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Introdução aos Provérbios

A NATUREZA DE UM PROVÉRBIO
Um provérbio não é composto em função de uma circunstância específica, pessoal ou
histórica, mas é um dito de carácter geral que se destina a ser aplicado a muitas situações.
Neste contexto, é interessante verificar que o termo "Israel" não surge mencionado.
Os provérbios são também de âmbito geral; os assuntos abordados dizem respeito a todas
as áreas da vida. Mas não existe um determinado provérbio que se aplique a todas as
situações. Como qualquer regra ou máxima de carácter geral, um provérbio é verdadeiro
para certas circunstâncias, designadas, para uma determinada situação (ver Pv. 16:7).

A DIVISÃO DO LIVRO DE PROVÉRBIOS


Devido à natureza de um provérbio, principais divisões do livro não formam um esboço
coerente e arrumado. Os primeiros nove capítulos são apresentados como uma série de
conversas entre um pai e um filho. Têm como tema central a sabedoria versus a loucura,
ou falta de sabedoria. Trata-se de uma preparação para os provérbios individuais que se
seguem, começando no capítulo 10.
“Provérbios parece conter oito coleções distintas, identificáveis ou por um subtítulo
introdutório ou por uma mudança marcante no estilo literário. Provérbios 1.1-6 é uma
introdução geral ou sobrescrito, esclarecendo tanto o propósito do livro como sua ligação
com Salomão, o sábio mestre de Israel. Essa introdução localiza Provérbios no contexto
internacional de sabedoria representado por Salomão (lRs 4.29-34; 10.1-29). Também
ancora o movimento de sabedoria nos primórdios da monarquia e não no período pós-
exílico.”1 Assim, irei apresentar estas 8 coleções, como LaSor divide, no seu livro de
Introdução ao Antigo Testamento:2
“A Importância da Sabedoria (1.7-9.18). Esta seção ilustra as técnicas de
sabedoria. O mestre dirige-se ao pupilo como a um filho (e.g., 1.8; 2.1; 3.1) e mantém
continuamente o tom paternal. A instrução oral predomina, como indicam as frequentes
referências ao ouvir e ao memorizar; a menção da escrita é rara. Esses capítulos contêm
numerosas figuras de linguagem e expressões vivas que ajudam a memória do ouvinte. O

1
LaSor, ibid., p. 501
2
Introdução ao Antigo Testamento, pp. 501-510.
emprego constante do paralelismo, base da poesia semita, era em si uma ajuda para a
memorização. O propósito do escritor aqui é traçar o contraste mais nítido entre as
consequências de buscar e encontrar a sabedoria e as de seguir uma vida de insensatez.
Os Provérbios de Salomão (10.1-22.16). Essa seção de cerca de 375 provérbios é
normalmente considerada a mais antiga do livro. A compreensão cada vez maior da
literatura de sabedoria do antigo Oriente Próximo e esclarecimentos recentes sobre o
esplendor do reinado de Salomão têm renovado a apreciação de seu lugar como o patrono
do movimento de sabedoria em Israel. Esses provérbios geralmente são constituídos de
dois versos (linhas).3
As Palavras dos Sábios (22.17-24.22). O título dessa seção ficou oculto em
22.17 no Texto Massorético e em versões em português: Inclina o ouvido, e ouve as
palavras dos sábios, e aplica o coração ao meu conhecimento. (Prov. 22:17 ARA)
O título mais óbvio, "São também estes provérbios dos sábios" (24.23), implica que se
trata de uma coleção distinta de um grupo de sábios desconhecidos. Talvez fossem
escribas reais comissionados para montar uma coletânea de máximas úteis e observações
perspicazes, como os homens de Ezequias (25.1). Esses provérbios, em contraste com os
da seção anterior, são em geral mais longos (muitos com dois ou mais versos), mais
intimamente relacionados e amparados no tema.4 A forma característica do provérbio aqui
é de admoestação ou exortação. Os verbos estão no imperativo ou jussivo (ordem na
terceira pessoa), tanto no afirmativo como no negativo.5
Ditados Complementares (24.23-24). Essa breve coletânea contém provérbios
concisos (v. 26) e também máximas longas (v. 30-34; cf. 6.6-11). Aqui, evidencia-se
muito o aguçado senso de responsabilidade moral e social característico de Provérbios
(24.28s.), ainda que a religião receba pouco destaque. Essa seção é também produto de
um grupo anônimo de sábios.
Os Provérbios de Salomão Copiados pelos Homens a Serviço de Ezequias (25.1-
29.27). Tanto em estilo como em conteúdo, essa seção apresenta algumas semelhanças

