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ATITUDES E EXPERIÊNCIAS DE RAPARIGAS EM IDADE

ESCOLAR EM RELAÇÃO A GESTÃO DA HIGIENE MENSTRUAL


EM MOÇAMBIQUE

RELATÓRIO FINAL DE UM ESTUDO SOCIO-COMPORTAMENTAL REALIZADO NAS PROVÍNCIAS DE


INHAMBANE, TETE E NAMPULA

Dezembro, 2019
FICHA TÉCNICA

Equipe de trabalho

Investigadora principal: Khátia Munguambe (Responsável pela Unidade de Pesquisa Social e

Envolvimento Comunitário do CISM)

Co-investigadores: Helena Boene (Coordenadora do estudo), Yolanda Maússe

(Supervisora de campo), Muanacha Mintade (Estagiária em

Ciências Sócio-comportamentais), Olga Cambaco (Apoio na análise

de dados quantitativos), Eusébio Macete (Co-investigador, Director

do CISM)

Instituições envolvidas

Este estudo foi encomendado e financiado por UNICEF - Moçambique, com co-financiamento do
Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM) e implementado pelo CISM. O presente
relatório foi revisto pelo grupo técnico multissectorial de WASH.

Versão 5

Data: 13 de Dezembro de 2019


ÍNDICE

ABREVIATURAS iv
1 SUMÁRIO EXECUTIVO 1
1.1. Antecedentes e propósito do estudo 1
1.2. Métodos 1
1.3. Sumário dos achados principais: 2
1.4. Sumário das recomendações (proposta de um pacote básico) 5
2 INTRODUÇÃO 8
2.1 A menstruação como um elemento de desigualdade do género 8
2.2 Higiene menstrual 9
2.3 Evidência científica sobre o impacto da gestão da higiene menstrual nos indicadores educacionais das
raparigas 10
2.4 Intervenções de GHM com base na evidência 14
2.5 O contexto de Moçambique 15
3 OBJECTIVOS E CONTRIBUIÇÃO 19
3.1 Objectivo geral 19
3.2 Objectivos Específicos 19
3.3 Contribuição do estudo 19
4 MÉTODOS 21
4.1 Locais de estudo 21
4.1.1 Província de Inhambane 22
4.1.2 Província de Tete 23
4.1.3 Província de Nampula 24
4.2 População de estudo 25
4.3 Desenho de estudo 25
4.4 Pontos de entrada para o trabalho de campo 28
4.5 Recrutamento e modo de selecção dos participantes 28
4.5.1 Selecção das Escolas 28
4.5.2 Selecção e Recrutamento dos participantes 29
4.6 Procedimentos de recolha de dados 31

i
4.6.1 Discussões em grupos focais 31
4.6.2 Entrevistas semi-estruturadas 33
4.6.3 Observações estruturadas pontuais 33
4.7 Gestão e análise de dados 35
4.8 Equipe de pesquisa 36
5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS 38
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO 40
6.1 Actividades realizadas 40
6.2 Características dos participantes do estudo 41
6.3 Crenças e normas socioculturais relacionadas com a puberdade e a menstruação 47
6.3.1 Percepções sobre a puberdade 47
6.3.2 Crenças e significados socioculturais em relação a menarca e a menstruação 51
6.3.3 Ritos de passagem ligados a puberdade e menarca 60
6.3.4 Informação e comunicação sobre a puberdade e a menstruação 64
6.4 Práticas de GHM e factores socioculturais associados 70
6.4.1 Materiais usados durante a menstruação e desafios associados 70
6.4.2 Práticas de higiene levadas a cabo pelas raparigas durante a menstruação 75
6.5 Percepções das implicações dos desafios da menstruação no aproveitamento escolar 76
6.5.1 Restrições na participação nas actividades escolares 76
6.5.2.Implicações para a assiduidade, aproveitamento escolar e permanência na escola 79
6.6 Condições de água, saneamento e higiene escolar nas escolas e implicações para GHM 83
6.6.1 Características observadas das instalações actuais de WASH na escola 83
Fontes de água nas escolas 84
Tecnologia de saneamento (isolamento e remoção de dejectos) 86
Dispositivos e insumos para lavagem das mãos nos sanitários 88
6.6.2 Dinâmicas do uso das infraestruturas de WASH nas escolas 93
6.6.3 Percepções dos determinantes de um ambiente favorável a GHM ao nível da escola 96
6.6.4 Mapeamento dos intervenientes no que toca a GHM a nível da escola 99
7 LIMITAÇÕES E DESAFIOS DO ESTUDO 100
8 CONCLUSÕES 102
8.1. Crenças e normas socioculturais sobre a menstruação e a GHM 102
8.2. Práticas de gestão de higiene menstrual entre as raparigas 103
8.3. Condições de WASH nas escolas 104
8.4. Desafios enfrentados pelas raparigas em torno da GHM 105

ii
8.5. Implicações no absentismo e permanência na escola 105
9 RECOMENDAÇÕES E IMPLICAÇÕES 108
9.1 Recomendações específicas por níveis de actuação 108
9.1.1 PACOTE BÁSICO: Recomendações ao nível escolar e comunitário 108
Objectivos do pacote básico 108
Acções recomendadas e intervenientes directamente responsáveis 110
Mecanismos de actuação recomendados 112
9.1.2 Recomendações de suporte ao pacote básico: 116
Recomendações a diferentes níveis 116
9.1.3 Implicações políticas 118
9.1.4 Monitoria e Avaliação 119
10 DISSEMINAÇÃO 121
11 ANEXOS E TABELAS SUPLEMENTARES 124

iii
ABREVIATURAS

AEA Alfabetização e Educação de Adultos

ADE Apoio Directo à Escola

ASH Água, Saneamento e Higiene

BAD Banco Africano de Desenvolvimento

CE Conselho de Escola

CIBS-CISM Comité Institucional de Bioética para Saúde do CISM

CISM Centro de Investigação em Saúde da Manhiça

DDEDH Direcção Distrital de Educação e Desenvolvimento Humano

DEPROS Departamento de Promoção de Saúde

DGF Discussão em Grupo Focal

DIEE Direcção de Infraestruturas e Equipamento Escolar

DPEDH Direcção Provincial de Educação e Desenvolvimento Humano

EP1 Escola Primária do 1o Grau

EP2 Escola Primária do 2o Grau

EPC Escola Primária Completa

Esse Entrevistas Semiestruturadas

ESG1 Ensino Secundário Geral ciclo 1

ESG2 Ensino Secundário Geral ciclo 2

ET Escola Técnica

ETP Ensino Técnico Profissional

FES Estudo Etnográfico Focalizado

GAP Plano de Ação de Género

GHM Gestão de Higiene Menstrual

IEC Informação Educação e Comunicação


iv
INE Instituto Nacional de Estatística

INS Instituto Nacional de Saúde

MINEDH Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano

MISAU Ministério da Saúde

MITADER Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural

MOPHRH Ministério de Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos

ONG Organização não-governamental

PRONASAR Programa Nacional de Abastecimento de Água e Saneamento Rural

SNV Netherlands Development Organisation

SDEJT Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia

SSR Saúde Sexual e Reprodutiva

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

WASH Water, Sanitation and Hygiene (Água, Saneamento e Higiene)

ZIPs Zonas de Influência Pedagógica

v
1 SUMÁRIO EXECUTIVO

1.1. Antecedentes e propósito do estudo

Alguma evidência científica existente sugere que a fraca Gestão de Higiene Menstrual (GHM)
contribui para o absentismo, as desistências e o fraco desempenho escolar entre as raparigas.
Existe pouca pesquisa relacionada com a GHM em Moçambique. Este estudo visou compreender
os desafios enfrentados pelas raparigas em idade escolar (10-14 anos) na prática de GHM em
diferentes contextos socioculturais e geográficos de Moçambique.

1.2. Métodos

O estudo obedeceu um desenho misto (qualitativo e quantitativo) e foi realizado nas províncias
de Inhambane (distritos de Massinga e Homoíne), Tete (distritos de Moatize e Chiuta) e Nampula
(distritos de Nacala-Porto e Meconta) de Setembro de 2018 a Maio de 2019. A recolha de dados
baseou-se em observação das condições de higiene, água e saneamento nas escolas, entrevistas
estruturadas e discussões em grupos focais com diferentes respondentes. Foram realizadas 12
observações das condições de higiene em 12 escolas selecionadas, 24 entrevistas semi-
estruturadas com professores das mesmas escolas e 60 discussões em grupos focais com raparigas
e rapazes estudantes, pais e tios, matronas, mães e tias, e raparigas não estudantes. Todas
actividades envolveram um total de 700 participantes, de entre eles 136 raparigas e 132 rapazes
estudantes, 48 raparigas não estudantes, 24 professores (dos quais 8 do sexo feminino e 8 do sexo
masculino), 67 matronas, 113 pais e tios, e 180 mães e tias.

Todas entrevistas e discussões em grupos focais foram gravadas, transcritas e traduzidas em


simultâneo das línguas locais das províncias onde decorreu o estudo (Xitswa em Inhambane,
Nyungwe, Chichewa em Tete e Makhuwa em Nampula) para Português. Foi feita análise temática
usando o software Nvivo 12. Os dados gerados pelas observações nas escolas foram digitados em
Ms Excel e geradas tabelas de frequências das categorias de cada indicador observado. Os
indicadores considerados foram: presença de sanitário e, se em uso, as características do sanitário
(laje, assento e material da superestrutura); limpeza da área da laje e do piso do sanitário;
1
presença de insumos para higienização das mãos e do corpo (água, sabão ou alternativas) nos
sanitários ou arredores imediatos; condições de armazenamento de água; presença de portas e
de trincos.

Este documento apresenta o desenho de estudo detalhado, os resultados das actividades levadas
a cabo nas 3 províncias em estudo e as recomendações de acções concretas a serem desenvolvidas
no contexto de um pacote básico de intervenções de higiene água e saneamento nas escolas e
comunidades de modo a endereçar as barreiras para a concretização de uma GHM adequada para
as raparigas em idade escolar.

1.3. Sumário dos principais achados:

● Há uma consciência limitada e superficial sobre a menstruação, à excepção dos professores


que têm uma ideia básica sobre o processo fisiológico;
● A menarca é vista como início da fase adulta, sendo ignorada a fase da adolescência
acompanhada de necessidades específicas diferentes tanto das crianças como dos adultos;
● Há expectativas de que as raparigas menstruadas se portem como adultas;
● A rapariga menstruada submete-se a proibições que a excluem de várias esferas sociais; o
incumprimento destas está sujeito a sanções duras (baseadas na superstição e na exclusão
social);
● As normas culturais associadas a menstruação levam a um comportamento de segredo,
resultando na troca limitada de informações sobre a menstruação e higiene menstrual;
● A primeira fonte de informação é o professor na escola, seguindo-se as madrinhas,
matronas, conselheiras, ou idosas em conexão com os ritos tradicionais. As mães, tias,
amigas e enfermeiras constituem fontes terciárias;
● Os professores não têm informação aprofundada sobre a menstruação e GHM (estando
preparados apenas para falar dos aspectos fisiológicos da reprodução e da menstruação,
faltando-lhes a habilidade de apoiar e lidar com aspectos ligados aos desafios das próprias
raparigas), perdendo-se a oportunidade de as raparigas obterem informação e
aconselhamentos mais compreensivos;
● Quem determina as práticas de GHM são as matronas, madrinhas ou idosas envolvidas nos
ritos de iniciação;
2
● As raparigas em estudo usam material descartável (pensos higiénicos, algodão, papel
higiénico, esponjas) e reutilizável (panos recortados de roupa velha ou lenços novos que
são colocados na roupa interior).
● Inhambane foi a província onde as raparigas mostraram mais preferência para os pensos
higiénicos. Em Tete e Nampula, os materiais tradicionais são os mais confiados e mais
usados pelas raparigas.
● As raparigas são instruídas durante as sessões de aconselhamento e/ou ritos de iniciação,
a redobrar o número de banhos, higienização íntima e mudança de roupa ao longo do dia,
a despeito da falta de água e sabão no seu meio escolar e doméstico;
● O descarte do material é um desafio, devido à preocupação de manter segredo e a falta de
mecanismos confortáveis, aceites e confiáveis de descarte;
● Constatou-se práticas de higienização nocivas a saúde: inserção dos dedos no canal
vaginal; uso de sabão de lavandaria; permanência de material absorvente reutilizável
dentro da pasta durante horas antes de uma oportunidade para o lavar; lavagem e
secagem de panos absorventes reutilizáveis em lugares escuros e húmidos propensos a
propagação de bactérias e fungos;
● Setenta porcento das escolas tem acesso a fonte de água, na maioria situadas fora do
recinto da escola (apenas 33% das escolas tinham fonte de água no pátio); Apenas 50% das
fontes de água estavam funcionais;
● Os tipos observados de fontes de água foram: torneiras, bombas manuais, poços e
cisternas;
● O acesso a água é mais crítico em Tete, seguindo-se Nampula. Inhambane foi a única
província onde o acesso básico à água existe todavia carecendo de melhoria;
● Todas escolas tinham sanitários, na maioria construídos com material convencional. Na
maioria consistiam em fossa seca com laje e tinham separação por género. Apenas em Tete
a maioria (75%) dos sanitários tinha condições para privacidade seguido de Nampula
(50%);
● Inhambane foi a província com as condições menos adequadas de saneamento;
● Apenas 25% das escolas tinham fonte de água corrente adequada para lavagem das mãos
após o uso do sanitário, mas todas estavam distantes do sanitário;

3
● Apenas 17% tinham reservatórios de água cheios para possível uso após a utilização do
sanitário. Neste a província de Tete demonstrou ser a mais crítica
● Não se verificou dispositivos para o descarte de material de higienização (como papel
higiénico e absorventes);
● Em todas escolas observou-se aterros a céu aberto para o destino final dos resíduos sólidos
e apenas 8% tinha um sistema de drenagem;
● A falta de condições básicas de higiene e saneamento é o principal desafio enfrentado
pelas raparigas na escola durante a menstruação;
● A falta de exposição a IEC (Informação Educação e Comunicação) sobre SSR (Saúde Sexual
e Reprodutiva), WASH e GHM exacerba os desafios enfrentados pelas raparigas; Alia-se a
este desafio, o desalinhamento entre as mensagens passadas na comunidade e as
recebidas na escola sobre o tópico. Especificamente, constatou-se choques entre o
conteúdo das mensagens proibitivas recebidas durante os ritos e as permissões dadas na
escola para prosseguir normalmente as actividades físicas e recreativas (incluindo a
interacção com rapazes e outras meninas) independentemente de estar menstruada;
● Outro desafio é o dilema de manter o estado menstrual em segredo paradoxalmente ao
cumprimento de todas proibições que por si são reveladoras deste estado;
● Ao tentar lidar com todos os desafios, as raparigas sujeitam-se a falta de concentração
durante as aulas, ausências constantes das salas de aulas, interrupção da assistência de
aulas nos dias mais críticos (de maior fluxo ou cólicas mais fortes) e no início da menarca
(de modo a gerir a menstruação com apoio da mãe). Elas sujeitam-se ainda à autoexclusão
ou participação reduzida em actividades rotineiras físicas e recreativas (pelo medo de o
material absorvente cair e serem descobertas, acoplado a proibição de se misturarem com
rapazes e outras meninas não menstruadas).
● Exceptuando durante a menarca em que é comum a rapariga faltar durante todo o período,
e durante os ritos de iniciação (associados à reclusão por um período de tempo), poucas
raparigas menstruadas reportaram faltas contínuas durante todo o período menstrual nos
ciclos subsequentes à menarca; As razões levantadas para estas faltas contínuas foram:
preguiça de imprimir um esforço adicional para gerir a higiene menstrual na escola e medo
de serem descobertas.

4
● As faltas, quer as contínuas durante os ritos e a menarca, quer as pontuais nos ciclos
subsequentes, acabam não sendo justificadas pelo medo que a rapariga tem em informar
ao professor;
● Aferiu-se que, de forma cumulativa, as faltas podem explicar o mau aproveitamento e
eventual taxa de desistências entre as raparigas a longo prazo. No entanto, o estudo não
mostrou evidência de uma directa relação entre a fraca GHM e a desistência da escola.
● Os rapazes, bem como as raparigas fora da escola revelaram que as desistências devem-se
às gravidezes precoces e aos casamentos prematuro, em parte associados as estratégias
adoptadas pelos pais para enfrentar os desafios financeiros;
● Nem os pais e encarregados de educação, nem os professores reconhecem GHM como um
problema que leve as raparigas a desistirem de frequentar a escola;
● Nos locais do estudo no centro e norte do país, os pais, encarregados de educação e
professores estão confiantes que os ritos de iniciação são unicamente o garante da
preparação da rapariga e superação dos desafios trazidos pela menstruação;
● Não houve diferenças sistematicamente marcantes entre as zonas rurais e urbanas em
todos aspectos estudados. As diferenças detectadas e acima apresentadas foram mais
relacionadas a região (centro e norte versus sul do país);
● Os dados apresentados, sugerem a necessidade de priorizar a higiene e saneamento nas
escolas em geral para todos os alunos independentemente do género ou fase de
desenvolvimento fisiológico, encorajando também o diálogo sobre a menstruação no meio
familiar e comunitário e o alinhamento entre as percepções locais sobre a puberdade,
menstruação e papéis de género e as directrizes e normas estabelecidas nas escolas. Há
necessidade de instituir um pacote básico de acções de GHM a nível escolar e comunitário

1.4. Sumário das recomendações (proposta de um pacote básico)

O pacote básico sugerido prende-se na definição, priorização, implementação e monitorização de


actividades básicas a nível das escolas e com os recursos existentes que podem facilitar uma GHM
adequada. A responsabilidade deve recair sobre o Director da Escola com apoio do Conselho de
Escola e outras estruturas intra e extra escolares (Pais de Turma, Ponto focal de Saúde Escolar,

5
Enfermeira de SMI, Pais e Encarregados de Educação, Líderes Administrativos, Líderes
Tradicionais, Líderes Religiosos) e os próprios alunos.
O financiamento para as actividades deve ser capitalizado a curto prazo a partir do Fundo de Apoio
Directo a Escola e a médio e longo prazo a partir do Fundo de Funcionamento das Escolas,
pendente de descentralização. Os parceiros de implementação devem envidar esforços para que
o seu apoio e suas acções estejam alinhadas ao pacote básico e não divergentes a este.

As actividades do pacote básico incluem:


● Maximizar o CE como plataforma para definir e priorizar a acções relacionadas com GHM
ao nível da escola;
● Reforçar iniciativas locais existentes de disponibilização de água para a escola (por exemplo
em Tete);
● Reforçar os compartimentos dos sanitários femininos com recipientes de água, garantindo
a distribuição diária de água nos respectivos reservatórios;
● Colocar dispositivos funcionais para lavagem das mãos nas proximidades imediatas aos
sanitários;
● Disponibilizar sabão ou cinza dentro dos sanitários femininos e à saída geral dos sanitários
para lavagem das mãos e combate aos odores;
● Colocar recipientes para o descarte de materiais de higiene e responsabilizar o devido
vazamento regular do conteúdo a pessoas idóneas (alunas mais velhas, professoras em
escala);
● Envolver os pais e encarregados de educação, madrinhas/matronas, líderes religiosos (com
ênfase nas lideranças femininas) no reforço e manutenção dos sanitários precários
(especificamente em Inhambane);


O programa do Fundo de Apoio Directo a Escola (ADE) tem como objectivo alocar fundos directamente nas escolas
primárias do 1º grau (EP1) para a aquisição de materiais básicos de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, tais
como material para a manutenção da escol lápis, esferográficas, cadernos, material de leitura complementar, saúde
escolar e HIV e SIDA e o projecto de apoio às Crianças Órfãs e Vulneráveis com a perspectiva de evitar a exclusão dos
alunos mais vulneráveis em alguns distritos seleccionados, materiais para desporto escolar. Os fundos do ADE stão
inscritos no orçamento do Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT) ou da Direcção Provincial de
Educação e Cultura (DPEC) para o caso das escolas das cidades capitais de província. O valor para cada escola é
determinado pelo número de alunos e de turmas existentes de acordo com a informação estatística mais recente.
1
House, S., Mahon, T., and Cavill, S. (2012) Menstrual Hygiene Matters, London: WaterAid
6
● Maximizar o uso do grupo de pais de turma, onde o fórum de discussão é mais apropriado
para aspectos sensíveis, como uma plataforma de diálogo com os pais e encarregados de
educação sobre os principais desafios enfrentados pelas raparigas e como solucioná-los;
● Capacitar os professores e as matronas/conselheiras/madrinhas em matéria ligada a GHM
com base nos mesmos conteúdos educativos de modo a minimizar os dilemas das
raparigas em seguir instruções desalinhadas entre a escola e a comunidade;
● Criar a figura de “mãe conselheira” na escola ou proximidade (professora, matrona,
campeã de GHM, ou mãe de turma) para apoiar no encaminhamento das raparigas
menstruadas em momentos críticos (cólicas, fluxo acima do normal, outras perturbações);
● Criar um mecanismo de ligação entre a escola e a unidade sanitária e/ou APEs para o
fornecimento de assistência clínica para o alivio de dor menstrual e outras queixas;
● Identificar adolescentes campeões pela causa da GHM adequada, que representam as
vozes das raparigas ao nível das escolas e comunidades;
● Realizar debates e reuniões com os conselhos de escola, pais, encarregados de educação
e a comunidade em geral sobre a menstruação e higiene individual/pessoal e como estes
factores afectam o desempenho escolar da rapariga;
● Incluir os rapazes em todas intervenções ou programas relacionados a GHM de modo a
diminuir a insegurança e o desconforto vivenciados pelas raparigas nas escolas perante os
rapazes;
● Estabelecer um processo de consciencialização da comunidade em relação a puberdade,
menstruação e GHM (tendo como grupo alvo principal crianças, adolescentes e jovens) em
contribuição para a quebra de tabus a longo prazo.

7
2 INTRODUÇÃO

2.1 A menstruação como um elemento de desigualdade do género

Em muitos contextos, durante o período menstrual as mulheres e raparigas enfrentam restrições


que impedem-nas de alcançarem o seu potencial de desenvolvimento humano1. Dependendo do
contexto, está documentado um vasto leque de impedimentos durante o período menstrual,
desde estarem interditadas de cumprir com as suas tarefas domésticas até restrições relacionadas
com a sua própria higiene e alimentação. Estas proibições excluem-nas do seu direito de
participação activa em actividades sociais (eventos de carácter económico, comunitário, social e
religioso) bem como barram-nas do acesso a serviços básicos tais como água e saneamento,
educação entre outros, e até chegam a excluí-las dos seus agregados familiares, negando-lhes
claramente o direito à habitação2. Essas restrições devem-se às percepções de que a menstruação
é poluente2. Ademais, os tabus e estigmas associados à menstruação levam a uma cultura
generalizada de silêncio em torno do tema que resulta em informações limitadas sobre a
menstruação e higiene menstrual3. Esta situação torna as mulheres, que em certos aspectos (tais
como acesso a educação continua, acesso a emprego e a todas vantagens associadas a estes dois
indicadores historicamente já se encontram desproporcionalmente em desvantagem em relação
aos homens na sociedade, numa situação ainda mais vulnerável devido às crenças e tabus
associados à menstruação 4 , 5 . Dada a probabilidade da ocorrência da menarca nas raparigas
durante a sua fase estudantil, considera-se que as escolas são locais importantes que constituem
oportunidade para se endereçar de forma mais profunda os desafios relacionados com a gestão
da menstruação.

1
House, S., Mahon, T., and Cavill, S. (2012) Menstrual Hygiene Matters, London: WaterAid
2
K. Jogdand and P. A. Yerpude, “Community based study on menstrual hygiene among adolescent girls,” Indian Journal of
Maternal and Child Health, vol. 13, no. 3, pp. 1–6, 2011. View at Google Scholar
3
https://www.worldbank.org/en/news/feature/2018/05/25/menstrual-hygiene-management. Accessed on 12.03.2019
4
Silva, G (2007). Educação e Género em Moçambique. ISBN: 978-989-95426-2-4. Porto. Centro de Estudos Africanos da
Universidade do Porto. https://www.africanos.eu/images/publicacoes/livros_electronicos/EB003.pdf.
5
UNICEF. Gender equality. https://www.unicef.org/esa/gender-equality (acessado 13 de Novembro de 2019)
8
2.2 Higiene menstrual

Menstruação (doravante também referida como período menstrual) é o fluxo de sangue e de


tecido descamado da parede interna do útero (endométrio) que sai através do canal vaginal. Este
fenómeno natural faz parte do ciclo reprodutivo da mulher e acontece aproximadamente a cada
28 dias na ausência de fecundação.

A higiene menstrual é um conjunto de cuidados íntimos de rotina levado a cabo pelas adolescentes
e mulheres de modo a garantir que o sangue produzido durante o período menstrual seja, de
forma segura, contido temporariamente e/ou removido do corpo e dos materiais ou superfícies
de contacto com o sangue.

A Gestão da Higiene Menstrual (GHM) ou MHM (do inglês Menstrual Hygiene Management), na
sua definição incorpora vários elementos essenciais a saber6,7:

● O uso, por mulheres ou raparigas adolescentes, de material limpo para absorver ou


recolher o sangue que é expelido através do canal vaginal;
● A possibilidade de trocar o material absorvente ou colector e de lavar os materiais, roupas
manchadas e as partes do corpo em contacto com o sangue num lugar seguro e privado
com a frequência necessária e desejada ao longo de toda duração do período menstrual;
● O uso acoplado de água e sabão para a higienização do corpo sempre que necessário;
● O acesso a dispositivos para descartar o material usado.

A menstruação requer disponibilidade, acesso, e uso adequado de insumos e recursos para a sua
gestão. Uma higiene menstrual inadequadamente gerida pode gerar problemas de saúde na

6
Budhathoki S, Bhattachan M, Castro-Sánchez E, Sagtani R, Rayamajhi R, Rai P & Sharma G. Menstrual hygiene
management among women and adolescent girls in the aftermath of the earthquake in Nepal. BMC Women's
Health volume 18, Article number: 33 (2018)
7
Sahin M. Tackling the stigma and gender marginalization related to menstruation via WASH in schools
programmes. Waterlines. 2015;34(1):3–6.
9
mulher e rapariga, os quais foram registados como: infecções urinárias e do aparelho reprodutivo,
bem como transtornos psicológico, afectando severamente o alcance do seu potencial humano
(incluindo a educação)8,9,10,11.

2.3 Evidência científica sobre o impacto da gestão da higiene menstrual nos indicadores
educacionais das raparigas

A nível global, ultimamente tem-se verificado uma tendência positiva na paridade entre indivíduos
do sexo masculino e feminino em relação às taxas de abandono escolar, isto é: regista-se cada vez
menos diferenças entre indivíduos do sexo masculino e feminino no que toca a assiduidade e
permanência nas escolas. No entanto, em certas regiões do mundo as desigualdades continuam a
ser notáveis. Alguma literatura sugere que a GHM deficiente é um factor que continua a influenciar
os indicadores escolares das raparigas12. Os estudos realizados até agora focalizaram-se mais no
indicador de “frequência escolar” e negligenciaram de uma forma geral a avaliação da relação
entre a GHM e outros indicadores escolares tais como o “desempenho” ou a “participação”. Os
poucos estudos que o fazem têm sido de natureza observacional, portanto não são
suficientemente robustos para gerar evidências sólidas de uma correlação estatisticamente
significativa entre a fraca GHM e desempenho ou a participação.

O tipo de estudo capaz de fornecer melhor evidência possível da correlação acima mencionada é
o ensaio randomizado controlado13. Provavelmente devido aos altos encargos financeiros que tais
estudos acarretam, poucos estudos desta natureza têm sido realizados no âmbito de Água,
Saneamento e Higiene (Water, Sanitation and Hygiene - WASH). Um exemplo é um ensaio

8
Biran A, Curtis V, Gautam OP, Greenland K, Islam MS, Schmidt W-P, et al. Menstrual Hygiene. In: Background paper on measuring
WASH and food hygiene practices–definition of goals to be tackled post 2015 by the joint monitoring Programme. 1st ed. London:
London School of Hygiene and Tropical Medicine; 2012. p. 81.
9
Ten VTA. Menstrual hygiene: a neglected condition for the achievement of seven millennium development goals. Zotermeer:
Europe External Policy Advisors; 2007. p. 1–24.
10
Khanna A, Goyal RS, Bhawsar R. Menstrual practices and reproductive problems: a study of adolescent girls in Rajasthan. J Health
Manag. 2005;7:91–107.
11
Das P, Baker KK, Dutta A, Swain T, Sahoo S, Das BS, et al. Menstrual hygiene practices, WASH access and the risk of urogenital
infection in women from Odisha. India PLoS One. 2015;10(6):1–16.
12
Hennegan J, Dolan C, Wu M, Scott L, Montgomery P. Measuring the prevalence and impact of poor menstrual hygiene
management: a quantitative survey of schoolgirls in rural Uganda. BMK open. 2016
13
Kendall J. Designing a research project: randomised controlled trials and their principles. Emerg Med J 2003;20:164–168
10
conduzido no Quénia que demonstrou que o mero fornecimento de recipientes para lavagem das
mãos e de desinfectantes de água para garantir água potável em combinação com a construção
de sanitários resultou no aumento da frequência escolar entre raparigas (e não nos rapazes),
revelando uma redução de 58% na probabilidade de ausência no período de duas semanas neste
grupo14. É de se notar que esta intervenção era de WASH no geral, sem ter tocado no aspecto
específico da GHM. Uma das poucas avaliações específicas para GHM foi um estudo piloto (com
desenho intervenção-controle) ao nível das escolas em Gana, que demonstrou que após 5 meses
de provisão de pensos higiénicos a 120 alunas, juntamente com educação de higiene menstrual
ao grupo de intervenção, em comparação com apenas provisão de educação ao grupo controlo, a
assiduidade escolar aumentou em 9% igualmente nos dois grupos15. Uma avaliação da oferta de
produtos sanitários de forma aleatória a 198 raparigas no Nepal concluiu que o simples
fornecimento desta tecnologia sanitária não teve efeito na redução do absenteísmo relacionado
à menstruação 16 . Igualmente, foram encontrados outros estudos que concluíram que não há
evidências que suportem de forma conclusiva tal relação entre acesso a insumos de higiene
menstrual e assiduidade escolar, e que outros factores, como a morbilidade (directa ou
indirectamente causada pela menstruação) ou a necessidade culturalmente determinada de as
raparigas terem que cumprir com as obrigações domésticas, podem desempenhar um papel maior
no absenteísmo 17 , 18 . É importante realçar que estes estudos não foram suficientemente
autocríticos para questionar sobre que componentes terão faltado ou poderiam ter sido
aperfeiçoadas (como por exemplo a educação sanitária) para uma melhor avaliação do impacto.

