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PROCESSOS
PROJETUAIS
PARTICIPATIVOS
RECIFE 2016
PARA AQUELES QUE NÃO SABEM PARA ONDE VÃO,
MAS TRILHAM O CAMINHO COM ENTUSIASMO E COM O DESEJO
DE FAZER O MELHOR.
AGRADECIMENTOS
Aos entrevistados, Lula, Mike, Natan, Rafael, André, Amanda, Isabelle, Ge-
orge e Betânia, pela disponibilidade e pelas mensagens de extrema relevância
para o trabalho.
Aos amigos Ana Ísis, Mike e Rachael, pelo incentivo e pelas sugestões cer-
teiras.
Aos amigos Thaís, Talita, Gustavo, Carol, Mayara e Matheus por participa-
rem de momentos inesquecíveis nesses anos de formação.
Aos parceiros na arquitetura e na vida Júlia, Adriel, Aline e Alê (in memo-
riam), pelas gargalhadas nos dias difíceis.
À minha mãe, Irenise, ao meu pai, Willher e à minha irmã, Ilena, pelo
amor e paciência em todos os momentos.
RESUMO
No livro “Quando o ambiente é hostil” (2009) a pesquisadora Lúcia Leitão realiza um chamado aos cidadãos
e sobretudo aos arquitetos, para refletirem sobre o modo de construir e vivenciar as cidades visando descobrir
alternativas para combater à crescente negação aos espaços públicos. Nos últimos anos alguns eventos nos levam
a crer que o chamado da pesquisadora foi ouvido, uma série de intervenções participativas nos espaços públicos
estão sendo criadas pela sociedade civil e por grupos de arquitetos e artistas revelando o desejo de experimentar
a cidade como um laboratório de reflexão sobre propostas de melhorias para longo prazo. Nesse sentido, esta
investigação tem como objetivo a compreensão do papel do arquiteto em processos projetuais participativos, a
identificação das metodologias utilizadas e o entendimento das potencialidades e desafios que envolvem estes
processos. A pesquisa propõe um passeio dividido em três momentos, iniciando pela compreensão de conceitos
e práticas relativos a participação a partir dos estudos de Paulo Freire, Jeremy Till, Yanki Lee e do Grupo Morar de
Outras Maneiras (MOM – UFMG), seguido pela identificação de metodologias através da pesquisa de um breve
panorama histórico de práticas de projeto participativo. Uma segunda fase composta pela compressão do contex-
to atual da participação relacionada às intervenções do Urbanismo Tático conceituado por Mike Lydon. Finalizan-
do com a análise de três ações participativas realizadas na Região Metropolitana do Recife pelos grupos: Atelier
Vivo, A Cidade Precisa de Praias e Casa Amarela Saudável e Sustentável. A pesquisa revela que estas intervenções
participativas na cidade apresentam metodologias pautadas sobretudo na criação de simulações de cenários de
transformação que vão sendo pouco a pouco concebidas, experimentadas e questionadas pelos usuários. Esta
abordagem tem o potencial de provocar a criação de produtos de maior qualidade por estarem adequados à
vivência dos usuários e tem um impacto positivo enquanto processo, por gerar reflexões coletivas a respeito dos
espaços urbanos, possibilitando o fortalecimento da participação cidadã pela criação de afeto, identificação e
responsabilidade com os lugares. Além de promover um novo olhar sobre os produtos e processos, a participação
estabelece uma outra postura para o arquiteto, que no lugar de realizar projetos definidos e fechados, se abre
para a co-criação baseada na vivência cotidianas das cidades.
14 COMPREENSÃO DE TERMOS
15 INTRODUÇÃO
17 O TRABALHO 19 PARTE 01:
19 1.1 O PROCESSO PROJETUAL TRADICIONAL
21 1.2 A PARTICIPAÇÃO
21 1.2.1 CONCEITUANDO A PARTICIPAÇÃO
25 1.2.2 UM OLHAR SOBRE A PARTICIPAÇÃO
29 1.3 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA PARTICIPAÇÃO
29 1.3.1 CONTEXTO INTERNACIONAL
38 1.3.2 CONTEXTO NACIONAL
44 1.3.2 CONTEXTO REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE
51 1.4 O PROCESSO PROJETUAL PARTICIPATIVO
75 PARTE 03:
75 3.1 CONSTRUINDO A ANÁLISE
78 3.2 ANÁLISE DAS INTERVENÇÕES
78 3.2.1 DESIGN BUILD NO ALTO DA SÉ - ATELIER VIVO
96 3.2.2 PRAIA DE SANTA LUZIA - A CIDADE PRECISA DE PRAIAS
112 3.2.3 HORTAS COMUNITÁRIAS - CASA AMARELA SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL
127 3.3 SÍNTESE
57 PARTE 02:
57 2.1 O CONTEXTO ATUAL DA PARTICIPAÇÃO
61 2.2 O URBANISMO TÁTICO
63 2.2.1 UM OLHAR SOBRE O URBANISMO TÁTICO
64 2.3 INTERVENÇÕES PARTICIPATIVAS EM PRÁTICA
64 2.3.1 COLETIVO BRUITS DU FRIGO 139 CONSIDERAÇÕES FINAIS
68 2.3.2 COLETIVO A BATATA PRECISA DE VOCÊ 143 LISTA DE FIGURAS
71 2.4 O PROCESSO PROJETUAL PARTICIPATIVO 146 BIBLIOGRAFIA
EM INTERVENÇÕES NA CIDADE 151 ANEXOS
COMPREENSÃO DE TERMOS
AQUELE QUE PROJETA, AQUELE QUE VIVENCIA OS ES- AQUELE QUE CUSTEIA AS DESPE- AQUELE ENCARREGADO PELA AQUELE QUE CONSTRÓI O PRO-
IDEALIZA OU FANTASIA ALGO, PAÇOS EM SEU COTIDIANO, SAS DO PROJETO MESMO SEM SER FISCALIZAÇÃO DOS PROJETOS, JETO MANEJANDO OS MATERIAIS
SEJA UM SISTEMA, UM MÉTODO, COMPREENDENDO SEUS LIMITES USUÁRIO DIRETO OBSERVANDO O CUMPRIMENTO ATRAVÉS DE TÉCNICAS ESPECÍFI-
UM OBJETO, UM EDIFÍCIO OU UMA E POTENCIALIDADES PELA EXPE- DAS NORMAS LEGAIS CAS
CIDADE RIÊNCIA
Ao longo das pesquisas, conheci o trabalho do A pesquisa parte da compreensão dos temas
Coletivo Bruits du Frigo através de uma palestra na Uni- através do estudo dos conceitos envolvidos, mas se de-
versidade Federal de Pernambuco e percebi a existên- bruça principalmente na investigação de experiências
cia de novas reflexões sobre metodologias projetuais práticas, tendo como foco a análise de três experiên-
participativas voltadas sobretudo para o uso dos espa- cias de intervenção participativas realizadas na Região
ços públicos. Estimulada por uma visão renovada da Metropolitana do Recife no período de 2015 à 2016. O
participação que se estende à problemática da cidade trabalho pretende compreender as metodologias ava-
como um todo, passei a ter como foco o estudo de uma liando sobretudo o papel do arquiteto, o engajamento
metodologia projetual contemporânea baseada na ex- dos usuários e a relação das pessoas com a cidade.
perimentação de cenários através de intervenções efê-
meras na cidade.
A produção projetual tradicional por ser mais O arquiteto, escritor e educador Jeremy Till, che- ou mês, as rotinas podem ser sempre feitas, des-
distanciada da experiência do usuário acaba por ge- fe da Central Saint Martins e Pro Vice-Chanceler da Uni- feitas ou variadas.
rar certas vezes conflitos entre o espaço produzido e versity of the Arts London em 2012, faz uma metáfora
o modo de apropriação pela sociedade. Um dos exem- no entre a arquitetura e uma mesa de jantar para falar Sendo assim, para representar a dinâ-
plos mais simples onde podemos averiguar estes con- das tensões que envolvem a vida cotidiana e a arquite- mica do jantar, de acordo com Wigglesworth e
flitos são em parques urbanos onde são definidos os tura, uma confrontação entre sonho e realidade (WIG- Till (1998), é preciso se distanciar da imagem
caminhos e as áreas de estar levando em consideração GLESWORTH e TILL, 2001). da mesa planejada, limpa e ordenada, pois esta
aspectos compositivos, mas as linhas de desejo para a imagem é desfeita assim que a comida chega à
travessia pelo usuário muitas vezes são desfavorecidas. Juntamente com Sarah Wigglesworth ele co- mesa. A partir desse momento o tempo desven-
meça demonstrando a representação padrão de uma da a ordenação da mesa. A utilização do espa-
mesa de jantar vista em planta, é uma imagem que re- ço que é a ação de jantar destrói toda a ordem,
trata um momento de harmonia, no qual as relações como se a vida invadisse o espaço e a arquitetu-
estão intactas, na mesa os pratos e as cadeiras estão ra não pudesse acomodar o cotidiano, por não
ordenados em função do corpo humano e a geometria contemplar a nova ordem. Para ele, o registro
dita cada movimento. A questão é que esta representa- do final na refeição é uma representação mais
ção só existe na imaginação, em um mundo onde não genuína da descrição do espaço, onde são re-
existem pessoas, este tipo de representação define o conhecidos os acontecimentos e mais relevante
modo como os arquitetos sonham com o seu trabalho. ainda, são reconhecidos os desenhos que pos-
sibilitaram a ocorrência de determinadas vivên-
Wigglesworth e Till (2001) colocam que a re- cias.
presentação em arquitetura reforça as ideias de disci-
plina, ordem e controle, por convenção desenhamos
de modo a manter a clareza das ideias, baseados em
um plano simples, com geometria pura e expressões
idealizadas da realidade. Mas o que interessa é enten-
der como estes padrões de desenho são sentidos na
vivência do espaço. E dentro desta reflexão podemos
concluir que o desenho do ambiente não define impe-
rativamente os comportamentos das pessoas, mesmo
que existam rituais repetidos a cada hora, dia, semana
Figura 2. Conflito entre o design e a experiência do usuário.png Figura 3. RepresentaçõesdamesadejantarporWiggleswortheTill(2001).png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 23
Neste artigo fica clara a preocupação de refletir diálogo e da vivência estabelece um processo de cria-
sobre o modo tradicional de fazer arquitetura, asso- ção coletiva. Apesar de ser voltado para o processo pe-
ciado à diagnósticos e concepções padronizadas e nos dagógico os estudos de Freire podem ser aplicados à
leva a pensar o plano sob uma nova perspectiva, não arquitetura, nos fazendo compreender a base do signi-
somente como uma representação de objetos estáti- ficado da participação.
cos, mas como o planejamento da vida e das ações no
espaço. Sob esse ponto de vista as experiências do usu- Segundo Freire (2005) para que a participação
ário devem ser retratadas com cuidado pelo arquiteto. aconteça é necessário o envolvimento de todos desde
Foi essa visão que levou Jeremy Till à participação, na a elaboração do conteúdo programático, que deve re-
esperança de que através do processo participativo fos- tratar os interesses do grupo. O processo se inicia no
se possível fazer uma arquitetura capaz de acomodar o momento em que a população aponta temas significa-
cotidiano, uma arquitetura para a experimentação da tivos para o grupo e a partir desses temas o técnico su-
vida. gere temas que se desdobram para compor a temática
inicial, ampliando a discussão para uma dimensão des-
O significado de participação está relacionado a conhecida da população e de relevância para o técnico.
fazer parte de algo, e em se tratando de processos pro- A troca de conhecimentos entre a população e os téc-
jetuais participativos em arquitetura, tem ligação com nicos vai sendo realizada através das discussões e dos
o engajamento dos usuários no processo de produção questionamentos que surgem das temáticas, ou seja, o
do espaço, envolvendo-os na tomada de decisão, com processo parte da população e não da criação de diag-
a intensão de criar os espaços que as pessoas realmen- nósticos e propostas dos técnicos.
te desejam e necessitam. Mas a participação não se
interessa somente pela criação de produtos de maior Levando em conta o método freiriado “dialógi-
qualidade, ela tem relevância pelos seus métodos, o co” antes de se produzir lugares se produz conheci-
processo tem tanta importância quanto o produto, por mento através da construção participativa, há uma co-
levar à crítica e a reflexão em torno da ação do arquite- munhão de conhecimentos que contribui para pensar
to e em torno da experiência do usuário, empoderan- em espaços totalizantes. Para Freire (2005) o processo
do ambos pela construção de um novo conhecimento de participação ideal compreende três etapas: o auto-
num processo coletivo. conhecimento, o reconhecimento do grupo e por fim,
a síntese cultural.
