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Thomas Sawyer.

Como eu poderia explicar Thomas Sawyer?


Eu poderia começar com estonteante, sedutor, charmoso... características que ficam claras como a
água para qualquer um que o veja pela primeira vez. E também, eu não poderia deixar de mencionar
o quanto ele é rico e poderoso. O tipo de homem que estrala os dedos e tem alguém aos seus pés.
Mas isso é apenas uma embalagem que guarda um segredo obscuro e perturbador. Algo que eu jamais
poderia ter imaginado quando o conheci.
E como eu o conheci?
Bem, a história é um pouco longa.

CAPÍTULO 1

Era o aniversário da cidade. O dia mais movimentado do ano em Norshingan. Para ser honesta, o
único dia movimentado naquele pedacinho de fim de mundo. O sol mal tinha cumprimentado a
manhã, e as ruas que circundavam a praça Solomons já estavam forradas por fitas de seda, confetes e
grandes arranjos de flores. Pessoas de todos os tamanhos e idades caminhavam em passos rápidos de
um lado para o outro, carregando cestas, caixas ou ornamentos, montando suas tendas ou organizando
seus pequenos canteiros. Era barulhento e caótico, mas de um jeito organizado. Com todos os
visitantes que a cidade recebia naquele dia, nenhum comerciante ousava perder a oportunidade.
Comidas, plantas, brinquedos, roupas, cosméticos naturais ou remédios caseiros. Havia de tudo.
Inclusive minha pequena exposição.
Eu estava ajustando os últimos detalhes das molduras e dos cavaletes. Tão focada em afastar cada
grão intruso de poeira, que não percebi que eles tinham se aproximado até que meu pai puxou o lenço
da minha mão e eu xinguei um nome muito sujo que eu não deveria dizer na frente dos meus pais.
— Oh, querida. — Minha mãe ronronou enquanto estudava meus quadros arrumados. Ela usava um
vestido laranja vibrante que se destacava contra sua pele negra quente como o dia. — Tudo está tão
lindo.
Eu terminei de posicionar um quadro que retratava um mar de begônias, e espalmei minhas mãos
contra meu macacão jeans. Havia tantos murmúrios, risadas, conversas escandalosas. Os últimos
preparativos sendo finalizados em todos os cantos.
— Tenho certeza que hoje você não voltará com nenhum deles para casa — comentou meu pai em um
tom doce. E eu não sabia se eram seus olhos de obsidiana ou os olhos verde folha-seca da minha mãe
que brilhavam mais.
Sorri.

Bem, eu amava pintar. E eu planejava deixar Norshingan depois do ensino médio e ir cursar uma
faculdade em algum lugar decente do mundo. Mas minha mãe engravidou seis meses antes da minha
formatura, e quando Sophie nasceu, parecia tão errado deixar minha família. Meu pai era dono de
uma pequena oficina, e minha mãe era sua fiel assistente. Ele cuidava da parte mecânica e ela lidava
com os clientes e a parte financeira. Mas com aquele bebê chorão demandando cada minuto da
atenção da minha mãe, eu apenas sabia que seria muito para o meu pai. Então eu fiquei, e passamos a
revezar as coisas em casa, na oficina e com a bebê.
Quando minha irmã completou dois anos, eu comecei a frequentar uma escola de artes na cidade
vizinha. As aulas eram duas ou três vezes na semana, e eu tinha quase certeza de que eu sabia mais do
que meus professores. Eu sei, eu pareço soberba. Mas aquela era a paixão da minha vida. Não uma
coisa que eu fazia por obrigação ou frustração profissional. Picasso, Da Vinci, Michelangelo, Monet,
Van Gogh... eu conhecia cada traço, cor, detalhe e história dos seus trabalhos. A ideia de pintar um
quadro que um dia se tornasse o favorito de alguém ou de tocar um coração através da minha pintura,
me fazia passar horas e horas estudando e praticando. Pilhas de quadros se formavam tão rápido em
cada canto da nossa casa, que eu costumava presentear absolutamente todo mundo com uma obra
minha. Eu nem me importava se era um parente muito querido ou o amigo de um primo que eu nunca
tinha visto. E eu recebia tantos elogios, que decidi expor meus quadros nos museus e eventos das
cidades mais próximas.
Mas voltei com todos eles para casa. Todas as vezes.
E eu achei que talvez fosse o universo me castigando por não dar uma chance para minha própria
cidade. Então, passei todo o verão trabalhando em muitos quadros. Pintei animais, pontes, paisagens
e algumas artes abstratas. Muitas vezes, até que selecionei as quinze pinturas que eu levei para o
coração da festividade.
As coisas seriam diferentes naquele dia. Tinham que ser.