Apesar desta evidência inconclusiva da correlação entre a GHM inadequada e o absenteísmo


escolar, existem pressupostos teóricos suficientemente convincentes que sugerem que este

14
Freeman MC, Greene LE, Dreibelbis R, Saboori S, Muga R, Brumback B, et al. Assessing the impact of a school-based water
treatment , hygiene and sanitation programme on pupil absence in Nyanza Province , Kenya : a cluster-randomized trial.
2012;17(3):380–91
15
Montgomery P, Ryus CR, Dolan CS, Dopson S, Scott LM. Sanitary Pad Interventions for Girls’ Education in Ghana: A Pilot Study.
PLoS One. 2012;7(10):1–7
16
Oster E, Thornton R. Menstruation, sanitary products, and school attendance: Evidence from a randomized evaluation. Am
Econ J Appl Econ. 2011;3(1):91–100.
17
Grant M, Lloyd C, Mensch B, Comparative S, Review E, May N, et al. Menstruation and School Absenteeism : Evidence from
Rural Malawi. 2013;57(2):260–84
18
Phillips-Howard PA, Nyothach E, Ter Kuile FO, Omoto J, Wang D, Zeh C, et al. Menstrual cups and sanitary pads to reduce
school attrition, and sexually transmitted and reproductive tract infections: A cluster randomised controlled feasibility study in
rural Western Kenya. BMJ Open. 2016;6(11):1–11
11
problema deve ser avaliado sob ponto de vista mais sócio-comportamental, pois estão em causa
constructos socioculturais menos tangíveis quantitativamente e potencialmente melhor
explorados de forma qualitativa e holística, e sob ponto de vista dos próprios intervenientes.

Curiosamente, as constatações sugestivas de uma não relação entre os dois fenómenos, com base
em evidência gerada por estudos de intervenção, contrastam com as evidências trazidas por
estudos sócio-comportamentais, que foram capazes de gerar narrativas das próprias raparigas.
Estes estudos indicam que as próprias raparigas associam a GHM precária ao absenteísmo escolar.
Um estudo na Tanzânia (envolvendo 96 raparigas) mostrou que 33% das participantes relataram
falta de pensos higiénicos como motivo de absenteísmo e 43% sentiram que não tinham
privacidade suficiente na escola para gerir adequadamente a higiene menstrual 19 . Além disso,
mais da metade (cerca de 55%) das participantes de um estudo no Nordeste da Etiópia,
envolvendo 595 raparigas adolescentes, relataram terem estado ausentes da escola por 1 a 4 dias
durante a menstruação, tendo sido as principais razões o medo e o embaraço da descarga súbita
de sangue, seguido por, ou associado a, falta de absorventes e ausência de um espaço privado
para gerir a higiene menstrual20. De acordo com um estudo realizado em Uganda com 205 alunas,
mais da metade delas relataram que evitavam pôr-se de pé na sala de aulas durante a
menstruação e que tinham mais dificuldade de se concentrar durante a menstruação 4. Estes
estudos evidenciam que em ambientes escolares típicos da África Subsahariana, muitas raparigas
não dispõem de materiais sanitários básicos (e até de roupas íntimas adequadas) e são forçadas a
gerir a menstruação da melhor maneira possível para elas, dentro das condições do seu contexto.

A revisão dos pressupostos existentes na literatura, tanto os suportados como os não suportados
por evidência foi compilada num diagrama que constitui o enquadramento conceitual que guiou
a lógica na qual se prendeu a definição do conjunto de questões a levantar dentro da delimitação
do estudo e a respectiva análise (figura 1).

19
Sommer M. Where the education system and women’s bodies collide: The social and health impact of girls’ experiences of
menstruation and schooling in Tanzania. J Adolesc. 2010;4(33):521–9.
20
Tegegne T, Sisay M, Keerti J, Pravin Y, Adhikari P, Kadel B, et al. Menstrual hygiene management and school absenteeism
among female adolescent students in Northeast Ethiopia. BMC Public Health. 2014;14(1):1118.

12
Exclusão das raparigas da educação = iniquidades entre rapazes e raparigas

Fraco desempenho e Altas taxas de desistência Absentismo escolar Matrícula tardia/ não
participação escolar matrícula

 Vergonha e medo
 Baixa autoconfiança
GHM inadequado  Isolamento
 Desconcentração

Fórum doméstico Fórum escolar


 Desconforto
 Práticas deficientes  Falta de condições de
 Falta de
de higiene WASH
privacidade

Outros factores
 Papéis de
género
 Falta de
Acesso limitado a Falta de apoio Falta de legislação/directrizes ao
conhecimentos/
materiais sanitários social WASH e GHM
informação

Factores Factores
Escassez de intervenções IEC
económicos Normas culturais/ estruturais
crenças/ tabus

Alto custo de comodidades

Figura 1: enquadramento conceptual do estudo


13
2.4 Intervenções de GHM com base na evidência

Fora do âmbito científico, em termos programáticos a GHM é uma das principais prioridades do
Plano de Ação de Género (GAP) do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 2018-
202114. Até o momento, a liderança e a maior parte das ações realizadas com relação a GHM tem
origem no sector de WASH, com pouca liderança do sector de Educação, apesar da evidência
(embora de muito poucos estudos de qualidade) que sugere o impacto negativo que as instalações
inadequadas e o incumprimento das regras básicas de WASH têm na frequência escolar das
raparigas5. Neste âmbito, as intervenções para endereçar a GHM foram categorizadas como (i)
“intervenções de hardware”, que enfatizam a melhoria das instalações de Água, Saneamento e
Higiene e o fornecimento de dispositivos sanitários menstruais; e (ii) “intervenções de software”,
que endereçam o fraco conhecimento em relação à menstruação e abordam a GHM através da
educação sanitária.

Apesar de a GHM estar gradualmente a ser integrada na agenda de WASH, na África Subsariana,
Ásia e outras regiões do mundo onde não há facilidades adequadas de saneamento para crianças
e adolescentes em idade escolar21,22,23, por haver ainda pouca pesquisa avaliando o impacto de
intervenções baseadas em WASH, pode-se aferir que esta integração não está sendo feita com
base na evidência científica. Especificamente, não está claro o que define a escolha do tipo de
intervenções, o conteúdo das mesmas e a abrangência geográfica e populacional destas. Não
obstante a importância do WASH para endereçar a problemática da fraca GHM, qualquer que seja
a abordagem, ela estará incompleta se a componente educacional for ignorada. Daí que o sector
da Educação é chave neste processo. Negligenciar a relevância de uma abordagem baseada em
software (educação para a GHM) nas escolas significaria negligenciar o papel crucial que os fatores
socioculturais exercem sobre a GHM.

21
UNICEF. Advancing WASH in schools Monitoring. [Internet]. 2015. Available
from:https://www.unicef.org/wash/schools/files/Advancing_WASH_in_Schools_Monitoring%281%29.pdf
22
Sommer M. Putting menstrual hygiene management on to the school water and sanitation agenda. Waterlines.
2010;29(4):1756–3488.
23
Providing Sustainable Sanitation Services for All in WASH Interventions through a Menstrual Hygiene Management Approach.
World Bank.[Internet]. 2017. Available from:http://menstrualhygieneday.org/wp-
content/uploads/2017/12/WPSustainableSanitationMHM.pdf

14
A evidência em relação ao impacto das intervenções de educação para GHM na assiduidade
escolar é fraca, e talvez esta seria uma meta bastante ambiciosa entre os poucos estudos feitos
com uma limitação temporal para medição do impacto a médio e longo prazo para cada rapariga
envolvida. Não obstante, existe um indicador de impacto, muito mais conservador do que o
indicador referente ao absenteísmo ou o aproveitamento escolar, que é a própria mudança de
atitude e comportamentos em relação a higiene, a menstruação, e a sua gestão. Neste sentido, os
poucos estudos que avaliaram intervenções baseadas em educação para GHM nas escolas
mostraram resultados positivos. Por exemplo, um estudo abrangendo 416 estudantes em
mensagens endereçando percepções errôneas sobre a menstruação em Bangladesh demonstrou
melhorias significativas no conhecimento sobre a menstruação e, após a intervenção, a proporção
de estudantes adoptando melhores práticas de higiene menstrual incrementou em mais de 30%
24.

Em suma, a literatura sugere que as intervenções para melhorar a GHM devem ser lideradas pelo
sector da educação que detém o controlo das escolas, com apoio do sector de WASH. Intervenções
“Hardware” têm o potencial de endereçar as preocupações levantadas pelas raparigas no que
concerne à privacidade, segurança e recursos adequados para melhor gerir a sua higiene
menstrual. No entanto, não irá garantir melhor assiduidade por si só, se não estiverem presentes
as intervenções “Software”. Estas intervenções por sua vez devem incidir não só sobre como
melhor gerir a higiene menstrual mas também devem apoiar na desmistificação dos tabus em
relação a menstruação, tanto na escola como na comunidade, numa abordagem holística e
sensível às questões de género.

2.5 O contexto de Moçambique

Existe uma necessidade crítica de compreender os impactos negativos tanto para a saúde como
para aspectos socioeconómicos da GHM inadequada entre raparigas em idade escolar, uma vez
que a importância desta questão continua a merecer um fraco reconhecimento e por conseguinte
a ser inadequadamente abordada na maioria dos países de baixo rendimento.

24
Haque SE, Rahman M, Itsuko K, Mutahara M, Sakisaka K. The effect of a school-based educational intervention on menstrual
health: An intervention study among adolescent girls in Bangladesh. BMJ Open. 2014;4(7):1–9
15
Moçambique foi abrangido por um dos poucos estudos multinacionais (envolvendo 6 países da
África Subsaariana) sobre WASH em escolas nas zonas rurais. O estudo avaliou a cobertura das
condições de higiene menstrual recomendadas que incluíam quatro critérios de instalações e
equipamentos nomeadamente: (i) sanitários separados por sexo, (ii) existência de portas e
fechaduras, (iii) disponibilidade de água e (iv) lata de lixo. Em Moçambique, a cobertura das
instalações sanitárias melhoradas nas escolas rurais foi de 57%, equivalente à classificação mais
baixa entre os seis países alvo do estudo. No que diz respeito às condições relevantes para a GHM,
quase 50% das escolas não tinham nenhuma das condições exigidas e, menos de 5% das escolas
preenchiam pelo menos quatro dos cinco critérios, sugerindo que as más condições sanitárias
colocam desafios significativos às raparigas nas escolas deste país25.

Tanto quanto é do conhecimento dos pesquisadores, até 2017 (altura em que o presente estudo
foi desenhado) não tinham sido divulgados estudos para compreender os desafios diários das
raparigas associados a menstruação e as necessidades de ambientes amigáveis para a GHM em
Moçambique. O inquérito de base realizado pelo Programa Nacional de Abastecimento de Água e
Saneamento Rural (PRONASAR) aponta apenas alguns indicadores gerais relacionados com o
acesso a fontes de água e sanitários melhorados nas escolas, sem tocar nos aspectos directamente
relacionados com condições favoráveis a GHM escolas26 (anexo 16). Ultimamente (de 2018 até ao
momento) têm surgido iniciativas que abordam a questão das instalações para uma higiene
menstrual adequada nas escolas (por exemplo, a iniciativa ainda em desenvolvimento de um
protótipo de “sanitário amigável ao período menstrual”, pelo PRONASAR e parceiros, com
destaque para a Netherlands Development Organisation (SNV)27, bem como iniciativas comerciais
de disponibilização de insumos para a GHM, por exemplo: pela corporação BeGirl28 e Associação
Kukula 29 . Mais uma vez, estas iniciativas, apesar de serem levadas a cabo como fruto de um
esforço multi sectorial, com todos possíveis parceiros de implementação do Governo envolvidos,

25
Morgan C, Bowling M, Bartram J, Lyn Kayser G. Water, sanitation, and hygiene in schools: Status and implications of low
coverage in Ethiopia, Kenya, Mozambique, Rwanda, Uganda, and Zambia. Int J Hyg Environ Health. 2017;220(6):950–9
26
MOPH/DNA. PRONASAR. Inquérito de base 2011-2012. Estudo Institucional. Minuta do Relatório Final. Maio, 2012, Maputo.
27
SNV. Inauguration of a new period-friendly school toilet in Mozambique. May 2019.
http://www.snv.org/update/inauguration-new-period-friendly-school-toilet-mozambique. Acessado a 29 de Julho
2019.
28
BeGirl. Impact Report 2018.https://issuu.com/begirlorg/docs/be-girl-impact-report-2018_final. Acessado a 29 de Julho 2019
29
Jornal noticias. Quando a menstruação afasta as alunas das escolas. https://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/pagina-da-
mulher/37203-quando-a-menstruacao-afasta-alunas-da-escola.html. Acessado 31 de Agosto de 2019
16
têm sido esporádicas, com uma abrangência geográfica e populacional sem critérios claros e
consistentes e sem evidências do uso de indicadores de impacto fiáveis e capazes de medir
mudanças nas práticas específicas de GHM e eventualmente nos indicadores de desempenho
escolar.

Em 2018 foi conduzida uma consultoria para analisar a adequabilidade e inclusividade das
infraestruturas sanitárias construídas em 12 escolas periurbanas e rurais nas províncias de Niassa,
Nampula, Manica, Sofala e Maputo com o objetivo de desenhar opções de modelos de
infraestruturas sanitárias escolares inclusivas e adaptadas às necessidades da GHM nas escolas
primárias e secundárias. Foi usada a metodologia qualitativa (grupos focais com raparigas,
professoras, funcionárias, e pessoas com mobilidade reduzida; entrevistas semiestruturadas com
gestores, responsáveis escolares e conselho da escola; desenhos participativos, cartões de
pontuação; e observação direta das infraestruturas sanitárias existentes).

Esta consultoria mostrou que a falta de água, de limpeza e de privacidade das infraestruturas
sanitárias escolares são os principais desafios enfrentados e que apesar dos esforços realizados as
infraestruturas sanitárias escolares ainda não respondiam as necessidades dos diferentes utentes.
Em relação ao impacto da GHM nos resultados escolares verificou-se que as raparigas costumam
a faltar as aulas de educação física e as últimas aulas do seu turno quando estão no período30.
Este estudo teve como limitação o facto de apenas circunscrever-se ao ambiente escolar não
tendo envolvido meninas fora da escola e membros da comunidade, tendo-se centrado mais na
componente de infraestruturas de WASH estabelecidas pelos parceiros de implementação (anexo
1). Mais ainda, não está clara a base teórico-conceptual que levou a escolha dos constructos
sociais considerados para análise da componente sócio-comportamental.

As actividades, tanto do sector de Educação, como do de Saúde e de Obras Públicas e Habitação


são governadas por políticas que em teoria podem abranger esta questão sob ponto de vista de
Saúde Ambiental, Saúde Escolar e do Adolescente, Saúde Sexual e Reprodutiva e Abastecimento
de Água e Saneamento, nomeadamente: Estratégia de Promoção de Saúde e Prevenção da
Doença na Comunidade Escolar (20102016); Política da Juventude; Lei do Ambiente; Estratégia

30 María Salazar e Georgina Montserrat. Definição dos padrões sanitários escolares inclusivos e adaptados à gestão da higiene
menstrual. Maputo, Marco 2018.

17
Nacional de Água e Saneamento Urbano (2011-2025); Plano estratégico do Sector de Saúde (2012-
2016); e Plano Estratégico da Unidade de Assistência Técnica de Alfabetização Funcional (2017-
2021). Dentro das políticas mencionadas não foram encontradas evidências da priorização da
GHM para melhorar e garantir um ambiente escolar saudável para as raparigas em idade escolar
e acomodar qualquer tipo de iniciativa que endereça esta problemática. Existe assim a
necessidade de identificar lacunas específicas nas diferentes políticas, as inconsistências entre elas
e oportunidades de revisão das políticas, de modo a melhor traçar estratégias de implementação
envolvendo todas as partes interessadas e monitorar as actividades com base em indicadores
fiáveis e mensuráveis com vista o alcance de ambientes mais favoráveis a uma GHM adequada nas
escolas e comunidades.

A presente trabalho consistiu em uma pesquisa formativa sobre a GHM em locais seleccionados
do Sul, Centro e Norte de Moçambique, a fim de tecer recomendações para a consolidação de
políticas e iniciativas de GHM e contribuir com informações e evidências para o desenvolvimento
de intervenções de GHM relevantes e significativas para diferentes contextos de Moçambique.

18
3 OBJECTIVOS E CONTRIBUIÇÃO

3.1 Objectivo geral

O objectivo principal deste estudo foi: compreender os desafios enfrentados pelas raparigas em
idade escolar (10-14 anos) na prática de GHM em diferentes contextos socioculturais e geográficos
de Moçambique.

3.2 Objectivos Específicos

● Caracterizar os conhecimentos, normas socioculturais e práticas relacionadas com a


menstruação e a GHM em diferentes contextos socioculturais e geográficos de
Moçambique;
● Compreender os desafios enfrentados e experiências positivas vivenciadas pelas raparigas
dos 10-14 anos nas escolas e na GHM;
● Avaliar as causas dos desafios associados a menstruação;
● Comparar e contrastar os vários desafios e causas nos diferentes contextos socioculturais
e geográficos seleccionados;
● Identificar os determinantes de um ambiente amigável à GHM para raparigas nos
diferentes contextos socioculturais geográficos identificados;
● Identificar pontos de intervenção que possam superar os desafios e permitir um ambiente
amigável a GHM para raparigas;
● Informar ao “pacote básico de intervenções” e mecanismos institucionais que podem ser
implementados e sustentados em escala entre os contextos socioculturais e geográficos
seleccionados.

3.3 Contribuição do estudo

Este trabalho de pesquisa visa contribuir com conhecimento de modo a melhorar a compreensão
dos desafios enfrentados durante a puberdade e menstruação entre raparigas em diferentes
contextos socioculturais e geográficos de Moçambique. Contribui também com a identificação dos

19
factores sociais, culturais, económicos e estruturais associados a esses desafios, de forma a
identificar pontos de intervenção para minimizá-los a curto e médio prazo, bem como ultrapassá-
los a longo prazo através da criação de um ambiente amigável a GHM a nível da escola com o
suporte necessário da comunidade. Os resultados também podem servir de linha de base, com a
qual podem ser feitas comparações durante e após a implementação de intervenções concretas
de GHM nas escolas ao nível dos distritos estudados.

20
4 MÉTODOS

4.1 Locais de estudo

O estudo foi levado a cabo em zonas urbanas e rurais de três províncias de Moçambique:
Inhambane, Tete e Nampula. As províncias foram propositadamente seleccionadas para capturar
a diversidade de crenças culturais e normas sociais que diferem substancialmente entre as
principais regiões geográficas do país (norte, centro e sul), bem como as diferenças sócio-
económicas e políticas marcantes entre as três regiões. A decisão final em relação aos locais acima
referidos em representação de cada região foi estabelecida por intermédio de consultas feitas
pelo UNICEF-Moçambique ao grupo técnico multissetorial para WASH que actua a nível central,
constituído por representantes governamentais e parceiros, nomeadamente: Ministério da
Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH); Ministério da Saúde (MISAU); Ministério das
Obras Públicas; Habitação Recursos Hídricos; Ministério de Economia e Finanças; Visão Mundial;
WaterAid; Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER); e a SNV.

Figura 2: Locais do estudo sobre GHM em 3 províncias do país

21
Em cada uma das 3 províncias escolhidas, foram seleccionados dois distritos, um representando
um município e outro representando uma área mais rural. Assim, na província de Inhambane foi
seleccionado o município de Massinga que representa uma área com características urbanas e o
distrito de Homoíne representando uma área com característica mais rurais; em Tete foi
selecionado o município de Moatize, representando a área urbanizada e o distrito de Chiúta como
área rural; e finalmente na província de Nampula o município de Nacala-Porto e o distrito de
Meconta representaram as áreas urbanizadas e rural respectivamente. Em cada um dos 6 distritos
ou municípios do estudo, foi escolhido um local remoto e outro próximo a sede do posto
administrativo ou do círculo da área municipal, de modo a capturar possíveis contrastes entre as
escolas mais próximas e as mais remotas dos centros onde os serviços, comodidades e
infraestruturas estão concentrados. Esta estratégia de estratificação baseou-se na premissa
fundamental de que o afastamento pode afectar a prestação e o uso de serviços de higiene e
saneamento, bem como a exposição a informação, afectando portanto a compreensão e a prática
de GHM.

Em suma, no total foram seleccionadas 3 províncias, 6 municípios ou distritos, e 12 Postos


administrativos ou sub-distritos urbanos e em cada um destes 12 locais foi escolhida uma escola
primária completa (EPC). As subsecções que se seguem deste sumarizam a informação básica do
contexto geo-sociocultural de cada província e respectivos distritos seleccionados.

4.1.1 Província de Inhambane

A província de Inhambane está localizada na região sul de Moçambique, com uma área de 68.615
Km², com cerca de 1.494.824 habitantes31. Sua capital é a cidade de Inhambane, localizada a cerca
de 500 Km ao norte da cidade de Maputo (a capital do país). Esta província é limitada a norte pelas
províncias de Sofala e Manica, a leste pelo Oceano Índico e a sul e a oeste pela província de Gaza.
Os grupos étnicos dominantes são os Matswa, os Bitonga e os Chopi32,33. Em relação à religião, o

31
CENSO 2017, IV Recenseamento Geral da População e Habitação, INE
32
https://issuu.com/projetomoatizeexpansao/docs/guiaculturalmocambique14_11_pt_lowr. Acessado a 29 de
Julho de 2019
33
http://www.fao.org/gender-landrights-database/country-profiles/countries-list/customarylaw/pt/?country_iso3=MOZ.
Acessado a 29 de Julho 2019
22
Cristianismo é dominante, especialmente pelos Protestantes (Metodistas, seguidos pelos
Anglicanos) e por fim Católicos.

Tabela 1: Características dos distritos seleccionados em Inhambane

Distritos Localização (Km População Língua (s) Religião No de escolas


da sede) (habitantes) mais falada(s) Predominante

HOMOINE* 87 Km de 122.000 Xitswa Católica 47 EP1


Inhambane
27 EP2

2 ESG

1 IFP

13 AEA

MASSINGA** Centro de 199.000 Xitswa Metodista e 65 EP1


Inhambane Católica
44 EP2

1 ESG1

2 ESGE

149 AEA

* Ministério de Administração Estatal. Perfil do Distrito de Homoine, Província de Inhambane. Edição 2014
** Ministério de Administração Estatal. Perfil do Distrito de Massinga, Província de Inhambane. Edição 2014

4.1.2 Província de Tete

A província de Tete está localizada na região central de Moçambique, possui uma área de 100.724
Km² e uma população de 2.648.941 habitantes 34 , fazendo fronteira com Malawi (nordeste),
Zâmbia (noroeste) e Zimbábue (sudoeste). Dentro do país, Tete faz limite com as províncias de
Manica e Sofala ao sul, e com a província de Zambézia a leste. Tem como maior grupo étnico o
Nyungwe. O Cristianismo é a religião dominante, sendo a maioria Católica, seguida pela
Protestante. A província é atravessada pelo rio Zambeze, que abriga a barragem de Cahora Bassa,

34
INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. 2017. CENSO 2017, IV Recenseamento Geral Da População e Habitação.

23
uma das maiores do continente africano e fornecedora de energia elétrica a nível nacional bem
como para os países vizinhos.

Tabela 2: Características dos distritos seleccionados em Tete

Distritos Localização (Km População (mil Língua (s) mais Religião No de escolas
da sede) habitantes) falada (s) Predominante

MOATIZE* 20 Km de Tete 343.546 Nyúngwe e Zione 76 EP1


Nyanja
15 Institutos

CHIUTA 75 Km de Tete 103.875 Chichewa Católica 63 EP1

1 EPC**

* Edição 2014 PERFIL DO DISTRITO DE MOATIZE PROVÍNCIA DE TETE MARAVIA ZUMBU MAGOE CHIUTA.
** MINED. 2016. “Manual de Distribuição de Recursos Financeiros por Escola, 2016.”

4.1.3 Província de Nampula

Nampula é uma província situada ao norte de Moçambique. Esta província faz limite com a
província de Cabo Delgado e o rio Lúrio à norte, com a província de Niassa a noroeste, com a
província de Zambézia a sudoeste e o oceano Índico a leste. A cidade de Nampula, que se classifica
como a terceira maior cidade do país, é a capital da província. A província de Nampula tem cerca
de 5.758.920 habitantes35 circunscritos a uma área de 81.606 Km², a maioria pertencente ao grupo
étnico Makhuwa. A religião dominante em Nampula é o Islamismo, seguida pelo Cristianismo (na
sua maioria Católicos e Protestantes).

35
INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. 2017. CENSO 2017, IV Recenseamento Geral Da População e Habitação.

24
Tabela 3: Características dos distritos seleccionados em Nampula

Distritos Localização (Km População Língua (s) mais Religião No de escolas


da sede) (habitantes) falada (s) Predominante

MECONTA Centro Leste da 250.425 Emakhuwa Muçulmana 69 EP1


Província de
Nampula 8 EP2

1 ESG1

NACALA PORTO Nordeste da 225.034 Emakhuwa Muçulmana 58 EP1 e EP2


Cidade de
Nampula 7 ESG1

4 ESD2

2 ETP

4.2 População de estudo

A população-alvo deste estudo foi composta por raparigas e rapazes em idade escolar, que se
pressupôs à partida que pertencessem a um intervalo de População de estudo
idades entre 10 a 14 anos, raparigas da mesma faixa etária  Raparigas e rapazes que
frequentam a escola
que no momento do estudo não frequentavam a escola,
 Raparigas que não
adultos identificados como potenciais encarregados de frequentam a escola
 Pais e encarregados (mães,
educação dos rapazes e raparigas em idade escolar
pais, tias tios)
(nomeadamente: pais, tios, mães e tias de crianças na faixa  Matronas/ Madrinhas
 Professores e directores de
etária mencionada), bem como matronas (ou entidades escola
equivalentes, dependendo do local específico do estudo)**, e
professores das escolas primárias seleccionadas para o estudo (do primeiro, segundo graus ou
completas).

4.3 Desenho de estudo

25
O estudo seguiu um desenho de estudo qualitativo baseado em métodos de Estudo Etnográfico
Focalizado (FES) 36 ,9. Considerou-se o método etnográfico pois é o mais adequado para a
compreender as normas culturais e perceber como estas afectam as escolhas, os modos de viver
(práticas) e de ser (atitudes) das pessoas, sendo estas parte de uma comunidade específica. No
entanto, em estudos FES, as técnicas de recolha de dados são mais contemporâneas do que as
técnicas comumente usadas em estudos etnográficos clássicos. Assim, recorreu-se a discussões
em grupos focais (em substituição aos grupos naturais) e entrevistas semiestruturadas (em
substituição das entrevistas não estruturadas ou informais). Recorreu-se também as observações
pontuais (em substituição as observações participantes) que, embora tenham gerado dados
quantificáveis, o número limitado de observações feitas - ditado pelo número de escolas
seleccionadas - fez este método recair dentro do desenho de estudo qualitativo. O estudo foi
subdividido em duas componentes de recolha de dados: nas escolas e na comunidade, sendo que
cada componente tinha uma combinação única de respondentes e técnicas de recolha de dados
(figura 3).

36
Sommer M. Ideologies of sexuality, menstruation and risk: Girls’ experiences of puberty and schooling in northern Tanzania. Cult
Heal Sex. 2009;11(4):383–98.
9Smiles D, Short SE, Sommer M. “I Didn’t Tell Anyone Because I Was Very Afraid”: Girls’ Experiences of Menstruation in

Contemporary Ethiopia. Women’s Reprod Heal. 2017;4(3):185–97.