Um dos estudiosos de maior referência nacional-
mente que tem reflexões relacionadas à participação O autoconhecimento seria a busca por uma
e ao empoderamento é o pedagogista e filósofo Paulo compreensão crítica da sua relação com o espaço e as
Freire. Em seu livro “A Pedagogia do Oprimido” de 2005 imagens ligadas a ele, carregadas de crenças, valores,
Freire discorre sobre o processo educativo fazendo re- imagens socialmente transmitidas e compartilhadas.
ferência a participação como caminho que através do Através da percepção de ideias compartilhadas por cer-
A postura do técnico é um dos aspectos essen- usado pelos designers para projetar. A partir deste
ciais estudados no doutorado “Design Participation princípio ela define fatores característicos que permi-
Tactics: involving people in the design of their built en- tem localizar a ação, no campo do mundo dos usuários,
vironment” realizado em 2006 pela pesquisadora Yanki no campo do mundo dos especialistas ou entre os dois
Lee, diretora do HKDI DESIS Lab for Social Design Rese- campos, quando de fato ocorre para ela, a colaboração
arch em Hong Kong, com Master em Arquitetura pelo e a emancipação.
Royal College of Art (RCA) em Londres e PhD em design
participativo pela Hong Kong Polytechnic University. Para conduzir a análise, Lee (2006) criou uma
tabela de classificação baseada em cinco fatores que
Lee (2006) coloca que sua pesquisa surgiu da permitem localizar a intervenção. A análise de deter-
necessidade de entender a distinção entre o design minada ação é feita através da composição da tabela
“para” pessoas e o design “com” as pessoas. Este es- seguindo a classificação de acordo com cada fator, ao QUAIS SÃO OS FATORES COLOCADOS POR YANKI LEE?
tudo propôs uma reavaliação na forma tradicional de final é possível saber se aquela intervenção está mais
produção de espaços, através do estudo de táticas de relacionada ao mundo dos especialistas, ao mundo dos 1. AUTONOMIA:
projeto participativo em que ocorresse de fato a cola- usuários ou se ocorreu de fato a colaboração entre os REVELA QUEM É O CONDUTOR DO PROCESSO, QUE PODE SER
O DESIGNER, O DESIGNER COM AJUDA DO USUÁRIO, O USUÁRIO
boração. dois domínios de conhecimento. COM AJUDA DO DESIGNER OU O USUÁRIO.
2. OBJETIVOS:
Para a autora, o projeto participativo é um ca- REVELA QUAL O OBJETIVO DA AÇÃO EM FUNÇÃO DO SEU CONDU-
TOR. O OBJETIVO DE INOVAÇÃO É NORMALMENTE CONDUZIDO
minho para melhorar a relação arquiteto-usuário, uma PELO DESIGNER, O OBJETIVO DE COLABORAÇÃO É NORMALMEN-
forma de inspirar arquitetos a fazer produtos utilizáveis TE CONDUZIDO PELO DESIGNER COM A AJUDA DO USUÁRIO, O
OBJETIVO DE EMANCIPAÇÃO NORMALMENTE É CONDUZIDO PELO
e desejáveis aos usuários. Através de sua pesquisa ela USUÁRIO COM A AJUDA DO DESIGNER E O OBJETIVO DE MOTIVA-
percebeu que diferentes sociedades e objetivos geram ÇÃO É CONDUZIDO APENAS PELO USUÁRIO E VISA O ESTIMULO A
REALIZAÇÃO DE INTERVENÇÕES.
diferentes metodologias e táticas de participação, o
que faz com que o termo participação tenha uma gran- 3. NÍVEIS :
REVELA O NÍVEL DO TAMANHO DO GRUPO ENVOLVIDO NO PRO-
de abrangência. JETO, PODE SER INDIVIDUAL, UM GRUPO PEQUENO OU UMA CO-
MUNIDADE.
CASO DE ESTUDO 3:
TEORIA DOS SUPORTES – HABRAKEN
OBJETIVO DA PARTICIPAÇÃO:
COLABORAÇÃO
METODOLOGIAS PARA A PARTICIPAÇÃO: Neste contexto, uma das experiências mais acla-
madas de design participativo ocorreu em meados
da década de 60 e foi proposta pelo arquiteto Walter
Segal. De acordo com Jones (2005) Segal definiu um
método de autoconstrução que insere o usuário na
produção do espaço através de um sistema modular
que usa madeira e outros materiais de uso cotidianos
encontrados em lojas que seriam facilmente adotados
por qualquer grupo. Ele desenvolveu um planejamen-
to que através de módulos coordena a construção que
pode ser realizada pelo usuário permitindo o aumento
ou a diminuição de certos cômodos, garantindo a fun-
cionamento com maior flexibilidade.
No período em que o modernismo começou a larga escala. O projeto se baseava no processo de ma-
ser questionado internacionalmente, no Brasil também nufatura, no uso de materiais baratos e na aplicação
se iniciavam as críticas à pratica da arquitetura moder- de técnicas que necessitavam de poucos recursos para
na. Vilanova Artigas que era mentor da “Escola Paulista serem realizadas. Eles acreditavam que o arquiteto de-
Moderna” passou a criticar os projetos modernos que veria favorecer a participação da população através do
eram excessivamente voltados para os interesses da canteiro, no desenvolvimento de uma estética popular
burguesia, para ele o arquiteto deveria lutar ao lado do e no consumo da arquitetura como bem material (KOU-
povo, realizando bons projetos através da interpreta- RY, 2003, p. 52).
ção e do entendimento dos desejos da população (SE-
GAWA, 2010, p. 145).
de construir a moradia ao saber acadêmico. Pulhez ETAPA PROJETUAL COM PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS:
(2008, p. 109) coloca que para Nelson, era necessário DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS E POTENCIALIDADES, CONCEPÇÃO DE SOLUÇÕES E APROVAÇÃO
processo de construção dos ambientes, contrastando Neste momento em termos legais a participação METODOLOGIAS PARA A PARTICIPAÇÃO:
com o modo de produção extensiva de habitações pelo deveria ser realizada através de audiências públicas,
Estado. As críticas à posição do Estado, estimularam debates, publicidade dos documentos, informações e
uma ação estratégica, que foi a retirada do governo nas acesso aos documentos. Porém, o efeito deste avanço
ações de provisão de moradia e o início de processos é pequeno diante do fato de que estas iniciativas nunca
de planejamento participativo. Infelizmente, a partici- atraíram a maioria da população. Sob o ponto de vista
pação da população era regulada restrita, e controlada prático outras alternativas de participação são um pou-
pelos técnicos. Grande parte dos processos de pla- co mais eficientes, ainda que sejam situações pontuais.
nejamento participativo reduziram a participação ao
ingresso de mão-de-obra nos mutirões em que todas
as decisões eram tomadas externamente, sem contar
com a interação dos moradores.
Figura 21. Mutirão do Projeto Paulo Freire com assessoria técnica do USINA.png
Visando adotar plantas de habitações maiores acordo com suas necessidades e preferências, como
que o padrão foi decidido implantar edifícios com uso sala e cozinha maiores ou sala e cozinha integradas.
de estrutura metálica, garantindo a criação de grandes
vãos e a liberação do espaço térreo com a suspensão A estrutura metálica permitiu agilizar o tempo
das unidades habitacionais. A adoção de edifícios per- de realização da obra, facilitando a execução de etapas
mitiu maior adensamento do conjunto, os edifícios têm posteriores, otimizando o trabalho dos mutirantes e
sete pavimentos com acesso pelo terceiro pavimento. trabalhadores contratados. O uso de metal na provisão
Foram contempladas diferentes configurações familia- de moradia popular significou uma quebra de paradig-
res através de quatro tipologias distintas, com área de mas, aspecto que dificultou sua aprovação e causou
aproximadamente 56m². atraso no início da obra. Posteriormente o processo foi
interrompido diversas vezes por atraso de pagamento
O emprego de uma estrutura independente em pela Prefeitura de São Paulo. No ano de 2010 a obra
relação às paredes internas abriu a possibilidade da foi finalmente concluída trazendo um sentimento de
“planta-livre” e, dentro de alguns limites, cada família vitória aos moradores que tanto lutaram pela sua re-
pôde configurar os ambientes dos apartamentos de alização.
A Região Metropolitana do Recife (RMR) apre- Em 1940 diante do enorme crescimento popula-
senta um histórico de lutas por acesso a habitação com cional, carência de empregos e desigualdade de renda
peculiaridades no processo de ocupação do espaço a população pobre que estava localizada em áreas de
metropolitano, destaca a pesquisadora Maria Ângela ocupação de margens de rios e morros, à margem do
Souza (2007), coordenadora do Observatório de Políti- mercado formal, começam a se articular às lutas sociais
cas Públicas e Práticas Sócio Ambientais Souza da UFPE. e criam movimentos de bairro para ter acesso à direi-
A RMR teve seu crescimento realizado sobretudo em tos básicos, como melhorias urbanas e equipamentos
aterros em áreas de maré, nas faixas litorâneas e sobre sociais (ALENCAR e SA, 2011).
as terras de antigos engenhos de açúcar que até o final
do século XIX margeavam os mangues da região.
