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‫ – בית מדרש חופשי‬Beit Midrash Livre – Sefer Moré Nevuhim Tomo I Cap 3

Compreendendo as concepções de forma e formato

Nesta oportunidade, continuamos a reestruturar estes capítulos do Guia, num


formato tipo dicionário, só que sob a recomendação de se colocar as citações
bíblicas plenas enquanto, se destaca o foco Maimonidiano; os quais
comentaremos.
Devarim 4: versos 15 ao 18:
‫ונשמרתם מאד לנפשתיכם כי לא ראיתם כל־תמונה ביום דבר יהוה אליכם בחרב‬
‫מתוך האש‬

‫פן־תשחתון ועשיתם לכם פסל תמונת כל־סמל תבנית זכר או נקבה‬

‫תבנית כל־בהמה אשר בארץ תבנית כל־צפור כנף אשר תעוף בשמים‬

‫תבנית כל־רמש באדמה תבנית כל־דגה אשר־במים מתחת לארץ‬

Portanto, cuidem de si mesmos! Vocês não viram nenhum tipo de


temuná [similitude] no dia em que HaShem falou a vocês, do fogo
em Horev [Sinai]. Não se corrompam! E [não] façam para vocês
mesmos uma imagem esculpida, com Temunot de qualquer coisa:
[seja] a Tavnit - representação de um ser humano, do sexo
masculino ou feminino, ou a Tavnit -representação de um animal
terrestre, [a tavnit] de um pássaro que voa no ar, [a tavnit] de
qualquer coisa que rasteja sobre o solo; ou [a tavnit] de um peixe da
água, abaixo da linha da costa.

O Rambam não trata os termos enfatizados aqui, como sinônimos.

‫ תבנית‬- Tavnit – Forma


1. O Rambam propõe um esclarecimento próprio de Tavnit: a construção e
estruturação de uma coisa – isto é, sua figura, quer seja quadrada,
redonda, triangular, ou de qualquer formato. Tal termo nunca é usado,
ao se falar de conceitos aplicáveis à Divindade. (O termo deriva do
verbo Hebraico ‫ – בנה‬Banah - Construir).

2. Planta (no sentido arquitetônico).


3. Formas puramente imaginárias, tal como as de visões proféticas e
sonhos. O Rambam não implica sobre as definições 2 ou 3, como
distintas mas, Shlomo Pines orienta a fazê-lo, pela evidência de que, os
textos comprobatórios por si mesmos, corroboram com isso.
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[ver elucidação de Friedlander, nota 3, página 39]

Contextualizando as Definições 1 e 2:
Shemot 25: 9:
)‫אֹותָך אֵ ת ַּת ְבנִ ית הַ ִּמ ְׁשּכָן וְאֵ ת ַּת ְבנִ ית ּכָל־ּכֵלָ יו ְוכֵן ַּתעֲׂשּו׃ (ס‬
ְ ‫ּכְ כֹל אֲ ֶׁשר אֲ נִ י ַמ ְראֶ ה‬

“Erijam-no de acordo com tudo o que Eu mostrar a você – esta


Tavnit – modelo do Mishkán e de seus utensílios. Eis como você
deve erigi-lo”.

Shemot 25: 40:


)‫יתם אֲ ֶׁשר־אַ ָּתה ָמ ְראֶ ה ּבָ הָ ר׃ (ס‬
ָ ִ‫ֲׂשה ְּב ַת ְבנ‬
ֵ ‫ְּוראֵ ה ַוע‬

“Tenha o cuidado de fazê-los, de acordo com a Tavnit – modelo


mostrado a você na montanha”.