**Matronas são mulheres mais velhas da comunidade com experiência no uso de métodos tradicionais de cuidados de saúde e
uso de plantas medicinais que usualmente assistem crianças e mulheres grávidas. Os seus conhecimentos e habilidades são
adquiridos com base em experiência própria. Dependendo do local do estudo, foram também referidas como madrinhas,
conselheiras ou idosas. Para o propósito deste estudo, foi usado o termo matrona na generalidade bem como os termos específicos
caso a informação fosse referente apenas a uma determinada área.
26
Observação:
Sanitários da escola

Entrevistas semi-
estruturadas: Professores
Recolha de dados na
Abordagem do método qualitativo com 2

escola
componentes de recolha de dados

DGFs: raparigas

DGFs: rapazes

DGFs: mães/ tias

DGFs: pais/tios
Recolha de dados na
comunidade
DGFs: Matronas

DGFs: Raparigas fora da


escola
Figura 3. Técnicas de recolha de dados de acordo com a componente do estudo

Na escola, seguiu-se uma abordagem de triangulação entre dados obtidos por meio de Discussões
em Grupos Focais (DGFs) com raparigas e rapazes em idade escolar dentro da faixa etária prevista
(10 a 14 anos), entrevistas semi-estruturadas (ESE) com professores e um exercício de observações
estruturadas pontuais das condições de WASH. Na comunidade utilizou-se o método único de
DGFs com raparigas da mesma faixa etária que a acima mencionada que não frequentam a escola,
encarregados de educação dos rapazes e raparigas, e matronas. As DGFs e ESE permitiram obter
informações sobre normas, questões socioculturais e atitudes relacionadas com a puberdade e
menstruação, bem como a percepção das raparigas e membros da comunidade sobre a
menstruação e relatos da GHM na comunidade. As entrevistas semi-estruturadas permitiram
elucidar sobre o contexto de GHM especificamente nas escolas e as observações directas
elucidaram sobre as condições de WASH nas escolas.

27
4.4 Pontos de entrada para o trabalho de campo

Antes do início das actividades de campo, a equipa de estudo visitou as instituições de tutela,
nomeadamente as Direcções Provinciais de Educação e Desenvolvimento Humano (DPEDH) das
províncias seleccionadas, os Serviços Distritais de Educação Juventude e Tecnologia (SDEJT) dos
distritos abrangidos pelo estudo, bem como as autoridades locais, com o objectivo de apresentar
a equipe de estudo, o plano de pesquisa detalhado (objetivos, grupo alvo, metodologia,
cronograma proposto e resultados esperados) e obter permissão para a iniciar com a recolha
dados.

Os directores das escolas seleccionadas, seus adjuntos e os responsáveis de saúde escolar e


género foram contactados e foi-lhes apresentado o plano detalhado de pesquisa e solicitada a
permissão para a iniciar com as actividades de campo.

Nas escolas foram também realizadas reuniões com os membros do conselhos de escolas e com
os pais e encarregados de educação das raparigas e rapazes dos 10-14 anos para explicar os
procedimentos de estudo, os métodos de recrutamento dos participantes e o consentimento dos
encarregados de educação pelo facto dos participantes serem menores de idade.

4.5 Recrutamento e modo de selecção dos participantes

4.5.1 Selecção das Escolas

Foram seleccionadas 12 escolas nas 3 províncias, cabendo a cada província 4 escolas (tabela 4).
Todas as escolas foram identificadas pelas DPEDH em colaboração com a UNICEF com base nos
seguintes critérios:

● Em cada distrito deveriam ser selecionadas duas escolas - uma escola na sede (a mais
central possível) e uma escola numa zona distante e com menos probabilidade de acesso
a insumos, vias de acesso e comunicação de modo a termos representadas as duas
situações mais extremas possíveis em termos de condições de WASH.
● Todas escolas deveriam estar na categoria de Escola Primária Completa (1ª a 7ª classes).

28
Na província de Nampula as escolas inicialmente seleccionadas no distrito de Meconta
nomeadamente, EPC Eduardo Mondlane e EPC de Namialo, foram substituídas por outras escolas,
pois no campo constatou-se que estavam muito próximas uma da outra. Em consenso entre a
equipa de pesquisa e o director dos Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia
(SDEJT) de Meconta, a EPC Eduardo Mondlane foi substituída pela escola primária Joaquim
Chissano. Verificou-se no terreno que a escola substituta não possuía critérios de inclusão pois
tratava-se de uma escola do 1o grau (1ª a 5ª classe). Assim, o director sugeriu à EPC de Rainha,
situada na sede da localidade de Meconta.

Tabela 4: Lista de escolas seleccionadas por distrito e província


Província Distrito/ Nome da escola
Município

Inhambane Homoíne EPC de Homoíne-Sede

EP de 1º e 2º Graus de Maxavela

Massinga EP de 1º e 2º de Mudauca

EP de 1º e 2º Grau de Nhachengue

Tete Moatize EP 1º e 2º de Nhamitsatse

EP de 1º e 2º Graus da Liberdade

Chiuta EPC 7 de Abril

EP de 1º e 2º Graus de Caimba

Nampula Meconta EPC de Rainha

EP de 1º e 2º Graus de Namialo

Nacala-Porto EP de 1º e 2º Graus de 7 de Abril

EP de 1º e 2º Graus de Locone

4.5.2 Selecção e Recrutamento dos participantes

29
A selecção dos alunos para as DGFs foi realizada com base em listas de alunos dos 10 aos 14 anos
fornecidas pelos professores. A meta era selecionar de 6 a 12 raparigas e o mesmo número de
rapazes em cada escola, totalizando 12 a 24 participantes de DGFs por escola (2 discussões em
cada escola). A selecção dos participantes foi feita com o apoio dos professores que indicavam na
lista as raparigas e rapazes activos e participativos (condição para poderem relatar experiências
do dia-a-dia suas e de seus pares), e raparigas que provavelmente já tivessem começado a
menstruar. Foi concordado com os professores, que seriam pré-selecionados 30 potenciais
participantes (15 cada sexo) em cada escola para permitir garantir até 24 participantes por escola
após possíveis ausências e recusas no dia da discussão. Com base nestas listas foram convocados
os pais e encarregados de educação das crianças seleccionadas para uma reunião na escola
juntamente com os membros do conselho de escola onde foram explicados os objectivos do
estudo, a natureza voluntária de participação no estudo, o significado do consentimento
informado dos pais, para além do assentimento das próprias crianças como um dos requisitos
principais para a participação do estudo. Após a selecção, as crianças foram separadas por sexo
para a realização dos grupos focais em simultâneo.

No que diz respeito às entrevistas semi-estruturadas, foram entrevistados em cada escola uma
professora e um professor tendo como critério de inclusão o facto de leccionarem turmas com
alunos com idades entre 10-14 anos. A sua selecção foi feita em colaboração com o director
pedagógico de cada escola.

No mesmo dia em que decorriam as actividades de grupos focais e entrevistas em cada escola, foi
realizada uma sessão de observação em relação às condições de higiene e saneamento no recinto
da escola e nos sanitários da mesma. A tabela 5 sumariza todas as actividades levadas a cabo nas
escolas.

Para a recolha de dados na comunidade, contactos foram feitos com as entidades administrativas
(administradores distritais, chefes dos postos administrativos, chefes de localidade e secretários
dos bairros), os quais apoiaram a equipe do estudo na selecção de pais/ cuidadores, matronas e
raparigas que não frequentam a escola, de acordo com os seguintes critérios de inclusão,
discutidos previamente entre os membros da equipe de estudo e os secretários dos bairros e
adaptados aos seguintes conceitos localmente perceptíveis:

30
Critérios de inclusão no estudo

Critérios de inclusão aplicáveis a todos os participantes:


● Residentes na área de estudo

Critérios aplicáveis aos adolescentes:


● Raparigas na faixa etária de 10-14 anos
● Desistentes, não matriculadas ou que nunca frequentaram a escola

Critérios aplicáveis aos adultos:


● Encarregados de educação de educação de raparigas e/ou rapazes dos 10-14 anos
● Grau de parentesco: pais, mães, tias ou tios de raparigas e/ou rapazes dos 10-14 anos
ou
● Mulheres mais velhas (anciãs), idóneas e referências na comunidade
ou
● Professores leccionando nas escolas seleccionadas

4.6 Procedimentos de recolha de dados

4.6.1 Discussões em grupos focais

As discussões em grupo focais foram usadas para obter informações verbais sobre normas,
questões socioculturais e atitudes relacionadas com a puberdade e menstruação, bem como as
percepções das raparigas e dos membros da comunidade seleccionados sobre a menstruação e
sua gestão. Serviram também para aferir sobre características percebidas do contexto dentro e
fora da escola que podem constituir barreiras ou facilitadores para a implementação de um
ambiente favorável a uma GHM adequada. As DGFs na escola envolveram em média 10
participantes e na comunidade 15 participantes. Estas, que foram conduzidas em locais tranquilos
(ex.: numa sala de aulas reservada para o efeito ou no local normalmente alocado para as reuniões

31
do bairro ou do círculo) com pouca possibilidade de interferências por transeuntes, duraram entre
40 e 120 minutos.

Figura 4. DGF com rapazes - localidade de Mudauca, distrito de Massinga, Inhambane

Figura 5. DGF com raparigas - localidade de Maxavela, distrito de Homoine, Inhambane

As discussões eram guiadas por um facilitador e um observador através de um roteiro de


perguntas abertas que abordavam os tópicos relacionados com os aspectos acima mencionados
(anexos 2 a 7). As DGFs foram registadas através de gravações em áudio com a permissão dos
participantes, e anotações em formato de notas de campo.
32
Figura 6. DGF com matronas - localidade de Nhamitsatse, distrito de Moatize, Tete

4.6.2 Entrevistas semi-estruturadas

As entrevistas semi-estruturadas são técnicas qualitativas de recolha de dados que foram


conduzidas por um entrevistador por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada (anexo 8)
com uma combinação de perguntas abertas e fechadas que abordaram conhecimentos dos
professores sobre a puberdade e a menstruação, suas experiências e atitudes em relação a lidar
com raparigas menstruadas e perspectivas sobre a GHM nas escolas e na comunidade. As
entrevistas, que duraram entre 30 e 60 minutos, foram levadas a cabo em locais onde a
privacidade pudesse ser garantida (ex.: sala dos professores ou do director da escola) e foram
gravadas através de gravadores digitais de voz com a permissão dos participantes.

4.6.3 Observações estruturadas pontuais


33
Observações pontuais (técnica amplamente utilizada em estudos de saúde ambiental com
componentes de comportamento social) 37 foram empregues para capturar condições e
características físicas visíveis relacionadas com WASH (como a presença e o estado de certas
infraestruturas de higiene e saneamento). Uma vez que estas observações são realizadas de forma
transversal, ao invés de seguir continuamente um indivíduo ou grupo de indivíduos por horas até
que um determinado comportamento seja testemunhado, elas permitem que vestígios ou proxies
das práticas habituais de higiene sejam capturados, ao mesmo tempo que permite a medição de
comportamentos que são frequentes ou altamente prováveis de ocorrer dentro de um curto
período de tempo intencionalmente selecionado. No contexto deste estudo foi feita uma
observação por cada visita efectuada a uma escola, totalizando 12 sessões de observações. As
observações foram baseadas em um formulário contendo indicadores observáveis relacionados
com a GHM ou seja: presença de um sanitário e, se em uso, as características do sanitário (laje,
assento e material da superestrutura); limpeza da área da laje e do piso do sanitário; presença de
insumos para higienização das mãos e do corpo (água, sabão ou alternativas) não sanitário ou
arredores imediatos; condições de armazenamento de água; presença de portas e com trincos; e
características dos usuários do sanitário (ver guião de observação, anexo 9).

37
Chidassicua JB e Adorno RC. Práticas e conhecimentos relacionados ao saneamento e higiene na comunidade de
Mopeia. Revista Científica da UEM: Série Ciências Biomédicas e Saúde. 2015; 1(1).

34
Critérios usados para a observação estruturada:

● Acesso a uma fonte fiável de água no recinto da escola


● Funcionalidade da fonte de água
● Presença de sanitários no recinto escolar (pelo menos do tipo sanitário com fossa, laje e
tampa)
● Separação dos sanitários em compartimentos de acordo com género dos utentes
● Presença de dispositivo para lavagem das mãos dentro ou nas proximidades do sanitário
● Presença de sabão ou alternativas
● Presença de condições para secagem de mãos
● Tipo de piso e limpeza do mesmo
● Odores e presença de moscas
● Infraestrutura com tecto e portas funcionais com trinco
● Iluminação adequada
● Evidência de que o sanitário está em uso

● Presença de recipientes para o descarte de materiais de higiene

● Gestão do lixo

● Sistema de drenagem functional

4.7 Gestão e análise de dados

Os dados das entrevistas e DGF, que foram colhidos tanto em Português como nos idiomas locais,
foram gravados através de gravadores digitais de voz e transcritos na íntegra (palavra por palavra)
em Português. Uma gravação de uma hora foi equivalente a uma dedicação de 16 horas de
transcrição. A validação do material gravado foi realizada confrontando o material transcrito com
o conteúdo áudio original de 5% das DGF e entrevistas semiestruturadas selecionadas
aleatoriamente. A análise dos dados foi realizada utilizando o software de análise de dados
qualitativos NVivo versão 12.0 (QSR International Pty. Ltd. 2012), onde foi criada uma plataforma
de análise de dados denominada “Projecto MHM” para o qual foi importado todo o material

35
transcrito. Foi usada a estratégia de análise temática, que permitiu identificar, organizar,
interpretar e reportar padrões (temáticas) de pensamento dos inquiridos em relação à
problemática de GHM. A análise temática vai para além da simples contagem de frases ou palavras
relacionadas com um tema pré-determinado, mas identifica ideias implícitas e explícitas nos dados
(requerendo dos investigadores uma alta capacidade de lidar com a subjectividade, e um alto
sentido de abstração e interpretação). Esta identificação das temáticas e sua ligação com os dados
foi feita através da codificação sistemática, um o processo que consiste na leitura, linha por linha,
de cada transcrição acompanhada em simultâneo pela categorização das ideias identificadas no
texto e a unificação das mesmas a códigos específicos que expressam as diferentes temáticas do
estudo. Uma vez categorizadas todas ideias, as ideias semelhantes foram agrupadas em
categorias. As mesmas categorias foram analisadas por província e/ou grupo alvo sempre que tais
semelhanças ou diferenças fossem aplicáveis e relevantes a análise 38 . Os dados gerados pelas
observações nas escolas foram digitados em Ms Excel onde cada indicador tinha diferentes
categorias de acordo com o que foi observado. Para cada indicador, a frequência de cada categoria
foi contabilizada para cada província dando origem a uma tabela de frequência.

4.8 Equipe de pesquisa

O estudo foi conduzido pelo Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM). O desenho de
estudo e supervisão macro das atividades foi liderado por uma investigadora sénior em Ciências
Sócio-comportamentais aplicadas à Saúde Pública e a recolha de dados foi coordenada por uma
cientista social, suportada no terreno por uma assistente de pesquisa e entrevistadores e
transcritores locais que variavam em número de província em província. Estes entrevistadores e
transcritores foram identificados com o apoio do ponto focal da DPEDH para a província de
Inhambane e pelos responsáveis do departamento de pesquisa da Universidade de Zambeze em
Tete e da Universidade Pedagógica de Nampula tendo em conta experiência prévia em recolha de
dados qualitativos. Os entrevistadores e os transcritores são fluentes em Português e em línguas
locais das províncias de Inhambane (Xitswa), Tete (Nyungwe e Chhewa) e Nampula (Emakhuwa).

38
Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating Rigor Using Thematic Analysis : A Hybrid Approach of Inductive and
Deductive Coding and Theme Development. Int J Qual Methods. 2006;5(1):80–92.

36
A gestão e processamento de dados, contou com os serviços de quatro transcritores baseados nas
províncias de Tete e Nampula e uma transcritora baseada no CISM.
Os entrevistadores e transcritores passaram por uma formação de 2 dias onde foi apresentado o
protocolo de estudo, foram instruídos sobre procedimentos de estudo, métodos de recolha de
dados, administração de consentimento informado, as regras de transcrição e avaliou-se a sua
oralidade e escrita nas línguas locais. Foram seleccionados os candidatos que tiveram melhor
prestação na avaliação escrita no final da formação.

37
5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

O estudo foi orientado pelos Termos de Referência elaborados por UNICEF- Moçambique e
posteriormente por um protocolo de pesquisa, cuja aprovação ética foi feita pelo Comitê
Institucional de Bioética para Saúde do CISM (CIBS-CISM) (anexo 10) e a aprovação administrativa
foi concedida pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) (anexo 11).

A participação neste estudo foi voluntária. Um consentimento informado por escrito, antecedido
de uma leitura e esclarecimento da folha informativa do participante (anexo 12) foi solicitado a
cada participante. Os participantes que não sabiam assinar colocaram a sua impressão digital na
folha de consentimento informado perante uma testemunha. Antes da gravação em áudio de
qualquer entrevista ou DGF, foi solicitado consentimento oral adicional específico para a gravação.

Para os participantes menores de 18 anos de idade, foi-lhes solicitado um assento informado


ligado a uma folha de informação ao participante adaptada para melhor compreensão por parte
dos menores (anexos 13 e 14). Para além do assento assinado pelos próprios menores, os seus
pais, ou encarregados de educação assinaram um consentimento informado aceitando que os
seus filhos(as) ou educandos(as) participassem no estudo.

Especificamente para o grupo de raparigas fora da escola, depois de terem sido identificadas com
sucesso com o apoio dos líderes comunitários, poucos pais ou encarregados de educação fizeram-
se presentes nas reuniões de sensibilização impossibilitando-os de formalmente consentirem
pelas suas filhas ou educandas, por desconfiança de represálias pelo facto de as crianças não
frequentarem a escola. Esta situação verificou-se nas 3 províncias onde decorreu a recolha de
dados. Para estes casos, os pais e encarregados de educação delegaram a responsabilidade pelas
filhas ou educandas aos próprios líderes comunitários e assim estes assinaram o consentimento
informante mediante assento das raparigas e autorização oral dos pais/encarregados de
educação.

Sendo o tópico do estudo muito sensível e envolvendo tanto raparigas como rapazes, menores de
idade, as DGF com raparigas foram conduzidas por uma facilitadora e as com rapazes por um
38
facilitador, ambos jovens e devidamente treinados para lidar com crianças, adolescentes e jovens.
A cada participante recrutado para o estudo foi atribuído um número único de estudo, que foi
utilizado para identificação na entrada de dados, permitindo assim a anonimização dos dados para
garantir a confidencialidade da informação. Todos consentimentos assinados, guiões preenchidos,
gravações em áudio e transcrições estão guardados em compartimentos trancados e acessíveis
apenas pela equipe de pesquisa.

39
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 Actividades realizadas

Nas escolas foram realizadas no total 24 DGFs, 12 com rapazes e 12 raparigas dos 10 aos 14 anos,
onde o número de participantes das DGFs com rapazes foi de 132 e com as raparigas de 136
totalizando 289 participantes. Foram também realizadas 24 entrevistas semi-estruturadas com os
professores e 12 observações estruturadas em sanitários das 12 escolas seleccionadas.

Tabela 5: Actividades realizadas nas escolas

Técnica de recolha de Nr. de Nr. de


Grupo alvo/ Objecto de estudo
dados actividades participantes

Raparigas nas escolas (10-14 anos) 12 136

Discussão em Grupo
Rapazes nas escolas (10-14 anos) 12 132
Focal

Total 24 268

Professores 24 24
Entrevista semi-
estruturada
Total 24 24

Sanitários 12 N/A
Observação
Total 12 N/A

Em relação as actividades levadas a cabo com os grupos-alvo secundários na comunidade, foram


realizadas no total 36 DGFs das quais 6 com raparigas fora da escola, 12 com pais e tios, 12 com
mães e tias e 6 com matronas. As DGFs com raparigas fora da escola alcançaram 48 participantes,
e as DGFs com adultos na comunidade envolveram 113 pais e tios, 180 mães e tias e 67 matronas
totalizando 408 participantes.

40
Tabela 6: Actividades realizadas na comunidade

Método de recolha Nr de Nr de
Grupo alvo
de dados actividades participantes

Raparigas fora da escola (10-14 anos) 6 48

Pais e tios 12 113

DGF Mães e tias 12 180

Matronas 6 67

Total 36 408

6.2 Características dos participantes do estudo

O presente estudo envolveu 700 participantes ao nível das 3 províncias, de entre eles 268 alunos
(136 raparigas e 132 rapazes que frequentam a escola), 48 raparigas que não frequentam a escola,
24 professores, 67 matronas, 113 pais e tios, e 180 mães e tias de rapazes e/ou raparigas em idade
escolar (tabelas 5 e 6).

Em relação ao grupo alvo principal do estudo, no total participaram 184 raparigas e 132 rapazes
em idade escolar. As raparigas perfazem 58% desta amostra e de entre elas, as que não vão à
escola perfazem 15%.

As raparigas e rapazes que participaram nas DGFs nas escolas tinham entre 10 e 16 anos de idade
(tabela 7)39, tendo sido as províncias de Inhambane e Nampula com mais tendência a estes serem

39
A faixa etária de 10-14 anos foi o intervalo que se pressupôs cobrir a idade mínima de pré-adolescentes na escola primária (10
anos) e a idade máxima de adolescentes ainda na escola primária (14 anos). No entanto, o processo de selecção nas escolas
dependeu de listas produzidas pelos professores e directores, os quais foram devidamente instruídos sobre os critérios de inclusão.
Mais ainda, o convite às reuniões de pré-selecção com os pais/encarregados de educação dos potenciais participantes basearam-
se nas listas produzidas pelos professores/directores, onde pressupôs-se tratar-se apenas de crianças dos 10-14 anos de idade.
Não obstante, os professores e directores acabaram convidando um total de 3 rapazes > 14 (2 com 15 anos e 1 com 16 anos), e 6
raparigas > 14 anos (5 com 15 anos e 1 com 16 anos). Uma vez que apena detetou-se esta situação durante o grupo focal, sendo
41
mais novos (10 a 13 anos) e a província de Tete com maior tendência a serem mais velhos (14 a
16 anos). Todos participantes deste grupo alvo eram solteiros e frequentavam entre 1ª e 7ª
classes, sendo que na província de Inhambane concentravam-se mais na 5ª e 7ª classes, na
província de Tete o intervalo era entre 6ª a 7ª classes e na província de Nampula encontravam-se
no intervalo entre 5ª a 6ª classes.

Tabela 7: Informação demográfica dos alunos (n=268)

Características dos alunos n (%)

Idade (média, min.- max.)

12 (10-16)39 268 (100%)

Sexo

Masculino 132 (49%)

Feminino 136 (50%)

Estado civil

Solteiro 268 (100%)

Classe em frequência

1ª Classe 2 (1%)

2ª Classe 1 (0.4%)

3ª Classe 5 (2%)

4ª Classe 30 (11%)

5ª Classe 64 (24%)

6ª Classe 84 (31%)

7ª Classe 82 (31%)

demasiado tarde para retirar os participantes do grupo, ponderou-se o risco de dano social para os estudantes retirados do grupo
com o risco de prejudicar a integridade dos dados pela presença de uma minoria (2% dos participantes) com a idade superior a
estipulada e o facto de quase todos considerados “maiores” tinham 15 anos acabados de completar – isto é muito próximo a 14
anos. Concluiu-se que haveria mais ganhos em inclui-los do que em exclui-los.
42
As raparigas fora da escola que participaram nas DGFs nas comunidades perfazem cerca de 15%
do total de participantes do estudo. As participantes deste grupo eram todas solteiras (100%) e
tinham em média 13 anos (min. 10; max. 18)40, tendo sido as províncias de Nampula e Tete as com
mais tendência a estas serem mais novas (10 a 13 anos) e a província de Inhambane com mais
tendência a serem mais velhas (14 a 16 anos). Em relação ao nível de educação 26 (25%) das
raparigas entrevistadas tinham o nível primário incompleto, 9 (3%) tinham o nível primário
completo, 7 (43%) tinham o nível secundário incompleto e 6 (28%) nunca haviam estudado.

Tabela 8: Informação demográfica das raparigas fora da escola (n=48)

Características das
n (%)
raparigas fora da escola

Idade (média, min.- max.)

13 (10-18)40 48 (100%)

Sexo

Feminino 48 (100%)

Estado civil

Solteiro 48 (100%)

Nível de educação

Primário Incompleto 26 (25%)

Primário completo 9 (3%)

Secundário incompleto 7 (43%)

Secundário completo 0 (0%)

Não estudou 6 (28%)

40A faixa etária de 10-14 anos foi o intervalo que se pressupôs estar pareada com a idade mínima e máxima esperada de
pré-adolescentes e adolescentes que deveriam estar a frequentar a escola primária. No entanto, dado que o processo
de selecção na comunidade dependia dos líderes comunitários, estes acabaram convidando um total de 6 meninas com
15 anos acabados de completar e 1 de 18 anos. Uma vez sendo bastante desafiante encontrar um número suficiente de
meninas fora da escola dispostas a participar no estudo, e este número de raparigas >14 anos constituir a minoria (média
de 1-2 participantes >14 anos por grupo, sendo que este caso não aconteceu em todos os grupos), os pesquisadores
ponderaram entre o dano social de impedi-las de participar nos grupos focais e o prejuízo para os resultados da pesquisa.
Considerou-se haver mais ganhos em incluí-las do que excluí-las.

43
Sem informação 0 (0%)

Em relação aos grupos-alvo secundários, no total participaram 24 professores em entrevistas


semiestruturadas e 360 adultos (matronas e pais/encarregados de educação) em discussões em
grupos focais na comunidade.

Cinquenta por cento dos 24 professores entrevistados eram mulheres. Os professores tinham
idades compreendidas entre 25 e 53 anos, a maioria tinha ensino médio completo (79%) e cerca
de 63% eram solteiros (tabela 9).

44
Tabela 9: Informação demográfica dos professores (n=24)

Características dos professores n (%)

Idade (média, min-max) 25 (25-53)

33 (25-46) 24 (100%)

Sexo

Masculino 12 (50%)

Feminino 12(50%)

Estado civil

Casado 9 (38%)

Solteiro 15 (63%)

Nível de educação

Secundário incomplete 1 (4%)

Secundário complete 19 (79%)

Licenciatura 2 (8%)

Informação em falta 2 (8%)

Os pais e encarregados de educação tinham em média 46 anos (min. 19; max. 85) e o seu estado
civil era predominantemente casado (62%). As matronas tinham em média 52 anos (min. 28; max.
77), onde 66% eram casadas. Todos adultos participantes em DGFs na comunidade, em geral
trabalhavam como agricultores de subsistência. Mais da metade destes participantes nunca

45
estudou (tabela 10). Em relação a esta característica, a província de Nampula foi a que apresentou
maior percentagem de adultos com algum nível de educação, seguida da província de Inhambane.

Tabela 10: Informação demográfica dos participantes adultos na comunidade (n=360)

Características dos Pais/ encarregados de


Matronas
participantes educação

Idade (média, min-max) 52 (28-77) 46 (19-85)

Sexo

Masculino N/A 113 (39%)

Feminino 67 (100%) 180 (61%)

Estado civil

Casado 44 (66%) 183 (62%)

Divorciado 1 (1%) 6 (2%)

Viúvo 6 (9%) 82 (28%)

Solteiro 16 (24%) 20 (7%)

S/informação 0 (0%) 2 (1%)

Nível de educação

Primário Incompleto 17 (25%) 131 (45%)

Primário completo 9 (3%) 28 (10%)

Secundário incompleto 0 (0%) 42 (14%)

Secundário completo 0 (0%) 11 (4%)

Não estudou 19 (28%) 36 (12%)

Sem informação 29 (43%) 45 (15%)

A tabela 11 resume a distribuição de todos os participantes mencionados de acordo com grupo


algo a que pertenciam e por província.

46
Tabela 11: Participantes por província
Nr. de participantes
Domínio Grupo alvo
Inhambane Tete Nampula Total

Doméstico/ Raparigas 17 14 17 48
comunitário
Pais e tios 40 31 42 113

Mães e tias 67 61 52 180

Matronas 34 17 16 67

Escolar Raparigas 45 43 48 136

Rapazes 42 42 48 132

Professores 8 8 8 24

Total 253 216 231 700

6.3 Crenças e normas socioculturais relacionadas com a puberdade e a menstruação

6.3.1 Percepções sobre a puberdade

Para os participantes, a puberdade e as manifestações associadas são interpretadas como sinal de


crescimento e, no caso de Nampula, de amadurecimento, tanto nos rapazes como nas raparigas.
Em Nampula, este crescimento intitula-os a passarem a participar em cerimónias tais como
funerais e a comparticipar nas despesas das suas famílias.

Percepções sobre puberdade em raparigas

Nas três províncias, constatou-se que os participantes adultos na comunidade consideram que a
puberdade nas raparigas inicia dos 9 aos 17 anos e equiparam a puberdade nas raparigas ao início
da menstruação (isto é, para eles este fenómeno é desencadeado por um processo biológico).
Acompanhado a este processo, em Nampula mencionou-se que a puberdade passa a ser

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reconhecida no acto dos ritos de iniciação e em Inhambane no momento em que a rapariga recebe
ensinamentos sobre a sua nova fase da vida.