Um dos projetos participativos mais bem re- ETAPA PROJETUAL COM PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS:
conhecido ocorreu em Jaboatão dos Guararapes, no DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS E POTENCIALIDADES, CONCEPÇÃO DE SOLUÇÕES, APROVAÇÃO E CONSTRUÇÃO
a luta pela moradia e fez com que muitas entidades para evitar sua transferência para outros interesses ETAPA PROJETUAL COM PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS:
surgissem para realizar ocupações em terrenos urba- imobiliários e assegurar a permanência da população DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS E POTENCIALIDADES E APROVAÇÃO
nos, ampliando os assentamentos populares no núcleo (DE LA MORA E MORA, 2003). Após a realização de METODOLOGIAS PARA A PARTICIPAÇÃO:
do Recife. Outro movimento de grande relevância des- reuniões com os líderes das 27 comunidades das ZEIS
tacado por De La Mora e Mora (2003) é o “Movimento foi criado o Plano de Regularização das Zonas Especiais
Teimosinho” que surgiu em 1979 e reivindicava a resis- de Interesse Social (PREZEIS) incluído na Lei Orgânica
tência da ocupação pela população de baixa renda no Municipal em 1990.
bairro de Brasília Teimosa em oposição ao projeto da
Prefeitura e do Governo do Estado que pretendia im- No caso do PREZEIS tanto De La Mora e Mora
plantar grandes hotéis, marinas e restaurantes de luxo (2003) quanto Souza (2007) destacam a participação
na área. popular como um mecanismo de gestão democrática e
de inclusão social dos excluídos da cidade, os represen-
Na segunda metade da década a política do Ban- tantes das comunidades se destacam como comunica-
co Nacional de Habitação (BNH) promove pela primeira dores dos saberes das camadas populares e são auxi-
vez uma estratégia dirigida à urbanização de assenta- liados através de assessoramento técnico nos aspectos
mentos pobres, aspecto que marca a década de 1980 institucionais do formato, composição, competências e
como um momento particular no quadro da política funcionamento dos mecanismos de gestão que asse-
habitacional da RMR (SOUZA, 2007). A Autora destaca guram o aperfeiçoamento e consolidação de sua par-
que a reformulação do BNH inicia um processo de des- ticipação.
centralização da política habitacional, envolvendo uma
maior participação da esfera local, estadual e munici- Infelizmente, mesmo com o reconhecimento
pal, na gestão dos programas. Neste período uma série do PREZEIS pelo Plano diretor da cidade como um dos
em parceria com a Prefeitura do Recife. a extensão da cidade. Este aspecto que acaba por difi- METODOLOGIAS PARA A PARTICIPAÇÃO:
cultar a compreensão das ações pela população, cau-
A Oficina de Futuro do Recife buscou discutir sando um envolvimento superficial. É possível também
com a população o futuro da capital tomando como notar uma maior iniciativa de participação por parte da
base as especificidades e vivências dos moradores. Fo- população de renda baixa que por seu histórico de lu-
ram organizados seis encontros, um em cada Região tas estão mais envolvidas nos processos de reinvindica-
Político Administrativa (RPA) da cidade, sendo Santo ção e de busca por melhorias.
Amaro o bairro que acolheu o encontro da RPA 1. A
metodologia do primeiro encontro foi iniciada através
de uma palestra que explanou o motivo da reunião
com os moradores. Através de uma apresentação lú-
dica e dinâmica Guilherme Cavalcanti, diretor executi-
vo da ARIES, pediu que os participantes imaginassem
e sonhassem com o Recife em 2037 e que o fizessem
pensando no seu cotidiano, nas suas atividades diárias,
como sua vida poderia ter mais qualidade através de
mudanças simples e passíveis de serem realizadas num
horizonte de 20 anos.
Em seguida os participantes foram divididos em Figura 24. Reunião da Oficina de Futuro do Recife na RPA 1.png
equipes para discutir sobre qual cidade do futuro es-
peram ter em 2037, temas como mobilidade, equipa-
mentos culturais e educativos e arborização foram des-
A sociedade civil pode acessar através do na- A plataforma permite o contato fácil e rápido, ETAPA PROJETUAL COM PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS:
DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS E POTENCIALIDADES, CONCEPÇÃO
vegador no Desktop ou pelo aplicativo em dispositi- além de ter uma abordagem mais dinâmica que ajuda a DE SOLUÇÕES E APROVAÇÃO
vos móveis e fazer postagens relacionadas com três quebrar a formalidade comum em ambientes governa- METODOLOGIAS PARA A PARTICIPAÇÃO:
eixos: fiscalização, proposição e avaliação. O eixo de mentais. Através dela a prefeitura tem a possibilidade
fiscalização é o mais acessado, nele são apontados os de resolver com inteligência e eficiência os problemas
problemas vivenciados no cotidiano, por exemplo, a que afligem a cidade, é preciso apenas compromisso
existência de ciclovias interditadas por obras, imóveis por parte dos municípios. Em Curitiba, por exemplo, o
ocupados por sem tetos e terminais de ônibus em mal Colab propicia o “Dia do Bairro”, quando várias secre-
estado. O eixo de proposição é onde os cidadãos tem a tarias se reúnem para resolver problemas de um bairro
possibilidade de fazer sugestões de ações ao poder pú- específico.
blico, como a instalação de uma rotatória em uma via
para facilitar o trânsito ou a criação de uma calçada. O
eixo de avaliação permite aos os cidadãos a análise de
serviços públicos, que vão desde a limpeza urbana até
o funcionamento de determinada escola, por exemplo.
Através deste breve panorama é possível per- de participantes é de comunidade e serão discutidos
ceber que nas experiências de projeto do SAAL em projetos de grande porte, como edifícios ou bairros,
Portugal, do projeto Quinta do Moroy da Elementar percebe-se uma maior dificuldade de efetivar a partici-
Arquitetura, no projeto Paulo Freire do grupo USINA e pação. Nestas situações os cidadãos são convidados a
no projeto de Cajueiro Seco de Acácio Gil Borsoi a par- participar de um processo de grande extensão no qual
ticipação dos usuários foi mais efetiva e relevante pela eles tem pouco controle ou conhecimento. A partici-
inserção dos usuários em quatro etapas do projeto: pação acaba por se concentrar mais em alguma etapa
diagnóstico de problemas e potencialidades, concep- afetando o estágio de desenvolvimento do processo.
ção de soluções, aprovação e construção.
Se a participação se concentra no diagnóstico
Corroborando com as teorias de Yanki Lee (2006) de problemas o estágio é a conscientização, se ela se
destes quatro projetos de exemplo, os dois internacio- concentra na fase de construção o estágio é de imple-
nais têm como objetivo a colaboração e os dois nacio- mentação. Isto nos leva a concluir que em alguns pro-
nais tem como objetivo a emancipação. Logo, são nes- cessos a participação ocorre em determinadas fases do
tes projetos em que o processo foi realizado no campo projeto, mas não são efetivadas em fases de tomadas
da colaboração pela mistura entre a esfera de conheci- de decisão, aspecto que abre espaço para críticas ao
mentos dos técnicos e a esfera de conhecimento dos processo e o questionamento da sua validade enquan-
usuários. to processo participativo.
As metodologias utilizadas em cada etapa são Através do panorama também podemos com-
variadas e por vezes uma mesma metodologia pode preender que a autonomia pode ser por vezes do ar-
ser aplicada em diferentes etapas. Na lógica do que quiteto ou do usuário, em alguns momentos pode ser
aponta o Grupo MOM, o vocabulário de metodologias partilhada num processo controlado pelos dois e em
não é limitado, permitindo a cada arquiteto a adoção outros sistemas a autonomia é dividida, uma fase é de
de métodos já experimentados por outros técnicos ou autonomia do arquiteto e outra fase do projeto é de
a criação de novas abordagens e instrumentos. autonomia do usuário.
A partir das leituras anteriores é possível ter em Visando garantir a participação são criadas novas
mente um registro do processo projetual participativo ferramentas e metodologias que permitem a reflexão
e suas diferenças com relação ao processo projetual e a troca de ideias entre arquiteto e usuários. Nos 17
tradicional. Os aspectos mais relevantes que destacam casos de estudo do panorama é possível interpretar
o projeto participativo são: o objetivo, a postura do ar- quais foram as atividades metodológicas utilizadas para
quiteto, o papel do usuário como especialista, a fase inserir a visão do usuário no processo, essa leitura nos
de inserção do usuário no processo e as metodologias permite ver que é possível usar estas ferramentas em
utilizadas. projetos para aproximar o arquiteto dos usuários.
Em projetos participativos o objetivo está mais Na maioria dos 17 projetos e sistemas estuda-
voltado para a vivência de um processo de qualida- dos o projesso projetual possuiu as mesmas etapas que
de, em lugar do foco na construção de um produto de compõem o processo projetual tradicional, o que faz
qualidade. Como coloca Freire (2005), nesse processo estes processos serem participativos é justamente a
deve ocorrer a construção de um novo conhecimento mudança das metodologias utilizadas para a realização
por parte do arquiteto e dos usuários. Para isso, há uma de cada etapa. Por esta razão, investimos na criação
mudança na postura do arquiteto, que deixa de contro- de um diagrama simplificado em croqui para sintetizar
lar o projeto como um todo, para dar lugar a experiên- quais foram as metodologias utilizadas em cada etapa,
cia e o conhecimento dos usuários. O usuário é enten- criando um vocabulário que pode servir para experi-
dido como especialista, na condição de vivenciador do mentações práticas no campo da participação em pro-
cotidiano, sua participação é essencial para a troca de jetos de arquitetura e urbanismo.
conhecimento e para a elaboração de um projeto que
atenda às suas necessidades, sem levar em conta uni-
camente a visão do arquiteto.
Grande parte das cidades não tem seus espaços uma base para a criação de novas práticas iniciadas de
construídos com base num planejamento participativo, “baixo para cima” pela população, que realiza mudan-
a maioria tem um planejamento urbano desenvolvido ças urbanas experimentais e graduais como caminhos
por poucos atores, que se lançam no desafio de com- para alcançar os resultados almejados.
preender todas a complexidade que envolve a confi-
guração do espaço urbano. Infelizmente, a tomada de Em uma entrevista para Safatle e Cabral (2015)
decisão no projeto de planos urbanos muitas vezes não na revista Página 22, o político e professor titular da
é alcançada pelo usuário, o que leva a consolidação de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida-
intervenções que pouco representam os anseios da po- de de São Paulo, Nabil Bonduki, destacou que apesar
pulação. da lógica privatizadora sob a qual foram desenvolvidas
a maioria das cidades brasileiras, com a cultura de va-
Segundo Almeida e Macêdo (2015) esse tipo de lorização ao automóvel, a existência de condomínios
planejamento tradicional leva a construção de cidades fechados e edifícios murados com cercas elétricas, nos
com espaços urbanos sem memórias, sem troca, sem últimos 15 anos assistimos à uma mudança lenta que
união, sem proximidade, isto é, espaços sem relacio- vem formando outra mentalidade voltada para a cria-
namentos, individualistas e inadequadas aos usuários. ção de modelos de cidade mais sustentáveis.