Ao comentar este trecho, Rashi nos lembra o Midrash, no qual a Divindade é


retratada mostrando com o dedo, a planta da Menorá, vista de forma flamejante
e, por isso, “na montanha” posto que, Moshe não poderia ter construído a
Menorá, baseado apenas na ordem verbal propriamente dita. O Rambam está
então, sutilmente implicando que, o contraste do uso de tavnit – no sentido da
planta física, ou projeto físico de determinada coisa – com o conceito de
temuná, da concepção formal, intelectual, universal, de uma determinada coisa.
Devarim 4: 17:
‫תבנית כל־בהמה אשר בארץ תבנית כל־צפור כנף אשר תעוף בשמים‬

“...ou a Tavnit -representação de um animal terrestre, [a tavnit] de


um pássaro que voa no ar...”

Perceba que o verso toma, Tavnit, a semelhança, representação num sentido


puramente de ídolo esculpido.
Divrei HaIamim Alef 28: 11:
‫ימים‬
ִ ִ‫ת־ּת ְבנִ ית הָ אּולָ ם וְאֶ ת־ּבָ ָּתיו ְוגַנְ ַזּכָיו ַוע ֲִלּיֹ ָתיו וַחֲ ָד ָריו הַ ְּפנ‬
ַ ֶ‫וַּיִ ֵּתן ָּדוִיד ִל ְׁשֹלמֹה ְבנֹו א‬
‫ּובֵ ית הַ ּכַּפֹ ֶרת׃‬

“Então David deu a Shlomo, seu filho, os tavnit - projetos para o


pórtico [do templo], sua construção, seus depósitos, as salas
superiores, as salas internas e o lugar para manter a arca”

Isto é similar ao uso feito do projeto ou planta da Menorá, mencionado no


Midrash antes.
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Contextualizando as Definições 3:
Ieheskél 8: 3:
‫ֹאׁשי ו ִַּת ָּׂשא אֹ ִתי רּוחַ ּבֵ ין־הָ אָ ֶרץ ּובֵ ין הַ ָּׁש ַמיִם ו ַָּתבֵ א‬
ִ ‫וַּיִ ְׁשלַ ח ַּת ְבנִ ית יָד וַּיִ ָּקחֵ נִ י ְּבצִ יצִ ת ר‬
‫ר־ׁשם‬ָ ‫ימית הַ ּפֹונֶה צָ פֹונָה אֲ ֶׁש‬ ִ ִ‫ֹלהים אֶ ל־ּפֶ ַתח ַׁשעַ ר הַ ְּפנ‬
ִ ֱ‫ְרּוׁשלַ ְָמה ְּב ַמ ְראֹות א‬ ָ ‫אֹ ִתי י‬
‫מֹוׁשב סֵ ֶמל הַ ִּקנְ אָ ה הַ ַּמ ְקנֶה׃‬ ַ

“E apareceu a tavnit – forma, de uma mão; a qual tocou-me em meu


cabelo; e um vento elevou-me para o alto, entre a terra e o céu; e
trouxe-me - nesta visão do Elohim – até Ierushalaim, até o lado de
dentro [pátio] da entrada do portão, que dá para o lado norte. Ali
havia um ídolo que provocava o ciúme, o zêlo [ha-kiná ha-maknê], e
a indignação Dele”.