“A gente para saber que a criança já cresceu apresenta quase algumas características,
uma delas a criança tem aquela coisa de menstruação, a outra coisa já logo quando a criança
começa a sair tetas [seios], a outra coisa quando a criança tem marcas isso é que apresenta
que a criança já cresceu.” - DGF com pais e tios, Moatize

Segundo estes participantes, este processo está acompanhado de mudanças físicas no corpo da
rapariga, sendo que em todas províncias destacou-se o surgimento de seios e borbulhas na face.
Em Nampula, os adultos na comunidade também destacaram pêlos nas axilas e virilha. Em
Inhambane falou-se unicamente de dores de cabeça e de coluna e desenvolvimento do corpo
(aumento do peso). Em termos comportamentais, de acordo com alguns pais nas três províncias,
nesta fase as raparigas comportam-se de maneira diferente, expressa principalmente pela
teimosia, rebeldia e falta de respeito. Estas atitudes são marcadas por reclamarem muito (segundo
os adultos das comunidades de Tete); recusarem-se a usar roupas tradicionais preferindo por
exemplo saias curtas (segundo os encarregados de Inhambane); tornarem-se preguiçosas e
sempre aborrecidas (segundo os respondentes de Nampula).

Foi também realçado nas três províncias a tendência de as raparigas deixarem de ouvir aos seus
pais.

“. Hummm, a primeira fase…. que eu vejo é que as nossas crianças, no momento em que nós
crescemos, elas já não nos veem como nada. Naquele tempo quando nos diziam que quando
virem alguma coisa estranha devem dizer e realmente nos víamos dizíamos e faziam o
necessário para que não te enchesse (engravidasse). Porque diziam que se não dizer vai encher,
mas essas de agora nós só admiramos por ver grávidas. E lhes dizem que se tiver isso, a menina
não pode ficar próxima aos meninos porque é proibido, mas não acontece. É isso que nós
vemos que mais acontece nas nossas crianças”. - DGF com mães e tias, Homoíne

As mudanças comportamentais indicativas de iniciação de práticas sexuais foram também


mencionadas nas três províncias como sinais da puberdade, destacando-se a menção categórica
do início do namoro propriamente dito (conforme mencionado em Nampula e em Tete) ou outras
formas subtis de referirem-se a este tipo de comportamento como: “as brincadeiras mudam”, ou

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“não param em casa por quererem experimentar outras coisas” (em Tete); “brincam de qualquer
maneira e trazem bens para casa” (em Inhambane).

Por outro lado, os pais e encarregados esperam certos comportamentos nas raparigas,
nomeadamente: que se comportem “bem”, isto é: demonstrar respeito e obediência para com os
mais velhos; não “ brincar” com homens (no sentido de estarem proibidas de actividades que
deem azo a um relacionamento sexual; não brincar (no sentido literal) com raparigas que ainda
não começaram a menstruar; ser asseadas; comportar-se como adultas.

Para os professores entrevistados nas 3 províncias, a puberdade nas raparigas inicia dos 10 aos 16
anos e manifesta-se com o surgimento da primeira menstruação, mudanças no corpo como o
desenvolvimento de ancas, crescimento dos seios, surgimento de pelos púbicos e nas axilas,
borbulhas na face. Especificamente em Inhambane (rural), os professores mencionaram que as
raparigas emanam um mau cheiro e mudam a voz.
Semelhante ao que foi dito pelos pais e encarregados de educação, os professores de Nampula
(urbano e rura) e Tete (rural) também notam mudança de comportamento entre as raparigas na
fase de puberdade. No ver destes interlocutores, quando a rapariga passa por esta fase da
puberdade ela cuida mais de si e considera-se crescida (“abandonam as brincadeiras de crianças”),
levando-as a iniciarem a vida sexual de forma precoce (“brincam com rapazes de idade mais
avançada” e “iniciam o namoro”). Quanto aos rapazes, estes ficam mais “teimosos”.

Quando está nessa fase de puberdade apanha a primeira menstruação a rapariga.


Saem borbulhas na cara e mudam as características. As mudanças é que às vezes
saem borbulhas e cabelos….nas partes (íntimas). Pode sair cabelo, as vezes borbulhas
e mamas (seios). - ESE, Professora, Chiuta

Considera-se que as raparigas estão na fase da puberdade quando estão quase na


fase menarca. Sim, quando pelo menos atingem na…aquela primeira fase de
menstruação. - ESE, Professor, Meconta

Para os adolescentes, a puberdade nas raparigas é uma fase que se observa entre os 10 e 18 anos
de idade, dependendo do organismo de cada rapariga. De acordo com os adolescentes das três
províncias, esta fase caracteriza-se pelo início da menstruação (“apanha menstruação”), bem

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como pelo surgimento de seios. Outros sinais mencionados em algumas províncias e outras não
foram: borbulhas na cara (Tete e Nampula); e ancas (Nampula e Inhambane). Em Inhambane os
adolescentes mencionaram pelos nas axilas, e em Nampula foi exclusivamente mencionada a
emanação de cheiros “estranhos”, o desenvolvimento nas nádegas, ombros e músculos bem como
a passagem pelos ritos de iniciação onde são ensinadas como devem comportar-se.

A mudança de comportamento foi mencionada nas três províncias, sendo que em Tete e Nampula
destacou-se que elas cuidam-se melhor (“começam a ter higiene”; “ficam limpas”; “ficam mais
bonitas”); tornam-se desobedientes e rebeldes (“não gostam de fazer trabalhos domésticos”;
“quando mandam negam”; “diminuem o respeito para com os pais”; “ficam espertas”).
Comportamentos relacionados com o início do namoro também foram comumente reportados
nas três províncias (“deixam a escola para namorar e ficar com os maridos”) bem como o
abandono de brincadeiras com outras crianças.

A mulher… acontece algo parecer um problema, sai sangue e elas vêem que esta
pessoa está na fase da puberdade, as mães costumam saber, costumam ver que esta
menina já está crescida devem lhe respeitar, a cara muda, borbulhas saem e outras
coisas que acontecem com a pessoa. - DGF, Meninos Moatize

Percepções sobre puberdade nos rapazes

Para os adultos na comunidade nas três províncias, esta fase pode iniciar entre os 8 e os 18 anos.
Este grupo de respondentes em Inhambane, têm a percepção de que o que marca o início da
puberdade nos rapazes é a realização da circuncisão acompanhada ou antecedida por sessões de
ensinamentos sobre “como ser homem” (fazendo com que a puberdade nos rapazes esteja ligada
a um acto puramente sociocultural e não a processos naturais e fisiológicos), enquanto em Tete e
Nampula, a puberdade nos rapazes é vista, tal como nas raparigas, como algo desencadeado por
processos biológicos típicos da “mudança de idade”. Os participantes adultos da comunidade nas
três províncias indicaram o surgimento de borbulhas na face e a mudança de voz como as
manifestações principais da puberdade em rapazes. Em Tete destacou-se mudanças na forma de
andar, crescimento abrupto (“ficam mais altos”) e o início das ereções (“o sexo levanta”). Foi
também relatado pelos adultos na comunidade que nesta fase da puberdade o comportamento
dos rapazes muda, sendo os mais visíveis para os respondentes de Inhambane a desobediência
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(“desprezam a opinião dos adultos e fazem o que querem”) e o tanto em Tete como em
Inhambane alguns comportamentos indicativos do início do namoro (“as raparigas já podem notar
que já é homem”; “vão atrás das raparigas”.

O surgimento de pelos nas axilas, a voz mais grossa, o aparecimento de barba são, para os
professores, sinais que demonstram que os rapazes estão na fase de puberdade. Os professores
foram também unânimes em afirmar que os rapazes tornam-se mais desobedientes durante a
puberdade.

Entre os adolescentes, houve muito mais discussão em torno da puberdade nas raparigas em
comparação com o mesmo fenómeno nos rapazes. Constatou-se que no ver dos adolescentes, a
puberdade nos rapazes inicia aos 12 anos, manifesta-se através do surgimento de borbulhas na
face, barba, pelos nas axilas, voz grossa e mais alta. Em Nampula foi dito que eles desenvolvem a
massa muscular e que socialmente este fenómeno está ligado a necessidade de participar em ritos
de iniciação masculinos. Em Tete os adolescentes mencionaram as primeiras ejaculações como
estando associadas a este fase (“os rapazes acordam molhados”) e o início do namoro (“andam
atrás de raparigas”). Os rapazes desta província (zona rural) deram uma conotação negativa a esta
fase, associando o início do namoro à contracção de doenças.

“A fase em que estamos não é uma boa fase, namoramos com as mulheres para levar SIDA…“
- DGF, rapazes dentro na escola, Chiúta

6.3.2 Crenças e significados socioculturais em relação a menarca e a menstruação

Durante as DGFs na comunidade, os participantes de Inhambane afirmaram que o processo da


menstruação inicia geralmente entre os 7 e 14 anos (e é percebido como estando a acontecer cada
vez mais cedo recentemente) e os participantes de Tete e Nampula consideram o seu início entre
os 10 e os 16 anos.

A meu ver, no passado, quando uma rapariga tinha 20 anos, entrava em casa [início da
primeira menstruação], mas os tempos de hoje são diferentes, outras raparigas até aos
10 anos, 12 começam [com a menstruação]. Onde começa essa mudança não sabemos,

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agora você só vê que ela já conhece os homens, não informa a tia em casa, não informa
a mãe em casa, ela cresceu sozinha. - DGF com pais e tios, Massinga

“Na verdade [….] a mulher para crescer, no tempo em que crescemos, nós sabíamos que
a mulher partia dos 16 a 17 anos, esse é o tempo que entrava (começava a primeira
menstruação). Já, actualmente, a maneira de crescer […] a forma de crescer de agora
ehhh mudou, a criança de 10 anos já é uma mãe grande, já vê o ciclo, uma criança de
13 anos já é uma mãe grande, já vê o ciclo. Você ai só vai imaginar se esta criança será
que de verdade ainda está na fase da criancice […] ou já é mãe grande porque já vê
aquilo que é visto pela mãe dela.” – DGF com mães e tias, Homoíne

Nas três províncias, a menarca, de forma unânime, foi considerada como o fenómeno que marca
o início da puberdade, sendo este um acontecimento biológico que desencadeia toda a
necessidade da rapariga ser submetida aos ritos de iniciação, especificamente as províncias de
Tete e Nampula, ou ensinamentos em Inhambane.
Nas três províncias foram mencionados termos locais para se referir a primeira menstruação, onde
em Inhambane foi utilizado o termo Ku nguena dlwine, em Tete os termos Kugwa pantsi, Watha
Ncinku Alikussamba e Kumwezi e em Nampula mencionou-se Oculupale, Oshithiana, Waapanhari
mweeri, Okwattua, Oweha mweeri, Hija e Wulakelanwerini.
Nas fases subsequentes ao primeiro ciclo, a menstruação é referenciada como “menstruação”,
“ciclo menstrual”, “sangue”, “cólicas” ou “período” em português e Tiwhêti, Makhamelo,
Kuxamela e Awona massiko em Xitswa.
A tabela 12 resume as diferentes terminologias que os respondentes usaram para se referirem a
puberdade, menarca e menstruação em cada província envolvida no estudo.

Tabela 12: Terminologia local relacionada com puberdade e menstruação


Conceito Províncias

Inhambane Tete Nampula

Puberdade  Kurama  Namwali  Nwali


 kugua nsikho

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Menarca  ku nguena dlwine  Kugwa pantsi  Oculupale
 Watha Ncinku  Oshithiana
 Alikussamba  Waapanhari
 Kumwezi nweeri
 Okwattua
 Oweha nweeri
 Hija
 Wula
Ciclo menstrual  Menstruação  Menstruação  Menstruação
 Tiwhêti  Sangue
 Makhamelo  Período
 Kuxamela  Cólicas
 Awona massiko  Ciclo menstrual

Entre os membros da comunidade e os adolescentes, notou-se que pouco elaboravam sobre o


conceito, e explicações detalhadas sobre a origem do fenómeno, principalmente na zona rural.

“Não sabemos de onde vem a menstruação… o que dizem, mas dizem que mostra
que a criança cresceu. – DGF, Mães/Tias - Homoíne

Nas três províncias a menstruação foi vista como "saída de sangue" ou “explosão do sangue”
através do canal vaginal. Em Inhambane acredita-se que esta perda de sangue deve-se a quebra
do ovo que parte do ovário, fenómeno este que ocorre durante o período fértil, quando o óvulo
deixa o útero da mulher e permanece muitos dias sem o espermatozóide “atravessar” [fertilizar].
Num grupo focal em Inhambane (zona rural), foi mencionado pelos rapazes que o sangue é
proveniente da bexiga. Em Nampula (rural e urbano) crê-se que esta saída de sangue ocorre
quando os óvulos ou ovos apodrecem, bem como quando os ovários se destroem Em Nampula
(rural) houve menção, pelas matronas, de que o canal vaginal é o mesmo orifício de onde se expele
a urina.
Mesmo os professores apresentaram algumas limitações no seu conhecimento sobre a
menstruação, conforme ilustrado na citação que se segue.

“A menstruação surge quando o óvulo maduro a espera das células masculinas para
a fecundação e as células não chegam então depois de um tempo acaba rebentando
e cria saída de… mais ou menos de sangue. Sim, porque eu acho que não chega

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mesmo a ser aquele sangue que conhecemos, é um sangue que resulta dessa… desse
óvulo.” - ESE, professor, Meconta

De forma geral, os participantes consideram que a menstruação significa que de facto a rapariga
passa de criança para a fase adulta o que é visto como sinal de que a rapariga já está em idade
reprodutiva (“já pode ficar grávida”; “já pode nascer”). A percepção de que a rapariga está a
crescer foi transmitida numa tonalidade positiva sobre ponto de vista de retorno ou benefícios
para a família e para a sociedade.

Em Inhambane alguns pais veem a menstruação como um modo de controlo das raparigas, no
sentido de saber se estão grávidas ou não. Nesta província, os pais mencionaram que depois do
início da menstruação espera-se que a rapariga traga “um amigo” para ser apresentado à família
da rapariga significando que ela já pode ser lobolada para a felicidade dos pais. Este é um aspecto
igualmente positivo sob o ponto de vista dos participantes.
Para os participantes de Inhambane a menstruação está a ocorrer cada vez mais cedo, e este
fenómeno associa-se à percepção de que raparigas iniciam a actividade sexual cada vez mais cedo.
Acreditam também que a duração do período depende do momento de iniciação sexual, onde as
raparigas que já iniciaram a actividade sexual têm um período mais longo do que as que ainda não
iniciaram. Esta percepção foi até captada no discurso de um professor de Inhambane (zona rural),
conforme ilustrado a baixo:

“Hmm, a menstruação acontece, hum primeiramente para essas crianças de hoje que não
atinge aquela idade normal, acho que o abuso sexual também pode permitir que acontece a
menstruação rapidamente.”- ESE, professor, Meconta

Em Inhambane (principalmente na zona rural), em Tete (rural) em Nampula deu-se conotação


purificadora à menstruação, no sentido de que esta proporciona leveza, alivia, limpa ou lava o
corpo e que portanto a ausência desta está associada a doenças. Em contrapartida, nas três
províncias a menstruação foi associada a doenças no seu sentido negativo, onde o próprio estado
da mulher menstruada é referido como doença. Meninas fora da escola em Inhambane (rural)
consideraram que se a rapariga não toma os cuidados recomendados pode perder todo o sangue.
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Mais ainda, foi verificado em todas províncias que estar-se menstruada coloca a mulher como
vectora de transmissão de doenças para os homens. Foi verificado que nas três províncias as
raparigas menstruadas devem guardar segredo sobre o facto de já terem iniciado a menstruação,
por ser algo que diz respeito somente às mulheres. Em geral, elas são aconselhadas a ficar longe
dos rapazes e proibidas de brincar com outras raparigas que ainda não tenham começado a
menstruação.
Em Inhambane (rural e urbano), foi constatado que as raparigas e mulheres ficam interditas da
maioria, senão de todas actividades domésticas, pois não podem ficar perto do fogo, ralar coco,
pilar amendoim, lavar os utensílios domésticos, lavar a roupa no rio, nem mesmo cozinhar. Não
foram mencionadas normas que proíbam as raparigas de irem a escola durante a menstruação.

“Proíbem quando começa a ver a menstruação, não pode pegar na louça, não pode
cozinhar.” – DGF, Raparigas fora da escola, Homoíne

“Não pode cozinhar enquanto nas unhas dela tem restos de sangue e ela não ver, e
vai pegar o coco par coar enquanto não está a ver.” DGF, meninas fora da escola –
Massinga.

Ainda em Inhambane (área rural), durante a menstruação as mulheres ou raparigas são proibidas
de entrar na igreja porque são consideradas “escuras” e “com pecado” e assim podem “manchar”
a todos com quem se cruzam.

Nesta província, os participantes da pesquisa enfatizaram muito a proibição e as consequências


de vários níveis de interação entre a rapariga menstruada e o homem. Durante a menarca a
rapariga é proibida de dirigir a palavra ao seu pai antes de ser submetida ao ritual de preparação
para a vida adulta, que é realizado o mais cedo possível após a menarca. De acordo com os
próprios adolescentes, durante a menstruação a rapariga é proibida de dar água de beber aos
homens porque este acto pode causar doenças ao homem. Elas não podem compartilhar
utensílios de banho, para evitar a contaminação de doenças aos homens, mas nada foi dito sobre
o efeito dessa partilha com pessoas do mesmo sexo.

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“Não podemos usar o mesmo sabão e nem mesmo, sentar no mesmo lugar com elas,
você senta na sua própria esteira. Não é para usar a mesma bacia (de banho) porque
vamos ficar doentes ”. - DGF com rapazes, Massinga

Mais ainda, pais e matronas mencionaram que manter relações sexuais com uma rapariga ou
mulher que esteja a menstruar expõe-nas ao risco de um sangramento constante e “dá doença”
ao homem. A doença invariavelmente mencionada como consequência da interacção da rapariga
ou mulher menstruada com o homem foi Kubwe (inchaço dos órgãos genitais, por alguns referido
como “hérnia”).

“Realmente a vida destes tempos é difícil porque as doenças são muito frequentes, […]
os rapazes recebem doenças das raparigas porque eles aceitam […] quando ela não diz
que está doente (menstruada) e vão tirar aquilo que usam (preservativos) e fazem as
suas coisas e a doença entra no rapaz. […] Antigamente como nós crescemos não era
assim, era tabu, diziam que é tabu se estiver doente de menstruação não aceita ficar
com um homem. É aquela doença de nkubwa, dizerem que tem nkubwa sai da mulher
quando está doente (menstruada). Nkubwa é quando incha ali na parte dele ali (os
órgãos sexuais).” - DGF, mães e tias - Homoíne

Para além da transmissão de doenças, a baixa probabilidade de ser lobolada e a transmissão de


uma imagem de “suja” à sociedade foram mencionadas pelos participantes em Inhambane como
como repercussões sociais da transgressão à maioria das normas mencionadas.

Em Tete, para além da proibição também observada em Inhambane, de interação com indivíduos
do sexo masculino, e de literalmente brincarem com raparigas que ainda não iniciaram com a
menstruação, constatou-se que as raparigas menstruadas devem deixar de vestir roupas ousadas
ou reveladoras.

No domínio doméstico, elas ficam limitadas de usufruir em pleno as suas tarefas ligadas ao
manuseamento de água, nomeadamente: se quiserem tirar água do poço e estiverem lá outras
pessoas devem dar prioridade a estas ou esperar até que alguém tire água por elas; se quiserem
tomar banho no rio, as raparigas menstruadas devem se distanciar-se de onde os outros estejam
a tomar banho. Quanto a tarefa de cozinhar, constatou-se que nesta província elas podem fazê-
lo, desde que não manuseiem o sal e deleguem a outras raparigas ou mulheres para adicionarem
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o sal à comida. Foi também mencionado que as raparigas não podem comer carne de porco
durante a menstruação. Os pais das raparigas estão também sujeitos a algumas normas proibitivas
como abstenção das relações sexuais durante o período em que as raparigas estiverem a participar
nos ritos de iniciação. Em Tete, as repercussões do não cumprimento das normas variam desde
“trazer vergonha para a família”, “ser devolvida do lar” por mau comportamento até a problemas
de saúde como transmissão e Nchofo (inflamação e inchaço nos testículos, também referido como
“hérnia”) e da tuberculose ao homem e a morte tanto da rapariga como do parceiro sexual.

Em Nampula, as raparigas menstruadas, assumindo-se que já passaram pelos ritos de iniciação,


só podem brincar com aquelas que igualmente passaram pelos ritos. Enquanto menstruadas, não
podem sentar-se nos bancos nas casas dos outros, devem evitar sentar-se próximas aos homens
e não podem saltar por cima de pessoas “grandes” e não devem vestir roupas curtas e apertadas.
Conforme foi constatado nas outras províncias, durante a menstruação as raparigas e mulheres
estão proibidas de manter relações sexuais.
No âmbito das suas actividades domésticas, elas não podem assar mandioca seca e oferecer a
alguém nem podem “por sal no caril”. Deste modo, as mães ou cuidadores apercebem-se que a
rapariga está a menstruar quando sentem que a comida por elas preparadas não tem sal. Se a
rapariga menstruada salgar a comida, a família toda corre o risco de ficar doente.

“Ela deve saber se controlar, não se meter com homem, lavar a capulana (penso),
sentar bem, se guardar… não pode se encontrar (manter relações sexuais) com
homem até terminar o trabalho que ela estava a fazer de doença (menstruação) se
não, se ficar assim o homem que se meter com ela vai ficar doente [vai apanhar]
Ikunhunho (Hérnia).” –
DGF com matronas, Meconta

No contexto de Nampula, a religião influencia algumas proibições, pois durante a menstruação,


as raparigas estão proibidas de rezar, de tocar o Alcorão ou Chua (o altar islâmico) e estão
igualmente proibidas de jejuar.

O não cumprimento destas normas proibitivas por parte das raparigas conduz a um número de
consequências para ela (como dores fortes de barriga e barriga inchada, e infertilidade), bem
como para o homem (inchaço dos testículos, também referido como “hérnia”), e para a família

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(maldição como consequência de feitiçaria adoecimento dos membros da família como
consequência de ingerir alimentos preparados ou salgados pela rapariga menstruada).
As figuras 6 a 8 ilustram o conjunto de crenças, proibições ou prescrições socioculturais e
repercussões percebidas pelas comunidades de cada província a respeito do comportamento a
ser levado a cabo pela rapariga e mulher menstruada. Apesar das conotações negativas atribuídas
a menstruação, os pais e encarregados de Nampula afirmaram ficarem felizes quando as raparigas
iniciam com a menstruação porque depois de passarem pelos ritos de iniciação as raparigas já
podem participar de cerimónias fúnebres no caso de morte dos pais. Mais uma vez este é um
aspecto positivo para a família pois a rapariga passa a ser vista como agente activa na sociedade.

Crenças e proibições na província de Tete

- Estar menstruada é - Brincar com - Vergonha para

Repercussões
Proibições
Crenças

estar impura raparigas que ainda família


não iniciaram a - Risco de ser
- A menstruação
menstruação “devolvida” por mau
pode “manchar a
todos” - Aproximar-se dos comportamento no lar
rapazes - Inflamação dos
- Interação com
rapazes/homens - Vestir roupas testículos Nchofo
transmite doenças reveladoras (crescimento dos
- Manter relações testículos)
- Actividades
domésticas sexuais - Problemas de
possibilitam a - Actividades saúde: TB, hérnia,
poluição domésticas (pode - Morte
cozinha mas sem sal)
- Informar sobre o
início da menstruação
a outras pessoas
- Relacionarem-se
sexualmente durante
os ritos (os pais)

Figura 7: Crenças, proibições e repercussões relacionadas com a menstruação em Tete

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Crenças e proibições na província de Nampula
- Estar menstruada é - Brincar com - Dores fortes de

Repercussões
Proibições
Crenças

estar impura raparigas que ainda barriga


- A menstruação não iniciaram a - Barriga inchada
pode “manchar a menstruação
- Os testículos incham
todos” - Não brincar onde
estão homens - Problemas de
- Interação com saúde: hérnia,
rapazes/homens - Actividades
transmite doenças domésticas (pode - Feitiçaria
- Actividades cozinha mas sem sal)
domésticas - Manter relações
possibilitam a sexuais
poluição
- Informar sobre o
- O descarte de início da menstruação
material de forma a outras pessoas
inapropriada provoca
cólicas - Não deve usar
roupas apertadas e
curtas
- Não deixar material
sujo de menstruação
à vista
- Não pode lavar
nakapa em casa de
dono
- Não rezar, nem
tocar o Alcorão ou
Chua (altar islâmico)
- No período de
Ramadan não deve
jejuar

Figura 8: Crenças, proibições e repercussões relacionadas com a menstruação em Nampula

59
Crenças e proibições na província de Inhambane
- Estar menstruada é - Não dirigir a palavra - Dores fortes de

Repercussões
Crenças

Proibições
Província de Inhambane
estar “escura e com ao pai na primeira barriga
pecado”, com risco de menstruação antes de - Barriga inchada
“manchar a todos” cumprir com o ritual
- Os testículos incham
- Interação com - Deve tomar banho 3
rapazes/homens a 4 vezes por dia - Problemas de
transmite doenças saúde: hérnia,
- Não partilhar
- Actividades artigos de higiene - Feitiçaria
domésticas pessoal (sabão e
possibilitam a baldes)
poluição - Não dar água para
beber aos homens
- Não aproximar-se
dos rapazes
- Não manter
relações sexuais
durante a
menstruação
- Não ficar perto do
fogo
- Não levar a cabo
actividades
domésticas (lavar
loiça, lavar roupa no
rio, cozinhar, ralar
coco, pilar)
- Não entrar na igreja

Figura 9: Crenças, proibições e repercussões relacionadas com a menstruação em Inhambane

6.3.3 Ritos de passagem ligados a puberdade e menarca

Para além das normas, acima descritas, as três províncias confluem no sentido da obrigatoriedade
da passagem das raparigas por rituais de passagem ou ritos de iniciação o mais cedo possível após
a menarca, com algumas variações de província para província.

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Em Inhambane, as mães ficam atentas ao surgimento de sinais típicos da puberdade nas raparigas
(por exemplo borbulhas na cara) e ao início da menstruação e, ao se aperceberem que elas já
iniciaram com a menstruação, as mães questionam-nas para obterem a confirmação das próprias
raparigas. Na área rural as mães questionam ainda com alguma frequência se as raparigas já
iniciaram a menstruação ou não. Mediante esta confirmação, as mães organizam-se para iniciar o
ritual de “preparação para ser mulher”. Iniciaram
Apar desta busca activa de confirmação iniciada pela mãe, pode-se dar o caso de a própria rapariga
queixar-se de sinais sugestivos da menstruação (por exemplo cólicas), o que desencadeia o
processo de procura de uma avó, tia ou idosa da comunidade para a mencionada “preparação”.

“…pode dizer mãe a minha coluna dói e acaba toda semana a doer e a mãe pergunta se
caiu ou se está a acontecer alguma coisa, mas ela não sabe. Então ela vai dizer a mãe
que tem coisas que ela se admira, dai se fará a tradição para que ela seja uma mulher e
depois deve lhe dizer que se admirar algo ou encontrar sangue em frente dela deve
dizer de imediato antes de se meter com um rapaz. E sem mesmo falar com o seu pai,
deve ficar quieta no seu canto e esperar para dizer a mãe para fazer tudo que é
necessário para controlar o sangue de modo que não saia muito.” DGF com Mães/Tias
- Homoíne

Quando questionadas sobre o que se faz durante o processo de “preparação para ser mulher”, as
raparigas fora da escola e mães e tias em Inhambane indicaram que a rapariga é colocada, pela
mãe, uma avó ou uma tia, por cima de um pilão e enquanto no pilão dão-lhe a ingerir, através de
uma colher de pau, uma mistura de sal e carvão amassado para diminuir a duração da
menstruação. É durante este processo que as raparigas recebem os primeiros ensinamentos sobre
como se comportarem daquele momento em diante.

Ainda em Inhambane, o discurso dos próprios adolescentes (rapazes e raparigas) indicou que
existe um outro ritual denominado Ku alahela que serve para fazer parar a menstruação e
proteger ou ”fechar o corpo” contra doenças no qual prepara-se um remédio tradicional
proveniente de uma planta a qual chamaram de Xibo ou Tropeço [planta rastejante] que é
colocado pela tia na refeição da rapariga. Adicionalmente, e para propósitos semelhantes, durante
a menstruação é amarrada no pé da rapariga uma erva denominada Mikapwane.

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Os adultos da província de Inhambane mencionaram que os rituais de aconselhamento estão
gradualmente a desaparecer nos últimos tempos. Em contraste com o cenário de Inhambane,
especificamente para as províncias de Tete e Nampula, tanto os pais/encarregados de educação,
como os próprios adolescentes, e os professores consideram a puberdade, e particularmente a
menarca como a fase em que as raparigas devem participar nos ritos de iniciação onde recebem
conselhos sobre como se devem comportar.

