Você está na página 1de 7

Pixel art

O que é

Bem resumidamente, Pixel Art é uma forma de ilustração 2D criada para os primeiros
equipamentos eletrônicos, numa época em que o poder de processamento gráfico dos
computadores era muito limitado. Desde os ícones de computadores rodando Windows 3.11
até as primeiras aparições de mascotes do videogame como Mario, Sonic e Pac Man, todas
essas imagens eram formadas por pontos coloridos em um grid fixo.

Hoje são muitos anos que separam as tecnologias que exigiam a Pixel Art e a computação
moderna, e até mesmo os televisores e monitores de computador da época foram
substituídos por displays de altíssima resolução - e nem precisamos explicar o que
exatamente é um pixel porque isso é conhecimento geral, e necessário pra se escolher um
novo celular, por exemplo, e os fabricantes não vão nos deixar esquecer quantos milhares
de pixels a tela é capaz de reproduzir ao mesmo tempo.

Mesmo não sendo mais necessário, vários artistas se dedicam a criar ilustrações e jogos
simulando as limitações técnicas do passado, por vários motivos: nostalgia, por exemplo.
Mas é mais do que isso: nos próximos parágrafos vamos entrar na questão de porque é
interessante fazer Pixel Art mesmo agora, em 2021, tanto pra quem já é artista experiente
quanto para quem ainda é iniciante.

Pixel Art é uma ilustração ou animação feita levando em conta o posicionamento individual
de cada pixel. Numa ilustração ou animação digital de alta resolução, os pixels obviamente
ainda existem, mas os softwares calculam os posicionamentos de milhares deles ao mesmo
tempo para interpretar os comandos do artista. O pensamento do artista está em alcançar
uma estética que não pareça intermediada por um computador: um pintor digital como vai
tentar simular a pintura tradicional, seja uma técnica de aquarela, guache, óleo…Os
softwares e brushes usados também tentam simular as técnicas tradicionais, mas com as
vantagens do digital: Photoshop, Clip Studio Paint, Painter, Paint Tool Sai, Adobe Fresco…

Enquanto isso, o artista de Pixel Art abraça a essência digital do seu trabalho, seja qual for
a estética de Pixel Art que se queira (falaremos disso mais à frente também).

O que não é

Uma ilustração de alta definição encolhida para baixa definição, toda borrada, não é Pixel
Art. É só um algoritmo de um software agindo sem qualquer intenção artística.

Uma arte em alta definição com contornos feitos com brush serrilhado também não é, afinal,
para manter nossa definição precisamos que cada pixel individual tenha um propósito na
tela.

peloamordedeus pare de me encher o saco!

Existe uma discussão sobre a validade de se chamar a arte feita nas décadas de 70 e 80 de
Pixel Art, já que esse é um termo que se popularizou principalmente com o retorno moderno
à essa estética. Basicamente, o argumento é que Pixel Art é o que se faz hoje, não as
nossas inspirações de Mario, Sonic, Pac Man e cia.

Tudo bem, tem alguma lógica nisso. O ar-tista que programou os pixels para que Alex Kidd
desse pancada nos seus inimigos não estava (só) procurando uma estética, ele estava
trabalhando com o que a tecnologia da época permitia - e se ele pudesse usar mais cores,
personagens maiores e outros recursos que temos hoje, provavelmente usaria sem pensar
duas vezes. Mas…essa distinção só faz a conversa ficar mais complicada. “Pixel Art”
funciona perfeitamente e é assim que vamos chamar.

Podemos fazer uma comparação com os gráficos dos primeiros consoles com jogos 3D:
hoje em dia chamamos os gráficos de jogos como Resident Evil 1 ou Mario 64 de "Low
Poly" - são modelos 3D bem simples se comparados ao "High Poly" do Resident Evil Village
ou Mario Odyssey. Vinte anos depois, o Low Poly já é uma estética em si e os artistas que
fazem o retrô 3D olham para os gráficos dessa geração como inspiração - então por que
não dizer que Metal Gear Solid 1 é Low Poly? Na época eles obviamente não diriam isso,
aquilo era o "avanço" - mas facilita a discussão tremendamente.

Pixel Art pra quem desenha

A prática do Pixel Art é interessante pra quem já é experiente no desenho porque é um


quebra-cabeça: como eu passo a informação que eu quero da forma mais simples possível?
Que diferença faz passar um pixel pra cá ao invés de um pixel pra lá? E as limitações de
paleta e resolução? Como isso afeta meu processo criativo?