Esta é a visão de Ieheskél, do Templo profanado pela idolatria. O Rambam


deseja que compreendamos que, “Tavnit de uma mão” ali, por estar numa
imagem da visão profética do Ieheskél, não é uma atribuição física da
Divindade.
Adiante, no Guia [2: 46] o Rambam elucidará esta passagem dizendo: “Mas
todas estas coisas fazem parte apenas do processo de uma Visão Profética,
não são reais aos sentidos físicos”. Ele também compreende que “mão” de
Deus sobre o profeta, implica um momento “terrível e aterrorizante” no qual, por
surpresa e contra sua vontade; a visão profética toma conta da consciência do
profeta. [2 – 41]
Leo Strauss comentou adicionalmente, que “mão”, é um termo que não recebe
um tratamento léxico, sem maiores explicações da parte do Rambam.
Assim, considero as intenções do Rambam do seguinte modo: quando o ser
humano, age em conformidade com a Divindade; ele mesmo se torna – na
narrativa profética – a “mão” de Deus. Neste sentido então, a “mão” da
Divindade não é, mas ocorre quando o homem segue a lei divina. Daí o Mishné
Torá do Rambam!
Pois seu título alternativo, i.e. o outro modo pelo qual o Mishné Torá é
conhecido no mundo judaico, é Iád HaHazaká = A mão forte! Em Hebraico, o
termo Iád, também represente numericamente, a totalidade de livros contidos
no Mishné Torá = 14.
Se estas observações estiverem corretas então, a mão forte a que se refere, o
Mishné Torá, é o próprio observante da Torá – a “mão” forte de Deus,
transformando o mundo para melhor!

‫ תמונה‬- Temuná – Formato


O Rambam apresenta as seguintes definições da percepção do conceito de
formato, em ordem ascendente de incorporalidade, progredindo de a)
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percepção sensorial humana, b) o sentido profético, e c) a percepção especial


tida por Moshe. O Rambam parece também, usar este termo, para distinguir
entre as concepções imaginadas pelos idólatras, de seus próprios deuses.

1. Formato físico percebido. Delineamento das coisas, que são


perceptíveis aos sentidos físicos. Seu formato. Sua forma.

2. As formas da nossa imaginação (ha-tzurá ha-dimion’ot shel Adam) i.e.


as impressões (imagens póstumas), retidas na imaginação, quando os
objetos cessaram que afetar nossos sentidos. Também: imagens em
sonhos.

3. A forma verdadeira, de um objeto; percebida apenas, pelo intelecto (ha-


Inian ha-Amití ha-Nassig BeSéhel). Esta é a única, das três definições,
que se vê eventualmente aplicada a Divindade – e mesmo assim – com
relação a Moshe, que tinha um tipo especial de profecia.

Contextualizando as Definições. 1
Devarim 4: versos 15 e 16:
‫ָל־ּתמּונָה ְּביֹום ִּדּבֶ ר יְהוָה אֲ לֵ יכֶם ְּבחֹ ֵרב‬
ְ ‫יתם ּכ‬
ֶ ‫ֹתיכֶם ּכִ י ל ֹא ְר ִא‬
ֵ ‫וְנִ ְׁש ַמ ְר ֶּתם ְמאֹ ד ְלנ ְַפׁש‬
‫ִמּתֹוְך הָ אֵ ׁש׃‬

‫יתם לָ כֶם ּפֶ סֶ ל ְּתמּונַת ּכָל־סָ ֶמל ַּת ְבנִ ית ָזכָר אֹו נְ ֵקבָ ה׃‬
ֶ ‫ן־ּת ְׁש ִחתּון ַוע ֲִׂש‬
ַ ֶ‫ּפ‬

Portanto, cuidem de si mesmos! Vocês não viram nenhum tipo de


Temuná - forma no dia em que HaShem falou a vocês do fogo em
Horev [Sinai]. Não se corrompam e façam para vocês mesmos uma
imagem esculpida com a forma de qualquer Temuná - figura – a
representação de um ser humano, do sexo masculino ou feminino...

Contextualizando as Definições. 2
Ióv 4: versos 13 ao 16
‫ִּב ְׂש ִע ִּפים ֵמחֶ זְ יֹ נֹות לָ יְלָ ה ִּבנְ פֹ ל ַּת ְר ֵּד ָמה עַ ל־אֲ נ ִָׁשים׃‬

‫מֹותי ִה ְפ ִחיד׃‬
ַ ְ‫ּפַ חַ ד ְק ָראַ נִ י ְּורעָ ָדה ְורֹב עַ צ‬

‫וְרּוחַ עַ ל־ּפָ נַי יַחֲ ֹלף ְּתסַ ֵּמר ַׂשע ֲַרת ְּב ָׂש ִרי׃‬

‫ַי ֲעמֹד וְל ֹא־אַ ּכִ יר ַמ ְראֵ הּו ְּתמּונָה ְל ֶנגֶד עֵ ינָי ְּד ָמ ָמה וָקֹול אֶ ְׁש ָמע׃‬