Na província de Nampula, foi constatado que as mães têm um papel fundamental no


monitoramento das filhas a partir do momento em que surgem os sinais de crescimento (seios e
pelos na virilha e axilas). Na menarca as raparigas informam às mães sobre o início da menstruação
e estas, por sua vez, informam aos pais que devem se organizar (mobilizar fundos) para que a
rapariga participe nos ritos de iniciação (Wineliwa). Depois de tudo organizada, as mães contactam
as conselheiras para estas receberem as raparigas. Neste período após a menarca, se a rapariga
não tiver participado nos ritos de iniciação o seu corpo é considerado “pequeno” e “escuro” e
como consequência da não participação nos ritos de iniciação dificilmente ela terá filhos, pois
continua sendo considerada como criança e imatura. Nesta fase, ela, bem como todas as outras
que ainda não atingiram a menarca são denominadas de Mwarusi ou Namwallatti que tem a ver
com manter-se imatura ou não preparada para a vida de mulher.
Estes ritos relacionados com a primeira menstruação (Makiekie) são geralmente realizados em
casa da madrinha por um mínimo de 3 dias, onde a rapariga permanece com outras raparigas e as
conselheiras em reclusão para o recebimento de ensinamentos sobre a sexualidade e a vida como
mulher. Durante estes ritos, as conselheiras ensinam as raparigas algumas técnicas estimulantes
do prazer sexual para os homens, tais como o alongamento dos lábios vaginais (Othuna) entre
outras. É nestes ritos onde elas também aprendem sobre as regras de cuidados pessoais, de
higiene, de higienização íntima (principalmente como usar o material absorvente do fluxo
menstrual), bem como a essência do secretismo a volta da menstruação. A informação obtida
sobre os ritos foi limitada, pois os ritos decorrem de forma secreta e existe o medo de
consequências como a morte de familiares quando os detalhes das práticas levadas a cabo durante
os ritos são desveladas a pessoas que nunca se submeteram aos mesmos ritos e as normas ditadas
durante a realização dos ritos não são seguidas. Quando elas não cumprem com os ensinamentos
dados durante os ritos são chamadas a um acto de reeducação que consiste na repetição da
passagem pelos ritos.
62
No final dos ritos, os familiares fazem uma grande festa para receber a rapariga. Após a
participação nos ritos, a rapariga passa a ser designada de Emwali ou Numwari (donzela). O seu
corpo torna-se “grande” e “claro” e passa a ser autorizada a participar em eventos sociais tais
como funerais. Existem outros ritos (distinguidos por fases ou etapas ao longo do processo de
amadurecimento da mulher), por exemplo os relacionados ao casamento (Olakiwa), onde as
raparigas consolidam o seu aprendizado sobre como cuidar e agradar um homem numa fase
considerada de maior maturidade.

Na província de Tete as raparigas que iniciaram a menstruação são chamadas de Mnamwali. Ao


passarem pela menarca, as raparigas informam às mães ou às avós, que por sua vez procuram as
madrinhas para que estas recebam em suas casas as raparigas que iniciaram a menstruação para
aconselhamentos e ensinamentos relacionados com o seu novo papel de mulher, formas de se
cuidarem, maneiras de estar durante a menstruação (incluindo regras práticas de higiene), bem
como as novas formas de vestir e se comportar perante os adultos. Durante os ritos, as madrinhas
dão as raparigas medicamentos tradicionais com base em raízes e folhas misturadas com papas
de milho com o objectivo de evitar a tosse, minimizar as cólicas e reduzir a duração da
menstruação. Ainda em Tete (rural), pais e tios mencionaram que por vezes o medicamento é
dado o mais cedo possível antes da efectivação dos ritos pois a rapariga não pode comer nem
beber água antes de tomar o medicamento.

Estes ritos designam-se (Chinamwali), realizam-se em momentos determinados pelas madrinhas


e duram entre 2 dias a duas semanas. Foi revelado que há raparigas que faltam a escola durante
o período destas cerimónias. No entanto há algumas cujos pais se preocupam com as faltas,
negociando com as madrinhas para que as cerimónias ocorram durante o fim-de-semana.

A ausência da rapariga para participar nos ritos de iniciação é por si uma forma de anunciar à
comunidade o seu crescimento. Depois da realização dos ritos, as raparigas regressam à casa dos
pais na companhia das madrinhas. Ao chegarem a casa dos pais, a madrinha prepara papa de
milho e mistura com um medicamento tradicional feito com base em folhas e serve aos pais e à
rapariga para que não tenham nenhum problema de saúde com o regresso da rapariga a casa.
Este acto é feito no interior da casa na presença restrita dos pais, enquanto os vizinhos e outros
membros da comunidade aguardam, normalmente noutro compartimento ou no exterior da casa

63
para uma recepção da rapariga através de uma festa acompanhada de entrega de presentes para
agradecer o trabalho da madrinha e felicitar a rapariga pela nova fase de crescimento. Nestas
festas para além dos presentes, os vizinhos e membros da comunidade têm oportunidade de
transmitir mais ensinamentos que podem ser passados de em forma de palavras duras ou actos
físicos de repreensão (tais com puxões de orelha e chapadas).

Em relação aos ritos associados a puberdade nos rapazes, em Inhambane consistem apenas na
circuncisão masculina. Em Tete durante a fase de puberdade os rapazes são sujeitos a ritos de
iniciação denominados Gule, que duram entre três dias a uma semana, onde recebem
aconselhamento dos homens mais velhos da comunidade sobre como se comportar e como viver
na comunidade. Em Nampula os ritos de iniciação para os rapazes chamam de Omassomani e
consistem na realização de circuncisão masculina, acompanhada de sessões de aconselhamento
num ambiente muito restrito, ao redor do qual as mulheres estão interditas de circular sob pena
de agressões físicas (incluindo violência sexual) e morte.
6.3.4 Informação e comunicação sobre a puberdade e a menstruação

Fontes de informação das raparigas


As fontes de informação em relação a puberdade e a menstruação diferem, dependendo de se a
informação é dirigida aos rapazes ou às raparigas. Este cenário é semelhante entre as 3 províncias.
Em relação ao papel da escola: Durante as DGFs, as raparigas de Inhambane mencionaram a escola
como sendo a primeira fonte de informação sobre a menstruação, quer pelos professores durante
aulas de Ciências Naturais, quer durante palestras promovidas pelo Sector de Saúde.
Esta informação sugere que há maior probabilidade de esse momento acontecer antes da
menarca. No entanto, apesar de se ter constatado algumas excepções de raparigas que relataram
terem recebido informação sobre menstruação antes da menarca, a maioria das raparigas que
participaram no estudo recordam-se de ter recebido esta informação depois da menarca.
As conselheiras de Nampula (urbano e rural) afirmaram que geralmente as raparigas recebem
informação sobre menstruação antes da menarca e antes de participar nos ritos de iniciação
através dos professores nas escolas. Geralmente, essa informação obtida nas escolas ocorre
durante as aulas de Ciências Naturais na 5ª e 6ª classes com alunos de 13 a 15 anos.

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Os professores entrevistados confirmaram que têm um papel importante na passagem de
informação sobre o assunto. Segundo eles, na maior parte das ocasiões eles são a primeira fonte
de informação em relação a puberdade e menstruação pois não procuram saber se a rapariga já
teve a menarca ou não, e a informação é dada ao grupo de alunos de forma generalizada
independentemente da fase específica de desenvolvimento fisiológico em que eles se encontram.
Apesar desta responsabilidade, eles lamentam que esta tarefa é desafiante, pois os professores
não possuem insumos (por exemplo directrizes apropriadas e material didático amigável a
crianças mais pequenas) que permitam oferecer esclarecimento de dúvidas e apoio psicológico
para as raparigas durante este período. Deste modo, o seu apoio limita-se a passagem de
conhecimento sobre factos biológicos sobre o aparelho reprodutor feminino, incluindo o ciclo
menstrual, e algum aconselhamento e orientação em relação a menstruação e práticas de higiene.
Para os professores, o sexo do professor não faz muita diferenca em relação a informação sobre
menstruação passada aos alunos pois todos seguem o mesmo programa temático. No entanto,
alguns professores do sexo masculino sentem-se menos à vontade em abordar o tópico e
consideram um assunto que deveria ser abordado pelos professores do sexo feminino. Esta
limitação entre os professores são agravadas por algumas escolas possuírem professores de
outras regiões e que não detém conhecimentos profundos sobre normas socioculturais locais
tornando mais difícil ainda a comunicação com as alunas. Matronas em Nampula (urbano)
mencionaram que as raparigas recebe informacao na escolar inconsciente de que um dia esse
fenómeno pode acontecer com elas próprias. Estas limitações no papel dos professores podem
explicar o facto de as raparigas não se recordarem da informação obtida na escola.
Esta exposição à informação na escola antes da menarca não é bem vista entre os pais e
encarregados de educação.

“…mesmo que a menina não tenha começado a menstruar, com 10 anos basta estudar a 5ª
classe há-de aprender tudo sobre o que um homem e uma mulher fazem juntos. Já sabem que
um rapaz quando tiver essa idade já engravida e a menina quando tem essa idade já começa a
ver a menstruação.” DGF – Mães/Tias - Homoíne

Os adultos na comunidade comumente afirmaram que a menstruação é um assunto secreto que


não deveria ser socializado com as crianças durante as aulas com base na abordagem actualmente
seguida.

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“É assim mesmo, quando nossa filha chega nesta fase buscamos pessoas para aconselhar, o
professor não porque mentiu, mas porque nós também sabemos dessas coisas por isso não
basta o que ouviu na escola deve se sentar com ela para se conciliar o que aprendeu na escola
com a realidade e falamos para ela que mesmo a pessoa que te ensinou já fez isso [os ritos].”
- DGF com matronas, Nacala-Porto

Segundo foi abordado nas DGFs com as mães e tias de Nampula, a tarefa de falar sobre a
menstruação não cabe somente à escola mas também à comunidade no devido tempo, depois do
início da menarca. Para elas, o facto de os professores fornecerem essa informação antes das
raparigas passarem pelos ritos de iniciação faz com que elas não assumam muito bem as normas
relacionadas com a menstruação a elas transmitidas durante os ritos. Este grupo de mulheres
acredita que a informação fornecida tanto na escola como durante os ritos de iniciação deve ser
complementar e não contraditória.

Quanto ao papel das mães, pais, tias e avós: Em Inhambane, as mães e tias confirmaram que
geralmente passam informação sobre menstruação às raparigas somente depois da menarca, pois
antes disso são ainda consideradas crianças. Concretamente, quando as raparigas começam a
menstruar, elas informam primeiro às suas mães que depois informam às avós e tias, que são
quem as ensinam sobre os cuidados a terem nesta fase, nomeadamente: como devem se
comportar e higienizar-se (conforme detalhado anteriormente na descrição dos rituais). As
raparigas recebem a informação dada de forma passiva, sem espaço para fazer questionamentos
ou expressar as suas inquietações. As raparigas desta província revelaram que não se sentem
confortáveis com as primeiras conversas sobre a menstruação decorridas entre elas e as mães por
se sentirem com medo e confusas em relação ao que lhes é dito e pelo facto de estarem a passar
por algo estranho e desconhecido. De facto, foi revelado que em muitos casos as raparigas
demoraram a revelar às suas mães o início da menarca e isso acaba atrasando o processo de
ensinamentos e orientações que a rapariga deve receber neste período. As raparigas
mencionaram ainda que as mães também ficam com vergonha de falar com elas sobre o tópico
abertamente e preferem passar esta responsabilidade para terceiros (outras mulheres mais
velhas).

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Em Nampula o pai preocupa-se mais com os rapazes e espera que a mãe tome conta dos aspectos
ligados a rapariga com o apoio das mulheres mais velhas que são quem transmitem informação
sobre GHM as raparigas. Os pais e encarregados de educação que participaram nas DGFs em
Inhambane afirmaram que têm responsabilidade de ensinar as normas de vivência na sociedade
aos seus filhos (rapazes e raparigas), garantir sua alimentação e educação escolar, mas que a tarefa
de dialogar com as raparigas sobre a GHM, gravidezes indesejadas e doenças sexualmente
transmissíveis cabe à mãe, porque ela é quem conhece os segredos das mulheres e é ela que deve
transmitir as regras das mulheres às raparigas. Mais ainda, segundo os mesmos participantes, o
pai não pode falar directamente com a filha sobre questões relacionadas com a GHM. Caso seja
necessário transmitir alguma informação ou chamada de atenção à rapariga, ele passa a
mensagem através da mãe. O mesmo foi mencionado em Tete onde o pai da rapariga também
participa em alguma parte da transmissão de informação. Por exemplo, se ele nota que a filha não
está a cumprir com as normas, ele comunica as suas impressões à mãe para que esta reforce os
ensinamentos à filha. Em Nampula (rural), mencionou-se o extremo de o pai interagir com a mãe
para culpá-la da rapariga não estar a agir em conformidade com as normas.

“…quando esse sangue estiver a sair tens saber se sentar, tens que lavar na casa de banho e
tapar… espremer na latrina… então se ela não ouve vai a casa de banho e espreme [o
absorvente] na superfície e, quando o pai vem e encontra aquele sangue insulta a mãe.” -
DGF, matronas, Meconta

Ainda em Nampula (rural), foi mencionado o papel do pai na aquisição dos absorventes.

“As meninas podem pedir ao pai dinheiro para comprar penso, mentem que é para comprar
bolachas, o pai descobre… dá as meninas e vão comprar o penso. Não vejo a razão para o pai
não saber, se as meninas não pedem o dinheiro é a mãe quem pede.”- DGF, rapazes, Meconta

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Em relação ao papel dos responsáveis pelos ritos de iniciação: Durante as DGFs, as raparigas de
Tete e Nampula mencionaram obter o grosso da informação sobre menstruação durante os ritos
de iniciação. As matronas de Nampula indicaram que logo que surge a primeira menstruação, as
mães informam as madrinhas, as quais conversam a sós com a rapariga e de forma intimidante
questionam sobre o seu comportamento sexual prévio, de modo a confirmar a origem do
sangramento. No ver das matronas, o sangramento pode ser determinado por vários factores, de
entre eles o rompimento do hímen durante a primeira relação sexual e a própria menarca (referida
como doença durante a conversa com a rapariga de modo a amedrontá-la).

Buscamos a senhora que faz os ritos […] ela pergunta para a criança “alguma coisa não
está bem, vieram buscar-me, essa doença você apanhou como?”. Se for uma menina […]
que já namorava ela vai assustar e dizer para a senhora dos ritos “eu não quis que saísse
esse sangue foi o António que me fez sair esse sangue”. Então, a senhora dos ritos fala-
nos que vossa filha é uma criança que não ouve, namorou para ter esse sangue, se não
for isso ela vai dizer: “eu não sei, só vi o sangue a sair”. Quando ela diz isso só ouvimos
“elululu” [manifestação sonora de alegria] lá dentro [da casa onde está a matrona e a
menina] e dizem que tua filha já cresceu, já apanhou Emwali [primeira menstruação],
nós ficamos a saber que aqueles 2 ovos que estavam maduros na barriga já rebentaram
e ela já chegou a fase de crescimento. – DGF com Matronas, Meconta

Só depois de confirmarem a origem do sangramento é que informam a rapariga que o


sangramento não é uma doença mas sim um sinal de crescimento e aí recebe alguns
aconselhamentos tais como a proibição de se envolver sexualmente com homens antes de
terminar a menstruação, pois os homens podem contrair a hérnia (Ikunhunho).

Ao contrário do que acontece em Tete e Nampula onde as madrinhas e conselheiras acham que
as raparigas deveriam receber informação sobre a menstruação durante os ritos de iniciação, para
as matronas de Inhambane as fontes primárias de informação sobre a puberdade e menstruação
deveriam ser as pessoas do sexo feminino da família (mães, tias e avós) em casa.

No que concerne ao papel de irmãs, amigas e enfermeiras: Quando têm dúvidas, especialmente
mais tarde, depois de vivenciarem vários ciclos menstruais elas começam a trocar experiências
com as amigas e irmãs mais velhas. Por fim, afirmaram também que falam com as enfermeiras nas
unidades sanitárias para resolver as queixas de mal-estar ligadas à menstruação. A pesar deste

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leque de fontes de informação, existe informação básica que elas não obtém, como é o caso de
como lidar com as cólicas e como calcular o intervalo entre os ciclos.

“Não sabíamos nada, só soubemos depois de nos levarem aos ritos de iniciação, foi onde nos
disseram que isto é menstruação. A pessoa só sabe depois de lhe explicarem.” - DGF, raparigas
fora da escola, Meconta

Fonte de informação dos rapazes


Nas três províncias, os rapazes sentem que, apesar de também terem a escola como primeira
fonte de informação sobre a menstruação, recebem informação como receptores secundários.
Eles percebem que não são directamente informados sobre a menstruação porque este é
considerado um assunto de mulheres, e são acidentalmente expostos a essa informação quando
escutam as “conversas de mulheres”.

“... ainda não conversamos com elas [as raparigas sobre questões relacionadas a
menstruação]..... não irão te dar tempo para conversar com elas. Por [ser] assuntos
relacionados a mulheres.” - DGF com rapazes, Massinga

Em Inhambane, para além da escola, os rapazes recebem informação dos pais e das mães. No
entanto a informação através das mães é obtida de forma indirecta quando as mães conversam
com as filhas e os rapazes acabam escutando a conversa.
Em Tete, os rapazes recebem informação em conversas informais e “fofocas”, e ouvem como
terceiros em conversas ocorridas entre homens mais velhos na comunidade, bem como nos rituais
tais como a circuncisão masculina.
Em contraste com as outras províncias, em Nampula, os rapazes afirmaram não aprenderem nada
em casa sobre a menstruação e mencionaram receber esta informação através da televisão por
meio dos homens mais velhos (conselheiros) durante os ritos de iniciação. A informação que
recebem nos ritos está relacionada com as alterações que ocorrem no corpo da mulher, o
comportamento que se espera que as raparigas adoptem depois do início da menstruação e os
hábitos de higiene durante este período.

Em geral os rapazes demonstraram interesse em receber informação mais detalhada sobre a


menstruação para poderem aconselhar as colegas e familiares.

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Os resultados relativos as percepções sobre puberdade e menstruação, bem como rituais e fontes
de informação associadas não mostraram evidências de diferenças marcantes entre os contextos
urbano e rural nas 3 provincias onde o estudo decorreu. Isto é, estratificando os dados em função
das características mais rurais (Homoine, Chiuta e Meconta) e comparando-os com menos rurais
(Massinga, Moatize e Nacala-Porto) não foi surpreendente encontrar um padrão semelhante na
informação, porque para cada estrato (rural vs urbano) houve a contribuição de uma combinação
de dados do mesmo conjunto de províncias. De facto, foram identificados aspectos específicos
para cada província com diferenças entre Inhambane em comparação com Tete e Nampula no que
concerne aos rituais e práticas de GHM. Essas diferenças podem ser explicadas por factores
socioculturais inerentes a cada província ou região que superam a comparação rural vs urbano.
Mais ainda, de uma forma geral, em Moçambique, tirando os centros das cidades capitais, as vilas
e distritos têm caraterísticas rurais contribuindo para que as diferenças encontradas não tenham
sido tão marcantes.

6.4 Práticas de GHM e factores socioculturais associados

6.4.1 Materiais usados durante a menstruação e desafios associados

Foi identificada uma diversidade de matéria usado tanto para higienizar como para absorver o
sangue menstrual (tabela 13). Durante as DGFs na província de Inhambane, as raparigas
discutiram os tipos de materiais usados como absorventes durante a menstruação, bem como
onde obtém esses materiais. Elas relataram usar materiais convencionais e específicos para a
absorção do fluxo menstrual como pensos higiénicos, que chamaram de Modess (pronunciados
como Modence pela maioria dos participantes). Outros interlocutores, nomeadamente
professores, pais e rapazes mencionaram outros materiais convencionais inespecíficos para este
fim, tais como algodão, papel higiénico e esponjas. Tanto as raparigas como as mães e tias
mencionaram uso de materiais tradicionais, nomeadamente “farrapos” (conforme dito por pais e
tios), Xitarapo (trapos) ou Switxangala, que consistem em pedaços de tecido (de capulanas e
roupas velhas) que são enrolados e colocados na vulva (tanto entre os lábios como inseridos no
canal vaginal) e Mano nga wasati que são ervas geralmente usadas em situações de emergência
quando a rapariga ou mulher é surpreendida pelo período enquanto está longe de casa.

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Na área urbana de Inhambane, durante a menstruação, as raparigas relataram que fazem mais
uso do material convencional, especificamente pensos higiénicos, em comparação com o material
tradicional, porque ficam mais tempo com o penso sem sujar ou estragar a roupa, para além de
que o penso convencional leva mais tempo a “encher”. Elas creem que o material convencional
também ajuda a prevenir doenças e cólicas. Estas raparigas recorrem a trapos feitos de capulana
(em formato de penso absorvente) ou bolinhas também feitas de capulana quando não possuem
condições de comprar o material convencional. Outro material mencionado foi: algodão, papel
higiénico e esponjas. Na zona rural, as raparigas também têm preferência pelos pensos higiénicos
convencionais, fazendo uso de trapos de roupas velhas quando não podem comprar os pensos
convencionais. Nestas circunstâncias usam também o algodão, o papel higiénico e folhas de
plantas específicas para conter o fluxo. Tanto o material convencional como o tradicional é-lhes
facilitado pelas mães, tias ou irmãs mais velhas e é adquirido de diferentes formas: o algodão é
obtido no hospital; o papel higiénico e os pensos higiénicos são comparados nas lojas e bancas a
preços que variam de 10 a 70 meticais por pacote. A esponja é reaproveitada de colchões velhos
e outro material estufado como sofás. As mães e tias afirmaram que as meninas, apesar de usarem
material convencional, continuam a sujar a roupa durante a menstruação pois não sabem ajustar
adequadamente a roupa interior, que segundo elas não é adequada para os pensos higiénicos,
mas mesmo assim não aceitam usar os panos porque dizem que aleijam.

Nas DGFs com pais e tios de Inhambane foi complementado que muitas vezes, eles próprios
contribuem para a compra deste material que essa compra é efectuada pela mãe sob orientação
do pai.

“Estás a ver na compra de Modence, papá se tiver dinheiro é difícil, é pesado dizer “minha filha,
está aqui [dinheiro] vai comparar Modence para fechar a menstruação” isso não se faz , só
pode levar dinheiro entregar a mãe dela [rapariga], e dizer o seguinte: “mamã da Zinha, este
dinheiro vai dar a criança para ir comprar algo X, aquelas vossas coisas para fechar [material
absorvente].”- DGF com pais e tios, Massinga

Mais ainda, segundo os pais e tios, eles suspeitam que os namorados das raparigas também estão
envolvidos na aquisição de pensos higiénicos convencionais.

“Não somos nós todos que temos essas condições, só que, cada criança [menina] se arranja,
mas nunca vai te pedir dinheiro em casa, apenas há-de ver. Quando não são dado dinheiro
71
pelos pais, vão apanhar aonde dinheiro? Pode ir comprar…já porque não sabemos, talvez tem
um amigo, acontece hoje em dia, você admira por ela ter coisas que você não comprou para
ela, admiras por ela ter, acontece hoje em dia.”- DGF com pais e tios, Massinga

Quanto aos trapos, estes são coleccionados pelas mães e avós em casa a partir de roupa velha.
Estes são geralmente usados quando não há dinheiro para comprar materiais convencionais.

O descarte dos pensos higiénicos, outros materiais convencionais e as ervas deve ser feito de
forma secreta, enrolando e embrulhando-o com um plástico e deitado no sanitário, queimado ou
enterrado. Na area urbana de Inhambane o material usado durante a menstruacao não pode ser
enterrados em área onde se faz machamba). Os trapos devem ser deitados no sanitário ou lavados
e secos em um lugar secreto.

Nas províncias de Tete e Nampula, o uso frequente de pensos higiénicos foi menos mencionado
em comparação com Inhambane. Nestes locais, o uso de pensos (que são geralmente adquiridos
nas farmácias, lojas, mercados e barracas) foi atribuído “àqueles que têm possibilidades” e, na
área urbanizada de Tete, o uso do penso descartável acontece apenas quando as raparigas não
sabem manusear correctamente o absorvente feito de tecido. Especificamente em Nampula, na
área urbana, foi mencionada a existência de projectos (tendo sido o mais recente o implementado
pela Save the Chidren) que oferecem pensos higiénicos convencionais a raparigas nas escolas. Em
relação ao uso que as raparigas fazem destes pensos, os encarregados de educação revelaram que
só usam aqueles pensos que são distribuídos, e que quando estes acabam voltam a usar os
materiais tradicionais. De acordo com os pais e encarregados de educação, esta iniciativa não
toma em conta outros factores como a sensibilidade em relação a se e quando a rapariga atingiu
a menarca, e a importância de se informar aos pais e encarregados de educação para evitar que
estes sejam surpreendidos quando as suas filhas regressam às casas na posse de pensos higiénicos.
As mães e tias reclamaram igualmente que estes projectos não fizeram um trabalho de base para
saber exactamente o que as raparigas querem ou precisam, pois por exemplo a maioria delas não
possui roupa interior adequada para fixar com segurança os pensos convencionais.

Em Nampula, foram mencionados outros materiais convencionais inespecíficos para GHM como
o algodão (tanto na zona rural como na urbana) e ligaduras (apenas na zona urbana) e em Tete foi
também mencionado o algodão (na zona rural e urbana) as ligaduras (apenas na zona urbana) e a
72
exponja (em ambas zonas). Estes materiais são comprados nas lojas e solicitados nas unidades
sanitárias.

O tipo de material mais mencionado tanto em Tete (principalmente na área rural) como em
Nampula (tanto na área rural como urbana) foi o absorvente feito de pedaços de tecido. Este
material foi considerado mais viável por poder ser lavado e reutilizado, diferente do material
convencional que depois de usado deve ser descartado. Em Tete este dispositivo é chamado de
Ankhopa e em Nampula é designado Nakapa, Mokota ou Nkonta. Elas amarram um fio na cintura
o qual prende um pano mais grosso atravessado entre as pernas. Este dispositivo, que em Tete
designa-se Thewela, por sua vez fixa Nakapa ou Ankhopa ao corpo. Para as raparigas que
participaram nas DGFs, este método é o melhor pois fica mais fixo e, segundo elas, “bem
apertado” aumentando a autoconfiança durante a locomoção e movimentação. Em Tete e
Nampula as raparigas afirmaram que durante a menstruação, elas reforçam a fixação do material
de tecido com duas calcinhas, calção apertado, colantes e/ou dupla capulana para que Ankhopa
ou Nakapa não caia, mas também para evitar o embaraço de manchar as roupas.

“Quando usamos o pedaço de pano nos sentimos muito a vontade, mesmo estando na escola
não sai dentro da calcinha, costumamos amarrar bem de maneira que esteja muito apertado
para não cair“ – DGF com mães e tias, Moatize

Na província de Nampula o uso de Nakapa foi considerado ”obrigatório” para as raparigas que
professam a religião Muçulmana, pois o uso dos pensos convencionais constitui pecado.

“Temos que arranjar um trapo para vestir, como os mais velhos da igreja dizem que não
podemos usar o penso porque é pecado, porque depois de usar o penso a pessoa deita e, na
religião islâmica Deus não quer isso, temos que usar o pano tirar e depois lavar” – DGF com
meninas fora da escola, Nacala-Porto

Em termos de aquisição, em Tete e Nampula estes materiais são adquiridos pelas madrinhas ou
conselheiras as quais durante o período dos ritos de iniciação compram capulanas ou lenços novos
específicos para este fim, recortam-nos e ensinam as raparigas tanto como confeccioná-los quanto
como usá-los e oferecem como presentes pela passagem de criança à adulta.

73
No que toca ao inconveniente do uso do material tradicional, em Tete foi identificado o desafio
do dispositivo provocar irritação e borbulhas entre as pernas. Mais ainda, embora haja preferência
por Nakapa ou Ankhopa em Tete e Nampula, nas três províncias foi revelado que o uso deste
material é bastante complexo e exigente pelo facto de este ser reutilizável e requerer o
cumprimento de práticas altamente higiénicas para mantê-los secos e limpos e em prontidão para
o reuso. Em contrapartida, os pensos higiénicos, bem como os outros materiais convencionais não
específicos para GHM podem ser enrolados em um plástico e depois deitados no sanitário,
queimados ou enterrados.

Nas três províncias o desafio encontrado em relação ao descarte de material, é que este não pode
ser deitado em qualquer lugar mas em locais secretos, onde não podem ser vistos nem desvelados
por outras pessoas, pois acredita-se que possa ser levado e usado de forma maliciosa através do
feitiço contra a mulher que usou o material. Para elas, encontrar estes lugares e assegurar se de
facto tal lugar é secreto é uma missão bastante difícil, principalmente na escola onde é um lugar
público e mesmo em casa onde praticamente todos os compartimentos são partilhados por uma
diversidade de membros de famílias tipicamente alargadas.

Tabela 13: Tipo de material usado para absorver/conter o sangue menstrual


Província Tipo de material
Zona Rural Zona Urbana
Inhambane  Penso higiénico  Penso higiénico
convencional convencional
 Pedaços de capulana  Pedaços de capulana
 Algodão  Bolinhas de capulana
 Folhas de plantas  Algodão
 Trapos de roupas velhas  Esponja
Tete  Pedaços de capulana ou  Pedaços de capulana ou
lenços lenços
 Algodão  Algodão
 Penso higiénico  Ligadura/ gaze
convencional  Penso higiénico
convencional
Nampula  Pedaços de capulana ou  Pedaços de capulana ou
lenços lenços
 Algodão  Algodão
 Penso higiénico  Ligadura/ gaze
convencional  Penso higiénico
convencional

74
6.4.2 Práticas de higiene levadas a cabo pelas raparigas durante a menstruação

As práticas de higiene pessoal e íntima durante a menstruação não variam muito entre as três
províncias, onde de uma forma geral espera-se que as raparigas tomem cuidados adicionais em
relação à higiene pessoal. Em Inhambane, durante as DGFs, foi mencionado que espera-se que a
raparigas menstruadas tomem banho entre 3 a 4 vezes por dia para não cheirar mal (rural). Em
Tete e Nampula, os participantes mencionaram que a água do banho deve ser morna, mas que a
água para a lavagem das partes íntimas deve ser quentes. Nas três províncias foi mencionado que
neste acto deve-se inserir sabão e os dedos no canal vaginal para lavar e limpar a “sujeira”.