A arte digital hoje em dia é praticamente ilimitada, mas impor limitações em nós mesmos
nos ajuda a explorar diferentes soluções. Para mim, começar a trabalhar com Pixel Art foi
uma quebra da mesmice com boost de inspiração e criatividade da mesma forma que trocar
as milhões de cores do photoshop por 4 tubos de guache quando conheci o trabalho do
Davi Calil, e sinto que as duas experiências me trouxeram benefícios duradouros também
pra minha arte digital de alta resolução.

Pixel Art pra quem não desenha

Começar a desenhar é inegavelmente difícil, mas também pode ser muito caro: com o
câmbio atual do dólar e a situação mundial de encarecimento de hardware (brigado, pessoal
da criptomoeda e NFT), comprar um PC decente, uma mesa digitalizadora, uma assinatura
da Adobe ou um Ipad Pro com Apple Pencil ficou beeem caro.

Mas a Pixel Art pode ser bem acessível mesmo sem todos esses recursos. Um dos meus
artistas favoritos, o Brandon James Greer, faz Pixel Arts lindíssimas usando só o track pad
do notebook.

Eu pessoalmente não abro mão da stylus com mesa digitalizadora, mas é simplesmente
porque anos de costume me dão conforto nessa configuração. Tem quem use mouse no
PC, tem quem use mesas digitalizadoras baratinhas, ou desenhe com o dedo mesmo num
aplicativo gratuito de celular. A arte digital de alta resolução é bem padronizada, com todo
mundo usando as mesmas marcas e praticamente os mesmos softwares também, mas no
Pixel Art há uma infinidade de opções pra que cada um possa escolher onde se adapta
melhor.

Outra vantagem de se começar a praticar Pixel Art quando se é iniciante em desenho é o


avanço rápido. A arte tradicional de tinta no papel e a arte digital em alta resolução, que
simula a lógica do tradicional, levam bastante tempo pra aprender porque é bastante coisa
pra se aprender mesmo: habilidades como desenho tridimensional, observação, controle da
linha, teoria cromática, gestual, etc, etc. O Pixel Art também é arte 2D e também usa essas
habilidades, mas remove outras como controle de linha e a precisão da mão.

É normal olharmos pra uma arte complexa de um pintor digital e pensarmos "como diabos
se faz isso?!". A complexidade técnica pode ser até misteriosa - é normal artistas mostrarem
os arquivos originais para alunos ou patronos pra verem como o processo funciona "por
baixo do capô" - as manipulações de camada, efeitos, máscaras, etc.

Já o Pixel Art funciona, na minha visão pessoal, mais como o Ovo de Colombo - as
soluções dos grandes artistas como Glauber Kotaki, Danilo Dias ou Saint 11 impressionam,
mas a gente pode analisar pixel a pixel pra ver como se chegou no resultado final. O pulo
do gato está em como usar essas técnicas no nosso próprio trabalho, não num segredo
escondido.

Arte é sobre resolver problemas

E Pixel Art é sobre resolver problemas muito específicos, relacionados a resolução e


contagem de cores.

Um exemplo interessante é o primeiro jogo da série Final Fantasy, de


Nintendinho/Famicom. Eu quero olhar especificamente para a versão original do jogo, de
1987: os gráficos dos consoles da terceira geração (master system e nintendinho,
principalmente) são muito mais capazes de representar os conceitos que os
desenvolvedores queriam apresentar nas telas de TV do que a geração anterior, como o
Atari 2600, mas ainda assim esses pequenos sprites possuem muitas limitações de cores,
animações, armazenamento…

Então, é 1987 e a artista Kazuko Shibuya é contratada pela Square para trabalhar em Final
Fantasy para o Famicom - segundo a entrevista no livro FF DOT (altamente recomendado),
Shibuya não tinha conhecimentos sobre videogame e nem nunca havia feito Pixel Art antes
de fazer a entrevista e ser contratada. Mas como fazer arte é resolver problemas, eu
imagino que ela deve ter ficado encucada com a primeira coisa a se fazer quando começa o
desenvolvimento dos gráficos do jogo: como diabos traduzir a arte conceitual para os
pequeninos sprites que o console era capaz de gerar?

A arte do Yoshitaka Amano é maravilhosa, mas completamente intraduzível para o modesto


hardware do console de 8 Bits. A paleta do console consistia em 54 cores distintas, mas
apenas três podiam ser usadas ao mesmo tempo em cada sprite ou tile de cenário.
Engenheiros e designers espertos foram capazes de altas gambiarras para burlar essas
limitações e tirar água de pedra, mas vamos focar na parte artística.
É assim que se parece a tela de batalha do primeiro jogo, já inaugurando o estilo da
franquia de colocar os heróis visíveis de um lado da tela e os inimigos de outro (Dragon
Quest e Phantasy Star, por exemplo, deixavam em visão de primeira pessoa e só os
monstros eram visíveis).