Eram 8h da manhã quando os primeiros visitantes começaram a passar pela praça Solomons. Cada
vez que um senhor ou senhora, adulto ou criança se aproximava sorrindo e acenando, meu coração
esfriava. Mas doía de verdade, bem no fundo do meu coração, quando eles ofereciam apenas um
elogio e se retiravam. De novo e de novo.
As horas correram. A praça se estendia em calor e fitas de cetim colorido, pessoas conversando,
rindo, entornando grandes copos de cerveja e comendo, música alta e agitada, crianças correndo e
gritando, visitantes comprando todos os tipos de itens nas tendas locais e canteiros vizinhos. Mas, eu
ainda recebia apenas sinais de não. Caminhei em círculos algumas vezes, troquei a posição dos
vasos de planta e dos cavaletes, limpei poeiras invisíveis das molduras ou apenas mastiguei a
almofada do meu polegar tentando afastar o aperto em meu peito. Que ficava mais estreito e mais
amargo a cada minuto.
O sol cruzou o centro do céu e começou a escorregar para o poente. O tumulto foi se esvaindo, a
música foi desaparecendo, os risos e comentários se dispersaram. Ignorei aquilo. Ainda que o pico
de visitantes e habitantes já tivesse passado por ali, ainda não era o fim. Eu ainda podia vender pelo
menos um quadro. Sim, eu podia. Mesmo com todos os comerciantes desmontando suas tendas e
embalando os poucos itens que restaram. Mesmo com os organizadores locais preparando os fogos
de artifício que deveriam coroar o céu por uma hora quando a noite caísse.
Aquilo não significava nada. Eu... eu ainda tinha tempo. Pelo menos, eu quis acreditar que eu tinha.
Até que um dos mesmos organizadores se aproximou e pediu para que eu liberasse o espaço. Sua voz
rouca fez o chão desabar sob meus pés. Era aquilo. Minha exposição precisava acabar e de novo, eu
não tinha conseguido nem sequer um comprador. Aquilo me sufocou. De repente, pareceu tão ridículo
ter dedicado tantos anos de minha vida em uma coisa na qual eu provavelmente jamais teria sucesso.
Talvez fosse a hora de admitir a derrota. Talvez fosse hora de desistir. Mesmo que pensar naquilo
tivesse um gosto ácido, que desceu pela minha garganta e ondulou em meu estômago vazio.
Meus dedos ficaram gelados, mas desmontei minha exibição. Primeiro, foram os tapetes e as flores.
Essa parte foi fácil e rápida. Recolher todos os quadros e os guardar na carroceria da velha
caminhonete do meu pai é que foi difícil. Cada um que eu empilhava era como um chicote em minha
alma. E eu fiquei estagnada em frente ao veículo por alguns minutos ponderando sobre como seria
outra decepção retornar para casa com todos aqueles quadros. Era como carregar uma enorme placa
dizendo “Ava Beckett é uma droga de pintora”.
Lutei contra as lágrimas. Ali não era local nem hora para desabar em choro. Eu faria isso afundada
em minha cama, com uma cerveja e algumas porcarias com zero valor nutricional.
Mas a vida é uma vadia cruel às vezes, que gosta de brincar com seus limites e provar que uma
situação sempre, sempre pode piorar.
Eu fiz menção de encaixar a chave na porta do carro, quando escutei uma voz masculina chamando
meu nome.
Oh, não.
Agora não.
Droga.
Eu conhecia muito bem aquela voz.
A voz de Tyler Griffin.
Tyler, meu ex-namorado, Griffin.
Eu o conheci quando estávamos no ensino médio. Durante três anos consecutivos, vivemos o melhor
dos clichês adolescentes. Ele era o capitão do time de futebol e eu era a líder de torcida mais
popular da escola. Juntos, éramos o casal mais invejado e admirado de todo o colégio Mackenzie.
Todos queriam ser nossos amigos e todos queriam estar em nosso lugar. Mas depois da formatura,
Tyler e eu nos afastamos. Ele sempre quis ser um daqueles arquitetos famosos, e foi cursar
arquitetura em Nova York. Seu pai era médico e sua mãe professora, e eles não pouparam esforços
para que ele cursasse uma das melhores faculdades possíveis.
E.... não nos víamos há seis anos.
Virei. Tyler estava a meros cinco ou seis passos de distância, banhado pelas luzes vermelho
alaranjadas do fim da tarde. Ele continuava exatamente igual. O mesmo corte lindo e bagunçado em
