as du-
15. Descreva
rante o periodo colonial.
em era m os cat ivO S gan had ore s? Oua is sua s pri nci pai s ativ i-
14. Ou
dades?
Dê as pri nci pai s car act eri sti cas do est ilo neo cli ssi co nas residên-
15.
cias urbanas do Brasil de meados do sêculo XIX.
16. Descreva um engenho acucareiro.
17. Descreva uma chargueada.
1a. O gue era um a sen zal a? Co mo era m as sen zal as mai s sim ple s?
13
Bate-papo Com o oautor
1
A seguir, Mario Maestri responde a algumas perguntas relaciona-
das ao presente livro:
Di
HE N heg FA rr
id
A escravidao influencia ainda a visao de nossas elites sobre Os
trabalhadores. Sobretudo porgue esse passado e essas idéias ajudam
a manter e a justificar seus privilêgios. Por outro lado, a visdo de
mundo das elites termina irradiando-se e difundindo-se entre as
proprias camadas populares.
Volumes publicados:
BLELEL TE