Eu particularmente acho extremamente fofos e expressivos esses sprites, bem mais do que
todos os seus remakes para hardwares mais poderosos.

Vamos olhar mais de perto o sprite do guerreiro da luz: ele mede 24 pixels de altura e 16
pixels de largura, o que é bem pouquinho mas normal para os padrões do NES.

Nessa imagem temos um comparativo entre os tamanhos de vários heróis de jogos de


Nintendinho, do minúsculo maguinho de Micro Mages (um jogo moderno mas que foi feito
para ser rodado no console original) com 8x7 pixels até o “gigantesco” Haggar de Mighty
Final Fight com 24x34 pixels (só pra comparação, o sprite de Haggar do Arcade tem 81x93
pixels).

Então, o segundo problema: em um momento do jogo, os personagens do primeiro Final


Fantasy passam para classes especiais, saindo de iniciantes para experientes: o guerreiro
se torna o cavaleiro, o ladrão se torna o ninja, o faixa-preta se torna o mestre, etc. Mas
como representar isso graficamente?

Poderíamos fazer como no Mario do exemplo, que cresce de 12x15 pra 14x27 pixels - mas
isso acabaria com o alinhamento dos personagens no grid. A solução foi muito interessante:
os sprites das versões avançadas continuam com o mesmo tamanho, mas a diferença na
proporção dos personagens demonstra a diferença:

A proporção de cabeça grande, olhos grandes e corpo relativamente menor é típica de


cartoon, ou mais especificamente, de mangá chibi/super deformed. Usando técnicas de
ilustração 2D, o pixelart de Final Fantasy consegue passar tanto a ideia de um guerreiro
determinado, mas inexperiente e sua contraparte sarada e experiente, tudo isso seguindo a
limitação pesada que o hardware impõe.

Ok, legal, mas como começar?

Com softwares! Existem várias opções, de pagos a gratuitos:

Aseprite - provavelmente o mais popular de todos e minha recomendação pessoal. Muito


fácil de usar para iniciantes, tem uma interface padrão photoshop que faz com que seja
muito fácil se acostumar com ele pra quem conhece as ferramentas da Adobe também.

Uma vantagem enorme do Aseprite sobre o Photoshop são suas ferramentas de animação.

E bem barato, disponível na Steam com preço regional para o Brasil.

Pixel Studio - app freemium disponível para Android,bastante popular também. É uma ótima
alternativa pra quem quer experimentar a Pixel Art sem pagar absolutamente nada - e não
se importa de ver uns anúncios.
Minha crítica ao Pixel Studio é não ter atalhos de toque.

Photoshop - o mais popular editor de imagens. O Photoshop não é pensado


especificamente para arte, quanto mais Pixel Art. Mas é uma opção boa pra desenhistas
calejados no programa que querem experimentar Pixel Art sem a necessidade de trocar de
software.

De qualquer forma, ainda recomendo o Aseprite pelo foco e pela capacidade de animação.

Procreate - app de ilustração exclusivo de iOS, Procreate é barato e num Ipad munido de
Apple Pencil, uma experiência de desenho maravilhosa. Mas, para Pixel Art não vejo
vantagens - pelo fato de estar restrito aos portáteis da Apple e não ter funcionalidades
básicas como mudar o tamanho do arquivo depois de criado, sem falar da animação
limitada, recomendo deixá-lo só pra arte digital de alta resolução.

Pixaki - descobri esse procurando por alternativas no Ipad e esse parecia o software
perfeito: feito especificamente para Pixel Art, possui atalhos gestuais como os do Procreate,
e até já conta com as resoluções de consoles clássicos como tamanhos de tela padrão. Só
que… ele é caro. Saindo por R$150 é um valor bem alto pra um app mobile, até se
comparado ao Procreate.

Pelo menos ele tem uma versão gratuita completamente utilizável com limitações de
número de camadas e resolução mas que dá muito bem pra fazer artes mais simples.

Que tal começar com Pac Man?

Pac Man é um ótimo design de Pixel Art. Olha só que simplicidade fofa: ele é uma pizza
com um pedaço faltando!