seus cabelos cacheados cor de mel puro, porte atlético e aquela postura de bad boy.
De novo, droga.
Ele se aproximou em passos curtos e rápidos e parou em minha frente. Eu abri e fechei a boca duas
ou três vezes antes de finalmente conseguir oferecer uma saudação decente. Tyler me puxou para um
abraço forte, envolvendo meu torso com seus braços quentes, e seu cheiro de baunilha me trouxe um
turbilhão de memórias. Me levou diretamente para quando estávamos no ensino médio e quando tudo
era tão mais fácil. Ah, naquela época a vida parecia ser tão perfeita, que ás vezes eu queria que o
tempo tivesse congelado ali.
— O que você está fazendo aqui? — Arfei quando ele me afastou daquele abraço, mantendo suas
mãos largas em meus ombros. Seus olhos verdes jade encontraram os meus, e um sorriso sensual se
curvou em seus lábios. — Eu não sabia que você estava na cidade.
A pele dourada, as covinhas que se formavam quando ele sorria, e todas as pintinhas que ele tinha no
rosto.
Merda.
Eu tinha me esquecido de como Tyler era atraente.
— Eu acabei de chegar — ele explicou, retirando as mãos dos meus ombros para descansá-las contra
seu quadril. E eu me obriguei a não reparar por tempo demais em como sua camiseta branca marcava
seus músculos fortes. — Estou aqui para visitar meus pais.
Balancei minha cabeça.
— É muito bom te ver. — Confessei com a voz mole. E era. — Já faz tantos anos.
Enquanto Tyler concordava com aquilo, eu tentei me livrar do meu sorriso escandaloso, mas não
consegui. Nosso término foi amigável, mas não foi fácil. Eu não fui capaz de me envolver com mais
ninguém daquela cidade por muito tempo. Eu fui aquela garota que recusava muitos machos por ser
comprometida, e quando fiquei solteira, as notícias se espalharam mais rápido do que eu jamais
poderia ter imaginado. Mensagens de caras querendo sair comigo se acumularam por um bom tempo
em meu celular. Mas eu não conseguia me importar. Não quando nenhuma das mensagens vinha de
Tyler.
Eventualmente, quando voltei a frequentar os poucos bares de Norshingan, eu acabava esbarrando
com um cara ou outro que me chamavam atenção e no dia seguinte eu não acordava em minha cama.
Foi então que eu vivi uma fase de muitos casos de apenas uma noite. Na verdade, eu devo ter trepado
com a maior parte dos homens da minha cidade. E eu não me arrependia. Mas meu coração nunca
mais voltou a bater por alguém.
— Você está ótima, Ava — Tyler ronronou exibindo seus lindos dentes em um outro sorriso gracioso.
Calor rastejou por minhas bochechas.
— Então... — enfiei as mãos nos bolsos traseiros do meu macacão. Passos abafados manchavam o
silêncio. — Como vão as coisas?
A pergunta foi ridícula. Eu sabia absolutamente tudo sobre Tyler. Ele tivera dois relacionamentos
sérios em Nova York: uma garota ruiva de nome Becca Cohen, e uma outra loira de nome Mia
Paterson. Ele tinha se formado com honras e tinha um ótimo emprego em uma corporação da rede de
negócios Sawyer.
E não. Eu não era uma Stalker louca. Francamente, depois que terminamos eu decidi que esqueceria
Tyler e seguiria minha vida. Mesmo sendo tão, tão difícil. Ele iria para uma das maiores cidades do
mundo, e eu não podia ficar alimentando esperanças de que um dia ele voltaria para mim. Mas
nossos pais eram muito amigos e frequentemente a mãe de Tyler, Grace Griffin, visitava minha mãe e
contava tudo sobre a vida de seu filho. E como eu estava sempre no porão pintando, eu acabava
escutando absolutamente tudo, já que meu estúdio improvisado ficava exatamente embaixo da sala.
— Tudo está ótimo — ele disse, e deu uma espiada rápida na direção da carroceria da caminhonete.
Seu olhar voltou para meus olhos quando ele perguntou: — Você ainda pinta?
“Você ainda pinta? ”
A pergunta dele ecoou em meus pensamentos. Retumbou em minha alma e se acumulou em meu
núcleo. Eu tinha me esquecido. Ao ver aquele sorriso, aquelas covinhas, aqueles olhos... eu tinha me
esquecido do fracasso que o dia tinha sido. Mas quando ele fez aquela pergunta, eu me lembrei.