Nestes locais as necessidades dos indivíduos e as rela-
ções das pessoas com o ‘lugar’ não são consideradas De acordo com Bonduki (SAFATLE e CABRAL,
no processo de idealização. 2015) a participação da juventude é intensa neste pro-
cesso pela sua predisposição para ocupar espaços pú-
No livro “Cidades para Pessoas” Jan Gehl (2013) blicos que é mais forte do que para as outras faixas etá-
destaca a necessidade de mudança na forma de reali- rias. Segundo ele, a juventude já não cabe na casa dos
zar o planejamento das cidades, em vez de planejar a pais, mas ao mesmo tempo não tem renda suficiente
disposição dos edifícios como se fossem vistos da jane- para ter sua própria casa e por esta razão tem maior
la do avião é necessário projetar olhando os edifícios tendência de ir para a rua. Também está numa idade
através da rua, tendo em vista a escala humana. O pen- de intensa sociabilidade, de experimentação, e conhe-
samento de Gehl se inicia na investigação do cotidiano cimento de novas pessoas, logo, se conformam coleti-
das pessoas, passando para a definição dos espaços e vos culturais, para se dedicar a criação, desde a banda
dos edifícios que os delimitam, essa metodologia de de garagem ao áudio-visual. Um aspecto que auxilia na
planejamento centrada no estudo da vida se tornou utilização dos espaços públicos é a grande variedade de
No cenário recifense, o movimento ocupe teve pesquisadora Lúcia Veras, membro do Laboratório da
como lugar de ação o Cais José Estelita, terreno locali- Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco e
zado no centro da cidade numa antiga área pública fer- autora da tese de doutorado “Paisagem-Postal: A ima-
roviária de frente de água. O Movimento Ocupe Estelita gem e a palavra na compreensão de um Recife urbano”
surgiu em 2008 pela revolta diante da possibilidade de tese premiada em 2015 pela CAPES como melhor tese
implementação de um projeto imobiliário que preten- da área de Planejamento Urbano e Regional/ Demogra-
de construir 12 torres no terreno do Cais, destruindo fia.
uma paisagem-postal da cidade, que foi estudada pela
O termo Urbanismo Tático, segundo Steffens demonstrar um interesse pela reconstrução e pela me- 2- Esta forma de fazer a cidade não requer ne-
e Vergara (2013), foi registrado pela primeira vez em lhoria dos bairros em que viviam. Além disso, a cultura cessariamente de urbanistas, podendo ser construída
1996 para designar um protótipo realizado em curto de compartilhamento de informações via internet per- pela iniciativa de grupos de pessoas empoderadas
prazo que pode trazer informações potenciais para a mitiu a difusão de experiências e práticas de interven-
criação de um planejamento de longo prazo. Se consti- ção urbana. 3- O desafio do urbanismo tático na América La-
tui como uma nova metodologia de planejamento que tina está em reconhecer o valor de ações informais no
tem como base a construção da cidade a partir de in- As práticas são realizadas a partir de operações espaço público e apoiá-lo através de políticas públicas
tervenções locais que permitam uma reflexão do con- táticas que reprogramam e reativam os usos dos es- urbanas inclusivas
texto global. paços urbanos, o termo tático é utilizado em alusão à
uma manobra de guerra, define-se por uma ação estru-
A metodologia é voltada sobretudo para o inte- turada com um objetivo singular e de curto prazo. Estas
resse do usuário, ela pode ser estruturada e realizada micro intervenções urbanas acabam por questionar o
pela sociedade civil assim como pode ser uma iniciati- papel do arquiteto, que passa a enxergar os problemas
va de organizações sem fins lucrativos ou instituições urbanos como chances para ação criando intervenções
governamentais que querem testar ideias e promover na escala do bairro, utilizando os recursos locais atra-
mudanças a curto prazo. vés de investigações experimentais (ROSA e SOBRAL,
2012).
Apesar de ter sua nomenclatura estabelecida
na década de 90, no livro “Urbanismo Tático 2” Mike De acordo com Vergara (2013) os projetos de
Lydon revela programas e iniciativas relacionadas as urbanismo tático experimentam ações de curto prazo
propostas de intervenção urbana nos anos de 1914 em para pôr à prova a viabilidade da criação de mudan-
Nova York e em 1950 em Londres. Segundo Lydon, a ças de longo prazo, e para gerar a consciência de que é Figura 32. Urbanismo Tático em São Paulo - Grupo Basurama.png
partir de 2008 o contexto de vida nos Estados Unidos possível melhorar a vida nas cidades. Ao oferecer estes
influenciou o crescimento destas iniciativas, o que fez projetos como prova de possibilidades, as cidades e os
com que o termo Urbanismo Tático viesse à tona. cidadãos parecem ter encontrado uma maneira mais
rápida e inteligente para atrair a intervenção neces-
Mike Lydon (2012) avalia que a grande recessão sária para suas comunidades. Ele destaca três pontos
pós 2008 provocou uma desaceleração no crescimen- importantes do urbanismo tático para as cidades lati-
to norte-americano e influenciou os cidadãos a assu- no-americanas:
mirem o protagonismo e a procurarem concentrar es-
forços em iniciativas menores com mais potencial de 1- O urbanismo tático pode ser entendido como
mudança. Neste momento, muitos jovens americanos um protótipo de curto prazo que pode dotar de infor-
passaram a viver em bairros degradados e passaram a mação necessárias ao planejamento à longo prazo
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 63
Estas intervenções urbanas propõem a combi- forma simples e com poucos recursos, as ações suge-
nação entre ações cotidianas, rápidas e de baixo custo rem usos alternativos e com frequência inesperados,
com planejamento à longo prazo como fórmulas efica- nos quais a participação do usuário funciona na fase
zes para a construção da cidade. Não só como ferra- de concepção, montagem e na fase de teste de uso do
menta de validação no presente das ideias para longo espaço.
prazo, mas também como meios para articulação e
ativação da sociedade sobre temas relevantes que tem Normalmente são criadas intervenções espon-
rebatimento na qualidade dos espaços urbanos. tâneas ou arquiteturas efêmeras, tais iniciativas envol-
vem projetos de agricultura urbana, hortas coletivas,
Tanto por sua simplicidade, como pela agilidade, cinemas a céu aberto, praças, parques, playgrounds,
uma das virtudes do urbanismo tático é sua lógica de espaços de cultura e prática esportiva, salas de leitura,
“aprender fazendo”, estas ações por mais simples que vendedores ambulantes, feiras livres. Com frequência
sejam, incentivam de alguma forma as pessoas a se ativam espaços vazios, permitindo uma leitura da cida-
organizar, tomar decisões e empoderar-se uns aos ou- de que revela o potencial de espaços até então desa-
tros, transformando os cidadãos comuns em agentes e creditados.
vivenciadores ativos do desenvolvimento de seus bair-
ros. Desta forma, o Urbanismo Tático pode ser encara-
do como um instrumento para eliminar barreiras que
impedem as pessoas de desenvolver suas capacidades,
como por exemplo, a desconfiança na classe política,
a falta de envolvimento cidadão, ou os problemas am-
bientais, econômicos e sociais enfrentados no dia-a-dia
(STEFFENS e VERGARA, 2013).
5- COMUNIDADE:
Os pontos destacados por Mike Lydon permitem AS INTERVENÇÕES PROCURAM ESTABELECER O DESENVOLVIMEN-
a avaliação mais precisa das características que devem TO DO CAPITAL SOCIAL, A CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE DE OR-
GANIZAÇÃO E O FORTALECIMENTO DA IDENTIDADE LOCAL.
estar presentes nas intervenções analisadas para que
estas se configurem como novas táticas urbanas. As 6- PROCEDIMENTO:
AS INTERVENÇÕES UTILIZAM A CIDADE COMO LABORATÓRIO DE
possibilidades de participação efetiva nas táticas de EXPERIMENTAÇÃO.
intervenção ficam claras através da sua abordagem de 7- LEGALIDADE:
caráter simples, associado ao contexto local, com obje- AS INTERVENÇÕES TÊM GRAUS VARIADOS DE FORMALIZAÇÃO, PO-
DENDO SER SANCIONADAS, QUANDO APROVADAS POR ALGUMA
tivos realistas realizados numa logística rápida de baixo AUTORIDADE; NÃO SANCIONADAS, QUANDO NÃO SÃO LEGALI-
custo, além disso, uma atenção especial é dada a busca ZADAS OU APROVADAS POR AUTORIDADES E SEMI-SANCIONADAS,
QUANDO ESTÁ ENTRE AS FORMAS NÃO SANCIONADAS E SANCIO-
pelo desenvolvimento do capital social, ponto que afir- NADAS POR NÃO SER RADICAL A PONTO DE SER ILEGAL, MAS TAM-
ma a natureza participativa das intervenções. BÉM NÃO APRESENTAR UMA AUTORIZAÇÃO CLARA.
No Brasil, grande parte das ações de coletivos Na publicação “Ocupe Largo do Batata: como
que realizam o método do Urbanismo Tático estão fo- fazer ocupações regulares no Espaço Público” (GORE-
cadas sobretudo no estímulo ao uso do espaço público CKI; KARPISCHEK; MONTUORI; SOBRAL e VICINI, 2015)
como meio de discussão sobre a cidade e sobre políti- os integrantes afirmam a intenção do coletivo de re-
cas públicas. A cidade de São Paulo é uma das cidades alizar experiências e protótipos para discutir a gestão
brasileiras que reúnem mais coletivos com realizações compartilhada dos espaços públicos, a participação
de intervenções no espaço urbano. Dentre estes gru- permeia toda a ideia da ocupação. Desde o início da
pos, o coletivo “A Batata Precisa de Você” se destaca intervenção já foram realizadas oficinas para a cons-
pela regularidade das ações em um mesmo território e trução de mobiliário, festas juninas, festivais, rodas de
pela forte mobilização da população. conversa dentre outros eventos.
PROCEDIMENTO:
CIDADE COMO LABORATÓRIO
A retomada do Espaço Público trouxe uma visão intervenções urbanas os produtos são de curto prazo, sido experimentadas e tem mais relação com a busca
renovada para a participação. A busca pelo encontro devem ser realizados de maneira rápida e com baixo de uma vivência mais lúdica e intensa entre as pessoas
e pela vivência nos espaços livres de comum acesso custo, logo, não precisam ser detalhados e construí- envolvidas e os lugares escolhidos para a intervenção.
na cidade fizeram com que as pessoas buscassem se dos para serem perenes. As etapas de detalhamento
reunir nestes locais para discutir seus problemas, pre- e construção são substituídas por etapas de prototipa- Para compreender melhor esse processo proje-
cariedades e potencialidades. Para fazer mais, algumas gem e experimentação. Além disso, nem sempre a pro- tual participativo que é realizado a partir de interven-
pessoas decidiram não somente discutir, mas intervir, totipagem é realizada após a aprovação pelos usuários, ções na cidade criamos um diagrama simplificado em
mudar a realidade à curto prazo, mesmo que através como o foco é a avaliação de soluções, muitas vezes a croqui com as etapas de realização da intervenção e os
de intervenções efêmeras, na tentativa de agir em prol prototipagem é uma das primeiras coisas a ser feita, agentes envolvidos.
do coletivo, sem mais esperar por propostas dos órgãos para então ser questionada e continuar a se modificar
planejadores da cidade. visando a melhor configuração para o usuário. É preciso levar em conta que a maioria das ex-
periências realizadas até então revelam intervenções
Esta perspectiva do processo projetual participa- Além da vivência da cidade ser estimulada em que trazem algumas reflexões para o planejamento de
tivo a partir de intervenções realizadas na cidade guar- todo o processo, a troca de conhecimento entre arqui- longo prazo das cidades, mas ainda não foi consolidada
da as mesmas intenções que a participação discutida tetos e usuários também é a base das intervenções de uma metodologia projetual subsequente à intervenção
nos capítulos anteriores, o objetivo continua a ser a urbanismo tático. A iniciativa ganha um peso de gran- que se proponha a resolver de maneira igualmente
troca de conhecimento para a construção coletiva. A de importância por revelar quem foi o grupo de atores inovadora o planejamento de longo prazo.
grande diferença que esse processo soma a experiên- que se inquietou e se preocupou com os problemas ou
cia projetual é a inserção da vivência intensa da cidade, potencialidades de determinado ambiente da cidade.
nestas intervenções o procedimento é utilizar a cidade Existem inúmeros exemplos de intervenção urbana
como laboratório, e sendo assim, todas as fases de pro- que são realizadas pelos usuários sem a presença de
jeto são realizadas em contato com a cidade. um arquiteto.