Em meio a pensamentos de visões noturnas, quando o sono


profundo cai sobre os homens, um tremor de horror veio até mim, e
fez todos os meus ossos estremecerem. Então [senti], um vento no
meu rosto; os pelos do meu corpo se arrepiaram. E ali parou, mas
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eu não pude ver sua aparência; mesmo estando a Temuná - forma


ali, diante dos meus olhos. E então, ouvi uma voz suave...

Esta é uma imagem da visão, uma imagem da que se vê, em sonho. O


Rambam nos instrui a considerar isto, tal qual a imagem póstuma; aquela de
um objeto que foi apresentado outrora à visão, e agora é só lembrado
(observação de Friedlander, nota 20, página 40).
Rashi corrobora com isso em seu comentário, que cita a tradição de que, o que
Elifaz percebia, não era realmente uma visão profética, mas, sua própria
impressão, inspirada num pesadelo.
Rashi comenta: Como uma pessoa que grita dentro de um barril, fazendo com
que a voz, volte para ele. Aquilo é o eco, não a voz realmente.

Contextualizando as Definições. 3
Bamidbar 12: 8
‫אתם ְל ַדּבֵ ר‬
ֶ ‫ּומּדּועַ ל ֹא י ְֵר‬
ַ ‫ּותמֻ נַת יְהוָה י ִַּביט‬
ְ ‫ּומ ְראֶ ה וְל ֹא ְב ִחידֹת‬
ַ ‫ּפֶ ה אֶ ל־ּפֶ ה אֲ ַדּבֶ ר־ּבֹו‬
‫ֹׁשה׃‬ֶ ‫ְּבעַ ְב ִּדי ְבמ‬

Com ele, falo face a face, e de forma clara, não por meio de
enigmas; ele vê a Temuná imagem de HaShem! Por que vocês não
têm medo de falar [mal de] meu servo Moshê?

O Rambam elabora: Ele compreende a verdadeira essência do HaShem.


O verso atesta que a apreensão de Moshe, a respeito da Divindade, era única.
Rashi, baseado num Midrash, explica que a semelhança da Divindade, aqui
mencionada, é a mesma semelhança mencionada em Shemot 33: 23 aonde
lemos )‫ית אֶ ת־אֲ חֹ ָרי ּופָ נַי ל ֹא י ֵָראּו׃ (ס‬
ָ ‫ וַהֲ ִסר ִֹתי אֶ ת־ּכ ִַּפי ו ְָר ִא‬- ...então, removerei minha
mão, e você verá minhas costas; meu rosto porém, não deve ser visto. A
expressão você verá minhas costas, implica a consequência das ações
Divinas; aquilo que é feito pela Divindade; elucida o Rambam.
Mas, o Rambam vai além dizendo que, a expressão aqui define a visão
profética, de modo diferente daquele, aludido como Compreensão da
verdadeira essência do HaShem (Inianô U’perushô VeAmitát HaShem Iassíg);
de modo qual que, o que a Divindade é, indica uma apreensão mais perfeita do
que “você verá minhas costas”.
No comentário feito por Friedlander [nota 3, página 40]; ele elucida que, tal
concepção não deve confundir o leitor, em relação ao texto presente no Guia 1:
37, que diz: Nenhum homem tem uma concepção da real existência da
Divindade.
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Pois, para o Rambam, Moshe distingue-se de todos os demais profetas, logo,


