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‫ – בית מדרש חופשי‬Beit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 6

Mulher

O sexto capítulo, do primeiro livro, é um dos mais curtos do Guia. E capítulos


curtos nesta obra, são os mais complexos. Este em particular, deve ser
considerado com vários outros capítulos, não apenas de modo isolado. Além
disso, trata-se de um bom exemplo, das elevadas exigências que o Rambam
impunha a seus discípulos.
Este também é um capítulo léxico.

‫ איש‬ISH e ‫ אשה‬ISHÁ (homem e mulher)


Um termo ambíguo

1. O ser humano, masculino ou feminino, tal qual a distinção entre macho e


fêmea, dentre animais. O Rambam dispensa texto comprobatório para
isso.

2. O conceito de macho e fêmea, no reino animal.


3. “Mulher” em particular, é definição daquilo que está preparado para
“receber” algo. Princípio da receptividade. O Rambam, intencionalmente,
não apresenta o outro polo, desta mesma concepção, deixando-a
implícita.

‫ אח‬ÁH e ‫ אחות‬AHOT (irmão e irmã)


Similarmente tratado como ambíguos, em sentido figurado, tal como ISH e
ISHÁ.

Ocorrências da Definição 2 – contextualizada


‫ּומן־הַ ְּבהֵ ֡ ָמה ֠אֲ ֶׁשר ֣ל ֹא‬
ִ ‫ח־לָך֛ ִׁש ְב ָ ֥עה ִׁש ְב ָ ֖עה ִ ֣איׁש ו ְִא ְׁשּת֑ ֹו‬
ְ ‫הֹורה ִ ּֽת ַּק‬ ֗ ָ ‫ִמ ֣ ֹּכל ׀ הַ ְּבהֵ ָ ֣מה הַ ְּט‬
‫ְטהֹ ָ ֥רה ִ ֛הוא ְׁשנַ ֖יִם ִ ֥איׁש ו ְִא ְׁשּתֽ ֹו׃‬

De todos os animais puros, você deve levar sete pares ish veIshtô, e
dos animais impuros, um par ish veIshtô

Bereshit 7: 2
Este verso, do relato da Arca de Noah, diz literalmente “o homem e sua
mulher”, e não “o macho e a fêmea”; demonstrando assim, que os termos
foram estendidos, para aplicarem-se aos animais. No próximo capítulo, o
Rambam reflete e compartilha suas impressões, sobre a distinção que
considerava existir, entre pessoas e animais; portanto, tal apresentação é
apropriada para preparar para tal reflexão. Neste capítulo em especial, seu
interesse está apenas na última acepção do termo.
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Ocorrências da Definição 3 – contextualizada


‫חֲ ֵ ֣מׁש הַ י ְִריעֹ֗ ת ִ ּֽת ְה ֶ֙י ֙ין ָ חֹֽ ְב ֹ֔רת ִא ָ ּׁ֖שה אֶ ל־אֲ חֹ ָ ֑תּה וְחָ ֵ ֤מׁש י ְִריעֹ ת֙ חֹֽ ְב ֹ֔רת ִא ָ ּׁ֖שה אֶ ל־אֲ חֹ ָ ֽתּה׃‬

Cinco cortinas serão unidas umas às outras Ishá êl Ahotá, e as


outras cinco cortinas também, Ishá êl Ahotá.

Shemot 26: 3
Rashi, ao comentar este verso diz: “uma a outra – mas, literalmente está dito:
uma mulher e sua irmã. Pois é costume [linguístico] na Escritura, falar deste
modo, sobre um substantivo feminino. E sobre um substantivo masculino, isto
é, ‘um homem e seu irmão’ é dito sobre os heruvim {Shemot 25: 20}”.
Deste modo, Rashi raciocina de modo distinto, em comparação com o
Rambam. Rashi quer que saibamos que, a regra de se chamar um “par” de
“uma mulher e sua irmã”, não possui nenhuma particularidade feminina; pois
para “pares” também se usa expressões masculinas, “um homem e seu irmão”.
Já o Rambam, não está interessado nisso; algo que acaba por, de certo modo,
contradizer o comentário de Friedlander [nota 4]. Sabemos disto, porque ele
volta a lidar com a frase “uma mulher e sua irmã”, ao analisar Ieheskel 1: 9 e 23
(concernente aos pares de asas dos seres na visão de Ieheskel), ao invés de ir,
para a referência dada pelo Rashi, em Shemot 25: 20; a qual, o Rambam
sequer menciona no Guia.
Ele se abstém; portanto, e propositalmente da versão masculina do conceito.
Deixa claro apenas que, receptividade é um conceito de feminilidade. E ele
volta a este conceito, no Guia, livro 1 capítulo 28.