O Atelier Vivo é um coletivo de design-build (de- do Rural Studio, projeto educativo que foi abordado
sign e construção) que realiza oficinas comprometidas como estudo de caso na primeira parte desse trabalho.
com o ensino do design e da construção como proces- A partir destes contatos uma série de novos projetos
sos complementares. O objetivo do grupo é a troca de foram surgindo, voltados para a criação de programas
conhecimentos entre os arquitetos e os construtores, de design-build no Brasil que acolhessem estudantes
tendo em vista que normalmente o arquiteto realiza estrangeiros. Um desses programas foi o Brazil Studio,
projetos sem ter conhecimento da prática em constru- coordenado pela arquiteta Megan Wash, professora da
ção e o construtor também trabalha sem conhecimen- Universidade de Washington em colaboração com o es-
to sobre os aspectos voltados para o design. A inspi- critório O Norte.
ração para realizar esse trabalho vem da vontade de
conciliar a tensão entre a os conceitos, a expressão e a O programa Brazil Studio durou 4 anos e reali-
experiência artística, com questões pragmáticas como zou o intercâmbio de estudantes estrangeiros que se
o tempo, a logística, as etapas e a gestão. fixaram em uma comunidade em Salvador para realizar
a prática em oficinas de design-build. Algumas dessas
O grupo surgiu de uma iniciativados arquitetos oficinas contaram com a presença de Jack Sanders.
Lula Marcondes e Michael Philips. Em sua trajetória de Infelizmente com a crise em 2008 os projetos foram
formação Lula teve a oportunidade de realizar o mes- perdendo força. Somente em 2014 numa articulação
trado no Texas em 2005, quando passou a conhecer a com Jack Sanders, Lula foi apresentado ao arquiteto
abordagem do design-build, voltada para a ideia do ci- australiano Michael Philips. Michael foi coordenador
clo de construção dos espaços, onde o arquiteto seria durante 3 anos do programa de Design Build na Univer-
responsável por toda a cadeia de construção, desde a sity of South Australia e veio para o Brasil com o intuito
idealização até a materialização do que foi concebido. de participar e realizar oficinas. No período de janeiro
de 2015 até junho de 2016 ele se instalou em Recife e
O estudo do design-build levou a criação de uma juntamente com Lula planejou o coletivo Atelier Vivo.
rede de contatos, e Lula pode conhecer de perto o tra-
balho de Jack Sanders, parceiro de Samuel Mockbee
Figura 42. Atelier Vivo.png
80 PROCESSOS PROJETUAIS PARTICIPATIVOS
ONDE FOI FEITA A INTERVENÇÃO?
Figura 43. Vista de Olinda.png Figura 45. Vista da Igreja da Sé e do pátio tirada da Rua Bispo Coutinho.png
O município de Olinda se localiza a norte do mu- A parte mais alta da colina histórica é conhe-
nicípio de Recife, e faz parte da Região Metropolitana cida como Alto da Sé, uma das regiões mais visitadas
de Recife. De acordo com o Censo Demográfico do do município. A rua principal desta área é a Rua Bispo
IBGE 2010, o município comporta uma população de Coutinho, onde se localizam diversos pontos turísticos
397.268 habitantes num território de 43,55 km². Olin- como a Caixa D’água, patrimônio arquitetônico moder-
da, diferentemente de Recife que tem como caracterís- no concebido por Luiz Nunes e a Igreja da Sé. Ao lado
tica o solo plano, é composta por colinas, aspecto que da rua existe um pátio onde acontecem diversas ativi-
destaca a beleza das construções nos pequenos mon- dades culturais, associadas as lojinhas e barracas que
tes e permite a visualização de um belo recorte do mar. vendem artesanato.
A cidade teve uma grande importância históri- Exatamente abaixo dessa rua existe uma pe-
ca por abrigar os portugueses e holandeses no início quena viela estreita, uma rua de pedestres conhecida
da colonização quando ainda era vila. Este aspecto lhe como Rua Bispo Coutinho de Baixo, foi nela que se deu
rendeu em 1982 o título de Patrimônio da Humanidade a primeira intervenção do grupo Atelier Vivo.
pela Unesco, devido a beleza da composição paisagísti-
ca do casario colonial juntamente com a vegetação dos
quintais.
Figura 44. Localização do município de Olinda.png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 81
VISÃO
Condução:
Apoio:
Produtos:
Figura 51. Caminhada de conhecimento do sítio na oficina design-build.png Figura 50. Discussão das ideias na oficina design-build.png
86 PROCESSOS PROJETUAIS PARTICIPATIVOS
Figura 52. Lugar onde ocorreu a celebração da oficina design-build.png Figura 53. Cinema na celebração da oficina design-build.png
Experimentação:
Figura 57. Ideia para o “Caminho do bosque” na oficina design-build.png Figura 56. Elemento lúdico suspenso no Caminho do Bosque oficina design-build.png
O morador Rafael, lamenta o fato de que as in- Rafael destaca que a participação da população Quanto as reações da população depois da rea-
tervenções, mesmo sendo benévolas e interessantes, em intervenções como essa é algo que para ele depen- lização da intervenção o arquiteto colaborador Natan
ainda tem pouco impacto na modificação de proble- de do sentimento de comunidade e muda de pessoa também percebe disparidades:
mas maiores. Ele avalia que a continuidade da ação é para pessoa. Existem pessoas que tem interesse por
necessária para permitir a continuação do processo cuidar do que é público e estão abertas para esse tipo [...] vê como a gente lida com men-
educativo com a população, para que as pessoas real- de ação, enquanto existem outras que não se interes- talidades bem diversas, teve um
mente voltem seu olhar para a cidade: sam. Rafael dá exemplos do perfil dos vizinhos que senhor que disse, “é, eu acho que a
compõem a Rua Bispo Coutinho: intervenção aqui tem que ser botar
[...] uma ação dessa, obviamente que essa grade, bota grade aqui, bota grade
ação é uma ação benévola, foi feita com [...] lá na rua tem várias pessoas que cui- ali!, resolve o problema, ninguém
pouco recurso, foi feita nas coisas míni- dam do jardim lá na frente da sua casa, na faz xixi, ninguém pixa, ninguém vem
mas, mas tá muito aquém das necessida- rua da gente não passa carro, então vez usar droga aqui, nada, e ai outra
des maiores, foi pouco tempo, porque o por outra a gente tá se mobilizando pra moradora veio, “aah, a gente ado-
grande lance de uma ação dessa é tipo, trocar uma lâmpada, pra dar uma gua- rou a pintura!” Depois a gente fez
educar, fazer com que os moradores en- ribada, só que já tem um outro que bota uma oficina de Mural Studio lá, fez
xerguem através dessa ação. Isso, o pes- metralha, lixo em quantidade na frente de umas pinturas, uns murais na rua,
soal não consegue fazer em uma semana um terreno baldio que tem lá por exem- e aí eles adoraram a iniciativa, pe-
não [...] (PONTUAL, R.) plo. O que se pretendia com o resultado diram que voltassem pra fazer mais
dessa intervenção eu acho que era fazer em outros lugares, então a avalia-
com que as pessoas olhassem melhor pra ção é bem diversa né, tem gente
aquele espaço. Só que tem muita gente que achou que não fez nenhuma
alheia mesmo [...] (PONTUAL, R.) diferença, e teve gente que adorou,
que pediu pra gente voltar a fazer
de novo lá [...] (NIGRO, N.)
O coletivo A Cidade Precisa de Praias surgiu de lúdicos e atividades como shows, debates, exposição
um programa de residência de 15 dias onde dois co- de filmes, dentre outras ações.
letivos se uniram: o coletivo recifense Praias do Capi-
baribe e o coletivo A Cidade Precisa de Você, de São Depois de realizarem diversos eventos mensais
Paulo, que surgiu através da iniciativa A Batata Precisa nas margens do Rio, o coletivo Praias do Capibaribe
de Você. Visando trocar conhecimentos e experiências passou a refletir que mais do que proporcionar even-
sobre intervenções nos espaços públicos, os dois cole- tos e criar novas atividades, seria interessante criar pla-
tivos se reuniram de 20 de abril até 5 de maio de 2015, taformas de encontro para agregar outros coletivos e
passando 8 dias em São Paulo e 7 dias em Recife. Na se- ações que já estavam ocorrendo na cidade, foi aí que
mana sediada em Recife eles realizaram uma interven- o coletivo deixou de realizar eventos mensais para se
ção na comunidade de Santa Luzia seguindo o modelo associar a intervenções com outros grupos que parti-
de outras ações já realizadas pelo Praias do Capibaribe lhassem das mesmas ideias de reflexão em torno do
na cidade. espaço público.
Figura 65. A Cidade Precisa de Praias.png
O Praias do Capibaribe surgiu do projeto “Eu O formato passou a ser então a mistura entre as
quero nadar no Capibaribe, e você?” que revelava o pessoas que vivem nas margens do Rio Capibaribe e
desejo de alguns cidadãos em nadar no Capibaribe as pessoas de coletivos que estavam propondo alguma
e mais tarde passou a englobar a vontade de refletir intervenção, para juntos pensarem todo o evento de
sobre como melhorar a qualidade de vida do cidadão maneira horizontal, sem ser o evento de um ou do ou-
recifense. Nas ações são construídas praias fluviais tro, mas uma ação conjunta. Foi dentro desse padrão
efêmeras à margem do rio, tendo como objetivo pro- que surgiu a associação com o coletivo A Batata Precisa
mover a criação de vivências e resgatar o convívio da de Você para gerar a intervenção na comunidade de
população com o rio. As intervenções partem da ideia Santa Luzia.
de transformação das relações entre as pessoas e o rio
mais do que da mudança do espaço propriamente dito,
o coletivo pretende recriar laços através de elementos
Segundo Amanda Florêncio, arquiteta urbanista Por esta razão a atenção na fase de comunicação
participante da intervenção, havia uma grande expec- precisa ser redobrada, infelizmente na intervenção não
tativa na criação dessa intervenção pois a comunidade houve muito tempo para realizar debates com a popu-
de Santa Luzia é muito valorizada pelas suas potencia- lação sobre a proposta, isso causou um certo incômodo
lidades. É uma comunidade organizada, numa área pri- e desconfiança por parte de alguns moradores, mesmo
vilegiada em relação a cidade e ao Rio, localizada no assim existiram algumas pessoas que se envolveram e
centro da sua extensão, tem uma infraestrutura bem reagiram bem a proposta como conta Amanda:
implantada e uma área de lazer às margens do Rio.