de todos os homens. Moshe teria transcendido, até mesmo sua materialidade
neste sentido, algo aludido quando o texto profético diz, que ele jejuou por
quarenta dias e noites na montanha.
O Rambam deseja que compreendamos então, que Moshe alcançou o
conceito, por nós referido como unicidade, no tocante a seu intelecto – tendo
uma noção mais sublime, do que simplesmente compreender as criações da
Divindade, i.e. a existência. Esta definição de Temuná, então, representa esta
característica própria de Moshe, no que se refere a sua percepção no Sinai;
algo como se fosse, tão claro que quase tangível. Moshe não recebe sua
profecia via nenhum intermediário; isto é, ele a recebe diretamente da
Divindade.
[Mishné Torá, Hil’hot Iessodei HaTorá 7: 6. E ainda: Rabêinu Avraham ben HaRambam, Sefer
HaMaspik Le’Ovdei HaShem, página 585]

Uso Maimonidiano dos conceitos de Forma


A primeira palavra do capítulo, nas traduções populares do Hebraico é ‫חושבים‬
hoshvim –, tanto Kafih e Schwarz traduzem deste modo.
Ivn Tibon traduz: Iah’shov (‫ )יחשב‬ao que Pines apresenta: It is thought.
Friedlander traduz: It might be thought (hoshvim) [na versão Brasileira: é
opinião corrente] que, em Hebraico, as palavras Temuná e Tavnit tem um e o
mesmo significado, mas, não é verdade.
A expressão inicial “é opinião corrente”, consiste de uma tradição popular. Mas,
a expressão árabe poderia ser traduzida como “alguns pensam”. Sendo assim,
o termo indicaria que, existiam pessoas que pensavam que tais palavras
significavam a mesma coisa. O Rambam parece ter Onkelos, o Tradutor
Aramaico da Bíblia Hebraica em mente. Ambos os termos, temuná e tavnit são
importantes, e precisam ser elucidados ou distinguidos, pois ambos aparecem
em versos tidos como importantes; Devarim 4: 15 – 17:
‫ָל־ּתמּונָה ְּביֹום ִּדּבֶ ר יְהוָה אֲ לֵ יכֶם ְּבחֹ ֵרב‬
ְ ‫יתם ּכ‬
ֶ ‫ֹתיכֶם ּכִ י ל ֹא ְר ִא‬
ֵ ‫וְנִ ְׁש ַמ ְר ֶּתם ְמאֹ ד ְלנ ְַפׁש‬
‫ִמּתֹוְך הָ אֵ ׁש׃‬

Portanto, cuidem de si mesmos! Vocês não viram nenhum tipo de


forma no dia em que HaShem falou a vocês do fogo em Horev.

‫יתם לָ כֶם ּפֶ סֶ ל ְּתמּונַת ּכָל־סָ ֶמל ַּת ְבנִ ית ָזכָר אֹו נְ ֵקבָ ה׃‬
ֶ ‫ן־ּת ְׁש ִחתּון ַוע ֲִׂש‬
ַ ֶ‫ּפ‬

Não se corrompam e façam para vocês mesmos uma imagem


(temuná) esculpida com a forma (Samel) de qualquer figura (Tavnit)
– a representação (Tavnit) de um ser humano, do sexo masculino ou
feminino,
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‫ָל־ּבהֵ ָמה אֲ ֶׁשר ּבָ אָ ֶרץ ַּת ְבנִ ית ּכָל־צִ ּפֹור ָּכנָף אֲ ֶׁשר ָּתעּוף ּבַ ָּׁש ָמיִם׃‬
ְ ‫ַּת ְבנִ ית ּכ‬