A PROSTITUTA CASADA OU A MULHER VALIOSA?


A problemática maior deste capítulo, está na terceira definição. O problema é
que, o princípio feminino de receptividade, em si mesmo, é inclinado a
mitologização.
Kafih [em sua nota de rodapé 3], traz à tona que, existem três referências
implícitas pelo texto. Ele diz:
Este é o objetivo do capítulo: ver o que Maimônides disse
anteriormente, em sua Introdução, ‘Salomão comparou a questão a
prostituta casada’. Ver Guia 1: 17 e 3: 12.

O Capítulo 3: 12 é útil para entender isso, mas, não é essencial. Os outros dois
capítulos são os mais importantes e indispensáveis.
No livro 1: 17 o Rambam cita filósofos Atenienses, como que apoiadores de
concepções judaicas. No último capítulo, ele apresenta Aristóteles como se
fosse, um apoiador do requerimento apresentado no tratado de Haguiga, para
estudantes do conhecimento divino. E em 1: 17, ele traz Platão, como apoiador
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do uso de metáforas masculinas e femininas, em relação a concepções de


matéria e de forma, a fim de ocultar seu sentido.
Mas, nosso interesse é: Qual a relevância do apoio de Platão?
Uma possível resposta é que, no pensamento do Rambam, estes símbolos
sexuais são cruciais para a compreensão do trabalho de decifrar a linguagem
profética, ao lidar com conceitos do processo da criação; o que seria, o
equivalente da época, para o estudo da realidade. Não obstante a isso, são
conceitos perigosos. Estudiosos do povo de Israel devem, portanto, lidar com
cuidado nestes temas, pois até filósofos não judeus, como Platão, ocultavam
tais temas. Devemos ocultar estas ideias das massas, dos ignorantes e
iletrados e, especialmente, dos jovens. É nossa responsabilidade, impedi-los
de ler mensagens sensuais nos textos proféticos. Outra razão para ocultá-los é
que, matéria e forma são conceitos que as pessoas comuns podem confundir,
tratando-os como princípios coeternos em relação a Divindade. Isso induziria o
povo a idolatria. Mesmo assim, tais símbolos devem ser usados no estudo das
ações divinas, porque nossas mentes cessam, neste nível de compreensão
dos temas elevados.
Kafih cita o Guia [3: 8] pois, ali se menciona a dimensão moral deste trabalho
metafísico de concepções. É um capítulo extenso e belo, que trabalha sobre a
ideia de que, as metáforas masculinas e femininas não são, apenas, metáforas.
A matéria é a causa, por assim dizer, de nossos “problemas” e, o
distanciamento da nossa parte, dela, tanto quanto possível, é visto como uma
“solução” ou “alívio”. Ele ressalta então, uma espécie de programa de
ascetismo moderado, por parte do Rambam, derivado da sua concepção sobre
a importância da dedicação a busca intelectual e seus principais impedimentos.
A parábola da prostituta casada (em Mishlei 7: 6 a 27) é um paralelo, da
parábola da mulher valiosa (Mishlei 31: 10), mencionado no Guia [3: 8] para
mostrar a superioridade moral dos estudiosos que, seguem o programa
Maimonidiano; em vez de perderem-se na busca pela satisfação física. Esta
superioridade moral remove os véus, por assim dizer, que separam a própria
pessoa da profecia. (Shemoná Perakim 7)
Deste modo, o Rambam aplica a definição de Ishá (mulher) como
receptividade, de um modo ligeiramente oculto. A receptividade da matéria é
crucial, para o entendimento da concepção de providência contínua da
Divindade. Nos textos proféticos, a união procriativa do macho e da fêmea, é a
melhor metáfora em linguagem humana para a criação divina. Ele discute esta
criação no próximo capítulo, ao lidar com o uso metafórico do parto. A Criação
Divina [i.e. a realidade] é visto, na metáfora, como um processo inter-
relacionado; enquanto alusão do ato divino, mantendo a noção de que, a
Divindade não muda. O estudioso da obra, deve reconhecer então, na metáfora
sexual, a alusão que paira; rejeitando a noção idólatra de que, o princípio
feminino seria um tipo de “parceira” por assim dizer, da Divindade.

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