Condução:
Figura 73. Construção da rede feita com nós no mangue em Santa Luzia.png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 103
Produto:
Figura 77. Exposição de vídeos na celebração em Santa Luzia.png Figura 79. Espetáculos de música e dança na celebração em Santa Luzia.png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 105
[...] claro que uma pessoa com conheci-
PARTICIPAÇÃO mento técnico e tal de planejamento pode-
ria dar outros encaminhamentos, mas eu
acho que a pessoa que mora é a que tem
Relação entre os técnicos e a população: mais domínio daquele lugar sabe, num sei
se eu tô sendo meio “anti-arquiteto”, mas
A participação é explorada na intervenção atra- geralmente eu sou mais a favor quando o
vés do processo de mão-na-massa, é possível perceber movimento envolve diferentes classes, di-
que o diagnóstico e a definição do produto foram pré- ferentes profissões, porque no fundo todo
-concebidos pelo grupo de técnicos e artistas que tem mundo é gente, todo mundo tem casa, ou
a ideia de ativar o espaço através do lazer. A estratégia quer ter, ou quer cuidar da sua casa, então
principal do grupo é, portanto, envolver a população a partir do momento que você cuida da ci-
na construção dos elementos da intervenção, para es- dade, desse espaço como sua casa, a coi-
timular que eles mesmos possam imaginar e realizar sa funciona. Agora quando você vem com
outras intervenções futuras. uma hierarquia profissional aí, eu acho
que esse tipo de ação, pra mim é a coisa
Nesse caso, o produto estabelecido não é fruto mais de base assim, mais essencial é não
de um debate com os moradores, ele surge como um ter hierarquia de profissão. Eu entendo o
cenário que pretende fomentar a percepção de que arquiteto como um facilitador, um guia,
a transformação pode ser feita de maneira simples e que detém o conhecimento técnico, mas
rápida pelos próprios moradores. Nesse sentido, o ar- o conhecimento de vivência daquele lugar,
quiteto não está ali para mostrar que ele é mais com- tipo: “eu sei a hora que bate o sol aqui,
petente para fazer a cidade, mas sim pra mostrar que só eu sei que tipo de planta vai sustentar
existem coisas que podem ser feitas por qualquer ci- aqui, porque o sol só bate até meio-dia”.
dadão, porque a responsabilidade com a qualidade de Então esse tipo de vivência, a sutileza, ou
vida é uma questão que deve ser enfrentada por todos. então “eu sei quais são as pessoas que ge-
ralmente rondam esse espaço, eu conheço
Nesse caminho o arquiteto é apenas um facilita- meus vizinhos, eu sei as dificuldades e as
dor, um guia, que detém o conhecimento técnico, mas potencialidades deles”, então o planejador
não é a arquitetura ou o objeto urbano o elemento es- e o arquiteto num tem esse conhecimento
sencial da proposta. Segundo Amanda: [...] (FLORÊNCIO, A.)
Santa Luzia é uma das áreas de intervenção Até o momento o projeto do Parque Capibaribe
do projeto Parque Capibaribe que é uma parceira da tem criado intervenções como cenários de teste incen-
Universidade Federal de Pernambuco com a Prefeitu- tivando o diálogo com a população e a criação de um
ra do Recife que pretende criar um parque linear nas engajamento entorno da realização e da fiscalização
margens do Rio Capibaribe a ser inaugurado na come- das obras do projeto. Infelizmente, embora os técnicos
moração dos 500 anos da cidade do Recife, em 2037. e a população tenham o interesse de quebrar a rigidez
Inicialmente a comunidade era uma das cotadas para dos processos de execução da prefeitura, ainda existe
receber a primeira construção do projeto, mas essa uma certa resistência por parte dos órgãos que dificul-
decisão foi modificada. Amanda destaca a necessidade ta a participação cidadã.
de realizar conversas com a população para definir o
diagnóstico da área e o programa de necessidades mais
específico se o projeto for compreender a comunidade:
Infelizmente, não existe uma fórmula para se Além de provocar o encontro e a afetividade en-
chegar a sentimento de comunidade, inúmeras vezes a tre as pessoas, a intervenção proporciona um impacto
semente plantada nas intervenções não tem a força ne- rápido que possibilitam a criação de uma memória que
cessária para mudar a realidade imediata. O que acon- se agrega a vivência das pessoas:
tece normalmente é que a vivência é guardada pelos
poucos que a experimentaram e aos olhos dos outros a
análise da ação se faz considerando a estética dos pro-
Eu já fui em Santa Luzia depois, e como
dutos, sem levar em conta as trocas entre as pessoas.
é interessante você ir num dia que não
Sobre isso, André fala sobre outras intervenções com a
tá tendo intervenção “eita ó, num funcio-
mesma proposta que são consideradas de baixa qua-
na nada, no lugar que teve a intervenção
lidade por serem avaliadas segundo seus resultados
hoje é só um gramado ou então quando
plásticos:
chove a terra fica mais ativa” e perceber o
potencial de fazer uma coisinha assim, um
E é difícil encarar enquanto processo, por-
estalo e mudar aquela área, então eu acho
que muitas vezes estamos acostumados a
que a intervenção ela tem esse papel de
trabalhar com produtos. A gente fez três
transformar espaços de maneira rápida,
workshops aqui e as pessoas que cos-
efêmera e bum! De repente, muda a re-
tumam trabalhar com projeto de arqui-
alidade dali. O que pode ser a mais, pode
tetura, de paisagismo, acharam que foi
ser muita coisa, plantar essa semente da
péssimo, acharam ruim, só que num era o
criação de novos espaços de acordo com a
projeto, era conseguir misturar pessoas e
necessidade deles, hoje tá parado, porque
as pessoas estarem realmente envolvidas
eles não sentiram necessidade, mas se
com afetividade, tanto que agora aca-
amanhã tiver uma festa de carnaval pode
bou os eventos, e a galera tá marcando,
ser que eles ocupem aquele lugar, porque
a galera da França da vindo, a galera de
eles já criaram na história de lugar deles
Natal tá vindo, pra semana que vem, che-
que aquele lugar pode ter um evento, en-
gam segunda-feira pra terminar de pintar
Figura 85. Uso do banco na praia de Santa Luzia.png tão isso ai, possibilitar esse tipo de visão
o prédio lá atrás, sem ter dinheiro sem
desse lugar diferente, isso é interessante
nada, que a gente não tem material, não
[...] (FLORÊNCIO, A.)
tem mais nada [...] (MORAES, A.)
A ideia para criar a horta surgiu pela iniciativa Como o desejo de intervir tem como base a me-
uma moradora do bairro, Isabelle Santos (estudante de lhoria de um espaço em desuso, vê se a preocupação
museologia de 25 anos), que encantada com os exem- com a cidade em primeiro lugar, o sentido de respon-
Figura 94. Área abandonada antes da realização da Horta Souto Maior.png plos de agricultura urbana em São Paulo, Rio de Janeiro sabilidade com a melhoria de vida para a comunidade
e Brasília enxergou a possibilidade de criar uma horta é forte ao ponto dos participantes enxergarem a pos-
na frente do edifício onde mora, numa área abando- sibilidade de converter a intervenção em um modo de
nada. Para encontrar outras pessoas com o mesmo subsistência e geração de renda para quem precisa.
interesse Isabelle colocou a ideia nas redes sociais do Considerando a classificação de Yanki Lee podemos
Grupo Casa Amarela Saudável e Sustentável, e dessa constatar que a intervenção urbana da horta comuni-
maneira o grupo cresceu e se fortaleceu, iniciando a tária tem como objetivo a motivação, visto que ela é re-
intervenção. alizada pelos usuários do local que incentivam a partici-
pação de todos para a melhoria do espaço em comum.
O objetivo da ação é a transformação de um
espaço abandonado em uma horta-praça, um espaço O objetivo para longo prazo é a criação de um
de lazer para o encontro entre pessoas que é ao mes- espaço de lazer educativo, onde as pessoas possam
mo tempo local de cultivo mantido pelos moradores. aprender sobre as plantas e os alimentos cultivados,
O participante George Camilo, que se desloca de Sítio através de palestras e oficinas sobre agricultura urba-
dos Pintos para ajudar nos mutirões de Casa Amarela, na, bio-cosméticos e possíveis usos que podem ser fei-
destaca o desejo de converter a horta num espaço que tos a partir da plantação. A este respeito George coloca
gera conhecimento e sustento para aqueles que não a importância de atingir as crianças e os adolescentes,
tem uma boa condição financeira: fazendo com que elas tenham contato com a horta,
duas à três vezes por semana através de oficinas, assim
[...] a gente tem uma geladoteca agora, elas podem ir crescendo e aprendendo, criando afini-
as pessoas podem vir pegar um livro, levar dade e cuidado com o espaço.
pra casa, ler, botar outros livros. A gente
também pretende depois, fazer pequenos
lotes de alimentos, para famílias do bair-
ro que tem baixa renda poderem utilizar,
plantar, vender, consumir e gerar renda
pra eles mesmos [...] (CAMILO, G.)
Figura 95. “Geladoteca” ou biblioteca em geladeira na horta .png
116 PROCESSOS PROJETUAIS PARTICIPATIVOS
CONTEXTO
A maioria dos participantes são pessoas entre 25 Este mesmo comentário foi feito por George, muito forte, aos poucos as pessoas vão despertando,
e 30 anos moradores da área, mas também existe um que aponta a desconfiança como um dos obstáculos a na entrevista ela comentou a ação de pessoas que tem
pequeno número de pessoas de outros bairros que se participação da população: começado a buscar maneiras de fortalecer a vivência
somaram ao grupo e participam das ações. na horta:
[...] sempre que tem um trabalho de horta
[...] tem uma escola que vai participar, tra-
De acordo com Isabelle a quantidade de envol- tem uma desconfiança, a comunidade não
zer os alunos pra aula de horti-fruti, uma
vidos no primeiro encontro para a criação da primeira acredita que alguém vai plantar, “Ah, eles
matéria que tem na escola. Ai tão orga-
horta foi cerca de 60 participantes, atualmente a cada vão me dar hortaliças”, ninguém acredita
nizando pra trazer os alunos pra horta
encontro mensal cerca de 30 pessoas comparecem ao nisso, “Ah, eles vão moldar aquele terre-
pra participar. Então assim, aos poucos a
mutirão, mas há muito para ser feito, e uma adesão no baldio da minha casa, que eu sempre
comunidade vai participando, é meio de-
maior dos moradores é essencial para o grupo. Infe- vi, ninguém acredita que a mudança vai
morado, mas aos poucos tá tendo mais
lizmente, todos os participantes entrevistados mostra- acontecer. Aí falta um engajamento da po-
consciência de preservar a natureza [...]
ram uma preocupação com a existência de uma par- pulação realmente, imagina se todo mun-
(GUEDES, B.)
ticipação mais efetiva da população de moradores na do que morasse num círculo de 5 km vies-
criação e na manutenção das hortas. se. Era potencializado 10 mil vezes. Falta
o engajamento realmente da população,
Segundo Isabelle, muitas pessoas usufruem do porque a gente tem um grupo grande?!
espaço criado pelo grupo, mas não participam ativa- Tem! Mas a gente quer a coisa horizontal,
mente da realização dos mutirões. Ela afirma que não é pra todos, falta as pessoas entenderem,
existe um sentimento de coletividade por parte da abraçarem a ideia de que isso aqui é pra
maioria dos moradores, muitos deles não veem razões todos, não é pra alguns. Eu acho que vai
para a melhorar um espaço abandonado ou para culti- muito da questão cultural também, da
var alimentos que podem ser utilizados por todos: gente, de sempre desconfiar [...] (CAMILO,
G.)