Ou a representação (tavnit) de um animal da terra, de um pássaro


que voa no ar,

Onkelos trata tais termos como sinônimos, nestes casos. Ele traduz, em ambas
as instâncias, como demut, isto é, forma. A versão popularizada King James
Version usa os termos de modo diferente mas, essencialmente, mantém a
consideração como sinônimo; escolhendo termos tais como “similitude” e
“likeness”, talvez seguindo a indicação de Onkelos.
Rashi também considera deste modo. E é desta tradição, que o Rambam
discorda, ao dizer que “alguns pensam” que tais termos são sinônimos.
O Rambam então, procura sentidos distintos para termos bíblicos distintos. Ele
faz isso aqui, a começar por dividir Devarim 4: 15-17; o qual usa o termo mais
corpóreo tavnit (formato), desde que, o verso usa apenas tavnit e não temuná
(forma). O verso claramente refere-se a uma forma em particular, de um
animal; e não a sua “forma” seja no sentido Platônico ou Aristotélico. Estaria
nos dizendo então, para não esculpirmos uma imagem de pássaro, ou qualquer
outro animal, para fins religiosos. Ele então, nos dá 4: 15-16, que por fim,
menciona temuná, deixando fora a parte do verso 16 que menciona tavnit
(formato) masculino ou feminino. O Rambam deste modo, reestrutura a
passagem, para demonstrar uma progressão, em ascensão, do conceito físico
de tavnit para o entendimento conceitual temuná.
Ele então deseja que nós façamos a distinção, e sejamos assim capazes de
compreender por nós mesmos a Divindade, de modo distinto do que é
entendido pelos idólatras.
Assim, de modo Exotérico, interpretamos temuná, tal qual mencionada por
duas vezes em Devarim 4: 15-16, sob a primeira definição do termo, i.e. os
contornos de uma determinada coisa, tal qual percebida pelos nossos sentidos.
Tal definição distingue-se de temuná e tavnit, apenas no sentido de que, a
anterior descreve uma forma tal qual tida, pelos sentidos; já a posterior
descreve a forma de fato, de um objeto apresentado aos nossos sentidos.
Esta é uma distinção bem próxima, portanto, em certos casos, podem ser
considerados sinônimos.
O ponto então, consiste do comentário do Rambam sobre o termo temuná ser
usado de modo (m’supak) ambíguo (anfibológico), em três sentidos distintos;
tal qual traduzido e elucidado por Pines.
Deste modo, é possível que a distinção ali tenha sido nos fazer compreender,
se o segundo ou terceiro sentidos, podem também ser usados. Doutro modo, a
distinção que ele procura nos apontar não seria relevante. E este é um padrão
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na interpretação que devemos usar, e na substituição que devemos fazer, nas