Foi destacado em Nampula que elas devem sempre prestar atenção à roupa para verificarem se
está suja, e nas três províncias foi indicado que geralmente trocam de roupa entre duas a três
vezes por dia, sendo que a lavagem das suas roupas passa a ser de inteira responsabilidade delas
durante este período. Realçou-se que neste período deve-se usar muito sabão, principalmente
nas roupas das raparigas que têm muito fluxo.

Após o banho, as raparigas preocupam-se em verificar se o local está completamente limpo sem
vestígios de sangue. Caso notem que o piso está sujo, devem lavar e passar muita água.

Sempre que tomarem banho, é de responsabilidade das raparigas trocar o material absorvente e,
para os casos de tecido reusável, lavar o material de tecido com água quente. Este material deve
ser estendido para secagem em local secreto, pois não deve ser visto por outras pessoas. Quando
as raparigas estendem o material num local visível, as que ainda não participaram em ritos de
iniciação poderão ver e revelar a outrem que viram panos estendidos, quebrando assim os
princípios básicos das normas e proibições prescritas relacionadas com puberdade, menarca,
menstruação e ritos de iniciação. Depois de lavados e secos, os panos são guardados em uma pasta
ou plástico preto. O local onde se guarda a pasta com o material já seco e pronto para usar também
deve ser secreto. Muitas vezes, conforme foi dito em Nampula e Tete, este local é o quarto da
rapariga. Ainda em Nampula, não devem lavar o material absorvente (se este for de tecido
reusável) na casa de outras pessoas. Ainda em Nampula foi mencionado que na religião islâmica
é obrigatório o uso de material absorvente de tecido e que estes devem ser lavados depois de
usados.

75
Na escola, por falta de água, sabão ou privacidade (conforme relatado na secção 6.6.1), as
raparigas não se lavam depois de trocar o material absorvente. Em todas províncias, quando se
trata de material descartável, as raparigas embrulham o material absorvente usado em várias
camadas de papel ou plástico e deitam no vaso sanitário (que em todos os caso é a fossa seca da
latrina) da escola. Não houve relatos de deitar o material em baldes de lixo porque estas não
existem. Para além disso, ao descartar no vaso sanitário as raparigas estão seguras de que o
material não cairá em mãos alheias, ao contrário do que aconteceria se usassem baldes de lixo
(segundo explicado na secção 6.4.1). Quanto ao material reutilizável, elas levam na pasta
embrulhado em um plástico de volta para casa onde dão o devido tratamento segundo as regras
acima descritas. Quando a rapariga se sente desconfortável devido a menstruação, ela pede
dispensa ao professor para ir para casa sem especificar as razões concretas. A maioria das
raparigas afirmou não ter passado pela experiência de sujar a roupa de sangue na escola ou de ter
visto uma colega a passar por isso. Apenas constatamos dois relatos de experiências vividas por
raparigas que mancharam as roupas com sangue. Em Nampula, uma rapariga mencionou ter
passado por essa experiência de sujar a saia de uniforme e a carteira. Nesse caso, ela pediu
dispensa ao professor alegando não estar bem e voltou para casa para se higienizar, tendo
permanecido em casa nesse dia. Uma rapariga de Tete reportou ter visto uma colega que havia
sujado a roupa de sangue na escola e foi-lhe emprestada uma capulana, tendo esta permanecido
na escola.

Sim, aconteceu comigo, estava na sala de aulas e logo vi minha saia suja e a carteira toda
molhada, espreitei e pergunto: “o que é isso?” Fui pedir ao professor e expliquei para ele que
estava a sentir dores na barriga. Fui a casa e minha mãe ensinou-me como deveria usar o
penso, dai aprendi como usar o penso e agora já não tenho mais problemas. [As outras
pessoas] não notaram porque tapava-me com pasta.” – DGF com meninas, Meconta

6.5 Percepções das implicações dos desafios da menstruação no aproveitamento escolar

6.5.1 Restrições na participação nas actividades escolares

A maior parte dos professores e pais ou encarregados de educação afirmaram que a menstruação
não afecta as actividades das raparigas na escola. Segundo os professores, as raparigas podem

76
participar normalmente em todas as actividades escolares quando menstruadas, incluindo
actividades físicas porque ao nível do sector de Educação não há normas que lhes interditam de o
fazerem
Houve no entanto poucos relatos de professoras que enviam raparigas para casa quando elas são
surpreendidas pela menstruação na escola e muito poucos pais ou encarregados de educação de
Nampula (área rural) mencionaram que nos dias de educação física elas geralmente pedem
dispensa e retornam a casa alegando não se sentirem bem. Estes relatos sugerem que as
preocupações dos pais, encarregados de educação e professores cingem-se mais em relação as
meninas na menarca e ocasionalmente as que são surpreendidas pelo período na escola mas não
olham para este problema como sendo de rotina para as raparigas. Ademais, segundo estes
interlocutores, depois de obterem informação (durante os ritos de passagem) sobre o que fazer e
como se comportar, elas ficam mais à vontade e confiantes em relação a sua locomoção. Nota-se
que esta afirmação dada pelos professores é meramente teórica e ditada pelas formas de ser e
estar prescritas pelas políticas formais de educação e desenvolvimento humano que apontam
para a igualdade de género e outros princípios afins, mas que entram em choque com as normas
culturais anteriormente descritas e enfatizadas pelas matronas e madrinhas. Os discursos tanto
dos pais como dos professores que consideram que a menstruação não constitui um grande
desafio para as actividades escolares, sugerem que estes estão muito distantes dos problemas que
as raparigas reportaram vivenciarem, provavelmente devido a falta de diálogo profundo entre os
adultos e as crianças/adolescentes nestes contextos. Este aspecto está ilustrado numa nota de
campo escrita por uma das investigadoras durante as observações na escola:

“Durante a observação, pude verificar duas raparigas com um aspecto diferente das demais
raparigas. Elas tinham baton e os olhos pintados, o cabelo trançado e a pele brilhante com
algum óleo. Era sinal de que já tinham passado pelos ritos de iniciação ao contrário de outras
meninas que se encontravam com os cabelos despenteados e a pele seca com alguma poeira
como resultado de terem muito brincado na areia. Ao cumprimentá-las, uma das duas
raparigas respondeu que não estava bem. A colega da equipe aproximou-se a ela para
perguntar o que se passa ao que ela respondeu que tinha cólicas. Ao interagirmos com a
professora, ela confessou que nunca iria saber que aquela rapariga estava a sofrer de cólicas”.
Observação, escola, Moatize

Este estudo trouxe evidência de que a participação sem restrições das actividades educacionais e
recreativas na escola não se concretiza na totalidade, pois por um lado, e segundo o relato das

77
próprias raparigas durantes as DGFs, algumas delas quando estão menstruadas pedem permissão
aos professores para não participar nas actividades de educação física e isolam-se durante os
intervalos com receio que o material absorvente caia ou que a roupa fique manchada de sangue.
Elas temem que e os colegas notem que estão menstruadas e o seu maior medo é que os colegas
zombem delas.
De acordo com os rapazes “elas já não fazem as mesmas brincadeiras que faziam antes de começar
a menstruar, diminuem as brincadeiras”, mostrando que o isolamento prescrito pelas normas
sociais é bastante notável. Para eles, este isolamento é apenas devido ao medo que o material
absorvente caia e das consequências relacionadas com o estigma contra elas. Nas DGFs com os
rapazes, alguns afirmaram terem visto raparigas com as roupas manchadas de sangue na escola e
afirmaram terem se “comportando mal” perante elas, isto é gozando e rindo-se delas. Por outro
lado, as raparigas apenas debruçaram-se sobre o “bullying” sob ponto de vista de estarem com
medo de serem vítimas de tais actos, mas nenhuma delas afirmou ter vivido uma experiência
própria de ser gozada quando estivesse menstruada. No entanto este achado deve ser
interpretado com cautela, pois as DGFs não são as técnicas de recolha de dados mais apropriadas
para captar experiências próprias mas sim opiniões, e quando muito relatos de experiências gerais
do grupo que os participantes representam.
Para além de ser um problema físico, conforme acima mencionado, a menstruação é também
associada a repercussões do fórum psicológico. Primeiro, existe a contradição entre as políticas
inclusivas expressadas na escola e as proibições ligadas ao género na comunidade que, segundo
os relatos das raparigas e dos rapazes, se transpõem informalmente para a escola. Assim,
pressupõe-se que torna-se um desafio para as próprias raparigas conseguirem conciliar estes dois
posicionamentos opostos no que toca a liberdade ou não de interagir ou “brincar” com rapazes e
raparigas não menstruadas. Estes dilemas podem criar confusão mental nas raparigas. Segundo,
as próprias raparigas consideram que a menstruação pode desconcentrar-lhes durante as aulas,
pois ao estarem neste período elas não se sentem confortáveis, ficam apreensivas, tristes e
envergonhadas, com medo de que os outros (tanto colegas como professores) possam descobrir
o seu estado. Ligado a este facto, foi relatado também que ausentam-se da sala várias vezes para
verificar o estado da roupa, reduzindo ainda mais a continuidade na concentração. Terceiro, o
isolamento durante o intervalo e as aulas de educação física pode ser um factor negativo para o
seu estado psicológico, com ênfase para a autoestima.

78
“Hmmm sim, pode desconcentrá-las nas aulas, porque às vezes, elas saem da sala e vão para
o sanitário a ir ver o que está a acontecer.” DGF- rapazes, Homoíne Sede

Este desafio de isolamento das outras crianças, agrava-se entre as raparigas repetentes nas classes
críticas de viragem de idade (4ª e 5ª classes), pois apesar de uma diferença de um a dois anos de
idade entre as não repetentes e as repetentes, estas consideram-se muito mais velhas que as
restantes que provavelmente ainda não iniciaram a menstruação e consequentemente têm mais
dificuldade de se integrarem e interagir com as colegas mais novas.
Mais ainda, as raparigas que participaram no estudo, bem como as mães e tias, mencionaram que
durante a menstruação, as raparigas geralmente apresentam sintomas como cólicas, febres e
dores de cabeça e não sabem como resolver estas queixas. As mães e tias adicionaram que as
raparigas que não têm hábitos de higiene adequados podem desenvolver infecções, no entanto
não foi mencionada alguma infecção específica. Ao não terem acesso a soluções práticas e
acessíveis para resolver estas queixas de saúde associadas a menstruação, pode-se aferir que
tanto as cólicas como outros sintomas podem constituir factor para desconcentração ou mesmo
ausência das aulas.

6.5.2.Implicações para a assiduidade, aproveitamento escolar e permanência na escola

Com relação ao impacto da menstruação na assiduidade e permanência na escola, o estudo pode


captar que existem visões diferentes entre os diferentes grupos-alvo, onde a maioria dos
professores e pais afirmaram que as raparigas não deveriam desistir por causa da menstruação,
pois trata-se de um fenómeno natural que acontece com todas as mulheres.

A menarca é claramente uma etapa acompanhada de faltas à escola. Primeiro porque


infalivelmente os ritos de iniciação (em Tete e Nampula) levam as raparigas a ausentarem-se da
escola por alguns dias. Em Inhambane foi relatado que elas permanecem em casa para receberem
os ensinamentos sobre a menstruação e são encorajadas pelas mães a faltarem à escola durante
esta fase para “não passarem vergonha por não saberem ainda como se comportarem”.

No entanto, e alinhado com a visão anteriormente relatada de que a menstruação traz um número
importante de restrições na escola, foi mencionado pelas raparigas e uma minoria de professores

79
de Tete, que particularmente para as raparigas que vivenciam a menarca, o mero impacto
psicológico desta primeira experiência pode afectar a sua frequência e desempenho escolar, pois
elas podem facilmente abandonar as aulas e voltar para casa, a sua zona de conforto, só por
estarem menstruadas.

As raparigas confirmaram saber de algumas raparigas que faltam às aulas quando estão
menstruadas. Especificamente, as razões de absenteísmo por elas apontadas foram primeiro a
necessidade de ficarem em casa para aprender sobre como se cuidarem (sendo este aspecto mais
relevante para as que estiverem a vivenciar a menarca), e segundo devido às cólicas as quais são
mais prominentes durante um ou dois dias do período e raramente as afectam durante todo o
período.

“Sim (as raparigas faltam a escola) por causa das dores que acontecem…, haa por
causa de dores das cólicas.” – DGF com raparigas, Homoíne Sede

As raparigas também mencionaram ausências por algumas horas para irem à casa trocar-se nos
dias de muito fluxo. No entanto, aquelas que vivem longe não regressam à escola nesse dia,
perdendo assim todas as restantes aulas do dia.

“Quando a menstruação inicia na sala, pedimos ao professor para irmos para casa. O
professor aceita nós irmos a casa, e lá a mamã ensina-nos a usar aquilo ali [absorvente]
e ficamos alguns dias e depois voltamos à escola. Demoramos a voltar para escola
porque costumamos a ter tonturas e dores de barriga – DGF com raparigas, Meconta

Duas professoras revelaram que têm o hábito de enviar para casa as raparigas que são
surpreendidas pela menstruação na escola por não possuírem material absorvente para auxiliar
as raparigas a conterem o fluxo durante as horas de permanência na escola. Esta situação ocorre
devido ao facto das escolas e das professoras não possuírem material absorvente e de limpeza
disponível para apoiar as raparigas naquele momento acabando por aconselhá-las a irem para
casa. Ao questionar os professores (do sexo masculino) em relação a este assunto, nenhum deles
reportou ter estado numa situação em que tivesse que dar assistência a uma rapariga menstruada.

80
Isto explica-se pela proibição de as meninas aproximarem-se a indivíduos do sexo masculino
durante a menstruação, limitando-se estas a pedirem para ausentar-se da aula sem que o
professor se aperceba das razoes. Os mesmos professores afirmaram que se deparassem com esta
situação, iriam referir a rapariga a uma professora. Em Tete, para evitar perder muitas aulas, ao
invés de se dirigirem à casa elas trocam-se “no mato”, onde sentem maior privacidade do que na
escola. Em Nampula contornam este desafio dirigindo-se à casa de conhecidos que vivem nas
redondezas da escola.

Um número reduzido de raparigas mencionou ausências totais durante todo o período menstrual.
Tais ausências foram atribuídas a vergonha, preguiça de imprimir um esforço adicional para gerir
a higiene menstrual na escola, ou medo de serem descobertas.

Os rapazes confirmaram durante as DGFs que mesmo entre as raparigas que não faltam à escola
enquanto menstruadas, é comum regressarem à casa para fazerem a troca de material
absorvente, sendo que após este processo algumas regressam à escola e outras não. Para eles,
esta movimentação entre a escola e a casa acontece porque as raparigas têm muito medo de se
sujarem e não se sentem confortáveis em trocar o material absorvente na escola por causa da
falta de água e privacidade nestes locais.

Tanto em Tete como em Nampula (rural), os rapazes foram mais além ao responderem a questão
sobre o que pode estar por detrás do absenteísmo e desistências das raparigas, sendo que eles
mencionaram conhecerem casos de raparigas desistentes por se envolverem com homens, ou
devido a gravidez ou ao casamento.

“Algumas são influenciadas pelas amigas que não estudam e outras são influenciadas por
homens que dizem ”vamos casar” e quando casam dão filhos e dai foge”- DGF com rapazes,
Chiuta

“Eeem, quando as raparigas já estão de período, basicamente sentem-se que são adultas e
começam a quer ter um casamento prematuro. Então os pais e quem provocam aquela
situação…É normal quando vem, por exemplo, quando a mãe diz para o pai que a filha já está
de período, então dizem que a menina deve arranjar um rapaz para poder casar, isso leva ao

81
casamento premature…Há raparigas que iniciam com 15 anos de idade. Com essa idade elas já
pensam em ser casa e ter um marido.”- DGF com rapazes, Meconta

Esta constatação é relevante no contexto em que a menarca é imediatamente associada ao


crescimento, maturidade, comportamento de adultos capacidade de gerar filhos, namoro e
lobolo. Apesar de os discursos dos adultos durante as DGFs indicarem que este fenómeno é dado
como garantido, a proibição de “brincarem com os rapazes” e interagirem com homens indica que
a gravidez precoce é uma preocupação. No entanto, pode-se perceber que esta preocupação só é
válida se a gravidez acontece como consequência de comportamentos reprovados (envolvimento
com muitos parceiros e desconhecidos pela família) mas aceite se esta resulta de um envolvimento
com um único parceiro apresentado e aprovado pela família independentemente da idade da
rapariga. Logo, neste caso de lobolo ou gravidez precoces, a desistência da escola é inevitável.

“Quando a minha filha fica menstruada eu fico feliz porque já demonstra que é uma mulher.
Estou feliz porque tive a oportunidade de vê-la menstruar, então agora estou à espera de
genros virem bater a porta…esperamos, esperamos que ela tenha um amigo que venha aqui
em casa cumprimentar a nós pais dela e nós vamos receber aquele amigo dela. É isso que nós
gostaríamos porque lá irá voltar cabeça de alguém e nós vamos aplaudir. ” – DGF com mães e
tias, Homoíne

Nas DGFs com as raparigas fora da escola foi possível identificar desafios específicos para este
grupo como o facto de não estarem a estudar devido a falta de condições financeiras dos pais para
arcarem com as despesas de educação da rapariga. Apesar do ensino primário ser gratuito no país
há custos associados a educação que são suportados pelos pais e que condicionam a continuação
ou não dos estudos principalmente para as raparigas. Existe também a questão de casamentos
prematuros em que os pais depois de a rapariga passar pela menarca e pelos rituais de
aconselhamento decidem que já é altura de casar tendo em conta ganhos económicos que advirão
do casamento.

82
“Nós estamos sem estudar porque os nossos pais não tem condições de nos manter na
escola…eu quero muito estudar. Quando falo com ele…costumam falar que não tem condições.
Esta fase que você chegou requer muito dinheiro. Única solução é você casar”. DGF com
raparigas, Moatize

As raparigas que não frequentam a escola demostraram claro interesse em continuar com os
estudos apesar da posição contrária dos pais, pedindo apoio para que tal aconteça.

“Eu gostaria de discutir sobre a ajuda de continuar com os estudos.” – DGF com raparigas fora
da escola, Nacala-Porto

Em contraste com o que foi constatado junto as raparigas e rapazes, os pais, encarregados de
educação e até os professores minimizam de certa forma o impacto da menstruação na
assiduidade e permanência na escola. Segundo mães, tias e matronas, uma vez ultrapassada a fase
da menarca, nos ciclos subsequentes, salvo durante o intervalo escolar em que elas não brincam
com os outros como costumavam fazer e ficam mais caladas, as raparigas não enfrentam desafios
maiores devido à menstruação porque, quando começam a menstruar, aprendem a cuidar de si
mesmas (referindo-se ao aprendizado obtido durante os ritos de iniciação).

Para os professores, estas faltas foram relatadas como ausências pontuais da escola algumas vezes
e por conseguinte no seu ver sem grande impacto no aproveitamento escolar ou na permanência
das raparigas na escola. As faltas por eles registadas não estão directamente relacionadas com a
menstruação, pois as raparigas alegam outras justificações para as suas ausências e não
mencionam factores necessariamente relacionados com a menstruação, salvo muito raramente
as cólicas.

6.6 Condições de água, saneamento e higiene escolar nas escolas e implicações para GHM

6.6.1 Características observadas das instalações actuais de WASH na escola

Os dados apresentados neste subcapítulo foram gerados por observações pontuais realizadas de
modo a verificar as condições existentes em relação a infraestrutura, água, higiene e saneamento
nas 12 escolas selecionadas das três províncias, listadas no anexo 15. Quando necessário, estes
83
dados foram triangulados com informação proveniente das discussões em grupo focais e
entrevistas semiestruturadas.

Fontes de água nas escolas


Em relação ao acesso a água nos distritos que fizeram parte da pesquisa, verificou-se que das 12
escolas, apenas 7 (equivalente a 58%) tinham uma fonte de água nos seus recintos ou
proximidades imediatas, sendo 3 escolas em Inhambane, 3 em Nampula e 1 em Tete. Por
província, estas proporções traduzem-se em 75% das escolas visitadas em Inhambane e Nampula
com fonte de água no seu recinto e 25% das escolas visitadas em Tete com estas facilidades. O
tipo de fonte observada nestas escolas foram água canalizada (3 escolas, sendo 2 em Inhambane
e 1 em Nampula) e bombas manuais (4 escolas, sendo 2 em Nampula, 1 em Tete e 1 em
Inhambane).

Entre as restantes 5 escolas, constatou-se que 3 escolas, todas em Tete (uma urbana e duas rurais)
não tinham nenhuma fonte de abastecimento de água, nem no recinto nem nos arredores fora do
recinto da escola. Das duas escolas remanescentes constatou-se um poço protegido (apenas na
área urbanizada de Nampula) e uma cisterna de captação pluvial em Inhambane fora do recinto
escolar. Na provincia de Tete, que das 3 províncias é a que tem sérios problemas de água sendo
que a maioria das escolas não possui fontes de água, foi observada a existência de uma iniciativa
local em que os alunos trazem água das suas casas para consumo próprio na escola.

84
Figura 10: Fonte de água no pátio de uma escola em Homoíne-sede

Figura 11 e 12. Fonte de água nos arredores de uma escola na localidade de Mudauca, distrito de Massinga

Figura 13: Fonte de água no pátio da escola na localidade de Namialo, Meconta

Independentemente da sua localização (se dentro ou fora do recinto escolar), 6 das 9 fontes de
água observadas (equivalente a 50% das escolas observadas e 67% do total de escolas com fonte
de água), designadamente: duas em Inhambane (correspondente a 50% das escolas observadas
nesta província e das escolas com fonte de água), três em Nampula (75% das escolas observadas
nesta província e das escolas com fonte de água) e uma em Tete (25% das escolas observadas
nesta província e 100% das com fonte de água) estavam devidamente funcionais. As três fontes

85
que não se encontravam em funcionamento encontravam-se em Inhambane e Nampula. Em
Inhambane a primeira tratava-se de uma cisterna antiga para captação da água da chuva, mas em
desuso evidenciado pela observação de que elas encontravam-se secas e entulhadas de lixo. A
segunda era uma torneira temporariamente avariada. Em Nampula tratava-se de uma fontenária
temporariamente avariada. A única fonte disfuncional em Nampula encontrava-se na zona rural,
e as duas em Inhambane na zona urbana e rural.

Os dados oficiais que podem fornecer uma indicação em relação ao acesso a fontes de água nas
escolas à escala nacional (indicador no 4, respeitante ao número de escolas com fontes melhoradas
de água do inquérito de base do PRONASAR, 2011-2012)41, mostram que apenas 26% de escolas
reportaram ter água potável no condomínio (baseando-se na informação de 89 distritos). A
constatação do presente estudo difere em 7 pontos percentuais acima da média nacional há 7
anos atrás. No que toca a situação em cada província, segundo o inquérito nacional a província
com a maior cobertura foi Sofala (com 43%) e a com menor cobertura foi Cabo Delgado (com 13%).
Inhambane encontrava-se com a terceira maior cobertura (35%), Tete com a quarta (29%) e por
fim Nampula como sendo a província com a segunda menor cobertura de fontes de água no
recinto (17%). Em comparação com o inquérito nacional, o presente estudo coincide com a
sugestão de Inhambane estar numa situação menos crítica em relação às outras províncias do
estudo, e em parte coincide na proporção das escolas com água no seu recinto em Nampula, mas
coloca Tete numa posição contraditória entre as duas avaliações, e na pior das hipóteses numa
situação de regressão ao longo do tempo (isto é: a terceira província menos crítica no inquérito
nacional mas a mais crítica no presente estudo).

Tecnologia de saneamento (isolamento e remoção de dejectos)


No que se refere às condições de saneamento, observou-se que todas as escolas nas três
províncias apresentaram sanitários nos seus recintos (sugerindo uma cobertura de 100%). Quanto
ao material de construção usado, apenas duas (todas em Inhambane, curiosamente na zona mais
urbanizada) apresentavam material de construção precária (paredes de palha de coqueiro e zinco,
e sem cobertura). Em Tete e Nampula todos sanitários das escolas observadas são feitos de
material convencional, com paredes de blocos, chão cimentado e cobertura de zinco. Um dado

41
MOPH/DNA. PRONASAR. Inquérito de base 2011-2012. Estudo Institucional. Minuta do Relatório Final. Maio, 2012, Maputo.
86
importante foi que 50% das escolas observadas em Inhambane (sendo ambas na zona
urbanizada), foi verificado um contraste entre o tipo de material convencional robusto usado para
construção das salas e compartimentos administrativos (paredes de cimento e cobertura de zinco)
e o material precário usado para os sanitários, como se os sanitários não tivessem feito parte da
planificação da construção da escola. Em termos do tipo de sanitário observado, todas tinham o
desenho de sanitário, das quais 9 com fossa seca com laje e 3 constituídas por um grupo de
escavações superficiais que funcionavam como urinóis sem fossa nem laje. Estas últimas foram
observada em Inhambane (na área urbana) e Nampula, sendo questionável se podem ser
incluídas no conceito de “sanitário”.

Figura 14 e 15: Sanitários de uma escola na localidade de Mudauca, distrito de Massinga

Condições para privacidade e segurança

A maioria das escolas (11 das 12 escolas, 92%) apresentava separação entre compartimentos
específicos para raparigas e para rapazes. Em apenas um caso, na província de Inhambane (área
urbanizada), alguns compartimentos estavam separados e outros não.

Embora a maioria dos sanitários acima estejam compartimentalizados de acordo com o sexo
(masculino e feminino), verificou-se que em 5 escolas (42%) nenhum dos compartimentos
destinado ao uso pelas raparigas dispunha de portas. Destas escolas cujos sanitários não tinham
porta, 4 localizavam-se em Inhambane (áreas rural e urbana) e 1 em Nampula (área rural). Das
que apresentavam portas, em 1 escola de Nampula (urbanizada) nenhuma das portas se trancava,
em 2 escolas (uma na área rural de Nampula e outra na área rural de Tete) algumas portas se

87
trancavam), e em 4 escolas (1 na área rural de Nampula e 3 em Tete) todas portas se trancavam.
Neste aspecto, a província de Inhambane revelou ter sido a com condições mais precárias, sendo
que nenhuma instalação observada nas escolas seleccionadas desta província reunia condições
para privacidade, seguindo-se Nampula onde metade (50%), das instalações permitia privacidade.
Na província de Tete, a maioria dos sanitários observadas (75%) possibilitam privacidade por
terem porta e fechadura.

Dos 3 sanitários de Tete e 1 em Nampula, totalizando 5 de 12 (42%) sanitários com condições para
fechar e/ou trancar as portas, todas tinham cobertura. Daí que estes sanitários com portas
trancáveis traziam um aspecto de impraticabilidade do uso, pois a porta fechada diminuía a
iluminação e nenhuma das escolas tinha condições adequadas de iluminação nos sanitários. No
total, o estudo contabilizou 2 sanitários sem cobertura (ambas em Inhambane, na zona com
características urbanass), e devido ao facto de a observação ter ocorrido no período diurno, a
iluminação natural do sol permitia uma boa visibilidade para o seu uso.

Figura 16: Piso de sanitário de uma escola em Moatize, Tete

Dispositivos e insumos para lavagem das mãos nos sanitários


Esta secção examina a presença de água no interior ou anexa aos sanitários, bem como sabão ou
alternativas para uma lavagem das mãos completa. As observações realizadas foram feitas
também na perspectiva de avaliar potenciais infraestruturas que podem de algum modo também
servir para lavagem de partes do corpo ou de material reutilizável de higiene menstrual.

88
Das 12 escolas observadas, apenas 3 (duas em Inhambane: uma rural e uma urbana; uma em
Nampula na área urbanizada) tinham instalações de água que permitissem que os alunos lavassem
as mãos depois de usar o sanitário. O pior cenário foi observado em Tete onde não foi observada
nenhuma instalação que permita a lavagem das mãos. Das 3 observadas, nenhuma encontrava-se
dentro ou anexa o sanitário, sendo que os dois de Inhambane encontravam-se uma relativamente
próxima e uma longe do sanitário e a única de Nampula encontrava-se nas proximidades mas não
anexa ao sanitário, perfazendo 50% das escolas de Inhambane e 25% das escolas de Nampula com
água destinada a lavagem das mãos. É de se realçar que foi apenas em uma escola em Inhambane
que o dispositivo usado para lavagem das mãos era de tecnologia local (do tipo Tippy-Tap)42.

Figura 17 e 18: Fonte de água de uma escola em Moatize, Tete

Para acautelar a natureza intermitente de algumas fontes de água no país, procurou-se verificar
também a presença de recipientes de armazenamento de água para uso imediato, ao que este
arranjo só estava acautelado em 3 escolas (1 em Inhambane, 1 em Nampula e 1 em Tete).

42
Adam Biran (2011). Enabling Technologies for Handwashing with Soap: A Case Study on the Tippy-Tap in Uganda.
Water and Sanitation Program. Global Scaling Up Handwashing Project

89
Contudo, apenas 2 continham água para uso imediato (1 na área rural de Inhambane e 1 na área
rural de Nampula).

Ao observar os compartimentos no interior ou proximidades dos sanitários, apenas uma escola,


localizada em Nampula (zona urbanizada) continha sabão ou cinza para lavagem das mãos. Não
foram observados materiais como papel higiénico e material para secagem das mãos.