[...] uma das coisas que o pessoal pergun-
tava “Ah, a gente vai plantar pras pessoas Mesmo com o individualismo e com a descon-
colherem?”, é justamente essas coisas a fiança, o grupo continua a realizar a intervenção. Para
gente tem que desconstruir na gente, esse a artista plástica Betânia Guedes, a continuação da
egoísmo, de que a gente tem que fazer só intervenção é necessária ao estímulo da participação,
pra gente, a gente não faz só pra gente, tá as pessoas vão aos poucos aderindo e se somando ao
fazendo, até pra quem não quer [...] (SAN- grupo a partir da consolidação da experiência. Ela diz
TOS, I.) que apesar da participação da comunidade não ser
Figura 96. Criação de placas de sinalização na Horta Souto Maior.png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 117
PROCEDIMENTO
Planejamento:
A realização da intervenção é acompanhada por pessoa se utiliza dos seus conhecimentos para prestar
uma fase de planejamento realizada via redes sociais algum serviço na horta:
e através de aplicativos para mandar mensagens em
grupo. O planejamento é focado no mínimo, o grupo
[...] fizeram uma topografia, teve um to-
acorda quando será o encontro, quais as ferramentas
pógrafo que também mapeou, pronto é
necessárias, a divisão de equipes para fazer o mutirão
assim, cada um ajuda no que pode [...]
e no dia de intervenção que a maioria das decisões são
(GUEDES, B.)
tomadas. Segundo Isabelle, existe um esforço do grupo
em procurar realizar o mínimo de planejamento, para
que as ideias não fiquem muito definidas no papel e Com relação ao planejamento de longo prazo
depois sejam difíceis de serem concretizadas. para a intervenção segundo a participante Betânia as
Figura 98. Foto dos bancos doados pelo INCITI na Horta Souto Maior.png
pessoas se dividem em grupos que realizam as ativida-
É possível perceber a importância das redes so- des de “mão-na-massa” na horta e as pessoas que se
ciais para a articulação e a divulgação deste tipo de engajam em resolver questões burocráticas de reivindi-
intervenção. Como afirmou Mike Lydon, a presença cação à prefeitura.
destes meios fez com que as ações estejam a mão de
qualquer pessoa que tem a possibilidade de pesquisar Apoio:
referências e testar experiências em seu bairro.
A intervenção conta com colaborações e apoio
Condução: de alguns grupos, como por exemplo, a Pastoral da
Saúde e o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA)
A condução do processo vem sendo realizada de que já cedeu adubo e a Empresa de Manutenção e Lim-
maneira horizontal, sem hierarquias, todos os partici- peza Urbana (EMLURB) que disponibilizou material de
pantes colaboram com as decisões e podem contribuir compostagem para o plantio. O laboratório INCITI de
como puderem para as realizar as atividades. Conside- Pesquisa e Inovação para as Cidades da Universidade
Figura 97. Prototipagem de mobiliário na Horta Souto Maior.png rando esse aspecto, é possível entender que cada pes- Federal de Pernambuco – UFPE ajudou a intervenção
soa participante se sente parte essencial da horta, de doando diversos bancos que foram criados numa ofici-
certa maneira eles enxergam que a horta é um refle- na de intervenção urbana no centro do Recife.
xo de suas ações, a moradora Betânia coloca que cada
118 PROCESSOS PROJETUAIS PARTICIPATIVOS
Diagnóstico e concepção Mutirão:
O diagnóstico e a concepção das soluções são Na data do mutirão a ação é realizada ao longo
realizados coletivamente no dia da intervenção através de todo o dia, a construção da horta se faz em contato
da conversa e do debate entre os participantes, a me- com o terreno, as pessoas levam as mudas e as ferra-
todologia utilizada é principalmente a prática do muti- mentas e definem como será o divido o trabalho. No
rão autogerido. Assim que se decide o que e como será horário do almoço há uma pausa, em que todos podem
feito, se passa para a fase de mão-na-massa com a lim- conversar e descansar para depois voltar ao trabalho,
peza do terreno, o plantio e a prototipagem de cantei- no fim do dia as pessoas também se reúnem para a
ros, bancos, placas de sinalização, bicicletário, lixeiras, etapa de experimentação, para desfrutar do encontro
dentre outros equipamentos. e falar sobre o trabalho realizado e sobre o que ain-
da deve ser feito. Na primeira horta a continuidade da
A realização da intervenção pelos próprios mora- ação está definida, os mutirões ocorrem em cada pri-
dores faz com que as transformações realizadas sejam meiro sábado do mês. Na segunda horta a definição da
sentidas pelos próprios agentes da ação no cotidiano, continuidade ainda não foi consolidada.
isto fortalece a ideia de que é possível sim melhorar a
cidade através de pequenas ações mesmo sem ter uma
formação associada a criação de espaços.
Experimentação:
Relação entre os técnicos e a população: Infelizmente, os técnicos que têm investido na ção não estão inseridos na vivência e na experimenta-
proposição de projetos para longo prazo, não se debru- ção cotidiana do fazer a horta.
A participação na intervenção é pautada na co- çam mais intensamente sobre a reflexão em torno das
laboração entre a população, a intervenção conta com ações imediatas, de certa maneira, o que se faz hoje Esta atuação afeta o processo e o produtos das
a presença dos usuários em todas as suas etapas.Isa- na horta é pensado por um grupo da população e o intervenções, visto que os técnicos poderiam trocar
belle chama atenção para a diferença no processo de projeto de futuro é concebido pelos técnicos em conta- conhecimentos com os usuários para construir um es-
construção da praça que leva as pessoas a terem uma to com a população. Isso demonstra uma postura mais paço de maior qualidade urbanística e paisagística, ao
relação de afeto com a horta: aberta da população, disposta a construir a horta no mesmo tempo que os arquitetos teriam a possibilidade
presente e discutir sua realização no futuro e uma pos- de aprender com os usuários sobre as qualidades fun-
tura um pouco mais fechada dos técnicos, que apesar cionais essenciais a vida cotidiana.
[...] você vê ai várias praças abandonadas
porque são espaços em que os moradores de se engajarem no debate participativo com a popula-
não foram ouvidos, pra saber o que eles
queriam e simplesmente criaram aque-
les bancos de cimento, botaram aquelas
coisas bem mecânicas, que as pessoas só
tão ali, passeando com o cachorro e tal,
acabou, não fazem mais nada ali. E esse
outro modelo, você se envolve muito mais
assim sabe, emocionalmente com o espa-
ço, então você vai cuida muito mais, você
não vai deixar que ninguém também faça
nada pra destruir [...] (SANTOS, I.)
Figura 102. Exposição do projeto Horta Souto Maior por Luciana Raposo e equipe.png
LUÍSA ACIOLI DOS SANTOS 121
Relação com a prefeitura:
De maneira geral a intenção principal das inter- desenvolvimento do arquiteto. Enquanto a Intervenção neza de 2016. O projeto foi uma iniciativa da Fundação
venções é levantar o debate sobre a cidade. Segundo a em Santa Luzia teve como objetivo a criação de uma Vale e do Ministério das Cidades para apoiar a auto-
pesquisadora Águas (2012) a relação entre participação relação de afeto e identificação entre os moradores e gestão na construção de 500 moradias populares em
e cidadania é o que motiva estas ações. O objetivo além a margem do Rio Capibaribe, estando mais relaciona- Parauapebas no Pará.
de gerar soluções é provocar e envolver a população da com as pessoas. Por último a Intervenção em Casa
em torno de reflexões acerca da tomada de decisões Amarela tinha como eixo a ativação de um espaço No projeto Selo de Qualidade MCMV os usuários
de planejamento. Estas intervenções são conceituadas abandonado, estando mais centrada no espaço públi- participaram de oficinas para compor as decisões em
pelo urbanista e político Jaime Lerner como acupun- co. Estas abordagens diferenciadas provocaram esco- três escalas: do bairro, das quadras e da moradia. Gru-
turas urbanas, segundo ele, as agulhadas, ou ações lhas de distintos métodos de ação, o que revela a na- pos de 50 pessoas utilizaram ferramentas como ma-
locais podem gerar boas energias, fazendo as pessoas tureza variada de ações aparentemente semelhantes. quetes para definir a melhor conformação urbana com
entenderem e planejarem sua própria cidade. Sob esse os elementos essenciais para a qualidade da ocupação.
aspecto, a transformação de pequenos espaços viram Embora as intervenções estejam quase sempre As simulações geraram desenhos que servirão de ins-
uma plataforma para falar de diversas coisas, como: relacionadas à projetos de espaços públicos, o proces- piração e guia para os técnicos elaborarem a proposta
meio ambiente, saúde, sustentabilidade, lazer, acesso so participativo que elas propõem podem ser utilizados detalhada. Esse tipo de dinâmica também é utilizada
a arte, afetividade, sociabilidade, respeito, responsabi- em diversas situações de projeto onde a participação pelo grupo USINA para a configuração de oficinas parti-
lidade cidadã, organização comunitária, dentre muitos dos usuários na construção da solução é essencial, em cipativas com os futuros moradores dos edifícios habi-
outros assuntos. projetos de escolas, de hospitais e edifícios habitacio- tacionais. O interessante neste aspecto é perceber que
nais, por exemplo. O potencial da metodologia está as ferramentas descobertas através do panorama histó-
Nas intervenções não é diferente, uma série de principalmente na prototipagem que num sentido mais rico e da análise das intervenções podem servir como
temas são abordados embora cada intervenção tenha amplo é a prática de criar simulações de cenários de base para a realização de experimentos em diferentes
um foco principal que acaba por influenciar a escolha intervenção que podem compreendidos de maneira escalas de trabalho, o que confirma a relevância em es-
de condução do processo e as metodologias aplicadas. mais efetiva pela população para gerar debates e re- tudar intervenções de menor escala que sintetizam e
A intervenção do Alto da Sé, por exemplo, teve como flexões sobre a solução. Esta abordagem que foi utiliza- geram reflexões sobre processos mais complexos.
foco a realização de um processo educativo para estu- da nas três intervenções em análise foi explorada por
dantes de arquitetura que procuraram resolver proble- exemplo, no projeto Selo de Qualidade do Minha Casa
mas reais da população, estando mais voltada para o Minha Vida, projeto brasileiro exposto na Bienal de Ve-
O conhecimento do contexto é um dos fatores ação do grupo Atelier Vivo, que desde o início mostrou
de maior relevância no desenvolvimento de interven- a preocupação em realizar a ação em um lugar que
ções participativas. Pois para alcançar os objetivos de fosse bem conhecido pelos técnicos. Um dos aspectos
educação, conscientização e reflexão as ações precisam colocados pelos arquitetos do grupo foi o comprometi-
de um alto grau de envolvimento dos participantes. A mento. Em ações participativas a população espera por
partir da análise das três intervenções foi possível cons- resultados de impacto, por isso é fundamental o empe-
tatar que as intervenções que são de iniciativa da pró- nho na busca pela melhor solução. Para somar esforços
pria população ou que são iniciadas por técnicos que em busca da melhoria da qualidade de vida os técnicos
conhecem bem a comunidade são aquelas em que podem procurar a colaboração com a população atra-
normalmente há um maior engajamento da população vés de associações de bairros, lideranças comunitárias,
para participar e contribuir com a proposta. Esse envol- organizações não governamentais, dentre outros gru-
vimento tem relação com o sentimento de comunida- pos com pessoas interessadas em desenvolver experi-
de que leva as pessoas a investirem nas intervenções ências nesse sentido.
