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ADVERTÊNCIAS EXTRAS
O Rambam agora, interrompe seu léxico para dar início a outro prólogo. Ele
deseja que, diminuamos o avanço e paremos para refletir. Os termos bíblicos
para “visão” discutidos no último capítulo foram a causa destas advertências
extras.
Ele nos instruiu que, o sentido da percepção visual é, de certo modo, confiável.
Que a visão é, dentre os sentidos, talvez o mais confiável. Mas, o foco principal
deste capítulo não é tratar de sentidos, mas, compreensão da concepção de
profecia. No contexto da profecia, o termo “visão” é enganoso e perigoso.
REFERENCIALISMO
Esta reflexão do Rambam alude aos conceitos de I: 28. O estudioso do Guia
dos Perplexos deve reconhecer que, o Guia é precisamente, autorreferente. Na
introdução, o Rambam adverte que, teríamos que conectar os capítulos
espalhados, por assim dizer, por toda a obra. Parte do motivo de organizar a
obra deste modo, é evitar a violação da regra talmúdica [Haguiga 11b], contra
ensinar temas de Ma’assê Bereshit e Ma’assê Merkavá em público. Ao forçar o
leitor a realizar a conexão das passagens (além de outras técnicas), o Rambam
oculta estes temas de modo suficiente, do público que, na realidade, tanto não
fará isso quanto, não dará conta de ser isto, fundamental para se compreender
a obra. Como era de se esperar, esta conexão também está presente nas
Escrituras Hebraicas, consistindo de uma técnica profética para a construção
da alegoria imaginativa, como referenciado na Parábola do Poço da introdução.
Todos os comentaristas do Guia dos Perplexos procuram considerar tais
conexões de fácil entendimento, bastando ao estudioso seguir esta “trilha de
migalhas” para chegar ao entendimento da obra. Neste nosso estudo,
procuraremos trazer à tona, as maiores conexões disponíveis nestes ensaios.
Assim, você se torna capaz de descobrir sozinho, talvez até o que outros não
apreciaram.
RAMBAM E ARISTÓTELES
O Rambam geralmente evoca a regra de Haguiga, quando está discutindo os
perigos da profecia, repetindo as restrições a respeito do ensino público do
relato da criação, providência, e relações proibidas. Saindo da prática de
costume, ele inicia colocando Aristóteles nesta tradição. Ao se referir ao De
Caelo, o Rambam refraseia Aristóteles para dizer que, não devemos chamá-lo
de irresponsável ou imprudente, por lidar com tais temas.
Antes de realizar investigações e demonstrações em assuntos muito
profundos, o maior dos filósofos [Aristóteles] fez a seguinte apologia: o
interessado em suas obras não deveria atribuir as investigações do autor à
presunção, ao autoelogio ou ao orgulho próprio nem o criticar em assuntos que
ignorasse; ao contrário, caberia reconhecer a sua agilidade e esforço em
– בית מדרש חופשיBeit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 5
OS ANCIÃOS DE ISRAEL
Moshe, Aharon, Nadav, Avihu e setenta anciãos subiram, e eles viram o Elohim
de Israel. Sob seus pés, estava algo semelhante a um pavimento de pedra de
safira (k’ma’asse livnat hasafir. O termo “livnat” também significa: brancura), tão
brilhante quanto o próprio céu. Ele não estendeu a mão contra os nobres de
Israel. Eles viam o Elohim de Israel enquanto comiam e bebiam.
[Shemot 24: 9 a 11]
Os Anciãos foram condenados por sua visão. O Rambam corrobora com Rashi,
e contra Onkelos, ao considerar as ações dos Anciãos, de modo pejorativo.
Shemot 24: 10 “eles viram o Elohim de Israel e debaixo de seus pés”, é apenas
citado pelo Rambam até o trecho “pés”, para denotar corporeidade extrema em
sua visão. Os Anciãos falharam em elevar os elementos imaginativos da visão
que tiveram. Ao invés de se focarem nos pés, eles deveriam ter compreendido
que Elohim não tem pés. Eles deveriam ter reconhecido o que o “pé” deveria ali
representar. A falta de humildade deles, como definido pelo Rambam, foi a
causa de seu grave erro. Os Anciãos, na narrativa, recebem pena capital,
mesmo que o próprio Moshe tenha tentado intervir tal qual registrado após o
evento do bezerro de ouro.
A falha dos Anciãos reflete a violação do conselho de Shlomo, mencionado
pelo Rambam, “Guarda teus pés, quando fores a Casa do Elohim” – de Kohelet
4: 17. Esta é uma narrativa de advertência para todos os que estudam esta
sabedoria, menos preparados ainda, que os Anciãos de Israel.
– בית מדרש חופשיBeit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 5
Se esta foi a sentença deles, tanto mais será a nossa – que somos inferiores, e
daqueles que estão abaixo de nós – que precisamos nos dedicar e nos ocupar
do aperfeiçoamento nos temas e da compreensão dos pressupostos que
purificam a apreensão [racional] de nossos equívocos...
Pouco antes do registro deste evento, Moshe havia outorgado aos Hebreus, a
Torá, tal qual registrada até este ponto (Shemot 24: 4: Moshe escreveu todas
as palavras de HaShem. Ao que Rashi comenta: mi-bereshit ve’ad matan
Torá). Este momento significativo é celebrado. Os Anciãos, havendo falhado
em prepararem-se o bastante para a visão, derivaram sentidos corpóreos e
antropomórficos daquilo; sendo então condenados por isso. Qual foi o sentido
corpóreo que os Anciãos de Israel derivaram de sua visão?