Limpeza das instalações de saneamento

Para os indicadores de limpeza, os 12 sanitários foram estratificados em compartimentos de uso


individual, de modo aferir possíveis variações dentro da mesma escola. No total foram observados
57 compartimentos nas 3 províncias (em 14 Inhambane, 24 Nampula, e 19 Tete). No geral 31
(54%) encontravam-se limpas, isto é, segundo a definição do estudo, eram sanitários ausentes de
mau cheiro, moscas, lixo e fezes visíveis no piso ou ao redor do sanitário. Olhando para este
cenário por província, em Inhambane 12 (92%) dos compartimentos (4 rurais, 8 urbanos)
cumpriam com o critério de “limpos”; em Nampula 8 (33%) cumpriam o critério (1 rurais, 7
urbanos); e em Tete 11 (58%) obedeciam estas condições (7 urbano, 4 rurais).

Nas escolas que não cumpriram com o critério de “compartimentos limpos”, os sanitários
emanavam um odor desagradável no momento da observação, desencorajando a qualquer
indivíduo a usá-las de forma confortável. De acordo com as notas de observação, nenhum dos
sanitários observados nestas condições tinha tampa, portanto o cheiro vinha primariamente da
abertura que recolhe os dejectos (fossa seca ou escavação superficial). Em Inhambane (rural) no
centro dos compartimentos encontra-se um poço aberto para as fezes, enquanto para a urina os
alunos urinam directamente no chão.

90
Figura 19: Sanitário de uma escola em Homoine

Figura 20: Sanitário de uma escola em Massinga

Segundo, tanto em Tete como em Nampula, os pisos de terra batida estavam húmidos e os pisos
de cimento encontravam-se molhados por urina acumulada devido a dificuldade dos alunos
acertarem o orifício dos sanitários. Alguns sanitários tinham até fezes nos bordos das lajes ou
aberturas para contenção dos dejectos, com moscas esvoaçando entre as fezes acompanhadas de
proliferação de suas larvas. Em Tete devido ao mau cheiro que emanava dos sanitários os alunos
preferiam fazer as suas necessidades básicas fora dos sanitários.

91
Figura 21: Marcas de urina na parede exterior do sanitário e no chão de uma escola
em Moatize, Tete

Figura 22: Sanitário de uma escola em Moatize, Tete

Condições para o descarte de materiais de higiene e resíduos

Em todas escolas observadas foi constatada a falta de algum local ou recipiente para descartar
qualquer tipo de material higiénico (que inclui material de higiene menstrual), o que dificulta e
constrange as raparigas de considerarem usar as instalações das escolas.

Todas escolas tinham um aterro sanitário, que variava em largura e profundidade com todo tipo
de lixo misturado (biodegradável e não biodegradável) para posterior cobertura ou incineração.
Não se observou nenhuma condição para uma incineração que obedeça os padrões ambientais.
92
Apenas em uma escola em Inhambane foi possível observar um mecanismo de drenagem
funcional das águas residuais.

O destino do material residual sólido e líquido não obedece critérios claros, não se sabendo qual
é o plano a longo prazo de reposição das fossas secas, destino dado as águas residuais e ao
material de higiene.

6.6.2 Dinâmicas do uso das infraestruturas de WASH nas escolas

Em geral as escolas tinham um aspecto limpo, que é assegurado pelo uso de métodos secos de
remoção do lixo (vassouras, ancinhos, enxadas). Ao longo das observações efectuadas nas escolas,
trianguladas pelos discursos dos participantes, faz-se muito pouco uso da água e do sabão para a
higiene colectiva da escola.

Nas escolas onde se pode observar fontes de água funcionais (torneiras e bombas manuais) no
recinto ou arredores, viu-se que estas são usadas, não só pelos alunos mas também por membros
da comunidade e o primeiro acto que fazem ao abrirem a torneira ou bombarem a água é beberem
água (alunos e membros da comunidade) seguindo-se o enchimento dos recipientes para o
transporte da água para os agregados familiares (membros da comunidade). Não foi observada
nenhuma prática de lavagem das mãos nas fontes. Particularmente em Tete, dada a inexistência
de fontes de água localizadas nas instalações escolares ou nas proximidades, foi relatado pelos
professores e pelos próprios alunos que estes traziam água das suas residências para uso nas
escolas.

Todas as escolas têm sanitário, na maioria com separação por género. Foi possível ver que durante
os intervalos tanto os rapazes como as raparigas vão ao sanitário em grupos, mas foi notável que
este comportamento é comum em alunos mais novos. As raparigas afirmaram que quando estão
menstruadas preferem ir ao sanitário sozinhas pois não querem ser vistas, nem que os outros
saibam que já iniciaram a menstruação.

Notou-se, através das observações, que quando entram no sanitário, a sua permanência é muito
curta, ficando na dúvida se os alunos dedicam tempo suficiente para fazer o uso correcto das
mesmas. Em geral os sanitários são de difícil uso. De facto, os próprios alunos e alunas relataram
que as crianças mais pequenas defecam fora do lugar indicado no sanitário. Este facto foi

93
confirmado, tanto pelas raparigas como pelos rapazes que mencionaram não só a dificuldade no
uso dos sanitários como também a falta de privacidade, a falta de água, a dificuldade dos alunos
da primeira classe em distinguir os sinais de separação por género; e na maior parte das vezes o
facto dos sanitários estarem sujos. Segundo as raparigas mais velhas, apesar dos sanitários já se
encontrarem sujos, um desafio que elas encontram é o receio de sujar o chão dos sanitários com
sangue durante a menstruação pois a próxima utente definitivamente pode julgá-la. Não havendo
água suficiente nos sanitários, elas acabam usando muito pouco estas instalações, só em
momentos de desespero.

Durante as DGFs as raparigas de Tete e Nampula afirmaram que nas escolas descartam o material
absorvente usado nos sanitários. Esta situação acarreta mais um desafio para as raparigas,
principalmente quando o sanitário é precário (escavação superficial), tendo elas que levar o
material usado de volta para casa embrulhado em um plástico onde posteriormente deitam no
sanitário, enterram ou queimam. Caso o material seja reutilizável, elas seguem o mesmo
procedimento e só aquando da chegada à casa podem lavá-lo para posterior secagem e
reutilização.

Destas constatações sobre a falta de limpeza e falta de privacidade nos sanitários das escolas, foi
aferido que o uso pelas raparigas quando estão menstruadas é pouco provável. Esta constatação
pode ser triangulada com achados das discussões em grupos focais que expressam o sentimento
de solidão e insegurança no momento de se dirigirem aos sanitários nas escolas, pois, apesar da
maioria de actividades durante a infância e a adolescência, principalmente no ambiente escolar,
serem levadas a cabo em grupos de pares, as raparigas costumam usar os sanitários sozinhas
porque não querem ser vistas e nem que os seus amigos saibam que estão a menstruar.

“Ela prefere usar a casa de banho sozinha porque não quer que seus colegas saibam
que ela já começou a ter ciclo menstrual. Ela tem vergonha de outras pessoas
descobrirem que ela já é uma adulta. ”- DGF com raparigas dentro da escola, Homoíne

Não (não usam a casa de banho na presença de outras pessoas). Porque outras pessoas
podem ver. É difícil porque quando tiver pessoas ela tem medo de ir a casa de banho,

94
tem medo de ir fazer xixi. Tem medo porque está a menstruar. Ela tem vergonha de ir
fazer xixi se tiver pessoas porque podem a descobrir. – DGF com raparigas fora da
escola, Homoíne

Outro aspecto é que, pelo facto de os professores viverem ao lado da escola, eles recorrem aos
seus próprios sanitários, sendo que as instalações precárias de saneamento da escola para o uso
exclusivo dos alunos.

O painel abaixo sumariza os principais desafios identificados como sendo relacionados com a
interacção entre a menstruação e a participação na escola.

Desafios relacionados com a gestão da menstruação nas escolas

● Falta de concentração na sala de aulas


○ Por estar a pensar sempre no fluxo
○ Pela preocupação de não manchar as roupas
○ Por medo de ser descoberta
● Isolamento e diminuição da participação na actividade física
○ Por não poder brincar com crianças
○ Por medo do penso cair durante a aula de educação física
● Ausências frequentes da sala de aulas
○ Para verificar o estado da roupa
● Ausências pontuais da escola
○ Para se trocarem em casa, no mato ou em casas vizinhas à escola
● Faltas à escola
○ Para aprender a gerir a menstruação na menarca
○ Devido aos ritos de iniciação
○ Pela dificuldade de lidar com cólicas
● Dificuldade de comunicar com o professor

95
● Sanitários sujos sem água nem sabão
● Falta de privacidade nos sanitários
○ Pela deficiente separação entre os compartimentos
○ Risco de ser interrompida por outros utentes
● Dificuldades no descarte de material
○ Por falta de meios para o descarte de material
○ Pela orientação de levar o material para casa
● Dificuldade de lidar com cólicas
○ Falta de conhecimento sobre analgésicos

6.6.3 Percepções dos determinantes de um ambiente favorável a GHM ao nível da escola

Quando questionados sobre os factores que possam ser determinantes de um ambiente amigável
para as raparigas nas escolas, a maioria dos pais e encarregados de educação disseram que a
escola deveria construir mais sanitários, e as raparigas e rapazes falaram mais da criação de
condições para ter água e sabão e garantir a sua limpeza. Para eles, os sanitários devem estar
claramente compartimentadas para garantir a privacidade dos alunos, principalmente raparigas
quando estão menstruadas. Para os professores, principalmente as professoras, a presença de kits
com insumos básicos de emergência (tais como pensos e analgésicos) poderia melhorar a forma
como elas lidam com as raparigas principalmente as que vivenciam a menarca na escola.
Mencionaram também a proximidade com um Centro de Saúde, o que nem sempre é possível
actualmente, olhando para o exemplo extreme encontrado em Nhamitsatse (Tete) em que a
escola dista cerca de 17 Km da Unidade Sanitária mais próxima. Em casos destes, os professores
consideram que a presença de APEs na área iria ajudar a encaminhar as raparigas.
No entanto, nos seus discursos sobre quem deve assegurar todas as condições por eles
mencionadas como ideais, a figura “escola” manteve-se sempre como a principal actora dessas
iniciativas, não tendo os respondentes indicado claramente quem, ao nível da escola ou a outros
níveis, esperam que seja responsável por cada aspecto que eles gostariam de ver resolvido.

96
Em geral não se observou entre os respondentes um sentido de auto-responsabilização por estas
iniciativas. Neste aspecto, houve uma pequena excepção entre os professores, que afirmaram não
terem conhecimento suficiente sobre a menstruação, e que gostariam de aprofundar o seu
conhecimento para melhor endereçar os desafios relacionados com a menstruação, apesar de
este tópico constar nos currícula da 5a, 6a e 7a Classes nas disciplinas de Ciências Naturais e
Educação Moral e Cívica, respectivamente. Foi-nos esclarecido pelos professores que eles estão
preparados apenas para falar dos aspectos fisiológicos da menstruação mas não para apoiar as
raparigas a lidar com aspectos ligados aos problemas e desafios pelos quais elas possam passar.
Provavelmente seja por isso que os professores minimizam esta problemática, conforme indicado
nos subcapítulos anteriores respeitantes as suas percepções sobre a menstruação. Em relação ao
actual envolvimento dos diferentes intervenientes ao nível da escola, identificou-se um elemento
chave para um ambiente favorável a implementação de iniciativas de MHM nas escolas que é a
boa relação entre os professores e os pais e encarregados de educação em particular e a
comunidade em geral. Esta constatação foi colhida tanto através das entrevistas com os
professores, como as DGFs com os pais e encarregados de educação de rapazes e raparigas em
idade escolar. De acordo com os respondentes, o Conselho de Escola é a plataforma formal que
serve como o elo de ligação entre a escola e a comunidade. Há evidências da funcionalidade desta
plataforma, através dos vários relatos sobre a realização de encontros regulares deste Conselho,
onde geralmente são discutidos os planos para a escola e o funcionamento da mesma, bem como
assuntos específicos ligados ao adolescente e jovem (principalmente a rapariga), tais como o
casamento prematuro, a gravidez precoce, o absentismo escolar e a desistência que de certo
modo estão interligados. Estes encontros ocorreram em Tete e Nampula somente na área
urbanizada. No entanto, a maior parte das escolas não incluem a questão da GHM nas agendas
nos encontros do CE e as poucas que o fazem colocam o assunto de forma geral e não muito
orientada a resolução de problemas.

Falamos para os pais das desistências, os casamentos e a gravidez precoce. (…) Já falamos
disso [sobre a menstruação]. (…) Os pais já receberam essa informação. Ééé a reação deles foi
de agradecer e nós deixamos aquela informação para eles também quando chegarem lá em
casa falarem aos filhos que quando alguém [está] a menstruar não é motivo de faltar e de

97
desistir a escola. – ESE com professor, Nacala-Porto

Nós sempre conversamos com os encarregados que devem mandar as crianças para escola
mesmo quando apanham a primeira menstruação. Outros pais quando a menina apanha a
primeira menstruação dizem que a rapariga já é crescida deve ficar em casa, e mandam casar
a menina. Nós sempre sensibilizamos os pais a levarem as crianças a escola. – ESE com
professora, Moatize

Parte dos determinantes acima identificados e descritos estão relacionados com a disponibilidade
de recursos financeiros nas escolas, que foi referenciado pelos professores. No entanto, dado que
em teoria todos intervenientes deste estudo, sem excepção, mostraram interesse em ver
melhoradas as condições de higiene nas escolas em geral, parece existir também um elemento de
falta de priorização, pois há recursos para endereçar outros problemas. Os professores
mencionaram que existe o Fundo de Apoio Directo à Escola (ADE) colocado na escola e entregue
à gestão pelo CE, e que maioritariamente é usado para reparações e compra de material como giz,
apagador e papel. De acordo com os respondentes, este fundo é limitado para grandes
investimentos, mas alguns estão conscientes da possibilidade da obtenção de um fundo de
funcionamento da escola que nunca se efectivou mas sabe-se que está previsto no âmbito da
descentralização e autonomia do Distrito.
A não priorização da GHM adequada nas escolas prende-se em parte na falta de conhecimento
generalizado entre os membros da comunidade sobre a menstruação como um processo natural
e inevitável, que deve estar isento de culpabilidade as raparigas. Adicionalmente, o conhecimento
limitado apresentado pelos professores, mas que é favorável a inclusão e a igualdade do género
pode entrar em choque com o conhecimento leigo encontrado na comunidade que prende-se nos
valores ligados a exclusão e a desigualdade entre raparigas/mulheres e rapazes/homens. De facto,
segundo as matronas e as madrinhas de ritos de iniciação, principalmente na província de
Nampula, uma condição para elas importantes é o alinhamento entre o que se diz na escola e o
que se orienta nos ritos de iniciação. Este atrito entre os dois pontos de vista foi portanto um
determinante identificado como negativo para efectivação de intervenções de GHM.

98
6.6.4 Mapeamento dos intervenientes no que toca a GHM a nível da escola

Os intervenientes, nestes estudos é o conjunto de actores que estariam interessados ou afectados


pela problemática da GHM nas escolas nas províncias envolvidas no estudo. Estes foram
identificados directamente pelos participantes como principais intervenientes para resolver esta
problemática, mas também foram identificados pelos investigadores ao longo dos discursos dos
participantes das DGFs e ESE como actores que actualmente estão envolvidos em assuntos directa
ou indirectamente ligados a gestão da higiene menstrual.
Na Província de Inhambane os principais intervenientes identificados para apoiar na questão do
WASH nas escolas foram as representações distritais do ministério de tutela (MINEDH) e
Ministério da Saúde (MISAU). Em Tete foi mencionado o Governo, e as respostas também
apontaram para o MINEDH, especificamente a Direcção de Infraestruturas e Equipamento Escolar
(DIEE), e localmente os Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT), os líderes
locais e as Organizações Não Governamentais (ONGs) como entidades que podem apoiar a
questão de WASH nesta província, mas não foram especificadas as ONG’s.
Os participantes de Nampula identificaram igualmente as mesmas entidades mas incluíram o
Conselho Municipal (concretamente no distrito de Nacala-Porto) e as direcções das escolas. Das
constatações dos próprios investigadores do estudo, principalmente durante o processo do
levantamento das necessidades acima discutidas, adicionam-se a esta lista dos principais
intervenientes as raparigas (quer as que frequentam como as que não frequentam as escolas) os
rapazes, os professores, os conselhos de escola, os pais e encarregados de educação e as matronas
e madrinhas de ritos de iniciação, as unidades sanitárias, o sector privado (retalhista), e os Sectores
das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos e Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural.
De entre estes principais interessados, fez-se um mapeamento que apresenta o seu
posicionamento (se internos ou externos à escola) o potencial papel, a capacidade de levar a cabo
a acção que se espera deles, e o seu grau de influência sobre a intervenção (medido pelo possível
impacto do seu envolvimento).

99
7 LIMITAÇÕES E DESAFIOS DO ESTUDO

Como em qualquer pesquisa, há várias limitações para estes achados. Os dados foram recolhidos
em três províncias de Moçambique nomeadamente Inhambane, Tete e Nampula de forma a
capturar a diversidade de crenças culturais e normas sociais que diferem entre as principais
regiões geográficas do país (região norte, central e sul) e dentro da mesma região. Apesar dos
resultados mostrarem importantes diferenças entre os três locais de estudo, o desenho de estudo
qualitativo não permite uma generalização estatística para outras áreas geográficas mesmo
dentro da mesma região. Este tipo de estudo, por causa do desenho qualitativo, e nenhum meio
de verificação sobre assuntos por exemplo ligados a relação directa entre gestão de higiene
menstrual e assiduidade, está sujeito a algum tipo de viés de informação, seleção e ou
interpretação. Para minimizar alguns destes enviesamentos, algumas medidas foram tomadas na
análise de dados, nomeadamente, a codificação dos dados foi realizada por mais de uma pessoa,
verificação dos resultados com outras fontes de dados, discussão dos achados pela equipa de
estudo.
Outra limitação do estudo é o facto de não ter incluído outros actores importantes na questão da
GHM como a CE, responsáveis das ZIPs, os directores das escolas, líderes religiosos, pessoal da
saúde, de modo a trazer a visão dos diferentes extractos sociais da comunidade.
Devido a tradução dos dados (entre Xitswa, Nyungwe, Xichewa e EmKhuwa), algumas subtilezas
de significados podem ter sido perdidas; no entanto foram realizados rigorosos passos de controlo
de qualidade durante a transcrição, tradução e codificação para minimizar esta limitação. Mais
ainda, o processo participativo de disseminação dos resultados contribuiu para minimizar este
problema.
Para a aprovação ética do protocolo de estudo, foi necessário solicitar aprovações prévias do
sector da educação a nível central e provincial, o que foi um desafio devido a não familiarização
deste sector com os procedimentos de comunicação para aprovação ética de um protocolo de
pesquisa em Saúde Pública. Como consequência, as aprovações do sector de educação levaram
mais tempo do que o esperado e atrasaram a aprovação ética, o que afectou sobremaneira o
cronograma do estudo.

100
A equipe de pesquisa enfrentou alguns desafios durante o trabalho de campo que
comprometeram o cronograma diário de actividades. Na província de Nampula alguns líderes
comunitários e participantes exigiram incentivos (camisetes, bonés, lanches e dinheiro) como
condição para apoiar a equipe de pesquisa na selecção dos participantes. Nos distritos de Meconta
e Nacala equipe de pesquisa teve que compensar as participantes dos grupos de matronas para
que estas pudessem comunicar com os “espíritos” oferecendo-lhes dinheiro, caso contrário
algumas matronas entrariam em transe durante a actividade.
Em termos de disponibilidade para participar, a maior parte das actividades só podiam decorrer
no período da tarde porque nas manhãs, segundo os líderes, parte dos membros da comunidade
dedicavam-se as suas actividades agrícolas (nas machambas).
Os ciclones que que afectaram a região centro e norte do país constituíram outro desafio. Em Tete
as adversidades meteorológicas paralisaram o trabalho de campo por alguns dias devido à
interrupção das vias de acesso e em Nampula o mau tempo contribuiu para a fraca participação
dos membros da comunidade.
Nas três províncias foi difícil obter o consentimento informado dos pais das raparigas fora da
escola, as quais eram trazidas pelos líderes comunitários que assumiram a responsabilidade da
assinatura do consentimento informado no lugar dos pais. Este assunto foi devidamente explicado
na secção de considerações éticas.

101
8 CONCLUSÕES

8.1. Crenças e normas socioculturais sobre a menstruação e a GHM

Entre os membros da comunidade, incluindo os professores, existe uma consciência superficial


sobre o processo fisiológico envolvido no ciclo menstrual. Está claro para alguns que está
envolvida a expulsão de um óvulo, mas não há clareza que a menstruação consiste essencialmente
na descamação das paredes do útero quando não há fecundação. Portanto, prevalece uma
confusão nos detalhes e função deste processo.

A menarca (a primeira menstruação) é interpretada como o principal sinal de crescimento, isto é,


a passagem da infância para a idade adulta pelas raparigas onde elas ganham a capacidade gerar
filhos. A puberdade (vista como mudança de idade) não é vista como um processo contínuo que
dura anos, mas sim como uma viragem repentina marcada apenas pela menstruação,
acompanhada por mudanças de atitudes dramáticas entre as raparigas, delas para com os seus
pares e familiares e destes para com elas, levando-as a novos comportamentos (tendentes
iniciação sexual precoce) sem tempo nem espaço para uma adequada preparação.

As crenças e normas culturais apontam a rapariga menstruada como veículo de poluição e


contaminação de doenças, onde o homem é a principal vítima desses riscos. Adicionalmente, a
menarca é vista tanto como um factor de vulnerabilidade das próprias raparigas a ficarem doentes
(em Inhambane) como também é confundida com algumas doenças incluindo o HIV (em
Nampula). Esta dimensão da menstruação como doença ou veículo de doenças para a próprias
rapariga ou outros, interfere com a socialização das raparigas em várias esferas desde a social e
até a religiosa e diminui ainda mais a sua posição social. Assim, qualquer aproximação da rapariga
menstruada a outrem (principalmente homens) é proibida. Apenas as mulheres mais velhas
identificaram elementos socialmente construídos da menstruação sob ponto de vista positivo que
implicam lavagem e purificação do corpo, bem como a alegria de um dia serem sogras e avós.

As normas culturais associadas a menstruação levam a um comportamento geral de segredo em


torno do assunto, resultando na troca limitada de informações sobre a menstruação e higiene

102
menstrual entre as raparigas, seus pares, seus encarregados, cuidadores e educadores. Para as
raparigas, a primeira fonte de informação ocorre antes da menarca nas escolas através dos
professores por meio do conteúdo dos curricula da 5ª classe (por volta dos 10 anos de idade). Não
está claro se as raparigas entendem este conteúdo meramente biológico. Na comunidade, a
principal fonte de informação são as matronas e madrinhas de ritos de iniciação (nas regiões
centro e norte) e as mães e tias ou avós (na região sul). Nas escolas, continua-se com este tópico
na 6a e 7a classes, mas num contexto mais cognitivo e didático, deixando de lado as dimensões
afectivas ou psicológicas. Os professores não têm informação aprofundada sobre a menstruação
e higiene menstrual e alguns estão alheios as percepções e tradições locais associadas a este
fenómeno, havendo uma perda de oportunidade de troca de informação mais rica e útil sobre a
menstruação e a GHM no contexto escolar.

8.2. Práticas de gestão de higiene menstrual entre as raparigas

As raparigas em estudo fazem uso de uma gama de produtos que servem como absorventes
durante a menstruação que se dividem em material convencional especifico para a GHM (pensos
higiénicos); material convencional não específico para GHM (algodão, papel higiénico, esponjas,
ligaduras) e material tradicional (panos recortados de roupa e capulanas velhas mas também
lenços novos que são recortados e colocados na roupa interior e reutilizáveis). Estes últimos são
os mais usados e mais confiados pelas raparigas. Foi casionamente mencionado o uso de folhas
de plantas específicas para situações pontuais. Quem determina as práticas de GHM são as
matronas, conselheiras, madrinhas ou idosas envolvidas nos ritos de iniciação ou nas sessões de
aconselhamento para a vida adulta. O descarte do material é um desafio importante enfrentado
pelas raparigas, pela falta de insumos para um descarte adequado, mas também pela proibição
da desvelação de qualquer sinal da menstruação. Durante a menstruação, as raparigas são
instruídas a redobrar o número de banhos, lavagens e mudança de roupa, a despeito da visível
falta de água e sabão na escola. O estudo revelou um possível risco real de morbilidade associada
a práticas de higiene comumente prescritas as raparigas pelos ritos de iniciação, nomeadamente:
inserção constante dos dedos no canal vaginal, lavagem com elementos adstringentes (sabão de
lavandaria), permanência de material absorvente reutilizável dentro da pasta antes de uma
oportunidade para lavar, inserção de esponjas e panos absorventes entre os lábios e no canal

103
vaginal, e secagem de panos absorventes reutilizáveis em lugares escuros e húmidos propensos a
propagação de bactérias e fungos.

8.3. Condições de WASH nas escolas

Apesar de 70% das escolas terem acesso a fonte de água, na maioria estas encontram-se fora do
recinto da escola. Apenas 33% das escolas tinham fonte de água no seu pátio. As fontes de água
variam entre torneiras, bombas manuais e menos frequentemente poços e cisternas. Entre todas
as escolas visitadas, apenas 50% tinham fontes de água funcionais. O perfil de acesso a água é
mais crítico em Tete, seguindo-se de Nampula. Inhambane foi a província onde as condições
básicas existem em metade das escolas, carecendo de melhoria.

Todas as escolas observadas tinham sanitários, na maioria construídos com material convencional,
constituídos de fossa seca com laje e separadores por género. A minoria (todas em Inhambane)
eram construídas de material precário, em contraste com a construção principal da escola, e uma
escavação superficial para os dejectos líquidos. Apenas em Tete a maioria tinha condições para
privacidade (75%) seguido de Nampula (50%). Inhambane foi a província com as condições menos
adequadas de saneamento. Contudo, mais de metade das instalações observadas nas tr6es
províncias apresentavam-se sujas (sendo as mais limpas observadas em Inhambane).

Apenas 25% das escolas tinham fonte de água corrente adequada para lavagem das mãos após o
uso do sanitário, mas nenhuma estava anexa ao sanitário. Apenas 17% tinham reservatórios de
água cheios para possível uso após a utilização do sanitário. Neste aspecto, Inhambane
apresentou -se razoável e Tete crítico.

Não se verificou nenhum dispositivo para o descarte de material de higienização (como papel
higiénico e absorventes). Em todas escolas observou-se aterros a céu aberto para o destino final
dos resíduos sólidos e apenas 8% tinha um sistema de drenagem.

104
8.4. Desafios enfrentados pelas raparigas em torno da GHM

A falta de condições básicas de higiene e saneamento é um dos desafios enfrentados pelas


raparigas na escola durante a menstruação, principalmente a falta de água, sabão, recipientes
para o descarte e privacidade. Este desafio é exacerbado pela falta de oportunidades e falta de
exposição a mensagens e/ou sessões educativas sobre higiene de forma ampla, saúde reprodutiva
em geral e higiene menstrual em particular. Outro desafio importante é a preocupação levantada
pelo dilema de manter segredo quanto ao seu estado e ter que cumprir com todas as proibições
que por si são reveladoras desse mesmo estado. Existem choques entre o conteúdo da informação
e orientações dadas na comunidade (proibições e tabus em volta da interacção com rapazes e
raparigas não menstruadas) e as permissões dadas na escola de continuar com todas as
actividades normais físicas e recreativas independentemente de estar menstruada. Sendo assim,
elas estão sujeitas a falta de concentração durante as aulas, ausências constantes das salas de
aulas, interrupção da assistência de aulas nos dias mais críticos, e faltas provavelmente não
justificadas devido a proibição de revelar ao professor. No entanto, nem os pais e encarregados
de educação, nem os professores reconhecem esta situação como um problema que leve as
raparigas a desistirem de frequentar a escola.

8.5. Implicações no absentismo e permanência na escola


O estudo não mostrou evidência de uma directa relação entre a menstruação e a desistência da
escola. No entanto, trouxe elementos muito fortes de uma relação entre o início da menstruação
e o absentismo (durante a menarca por falta de habilidades de gerir a menstruação fora de casa e
durante os ritos de iniciação pela necessidade de reclusão por um período de tempo), e faltas
pontuais durante os ciclos subsequentes (devido a cólicas, vergonha, preguiça de gerir a
menstruação longe da sua zona de conforto que é a casa junto à mãe), ausências temporárias da
escola (para se trocarem) e ausências frequentes da sala de aulas (para verificarem o estado da
roupa). Foi também identificada a diminuição de participação em actividades físicas e recreativas
(pelo medo de ser descoberta e pelo medo de o material absorvente cair). Todas estas barreiras,
de forma cumulativa podem explicar o mau aproveitamento e eventual taxa de desistências entre
as raparigas.

105
Por outro lado, foram identificados outros factores que levam a desistência escolar,
nomeadamente: falta de condições financeiras dos pais cuja solução eminente para os pais é o
casamento, que por sua vez é condicionado pelo início da menstruação.