Existe toda uma discussão bem interessante sobre como os primeiros personagens de
Arcade não eram bem personagens, mas conceitos genéricos como “nave alienígena” e
“tanque de guerra” - e foi só com arcades japoneses como Pac Man que começamos a ter
personagens propriamente ditos como heróis dos jogos: segundo Mark Brown, do Game
Maker’s Toolkit: “é bem apropriado que um estúdio do Japão seja responsável por colocar o
primeiro personagem em um videogame dada à obsessão do país com mascotes,
proporções não-humanas e animação”. https://youtu.be/S4RHbnBkyh0

Mas enfim, vamos à Pixel Art!

A tela inicial
Vamos usar o Aseprite, mas você pode seguir em qualquer programa de Pixel Art já
mencionado.

Crie um novo arquivo e vamos usar uma proporção bem pequena, 20 pixels por 20 pixels.
Podemos deixar as outras configurações no padrão e clicar em OK.
Com o novo arquivo criado, na configuração padrão o círculo cromático e as paletas de cor
ficam do lado esquerdo, as camadas na parte inferior da tela e do lado direito temos as
ferramentas. Como em outros programas de edição de imagem, podemos simplesmente
clicar nelas ou usar atalhos no teclado pra agilizar bastante o trabalho.

As mais importantes são B ou o ícone de lápis para o lápis e E para a borracha. O scroll do
mouse ou Ctrl + e Ctrl - fazem o zoom. E, claro, Ctrl + Z pra desfazer.

Para fazer nosso Pac Man vamos selecionar a ferramenta Filled Elipse Tool (atalho Shift + U
ou simplesmente clicar com o botão direito no retângulo e selecionar a elipse preenchida).

Com a elipse, vamos clicar no canto superior da imagem em branco e, sem soltar, arrastar o
mouse até o outro canto: quando se formar um círculo que agrade (podemos apertar SHIFT
para forçar um círculo perfeito), soltamos e está feito o círculo.

Na esquerda temos a nossa paleta de cores, uma das características do Aseprite é poder
usar paletas específicas de consoles e computadores retrô ou até mesmo criadas por outros
artistas. Por enquanto vamos ficar com a paleta padrão e escolher o amarelo. O baldinho
tem como atalho a tecla G e é só clicarmos no nosso círculo que ele vai virar um Pac Man
com a boca fechada.

Chamar um círculo amarelo de “Pac Man com a boca fechada” parece piada, então vamos
abrir a boca pra parecer mais com o personagem. Vamos encontrar dois pixels próximos do
centro do círculo e usar a borracha (com E) para apagá-los.

Agora vamos fazer uma escadinha para cima e para baixo, apagando um pixel de cada vez
em direção às extremidades do círculo. A parte que sobra pra ser apagada podemos usar a
varinha mágica (atalho W ou clicando na primeira ferramenta) para selecionar todos esses
pixels e deletá-los de uma vez.

Como detalhe final podemos escolher outra cor, preto por exemplo, e fazer um olho. Um
único pixel preto já passa a ideia, mas com outro embaixo ele fica ainda mais simpático.

Agora, um alerta pra uma armadilha de iniciantes comum: o nosso Pac Man tem uma
resolução baixíssima, ótima pra um arcade dos anos 80 mas nossos computadores atuais
não são configurados para reproduzir direito essas imagens, elas ficam borradas porque o
software é treinado pra suavizar as bordas de imagens em baixa resolução - mas nós
somos Pixel Artists e queremos nossos pixels crocantes!

Então vamos em File > Export e vamos usar a opção de Resize para exportar a imagem
ampliada em 1000% - a ampliação de Pixel Art precisa ser em valores inteiros para não
haver distorção, ampliando em 100%, 200%, 400% a imagem mantém a proporção e os
sprites ficam nos seus lugares corretos.

Você pode experimentar criar outros círculos em tamanhos diferentes e seguir o mesmo
princípio: como se parecia o nosso Pac Man se ele fosse feito em 40 x 40? Ou 90 x 90?
Com uma resolução maior, que tipo de detalhes já daria pra fazer no olho, por exemplo?
E com essa primeira imagem conseguimos treinar os princípios mais básicos da Pixel Art,
usando as ferramentas para desenhar, apagar, pintar, criar formas geométricas e selecionar
e exportar o desenho, além de refletir sobre a estética da Pixel Art com minha verborragia
interminável. Na próxima vamos ver como criar artes mais complexas e mais princípios do
cartoon.

Muito obrigado e não se esqueça de compartilhar seus experimentos e artes no Discord do


Bear Nerd! Eu faço lives no twitch do Pixxeria em http://www.twitch.tv/pixxeria desenhando
em Pixel Art toda quinta-feira às 19.

Você também pode gostar