SAFIRA
O Rambam aprecia o modo pelo qual Onkelos (século III) interpreta ao traduzir
termos antropomórficos, de acordo com a Tradição Clássica. O Rambam nota
que Onkelos traduziu “debaixo de seus pés”, para o Aramaico, como “debaixo
do trono de Sua Kavod/honra/glória”; e não simplesmente “trono”.
...pois ele não disse: ve-táhat kursa “E sob o Seu trono”, porque isto estaria
ligando literalmente o trono a Deus e implicaria que Ele se apóia em um corpo,
o que, por sua vez, implicaria [a Sua] corporeidade: mas [Onkelos] relaciona o
“trono” à “Sua honra”, ou seja, à Shehiná [Presença], que é luz criada. [1: 28]
Esta declaração implicaria que os Anciãos foram punidos por interpretar “pés”
como “trono”, ou seja, por pensar que a Divindade se senta numa cadeira?
Pois, até mesmo no mundo árabe, o Corão fala sobre Deus sentado, algo que
muçulmanos fundamentalistas consideram literal. O Rambam pode ter usado
esta porção dos Anciãos, para justamente criticar tal literalismo. Mais poderia
ser dito a respeito, mas, este sentido superficial satisfaria um leitor pouco
exigente do Guia. O Rambam, porém, deseja que investiguemos mais fundo.
O Rambam não se refere aqui, aos três relatos de Ben-Zomá, encontrados no
segundo capítulo do Tratado de Haguiga do Talmud. O público alvo do Guia,
teria tais passagens em mente, quando lessem sobre a “pedra de safira”. O
sábio Ben-Zomá foi um dos quatro sábios, a entrar no PARDES, o Jardim. Ele
olhou os “blocos de mármore” e foi advertido a não os chamar de “água, água”.
Sua mente foi “afetada” por tal experiência, que resultou na morte e apostasia
de dois de seus colegas [14b]. Em outra passagem, este herói do Talmud é
relatado, mediando entre as “águas de cima e debaixo” do Bereshit,
observando o “espaço entre elas”. Neste terceiro relato é mantido o conceito de
que, as águas numa bacia podem transportar a semente e causar a gravidez.
Em todos os três relatos, “águas” são o “meio” pelo qual, a criação ocorre.
A pedra de safira, o “bloco de mármore”, visto como “água” por Ben-Zomá, é
tido como a “matéria prima”, informe, da criação. Os “blocos de mármore” do
PARDES são os mesmos, que as pedras de safira abaixo do trono da Kavod.
– בית מדרש חופשיBeit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 5
Guia define as palavras ish e ishá, o masculino e o feminino, e que a ênfase lá,
é sobre o feminino.
A lição é que Ben-Zomá teve uma visão da matéria prima, a hílica; e
posteriormente, estas “águas” são retratadas como o “brilho do mármore”, que
se assemelha a água. Sua pura receptividade é simbolizada, pela imaginação,
como a transparência da água. Esta Matéria é essencial a Causalidade divina.
Isto é o que os anciãos deveriam ter reconhecido, na visão do pavimento de
safira.
PÉS
No capítulo 28 do livro 1, o Rambam elucida que, o termo “pé”, réguel, significa
“Causa”, mas, fica claro de outras fontes do mundo antigo que “pé” é um
eufemismo para o falo.
[Jastrow 1448; Talmud Berahot 22a/b há-marguil; Bakan, Maimonides on Prophecy 215, 219]
Tal qual o pé, empurra, e pode ser descrito como um “terceiro” pé. O Rambam
jamais usa, de modo explícito, o termo réguel como um eufemismo para a
genitália masculina. Ele sempre restringe réguel a ideia de “causa”, posto que
ser “gerador” é ser “causal”. Isto não é puritanismo da parte do Rambam.
Afinal, como médico, uma de suas especialidades era, justamente, a genitália,
sobre a qual chegou a publicar um trabalho acerca de doenças venéreas. Ao
invés disso, o Rambam exerce sua preocupação, com relação a obsessão com
sexo por parte das pessoas. A obsessão sexual era, afinal, o alvo da regra do
Tratado de Haguiga, contra ensinar sobre sexualidade em público. O Rambam,
posteriormente, explicará que, para evitar tal obsessão, a Língua Hebraica não
possui termos diretamente relacionados aos órgãos sexuais. [3: 8]
A GRANDE LUZ
O Rambam conclui então, lembrando-nos que, todas as vezes que um termo
indicando visão ocorrer na Torá em relação a divindade, apreensão intelectual
é o sentido, nunca visão física. Não obstante, ele faz uma surpreendente
concessão. Ele diz que, sobre alguns dos que acreditam teimosamente, que as
palavras estariam se referindo a uma luz física, com que a indicar uma luz
criada; em cenas de Malahim ou similares “não há dano nisso” [ain nizek
b’háh]. Ele não está, realmente, indicando ser este o caminho, mas, indicando
a tolerância da concepção, aos incapazes de compreender. No capítulo 63, 65
do livro 1, ele volta ao tema da “luz criada”, a “or haNivrá” e aos malahim,
demonstrando como eles são entendidos, na filosofia profética. As luzes
criadas, referem-se ao conceito de Shehiná, Presença; que também alude ao
conceito de Trono da Kavod. O Rambam compreende que o Trono da Kavod é
um “intelecto ativo”. Pelo menos um de seus comentaristas, o crítico Hasdai
Crescas, considerou isso, como se fosse uma referência à ideia Cabalista das
Sefirot; ou seja, que Ele está presente em seu mundo físico. [H. A. Wolfson,
– בית מדרש חופשיBeit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 5
Crescas Critique of Aristotle, Harvard, 1971 página 201, nota 92] No misticismo, Iessod
(fundação) representa o princípio gerador masculino, forma, a qual entra no
princípio feminino, a sefirá de Mal’hut (reinado), matéria.