Em todos aspectos estudados, não se detectou diferenças marcantes entre zonas rurais e urbanas,
mas sim alguns aspectos únicos de cada província ou região do país, sem distinção entre urbano e
rural.

Face a estas conclusões, foi endereçado o enquadramento conceitual de modo a incorporar os


principais achados do presente estudo (figura 12).

106
107
9 RECOMENDAÇÕES E IMPLICAÇÕES

9.1 Recomendações específicas por níveis de actuação

Este capítulo traz recomendações agrupadas por níveis, tendo em conta as constatações da
revisão bibliográfica, as discussões em grupos focais com raparigas, rapazes,
matronas/madrinhas e pais/encarregados de educação, as entrevistas semiestruturadas com
professores e as observações directas das condições de WASH nas escolas e a análise dos
principais intervenientes (anexo 17). A lista de recomendações dá primazia ao pacote básico
de intervenções ao nível escolar para garantir uma GHM adequada, abaixo descrito:

9.1.1 PACOTE BÁSICO: Recomendações ao nível escolar e comunitário

Objectivos do pacote básico


● Definir, priorizar, implementar e monitorar as actividades básicas a nível das escolas
e com os recursos existentes que podem facilitar uma GHM adequada
● Encontrar alternativas para o reforço ao acesso a água nas escolas
● Reabilitar os sanitários precários de modo a cumprirem com com 4 requisitos básicos
favoráveis a uma GHM adequada (segundo as observações estruturadas)
○ Separação entre rapazes e raparigas
○ Meios que permitem privacidade
○ Tecnologia adequada de contenção/isolamento dos dejectos
○ Meios que permitam iluminação
● Garantir condições básicas nos sanitários que permitem uma GHM adequada
○ Recipientes para resíduos sólidos
○ Recipientes com água dentro ou nas proximidades do sanitário
○ Sabão ou cinza disponível
● Criar mecanismos de responsabilização pelo bom uso, funcionamento e limpeza das
instalações

108
● Melhorar as práticas de higiene e saneamento escolar em geral e higiene íntima das
raparigas menstruadas
● Incentivar iniciativas de brigadas de limpeza e manutenção das infraestruturas
escolares, com a colaboração dos pais e encarregados de educação.
● Sensibilizar os rapazes para reduzir o estigma e juízos de valores para com as raparigas
menstruadas
● Aumentar a consciencialização, ao nível da comunidade (pais/ encarregados de
educação, rapazes, madrinhas/matronas) sobre a importância da GHM adequadas
para raparigas adolescentes e jovens nas escolas e na comunidade
● Melhorar o diálogo entre a educação formal e a educação tradicional sobre direitos
da jovem e adolescente.
● Uniformizar a informação sobre menstruação e higiene menstrual a nível da educação
formal e educação tradicional e outros sectores (saúde) de modo a passar a mesma
mensagem a todos níveis.

109
Acções recomendadas e intervenientes directamente responsáveis

A tabela 14 (abaixo) resume o conjunto de acções de directa actuação ao nível do distrito,


concretamente na escola e nas respectivas comunidades e entidades de tutela.

Tabela 14: Recomendações de acções ao nível local


Recomendação Intervenientes responsáveis

Colocar dispositivos funcionais para lavagem das  Gestores do fundo ADE


mãos próximos aos sanitários, a semelhança dos  Conselho de Escola,
protótipos simples e adaptados localmente em  Directores
diferentes países de baixa renda43  Professores, alunos e alunas
Disponibilizar sabão/cinza dentro dos sanitários  Gestores do fundo ADE
femininos e à saída geral dos sanitários. A cinza  Conselho de Escola
pode ser usada também para a limpeza e controle  Directores
de odores nos sanitários  Professores, alunos e alunas
Assegurar quantidades superiores de água nos  Direcções das escolas
sanitários femininos para a GHM (com reforço de  Professores,
recipientes de água dentro dos compartimentos,  Alunos e alunas.
distribuição diária de água para estes locais e
manutenção dos reservatórios)
Presença de baldes/caixas de lixo para o descarte de  Gestores do fundo de Apoio
materiais de higiene; Directo à Escola,
Responsabilizar o vazamento do conteúdo e  Conselho de Escola,
reposição dos recipientes de volta nos sanitários  Directores, professores, alunos e
com regularidade alunas
Maximizar o CE como plataforma para definir  Directores de escola,
prioridades relacionadas com soluções para GHM ao  Pontos focais para Saúde Escolar
nível da escola.  CE
Envolver o CE na definição, atribuição e monitoria
das actividades relacionadas com o melhoramento
de condições para uma GHM favorável
Maximizar o uso do grupo de pais de turma, onde o  Directores de escola,
fórum de discussão é mais apropriado para aspectos  Pais de Turma
sensíveis, como uma plataforma de diálogo e
sensibilização dos pais/encarregados de educação
sobre os desafios enfrentados pelas raparigas e
como solucioná-los
Envolver pais/encarregados de educação,  Directores de escola
madrinhas/matronas, líderes no reforço e  CE, Professores

43
Adam Biran (2011). Enabling Technologies for Handwashing with Soap: A Case Study on the Tippy-Tap in
Uganda. Water and Sanitation Program. Global Scaling Up Handwashing Project

110
manutenção dos sanitários precários (Inhambane) -  Ponto focal para Saúde Escola
escavação de fossas secas, cobertura com lajes  Pais de Turma
resilientes, condições básicas para GHM e  Pais e encarregados de educação
privacidade  Líderes comunitários
As escolas devem ter um plano de desenvolvimento  Directores de escola
realizado em colaboração com a comunidade para  Autoridades locais (municípios,
questões de construção ou expansão administrações distritais)
Reforçar a iniciativa de contribuição de água para a  Directores de escola
escola (por turmas.  Professores
 Pais de Turma
 Alunos
Verificar a viabilidade geológica de construir poços  Directores de escola
como fontes alternativas de água  Conselho de escola
 Professores
 Ponto focal para Saúde Escolar
 Pais e encarregados de educação
 Líderes comunitários;
Envolvimento das  Conselho de escola
mulheres/matronas/mentoras/campeãs nos  Pais e encarregados de educação
programas de educação sobre a higiene menstrual  Líderes comunitários;
com conteúdos alinhados com o que se aprende na
escola
Identificação de mães-conselheiras, pela  Ponto focal para Saúde Escolar
comunidade, que possam interagir directamente  Pais e encarregados de educação
com as raparigas na escola em relação a questão de  Líderes comunitários;
GHM e apoiá-las no surgimento da primeira
menstruação
Realização de debates e reuniões com os conselhos  Conselho de escola
de escola, pais, encarregados de educação e a  Professores
comunidade em geral sobre a menstruação e  Ponto focal para Saúde Escolar
higiene individual/pessoal e como estes factores
afectam o desempenho escolar da rapariga;
Inclusão dos rapazes em todas futuras intervenções  Directores de escola
ou programas relacionadas ao GHM de modo a  Professores
diminuir a insegurança e o desconforto vivenciada  Ponto focal para Saúde Escolar
pelas raparigas nas escolas;  Parceiros de implementação
(ONGs)
De modo a orientar de forma crítica as priorizações,  Directores de escola
há necessidade de se identificar campeões por esta  Conselho de escola
causa da GHM adequada e que representam as  Professores
vozes das raparigas ao nível das escolas.  Ponto focal para Saúde Escolar
Colocar nas escolas mais recônditas professores do  MINEDH
sexo feminino de modo a facilitar a comunicação
sobre este assunto sensível pois existe mais
preconceitos em relação a este tópico.

111
Sugestão de mudar a cor dos calcões usados na  MINEDH
actividade de educação física nas escolas para uma
cor mais escura.
Um processo de consciencialização da comunidade  Directores de escola
em relação a estes conceitos é necessário a médio e  Conselho de escola
longo prazo.  Professores
 Ponto focal para Saúde Escolar
 Pais e encarregados de educação
 Líderes comunitários;

Mecanismos de actuação recomendados


A escola deve ser núcleo de actividades em conjunto com s comunidade e outros sectores
(como o sector de Saúde e de Acção Social).
Os objectivos acima traçados são genéricos, podendo ser socializados num único fórum com
todas ZIPs de cada Distrito e devendo ser adaptados ao nível local. Os directores de escola
devem ser socializados em relação a estes objectivos e partilhá-los no fórum de CE, onde de
forma participativa poderão descartar os objectivos não alcançáveis ao nível da referida
escola, seleccionar os objectivos viáveis e adaptá-los e incorporar novos objectivos sempre
que aplicáveis e de seguida definir as actividades para alcançar os mesmos objectivos. Esta
actividade pode ser facilitada pelos responsáveis pelas ZIPs.
Uma vez identificadas as actividades será necessário definir a calendarização, prazos,
indicadores de desempenho e mecanismos de verificação. Estes deveriam ser apresentados
regularmente aos fóruns de reuniões onde se juntam todas as escolas ao nível distrital
(reuniões das ZIPs) e incluídos nos dados reportados ao nível distrital nos relatórios de Março.
Com base nas evidências do estudo sugerimos os seguintes indicadores:
● Inclusão da discussão das prioridades de GHM na reunião do CE e/ou Pais de Turma;
● Presença de fonte de água funcional e de fontes alternativas de água no recinto da
escola;
● Sanitário com separação entre raparigas e rapazes;
● Presença de porta ou alternativa (lona, capulana ou outros) nos compartimentos do
sanitário;
● Presença de fossa seca com laje e tampa dentro do sanitário (ou sanitário turco);
● Piso do sanitário cimentado; não necessariamente
112
● Sanitário com chão fácil de limpar e com cobertura;
● Presença de balde lixo que seja esvaziado diariamente para um destino seguro (aterro
sanitário);
● Presença de recipientes com água, sabão e/ou cinza dentro dos compartimentos dos
sanitários; e Presença de sabão ou cinza e dispositivo para lavar as mãos a saída
imediata do sanitário com desinfectante;
● Escala de esvaziamento de baldes de lixo e preenchimento dos recipientes de água
criada e funcional;
● Ponto focal de saúde escolar, em colaboração com a unidade sanitária, elaboram
palestras sobre práticas seguras de higiene e saneamento escolar;

● Ponto focal de saúde escolar e Director de escola participam em capacitação sobre


como sensibilizar os rapazes, pais/encarregados de educação e membros da
comunidade a reduzirem o juízo de valores para com a rapariga menstruada;
● Ponto focal de saúde escolar e Director de escola formados sensibilizam rapazes,
pais/encarregados de educação e membros da comunidade a reduzirem o preconceito
para com a rapariga menstruada;
● Directores de escola, professores, ponto focal para saúde escolar e Pais de Turma
articulam com madrinhas/matronas as mensagens a transmitir as raparigas sobre
práticas seguras de higiene menstrual;
● Ficha de indicadores básicos de GHM criada e preenchida regularmente.

As actividades deverão decorrer no ritmo que a escola considerar viável, mas sempre
assegurando que cada bloco de actividades definidas cumpra com o ciclo de orçamentação
do fundo de ADE. Caso as actividades orçamentadas não sejam cumpridas ao fim de um ciclo,
as razões, soluções e responsabilização para o cumprimento devem ser discutidas no CE e não
se deve desembolsar novos fundos se as actividades do ciclo anterior não estiverem
finalizadas.

De seguida são avançados alguns exemplos de actividades concretas, que deverão ser
adequadas ao nível de cada escola.

113
Nos CE deve-se procurar saber se este é o fórum apropriado para se discutir sobre GHM, e se
aplicável os membros devem escolher um sub-comité dentro do CE ao qual serão delegadas
todas actividades que constituam temas sensíveis. Nos fóruns criados deve existir pelo menos
um ponto de agenda com perguntas e respostas sobre GHM onde será convidado o ponto
focal para saúde escolar e uma enfermeira de SMI para esclarecimentos e início da
sensibilização sobre a importância de uma boa GHM nas escolas e na comunidade. Todas
novas iniciativas ao nível distrital que tenham implicações para GHM devem ser socializadas
neste fórum. Por exemplo, se se concretizar a construção de uma nova fonte de água, a escola
deve estar preparada para definir mecanismos de capitalizar os benefícios desta nova fonte
de água para o melhoramento das condições de WASH escolar.
Nos CE serão criadas escalas mensais constituídas por professores, alunos, pais de turma e
membros do CE para monitoramento e manutenção das condições de WASH nas escolas.
Pode-se também estabelecer um mecanismo de reconhecimento da melhor escala (em
termos de alcance e manutenção dos indicadores de WASH). Por meio destas pequenas
acções de reconhecimento, poderão ser identificados os futuros “Campeões de GHM nas
escolas”. Através das escalas serão indicadas as pessoas que irão remover o lixo e repor a
água nos sanitários, garantir a presença de sabão e cinza, efectuar a limpeza diária dos
sanitários e sensibilizar aos utentes a efectivarem o bom uso das instalações. Os membros
das escalas serão responsáveis por reportar danos e necessidades de pequenas reparações
ao Director da Escola, o qual deve definir a acção de seguimento e os responsáveis.
Nos CE deve-se também determinar mecanismos de acesso a fontes de água para reforçar as
existentes. Em Tete, este será o fórum para mobilizar a mais pais e encarregados de educação
a encorajarem os seus educandos a levarem um recipiente de água para a escola, não para
uso individual mas para uso colectivo. O CE pode estabelecer uma escala do grupo de crianças
ou uma turma que irá trazer água por semana que serão responsáveis por recolher a água
diariamente e alocar nos sanitários.
A construção ou manutenção dos sanitários adequados é a actividade que irá necessitar o
maior empreendimento ao nível das escolas. Esta responsabilização deverá ir para além do
CE e estender-se para a comunidade. O CE irá definir com quantas pessoas necessitará de
contar para cada actividade de reabilitação e mobilizar as comunidades, através dos líderes
comunitários, para maximizar a participação. A sensibilização poderá ser mais forte se os

114
pais/encarregados de educação e lideranças forem convidados a visitar os sanitários usados
pelas suas crianças.
A participação da comunidade deve ser não só em termos de mão-de-obra voluntária mas
também ferramentas de trabalho e se possível material de construção. Na mobilização, deve
ser incluída a sensibilização sobre a importância da higiene escolar. Membros da comunidade
do sexo feminino (através das organizações que as representam quer a nível político-
administrativo quer a nível religioso) deveriam ser encorajados, e a estas poder-se-á falar
mais aprofundadamente sobre a importância da GHM.
Em termos de consciencialização sobre a menstruação e a GHM a escola em si, numa primeira
fase não tem o poder suficiente para criar mecanismos de sensibilização. Directores e
professores devem nesta fase mostrar interesse em formar-se na matéria e estar atentos a
qualquer oportunidade que surgir de actualização dos seus conhecimentos sobre a GHM,
principalmente no que respeita a:
● Abandono da ideia de que a menstruação é um assunto de mulheres;
● Desencorajar aos rapazes a fazer juízo de valores e estigmatizar as raparigas
menstruadas;
● Encorajamento proactivo da inclusão da rapariga menstruada nas actividades de
rotina escolares;
● Maior atenção aos possíveis impactos da deficiente GHM no aproveitamento escolar;
● Busca e recuperação das raparigas faltosas e desistentes e averiguação das causas;
● Aplicação de soluções para mitigar o impacto da menstruação no aproveitamento
escolar.

O mecanismo de criação de “Campeões de GHM nas escolas” também podem servir de base
para a escolha dos beneficiários das possíveis formações. Uma vez capacitados, os Directores,
professores e pontos focais deverão na própria formação tentar criar um plano de acção
concreto para as suas escolas e implementar.
De modo a concretizar o objectivo de melhoria das práticas de higiene íntima, a revitalização
dos “cantos de saúde” para informação e aconselhamento, com o envolvimento dos
responsáveis da saúde e higiene escolar, e do “Campeões de GHM”, onde as raparigas e os
rapazes se sintam encorajados a procurar informação sobre menstruação, puberdade, saúde

115
sexual e reprodutiva, pode ser uma oportunidade. Seria responsabilidade dos Directores de
Escola garantir o funcionamento destas plataformas que de acordo com as políticas de saúde
do adolescente deveriam existir em cada escola.

A escola (através do Director) pode articular com a Direcção da unidade sanitária na área de
saúde onde se encontra a escola para melhorar o acesso das raparigas a analgésicos durante
a menstruação, pelo menos que as raparigas saibam que podem dirigir-se a US para adquirir
os mesmos.

9.1.2 Recomendações de suporte ao pacote básico:

Em termos programáticos, recomendou-se um “pacote básico de intervenções” ao nível das


escolas e da comunidade, mas que requer um alinhamento entre os diferentes sectores e
intervenientes, à níveis mais altos do que à escola (listados na tabela 15). Daí que o presente
capítulo traz também recomendações ao nível do Distrito, Provincial, do Governo Central e
Parceiros.

Recomendações a diferentes níveis

Tabela 15: Recomendações de suporte ao pacote básico a diferentes níveis para além da escola e
comunidade

Recomendações Intervenientes responsáveis

Melhorar o acesso a fontes de água com  Direções Distritais de Infraestrutura e


capacidade de abastecer os sanitários com Equipamento Escolar, com apoio da
água suficiente para a higienização doas planificação do MINEDH a nível
próprios sanitários e a lavagem das mãos dos central e da implementação da
utentes e as práticas de GHM. Esta construção ao nível provincial.
recomendação é prioritária para a província
de Tete, seguida de Nampula. A província de
Inhambane deve garantir a funcionalidade das
fontes existentes e reforçar o acesso nas
escolas urbanas
Assegurar que ao planificar-se a construção de  MINEDH (acautelar a planificação),
uma escola, deve estar também planificada a  DPEDH (assegurar a construção),
construção dos devidos sanitários para os  DDEJT (monitorar a manutenção).
alunos com compartimentos claramente
separados entre raparigas e rapazes. Dentro
do compartimento para raparigas deve haver

116
sub-compartimentos de uso individual, cada
um com uma porta com trinco -
Incluir dentro dos recintos escolares sanitários  MINEDH (acautelar a planificação),
casas de banho para professores,  DPEDH (assegurar a construção),
independentemente destes viverem nas  DDEJT (monitorar a manutenção).
proximidades da escola. Isto aumentaria a
responsabilização dos professores e maior
zelo pela limpeza, manutenção e presença de
materiais de higienização nos seus próprios
sanitários e nas dos seus alunos, por inerência
da partilha parcial dos espaços para ambas
casas de banho.
Do mesmo modo que se aloca material para a  MINEDH (acautelar a planificação)
construção das salas de aula, alocar material  DPEDH (assegurar a construção)
convencional para a construção de sanitários  DDEJT (monitorar a manutenção).
escolares, garantindo um piso cimentado no
sanitário (para facilitar a limpeza dos dejectos,
tanto líquidos como sólidos), bem como
janelas para assegurar a iluminação
Incluir nos pacotes de aprendizagem sobre  MINEDH
educação sanitária instruções sobre como usar  Parceiros de implementação de
adequadamente um sanitário (não urinar nem programas de saúde escolar
defecar no chão, lavar as mãos com água e
sabão ou cinza, usar devidamente os
reservatórios de água e dispositivos para
lavagem das mãos, depositar o material
descartável nos devidos recipientes de lixo e
não vandalizar as instalações) e formas de
responsabilização aos estudantes em relação o
bom uso dos sanitários.

Potenciar os professores com habilidades de  MINEDH


identificarem os sinais sugestivos do início da  Parceiros de implementação de
menarca (reclusão e timidez repentina, programas de saúde escolar
diminuição da proactividade física, ausências
constantes da sala de aulas) a fim de
aproximarem-se das meninas para dar-lhe
apoio e orientação sobre a gestão e confortá-
las psicologicamente, bem como abrirem-se
para que elas exponham qualquer dúvida e
preocupação que elas tenham
Capacitar os professores para melhor  MINEDH
conhecerem os aspectos biopsicossociais da  Parceiros de implementação de
menstruação e a possível relação com o programas de saúde escolar

117
aproveitamento escolar e como garantir que
esta correlação seja ultrapassada -
Sensibilizar aos professores, bem como os pais  MINEDH
e encarregados de educação, a abandonarem  Parceiros de implementação de
as suas ideias pré-concebidas de que por programas de saúde escolar
terem passado pelos ritos de iniciação as
meninas não precisam de mais nenhum
suporte psicológico ou emocional durante a
menstruação
Colaboração entre as direcções distritais e  DPEDH
Educação, Saúde e Obras Públicas e as  DDEDJT
autoridades administrativas (por exemplo  DPOPH
Municípios) para que os investimentos feitos  Municípios
fora da escola também beneficiam as escolas.  SDSMAS
Reestruturação do orçamento alocado a  Gestores do Fundo de ADE,
província alocando uma maior percentagem  DIEE
na área de saúde escolar.
Mapeamento dos principais intervenientes  DPEDH
(réplica) em cada província que permita que  DDEDJT
próprios intervenientes concordem sobre o  DPOPH
pacote básico e estejam conscientes das  Municípios
implicações para cada stakeholder  SDSMAS
interveniente.
Este processo deverá ser liderado pelos
representantes ao nível provincial dos três
Ministérios assinantes do memorando de
entendimento.

9.1.3 Implicações políticas

● O grupo técnico multissectorial deve engajar-se num exercício de compilação e revisão


crítica de todas leis, políticas, estratégias nacionais, planos de acção e diretrizes para
incluir componentes de GHM nas escolas;

● Recomenda-se a actualização das políticas de saúde escolar e do adolescente com


actividades específicas de Educação para Saúde envolvendo os conselhos de escola,
professores, pais de turma, encarregados de educação, alunos, lideranças
comunitárias e profissionais de saúde como feito em outros contextos44;

44
Ministry of Education. Menstrual Hygiene Management. National Guidelines. Zambia (2016). Acessado em
31 de Outubro 2019. https://menstrualhygieneday.org/wp-content/uploads/2017/09/MHM-Guidelines_Final-
Version_20160831_With-foreword.pdf
118
● Criação de diretrizes nacionais, obrigatórias de seguimento, para melhorar as
condições sanitárias das escolas de modo a possuírem água potável, material de
limpeza e saneamento básico adequado para as raparigas no período da menstruação
para evitar absentismo;

● Inclusão dos tópicos relacionados a GHM no curriculum de formação de professores


nos Institutos de Formação de Professores (IFP);

● Actualizar, Implementar e cumprir as políticas de construção e manutenção escolar


que deverão assegurar nas escolas, a existência de sanitários que respeitem as
questões de género e a privacidade dos utentes;

● Continuar a fortalecer parcerias com o Ministério da Saúde para a priorização de


promoção de saúde reforçando as mensagens de educação para saúde e higiene
difundidas nas escolas. Para tal deve ser revisitadas as políticas e directrizes de saúde
sexual e reprodutiva do adolescente.

● Advogar para que nas estratégias de saúde sexual e reprodutiva das adolescentes
sejam incluídos aspectos/acções sobre a higiene menstrual para garantir um ambiente
escolar saudável.

9.1.4 Monitoria e Avaliação

Tanto o sector de saúde como o sector de educação tem perícia indiscutível no que concerne
a elaboração e utilização de instrumentos de monitoria. Esta experiência pode ser trazida ao
grupo técnico, desencorajando-se a criação de novos instrumentos, mas sim a incorporação
de variáveis simples e mensuráveis nos instrumentos existentes ou momentos existentes de
levantamento do ponto de situação institucional ou sectorial ao nível do distrito. Um dos
exemplos é o levantamento feito pelas instituições de Educação em Março de cada ano e os
indicadores do programa PRONASAR do MOPHRH). No primeiro levantamento, indicadores
de progresso ligados aos 4 elementos básicos (sanitários separados por sexo; existência de
portas e fechaduras; disponibilidade de água; e lata de lixo) para uma GHM adequada,
acoplados a outros indicadores ligados ao absenteísmo escolar por sexo, seriam de grande

119
valia para a monitoria do progresso da iniciativa do pacote básico de GHM nas escolas em
todo o país. Em relação aos indicadores do PRONASAR, o uso e adequação dos sanitários ao
contexto escolar, e em particular à rapariga em idade menstrual, é um dos indicadores chave
do PRONASAR acoplado a nova iniciativa de construção de sanitários nas escolas, que, depois
de construídas e em uso, o PRONASAR irá reportar este indicador. Seria uma oportunidade
de alinhamento entre estes indicadores e os propostos por este estudo. A avaliação caberá a
decisão do grupo técnico em relação a contratação de entidades de direito para fazer o
exercício de em intervalos de 3 a 5 anos entre as avaliações. Mais uma vez, o MISAU tem uma
vasta experiência na avaliação pós-implementação de qualquer nova vacina ou outra
intervenção, onde apenas busca um grupo reduzido de avaliadores externos a intervenção,
os quais formam aos próprios membros integrantes da equipe de intervenção para colher e
analisar os dados de avaliação de forma participativa.

120
10 DISSEMINAÇÃO

Os resultados desta pesquisa foram divulgados tanto a nível central como a nível provincial.
O presente relatório foi submetido a UNICEF Moçambique, e através deste órgão o relatório
foi socializado entre os membros do grupo Multissectorial de Trabalho de WASH para a sua
revisão e aprovação. Foi realizada uma reunião interna no UNICEF, onde junto com outros
departamentos colaboradores do sector de WASH os resultados do estudo foram partilhados.
De seguida, foi realizada uma reunião dirigida pela Direcção Nacional de Nutrição e Saúde
Escolar do MINEDH, onde estiveram convidados os parceiros do Grupo Multissectorial de
Trabalho e foram apresentados oralmente os resultados do estudo.

Ao nível das províncias de Tete, Nampula e Inhambane foram realizadas, de 19 a 27 de


Setembro de 2019, reuniões para partilha e validação dos resultados da pesquisa com todas
entidades que representam as partes interessadas ao nível das províncias, distrito e postos
administrativos envolvidos no estudo. Estas reuniões foram de teor participativo, onde após
a apresentação oral dos resultados, a equipe de pesquisa facilitou trabalhos em grupo com o
objectivo de avaliar o nível de compreensão dos intervenientes em relação aos resultados e
implicações do estudo, e encorajar a elaboração, pelos próprios participantes dos grupos, das
recomendações para cada província em função dos resultados apresentados.

Figura 23. Grupo de trabalho, reunião de divulgação de resultados em Tete

121
No mesmo exercício, os resultados do estudo foram validados pelos participantes através de
comentários, sugestões, acréscimos de informação e esclarecimento de dúvidas de modo a
melhor reflectir a realidade de cada província mediante os resultados genéricos.

Figura 23: Recomendações sugeridas pelos grupos de trabalho em Inhambane

Os resultados desta pesquisa foram apresentados em uma conferência científica a nível


nacional, as Jornadas Regionais de Saúde (Zona Norte) organizadas pelo Instituto Nacional de
Saúde (INS), que decorreram de 14 a 15 Novembro na cidade de Nampula onde a audiência
era constituída por investigadores, docentes, estudantes e profissionais de saúde, na sua
maioria da região Norte. Os resutados do estudo foram igualmente apresentados na Reunião
Nacional sobre Saúde Menstrual, coordenada pelo Ministério das Obras Públicas, Habitação
e Recursos Hídricos no dia 28 de Novembro na cidade de Maputo, a qual contou com a
presença dos parceiros de WASH (UNICEF, SNV, WUSP do Banco Mundial, BeGirl, MISAU,
MINEDH, Municipio, entre outros).

Ao nível da página web da UNICEF e do CISM estará disponível uma versão resumida deste
relatório no formato de “research brief” para ampla divulgação e referência deste trabalho.
Será também produzido um artigo científico, cujos autores serão os que estiveram
directamente envolvidos na elaboração deste relatório, o que irá contribuir para um maior
debate sobre tópico entre a comunidade acadêmica e de pesquisadores, que por sua vez
chamará mais atenção para o interesse pela questão da GHM e os desafios enfrentados pelas

122
raparigas, que é uma questão ainda muito negligenciada, mas com muito potencial para num
futuro próximo constar no topo da agenda nacional.

O relatório final será partilhado ao nível do UNICEF, MINEDH, Direcções Provinciais e Serviços
distritais, e as cópias das apresentações específicas de cada província serão partilhadas ao
nível das ZIPS e Direcções de Escolas. Durante as reuniões de divulgação nas províncias, os
Directores de Escola, Professores e Chefes de Posto e Líderes Comunitários presentes
comprometeram-se em partilhar os presentes resultados junto as suas comunidades e grupos
populações baixo sua influência.

123
11 ANEXOS E TABELAS SUPLEMENTARES

Anexo 1. Definição dos padrões sanitários escolares inclusivos e adaptados a gestão da


higiene menstrual (2018)

Anexo 2. Guiões de DGFs Raparigas

Anexo 3. Guiões de DGFs Rapazes

Anexo 4. Guiões de DGFs Raparigas fora da escola

Anexo 5. Guiões de DGFs Mães e tias

Anexo 6. Guiões de DGFs Pais e tios

Anexo 7. Guiões de DGFs Matronas

Anexo 8. Guiões de ESE com professores

Anexo 9. Guião de observação

Anexo 10. Carta de aprovação ética pelo CIBS-CISM

Anexo 11. Carta de aprovação administrativa - MINEDH

Anexo 12. Consentimento Informado

Anexo 13. Assento informado Rapazes

Anexo 14. Assento informado Raparigas

Anexo 15. Tabela de condições de WASH

Anexo 16. Mapa da proporção de escolas com acesso a fontes de água (PRONASAR 2012)

Anexo 17. Tabela resumo da análise dos principais intervenientes

124

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