3
A estrutura poética é, em grande parte, antitética.
4
O paralelismo antitético é raro, enquanto o paralelismo sinonímico e, em especial, o sintético são
frequentes.
5
Como LaSor, apresenta, “Os ditados de 22.17-23.11 apresentam uma semelhança notável com os
provérbios egípcios de Amenemope (Amenófis), provavelmente c. 1000 a.C. ou pouco antes.”, em
Introdução ao Antigo Testamento, p. 507.
com 10.1-22.16 (e.g., compare 25.24 com 21.9; 26.13 com 22.13; 26.15 com 19.24).
Entretanto, aqui os provérbios tendem a variar em extensão. 6
As Palavras de Agur (30.1-33). Agur e seu pai, Jaque, desafiam as tentativas de
identificação. É provável que fossem da tribo de Massá (traduzindo do heb. 30.1 como
nome próprio, não como "oráculo" ou "profecia", como faz a ARC), descendentes de
Ismael que se estabeleceram no norte da Arábia (Gn 25.14; 1Cr 1.30). Se Agur e Lemuel
(cap. 31) são massaítas, suas coleções de máximas são exemplos complementares do
caráter internacional da sabedoria hebraica, adotada e moldada segundo os ideais da
aliança israelita.
As Palavras de Lemuel (31.1-9). Como Agur, esse rei de Massá é desconhecido.
sua breve coleção consiste em advertência sábia de sua mãe a fim de prepará-lo para o
ofício. Ela o aconselha a evitar excessos com mulheres e vinho e o incentiva a proteger
os direitos dos pobres e desamparados.
A Descrição de uma Mulher Excelente (31.10-31). Ainda que não traga título
distinto, esse poema anônimo polido com esmero parece separado dos ditados de Lemuel
por sua forma acróstica alfabética. As técnicas altamente sofisticadas envolvidas nessa
forma (veja Sl 119) eram um auxílio para a memorização. E, mais importante, serviam
para afirmar o sentido de integridade implicado nesse quadro da esposa e mãe perfeita.
Esse retrato de uma mulher diligente, competente, conscienciosa e devotada é uma
conclusão bem adequada para um livro que ensina a natureza e a importância de uma vida
em obediência a Deus em todos os detalhes.”
Devido à natureza de Provérbios, estudaremos o seu conteúdo de forma temática em vez
de utilizarmos a forma analítica.

PROPÓSITO DO LIVRO
Os primeiros sete versículos apresentam-nos o seu propósito geral; o versículo 7 dá-nos
a base para todo o texto: "O temor do SENHOR é o princípio do saber." O termo "temor",
neste caso, significa confiança, reverência, respeito. Não transmite a ideia de terror como
é o seu sentido comum.
“Provérbios esclarece a conduta correta e a incorreta numa multiplicidade de situações.
A ausência de alusões à história de Israel e aos grandes temas proféticos como a aliança

6
O paralelismo antitético é menos frequente (ainda que os caps. 28-29 contenham numerosos exemplos),
enquanto as comparações aparecem repetidas vezes (25.3, 11-14, 18-20).
não significa que os autores de sabedoria não tinham consciência deles. Antes, o alvo
deles era aplicar os princípios da fé regida pela aliança às atitudes, atividades e
relacionamentos do cotidiano. As leis do amor (Lv 19.18; Dt 6.5; cf. Mc 12.2931) são
ênfases centrais no Antigo Testamento. Provérbios serve como um comentário ampliado
delas. O povo de Deus tinha a obrigação de encarar a lei de Deus como uma
responsabilidade inevitável que exigia obediência total. Provérbios chama essa
obediência de "o temor do SENHOR" (Pv 1.7; 2.5; 9.10; Jó 28.28; SI 111.10). Essa
obrigação, paralela ao conhecimento de Deus conforme destacado nos livros proféticos
(Os 4.1; 6.6) implica reverência, gratidão e compromisso de fazer a vontade de Deus em
todas as circunstâncias. A principal missão de Provérbios é anunciar de maneira
contundente, memorável e concisa o significado exato de estar à plena disposição de
Deus.”7
Devemos também entender o significado do termo sabedoria: sabedoria é muito mais do
que um acumular mental de factos. Implica uma compreensão das questões básicas da
vida e inclui a capacidade de aplicar os princípios aprendidos a uma determinada situação.
Uma boa ilustração do termo pode ser encontrada na vida de Salomão. Em 1Reis 3, Deus
concede a Salomão a bênção que este lhe pede - a sabedoria e, pouco depois, esta
sabedoria é posta em prática numa decisão que Salomão toma. É forçado a tomar uma
decisão relativamente a duas mulheres que reclamavam a posse de uma criança. Ao
ameaçar matar a criança, Salomão consegue descobrir a identidade da verdadeira mãe.
Esta história demonstra a natureza da verdadeira sabedoria, Salomão sabia exatamente o
que fazer naquelas circunstâncias.
A pessoa que aprende a temer a Deus sabe conduzir-se correctamente em todas as áreas
da vida.

PERSONALIDADES NO LIVRO
No livro de Provérbios são tipificados vários tipos de pessoas, destacando-se "o louco".
Pela forma como o louco é apresentado, torna-se claro que se trata de alguém que é
moralmente, não mentalmente deficitário. É o louco que não considera o pecado grave
(14:9), que se envolve em maldade (10:23), não ouve os conselhos com origem na
verdade de Deus (12:15; 15:5). O louco vive para si e deixa Deus fora das suas cogitações.