outras definições; especialmente quando ele diz, que estas são usadas de
modo ambíguo/polissêmico (de sentido duplo/múltiplo num mesmo termo) e
não homônimo (vocábulo que se pronunciam/escrevem do mesmo modo, ainda
que sejam palavras distintas).
Aqui então, ele abertamente elucida que, a idolatria tal qual referida pelo verso,
seria o culto da forma de uma coisa. Mas, o discípulo do Rambam saberá,
sendo minimamente familiarizado com sua obra que, ele ensina o conceito de
idolatria de um modo, digamos, um pouco mais complexo do que o
convencional conceito de se cultuar estátuas. Ele quer nos advertir para a
aplicação das outras definições, de acordo com as quais, temuná tem o sentido
de formas em nossa imaginação (há-tzara há-dimion’ot shel Adam). Assim, a
compreensão da verdadeira essência do HaShem, aplicada ao profeta Moshe;
não pode ser o sentido de Devarim 4: 15-17.
E concluindo isto, deveríamos traduzir o texto, substituindo os termos
semelhança/similitude com formas de nossa imaginação:
Portanto, cuidem de si mesmos! Vocês não viram nenhuma forma imaginada
(temuná) no dia em que o HaShem falou a vocês do fogo em Horev. Não se
corrompam e façam para vocês mesmos, uma imagem esculpida, imaginando
a forma (temuná) de qualquer figura, a representação (tavnit) de um ser
humano, do sexo masculino ou feminino, ou a representação (tavnit) de um
animal da terra, de um pássaro que voa no ar, de qualquer coisa que rasteja
sobre o solo, ou de um peixe da água, abaixo da linha da costa.
O Rambam quer nos advertir desta maneira, de sua famosa concepção a
respeito da real natureza da idolatria. Quando a Divindade, na narrativa da
Torá, fala a Moshe, este não vê nada, nenhuma imagem qualquer que seja,
nenhum estímulo sensorial, nenhuma memória, nenhuma criação da
imaginação ou sonho. Assim, a consideração em relação a ele, não consiste da
ideia de que ele estava sendo guiado por sua imaginação.
Já a idolatria é completamente diferente. O Rambam diz no Mishné Torá –
Avodá Zará, capítulo 1 – que o idólatra, na realidade, não presta literalmente
culto a um outro deus, por meio de sua escultura ou, sequer, presta culto
literalmente a escultura propriamente dita. Pois, também ele sabe, que se trata
de um objeto inanimado, algo construído em certo tempo para tal finalidade.
Esta escultura apenas canalizaria, como se fosse, a concepção de divindade
que eles nutrem em sua imaginação.
Assim, eles prestam culto, na realidade, ao fruto da imaginação. Logo, é o
prestar culto ao fruto da imaginação que seria, exatamente, aquilo que
chamamos Avodá Zará = idolatria.
Em outras palavras, as esculturas em si mesmas são carentes de sentido, pois
são canais por meio dos quais, as imaginadas forças divinas teriam qualquer
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relação com seres humanos. Eles acreditavam que estas forças divinas eram,
como se fosse, servos da divindade propriamente dita (como estrelas, por
exemplo); as quais, devido a posição representativa, deveriam ser então
honradas, em homenagem a divindade propriamente dita. As esculturas
permitiriam assim, que eles focassem seu culto, nestas forças criadas. Esta
noção, está incluída no segundo sentido dado ao termo temuná, bem como o
sentido filosófico, de forma.
O Rambam está instruindo então, que no Sinai a população não visualizou
nenhum tipo, tal qual o idólatra, de “similitude” de um ser criado, ou força
criada; para qual o culto devesse ser direcionado. O texto, ao aludir a isso no
entendimento Maimonidiano, passa para a forma esculpida das criaturas,
masculino e feminino, aves e animais. Neste ponto, o texto dirige-se aos
requerimentos físicos propriamente ditos do escultor, que cria a representação
(tavnit) de uma criatura, de um modo que fosse reconhecível por aquele que,
presta culto; para que houvesse uma relação entre ambos.
As formas da nossa imaginação não incluem apenas, aquilo com o que o
idólatra faz seu culto mas, também, as formas de todos aqueles que aplicam a
Divindade, conceitos próprios, noções próprias. Aqueles que cultual o Deus
imaginado por si mesmos. Aqueles para os quais, Deus é uma ideia que
possuem e portanto, devem defender. Ao defenderem esse “Deus”, estão
assim, apenas defendendo a própria imaginação. Logo, apenas prestam culto a
si mesmos.
Esta distinção é de importância maior, neste primeiro tomo, do Guia dos
Perplexos.
O Rambam inicia pela rejeição de todas as imaginações físicas, como
representações literais da Divindade. Então, ele prossegue rejeitando todas as
imagens conceituais atribuídas a Divindade, incluindo as mediações abstratas,
tais quais os “atributos essenciais” geralmente aplicados a ideia de Deus:
poder, vontade, criatividade, e assim por diante.
A interpretação do Rambam para Devarim 4: 15-17 é tal que, tais modo de se
considerar o conceito de Divindade, por meio da mediação de formas da
imaginação, são exatamente a idolatria condenada pela Torá.
E havendo apresentado a ambiguidade do termo temuná, resta apenas uma
definição a aludir para a visão única de Moshe; descrita como da compreensão
da verdadeira essência do HaShem, uma compreensão apenas alcançada na
plena unicidade do intelecto ativo.

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