como forma de doar um pouco do seu tempo e aten-
ção para a cidade. Uma intervenção de exemplo que mostra como
o projeto pode evoluir com a ajuda dos moradores foi
A intervenção Praia de Santa Luzia foi a ação que a experiência Vila Flores, que também compõe o Pavi-
revelou a necessidade de refletir com mais atenção so- lhão brasileiro na Bienal de Veneza de 2016. O projeto
bre o contexto. Ao final da ação os próprios técnicos realizado pelo grupo Goma Oficina Plataforma Cola-
avaliaram que a falta de uma relação mais intensa entre borativa trata-se de uma requalificação de edifícios de
técnicos e moradores prejudicou o diagnóstico do pro- uso industrial como um centro cultural com estabeleci-
blema. Sendo assim, é preciso ter cuidado para que o mentos comerciais e de serviço. O escritório chegou a
entusiasmo e a vontade de ativar determinado espaço um impasse quando se deparou com o fato de que não
não se sobreponha a fase de conformação de uma rede havia recurso financeiro para realizar o restauro e a re-
de contatos bem consolidada com os moradores do adequação dos edifícios. Os arquitetos tiveram a ideia
lugar. Quando a população não é sensibilizada muitas de realizar eventos para captar renda e investir aos
vezes as soluções tem mais relação com ideias pré-con- poucos nas melhorias dos ambientes. O processo con-
cebidas de técnicos do que com as reais necessidades tou com debates com os vizinhos para o entendimento
da comunidade, interferindo na qualidade do produto de como eles interpretavam o espaço e quais eram as
e do processo participativo. necessidades e aos poucos com o aluguel de algumas
salas, os inquilinos passaram a ter a possibilidade de
Sobre isso podemos destacar positivamente a discutir o que eles precisavam e suas preferências para
Condução do processo:
Esta escolha da condução do processo, como já Portanto, a definição de como será feita a con-
foi dito, está integrada ao objetivo da ação e ao grupo dução interfere no tipo de participação dos usuários e
que tomou a iniciativa. Das três intervenções aquela também tem efeitos na construção dos produtos, sen-
que contou com um processo mais definido foi a rea- do necessário avaliar qual o direcionamento mais ade-
lizada pelo grupo Atelier Vivo, que por ter como obje- quado para cada situação. De um modo geral é possível
tivo a realização de um processo educativo através da perceber que cada fase ou aspecto da intervenção está
vivência de problemas reais necessitava de uma gestão relacionado com outros elementos e provoca mudan-
do tempo mais delimitada pelos técnicos que condu- ças sobretudo no processo de participação. Por esta
ziam as etapas. Este aspecto provocou uma diferença razão é relevante lembrar que como Yanki Lee (2006)
na interação dos usuários com a intervenção, de modo deixa claro através dos seus estudos, a participação é
que nesta ação a participação dos usuários ficou mais um conceito muito abrangente que depende da cultura
localizada na fase de diagnóstico. Em contrapartida, a onde está inserida e que pode ser explorada de diver-
intervenção da Praia de Santa Luzia, que também con- sas maneiras, com metodologias mais abertas a partici-
tava com arquitetos, tinha seu diagnóstico e objetivo pação e outras mais fechadas.
previamente definidos, fazendo com que a participa-
ção dos usuários ficasse mais restrita ao processo de
mão-na-massa. Com relação a construção das Hortas
Comunitárias de Casa Amarela percebe-se uma organi-
zação horizontal baseada na divisão de tarefas de acor-
do com o interesse de cada participante onde todas as
etapas são realizadas pelos usuários.
Na fase de diagnóstico de problemas e potencia- talece a característica aberta e transparente necessária olhar sensível do arquiteto voltado para a observação
lidades a colaboração entre os usuários e os técnicos ao processo projetual participativo, característica essa das pessoas nos espaços. É importante ter em mente
permite a conformação de um cenário mais completo, que muitas vezes não é do interesse dos técnicos ou que a participação dos usuários não deve substituir a
onde são colocadas as avaliações cotidianas dos mo- dos órgãos públicos responsáveis pelo planejamento, investigação treinada do arquiteto, pois existem suti-
radores juntamente com os conhecimentos específicos que preferem realizar os projetos de acordo com pro- lezas que só o usuário vai saber assim como existem
referentes a diversos campos profissionais. Quanto as cedimentos e prazos padrões, de maneira mais contro- aquelas que serão percebidas pelo arquiteto. Foi essa
ferramentas, uma série de dinâmicas e instrumentos lada sem interferências. visão do especialista que garantiu por exemplo a reali-
podem ser utilizados para estimular a criação de aná- zação do banquinho perto da escadaria na intervenção
lises e diagnósticos pelos usuários. Alguns desses ins- Para aqueles que tem o diagnóstico pré-defini- do Atelier Vivo, os arquitetos perceberam que aquele
trumentos estão presentes nas práticas estudadas no do, a abordagem pode levar a concepção de soluções e era um ponto de encontro e conversa que poderia ser
panorama histórico, como por exemplo: a criação de a criação de simulações de transformação para depois mais confortável, eles potencializaram um espaço que
um mapeamento das sensações dos usuários durante o através da experimentação revelar uma análise pós-in- para os usuários já estava resolvido.
percurso pelo sítio, a elaboração de desenhos pelo usu- tervenção mais completa. Este modelo foi utilizado na
ário que representem os problemas e potencialidades intervenção em Santa Luzia, existe um diagnóstico ini- A relevância dos conhecimentos do arquiteto
de cada lugar, a utilização de questionários, a criação cial e uma avaliação pós-intervenção que pode gerar também pôde ser sentida na fase de concepção das
de narrativas do cotidiano pelos usuários ou a elabo- novas propostas. propostas. No caso do Atelier Vivo houve uma preocu-
ração de imagens e maquetes com possíveis cenários pação no sentido de criar soluções funcionais, mas com
futuros para levantar debates. As possibilidades para a inserção do usuário no um caráter estético diferenciado. Isso mostra que o in-
diagnóstico já foram objeto de investigação de grupos vestimento no processo não anula a investigação do
Nas Hortas Comunitárias de Casa Amarela, por de realizam intervenções participativas. O escritório produto. Pois a componente estética também comuni-
exemplo, foi possível constatar a presença de biólogos australiano Co-design Studio elaborou uma cartilha de ca e estimula a apropriação dos usuários. De certa ma-
que contribuem ensinando a população aspectos refe- ferramentas conhecida como “Rapid Urban Revitalisa- neira estamos acostumados a considerar que em pro-
rentes ao cultivo. Na Intervenção do Alto da Sé, o diag- tion” que contém métodos, materiais e atividades que jetos participativos a função ganha maior importância
nóstico foi realizado através da proximidade com a área podem ser feitas visando a criação de intervenções ur- e a forma acaba por ter segundo plano, mas a postura
por meio de caminhadas, de conversas com moradores banas. A pesquisadora Águas (2012) também descre- de alguns arquitetos mostra que é possível explorar a
e posteriormente os debates e diálogos surgiram a par- ve algumas abordagens no campo do design voltadas inovação formal em processos projetuais participati-
tir de algumas proposições. para o design centrado no usuário, como por exemplo vos, como por exemplo a atuação do grupo USINA e do
a desenvolvida por Tim Brown e pela empresa IDEO, escritório Elemental em diversos projetos de habitação
É importante salientar que é mais interessante chamada Design Thinking, onde são realizadas ativi- de interesse social.
que os produtos não sejam previamente definidos. dades focadas na criação de perguntas, observações,
Como coloca Freire (2005) a método participativo dia- pesquisas e prototipagem para formular produtos mais
lógico parte da conformação coletiva desde a elabora- eficientes para os usuários.
ção do objetivo da intervenção, levantando os desejos
e intenções dos indivíduos com clareza para criar uma Além da demanda direta ao usuário, outro as-
síntese do que será a meta do grupo. Este princípio for- pecto relevante a ser colocado é a necessidade do
A prototipagem de soluções tem como foco a ções participativas na cidade mostram que é possível
criação de um cenário de intervenção. Esta simulação a criação coletiva de soluções rápidas e de baixo custo
pode ser imagens e montagens, maquetes, vídeos com que permitem se aproximar da melhor configuração
modelos eletrônicos ou intervenções físicas com ele- paulatinamente. É curioso perceber que esse proces-
mentos como: bancos, lixeiras, jardins, abrigos, pon- so de concepção e construção é mais seguro e enxerga
tos de iluminação, ou seja, pequenos elementos que no fracasso a possibilidade de evolução das propostas,
podem provocar a visualização de possíveis melhorias ele permite a investigação de alternativas mais ousadas
para um lugar. De acordo com Freire (2010) o protótipo ou inusitadas sem a ameaça de perda do investimento.
rápido permite que as ideias sejam postas a prova pe- Além disso, as experimentações fazem com que o usu-
los usuários saindo do campo abstrato, dando lugar a ário passe por um processo de contato co m o produto,
um processo de aprendizagem e comunicação contínu- onde aos poucos o lugar vai sendo apropriado, passan-
os. A experimentação e a avaliação possibilitam a con- do a fazer parte das suas histórias pessoais.
figuração de uma proposta de longo prazo para o local.
Os processos projetuais participativos geram uma cidade, o que é que tá envolvido nisso, o
como impacto a motivação para a criação de um sen- que deve ser pensado, como pessoas produ-
timento de comunidade e para a educação voltada à toras de cidade, não como pessoas passivas
cidadania. Esse objetivo é perseguido através da cons- e reféns de um conhecimento técnico isola-
trução de células de colaboração vinculadas as carac- do, partido [...] (SELO DE QUALIDADE MCMV,
terísticas de cada lugar, para que as pessoas se iden- 2016)
tifiquem e tenham o desejo de melhorar as condições
de moradia dos seus bairros. A efetivação da intenção
dos grupos de moradores e técnicos só é consolidada
quando há envolvimento da população com a propos- Nas intervenções mesmo que os produtos sejam
ta. Em alguns casos é possível perceber que a interven- efêmeros aquela vivência marca uma memória. Nas
ção deixou de fato alguma semente de transformação, três intervenções ficou clara a importância do processo
como por exemplo no cinema da Rua Bispo Coutinho de realização, que gera encontros, gera conhecimentos,
ou na intervenção das hortas de Casa Amarela que irá gera reflexão, identificação de realidades e possibilida-
completar um ano de atividade. des. A Praia de Santa Luzia mesmo tendo seus produ-
tos destruídos ao final da intervenção deixou sementes
Através da análise ficou claro que os ganhos da nas crianças, a memória de um dia de lazer e a certeza
realização de intervenções participativas na cidade não de que aquele espaço guarda um enorme potencial.
estão nos produtos, que são efêmeros e frágeis, mas A doutora em arquitetura De’ Carli (2014) afirma que
estão sobretudo na vivência dos processos. O depoi- estes experimentos urbanos, temporais, emergentes e
mento da arquiteta Rosane Biasotto no vídeo Selo de táticos, podem promover a justiça social e o encontro,
Qualidade MCMV (2016) da Bienal de Veneza 2016 sin- incubando sonhos que passam a ser coletivos e forta-
tetiza as razões para investir nesses processos de diálo- lecem a luta por uma cidade mais inclusiva e comum a
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