7
LaSor, ibid., p. 500.
Estreitamente ligado ao "louco" surge o "mandrião". Este é intrinsecamente preguiçoso
(6:9-10), está como que acorrentado à cama (26:14)., tem desejos mas não tem verdadeira
ambição (13:4) e, por consequência, é tão exasperante como o vinagre para os dentes e o
fumo para os olhos (10:26).
As mulheres são discutidas em várias partes de Provérbios. A "estranha" é descrita em
diversas passagens (2:16-19; 5:3ss.; 6:23-35; 7:5-27) e é, obviamente, uma prostituta.
Usando a lisonja, ela atrai homens à sua casa, para sua ruína e morte. O leitor é
constantemente admoestado para que guarde a Palavra de Deus, (ver 6:23), pois só assim
pode estar seguro de escapar às suas artimanhas.
Em contraste com a descrição da estranha surge o retrato da mulher virtuosa (31:10-31),
que é a esposa ideal. Cuida do seu marido, por isso ele confia nela (31:11). Preocupa-se
com a sua família, facto demonstrado pela sua disponibilidade para trabalhar e a sua forma
sensata de comprar (31:13-14, 16-19). A mulher virtuosa caracteriza-se também por
sabedoria nas suas palavras. Todas estas características são produto da sua relação com
Deus. Ela personifica o tema de Provérbios, isto é, "O temor do SENHOR" (31:30).

PRINCÍPIOS DE PROVÉRBIOS
Provérbios analisa a pessoa sábia nas suas diversas relações:
Na relação com Deus
Na medida em que o temor do Senhor é a base da sabedoria, muitos dos provérbios
analisam a relação da pessoa com Deus. Neste aspecto incluem-se as seguintes áreas:

o Orientação divina (3:5-6; 11:14; 15:22; 16:9) Depender unicamente da nossa


própria sabedoria pode levar a resultados trágicos. Estes provérbios sublinham
que Deus dá orientação através de conselheiros tementes a Deus.
o Evitar o pecado (6:16-19) Estes provérbios catalogam sete coisas pelas quais Deus
tem um ódio especial; a pessoa sábia fará disto boa nota para os evitar.

Em relação à nação
Deus tem dois conselhos a dar no que toca à relação da pessoa com a sua nação.

o Líderes da nação: os líderes são escolhidos e controlados pelo soberano Deus


(8:15-16; 21:1-2); devem governar com equidade (8:15-16; 21:1-2) e devem estar
bem precavidos contra as armadilhas provocadas pelas bebidas e pelas mulheres
estranhas (31:1-9).
o Os cidadãos comuns: aqueles que são governados devem lembrar-se que Deus
honra a justiça e castiga o pecado das nações como entidades colectivas (11:11;
14:34).

Em relação ao trabalho
São enfatizadas duas linhas de pensamento em relação aos trabalhos quotidianos.

o Honestidade e integridade: o trato da pessoa sábia deve ser guiado pelos


princípios de honestidade e integridade. Pesos falsos e balanças enganosas são
condenados (11:1; 16:11; 20:10). O comerciante que prejudica os seus clientes
não pode esperar a bênção de Deus.
o Precaução: ao emprestar dinheiro, a pessoa sábia será especialmente prudente
(6:1-2; 11:15; 17:18; 22:26; 27:13). Emprestar dinheiro sem qualquer espécie de
segurança é tolice, não generosidade.

Em relação aos amigos


O autor destes provérbios sublinha as seguintes verdades relativamente aos amigos:

o As amizades são valiosas: é importante lembrar que se fazem amigos agindo como
amigo (18:24); as amizades podem ser de grande benefício espiritual. O
verdadeiro amigo é fiel (18:24), cuidadoso (27:14), e disposto ajudar (27:6).
o A amizade é vulnerável: as pessoas que desafiam outras a pecar devem ser
afastadas (1:10-19). Algumas amizades baseiam-se nas coisas erradas, como por
exemplo o dinheiro (19:4). Como qualquer outra coisa boa, as amizades podem
ser usadas de forma errada (16:28; 17:9).

Em relação à família
Muitos dos provérbios falam sobre as relações no seio da família.

o A esposa: uma esposa é uma dádiva e uma bênção de Deus (18:22). Isto só é
verdade se ela for uma boa esposa, isto é, sensata (19:14), capaz (31:10), e uma
influência estabilizadora no lar (14:1). O tipo errado de esposa é quezilento e chato
(21:19; 25:24; 27:15-16).
o Filhos: é responsabilidade dos pais dar orientação aos filhos (22:6) e administrar
disciplina (13:24; 22:15; 23:13-14).

Em relação à própria pessoa


O livro de Provérbios também analisa a questão dos hábitos pessoais; lista uma série de
traços contrastantes de personalidade, que são acompanhados por uma descrição em que
as virtudes ou limitações são claramente apresentadas. Os mais significativos são:
diligência e preguiça (20:13; 24:33-34), palavra ou silêncio (15:1-2; 20:19; 26:20),
orgulho e humildade (15:25; 16:18-19; 21:4), alegria e tristeza (17:22), e embriaguez e
sobriedade (23:29-32).

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