E o que eu deveria dizer? A verdade?
Que enquanto todo mundo estava trilhando um caminho rumo ao sucesso de uma carreira exemplar, eu
não só estava embarcada no navio do fracasso como também era a comandante?
— Isso? — Gesticulei de forma muito esnobe para a carroceria lotada com meus quadros. — Não...,
quer dizer, sim. — Minha garganta secou. — Mas é só um hobby.
Ele ergueu de leve as sobrancelhas louras. E cruzou os braços sobre o peito. Seus bíceps eram...
majestosos.
— Sério? — Tyler mordeu o lábio inferior. — E o que você tem feito?
Eu? Apenas tenho perdido meu tempo investindo em meu estúpido sonho.
— Aaaah, eu, hmmm... — balbuciei procurando uma resposta. — Eu... eu, — desviei o olhar
procurando por qualquer coisa e avistei o senhor Rivera guardando alguns vasos de flores em seu
carro. Ele era dono da única floricultura da cidade. — Eu tenho meu próprio negócio de flores agora.
O quê?
Sério, Ava?
Essa é a melhor mentira que consegue inventar?
Tyler olhou por cima do ombro, examinando o senhor Rivera.
— Flores... — Ele avaliou a palavra assentindo de leve com a cabeça. E seus olhos verde-jade
alcançaram os meus outra vez. — Que interessante.
Abri um sorriso cínico. E me obriguei a lembrar o que eu estava indo fazer antes que ele resolvesse
aparecer e me distrair com seu charme.
— Está ficando tarde, Tyler — murmurei. — Eu tenho que ir.
Empurrei a massa dos meus cabelos cacheados para trás dos ombros.
— O que vai fazer com os quadros? — Ele retrucou erguendo o queixo em direção a carroceria. —
Parece que tem vários ali dentro.
Suor gelado se empoçou em minhas mãos. Eu não podia dizer a verdade, porque ele iria querer falar
sobre aquilo. Assim ele descobriria que eu tinha mentido anteriormente, e eu teria que lidar com seu
julgamento e com sua pena.
— Eu vou entrega-los aos compradores — falei por fim. Outra mentira não deveria fazer tanta
diferença assim, mas... era estranho. Tão estranho que meu estômago pesou como se eu tivesse
bebido leite estragado.
Tyler franziu o cenho. As luzes do poente banharam seu rosto esculpido.
— Você vendeu todos?
— Sim. — Disparei. Em um tom tão agudo, que ele nem precisava me conhecer para farejar a
mentira. Meus dedos do pé se enrolaram sob a camurça das minhas sapatilhas. Acrescentei: — Só
porque eu faço como hobby, não significa que eu não seja um sucesso.
Oh não, Ava. O que você está fazendo?
— Isto é fantástico. — Ele comentou, e seus olhos cintilaram. Gelo glacial despontou em meu
coração. — Fico muito feliz por você.
Assenti. Aquilo era genuíno, eu sabia que era. Encarei seus olhos verdes uma última vez antes de
entrar na caminhonete, lhe oferecendo uma despedida silenciosa. Eu me ajeitei no banco de couro
ressecado, encaixei o cinto de segurança, girei a chave dando partida e engatei a ré. E mantive um
sorriso leve, até que Tyler sumisse do meu campo de visão. E quando aquela esquina engoliu a praça
Solomons, o vazio me reivindicou em cheio.
— Um sucesso. — Bufei. — Um sucesso.
Oh, eu era mesmo um sucesso. Um sucesso em fracassar.

CAPÍTULO 2

Dirigi até uma estrada de terra que dava acesso a uma pequena colina desolada, quase fora da
cidade. Ali eu teria privacidade para fazer o que eu planejava. O sol sendo devorado pelas luzes
marrom douradas do crepúsculo, assim como aquele pôr do sol retratado entre montanhas gêmeas em
um dos meus quadros, seria o cenário perfeito para acabar de uma vez por todas com a aquela
história de ser pintora.
Estacionei o carro no pé da colina, abri a carroceria da caminhonete e retirei todos os meus quadros,
um por um. Formei uma pilha. Respirei fundo pensando em todas as horas que passei pintando
aqueles quadros idiotas que não me levariam a lugar nenhum.
Apertei meus olhos para afastar a queimação e inspirei. Inspirei de verdade o ar fresco, absorvi o
silêncio manchado pelo farfalhar dos carvalhos, e reuni a coragem necessária.
Retirei o vidro de álcool do carro e o derramei sobre a pilha de quadros. Acendi um fósforo. Olhei
para a tímida chama laranja-dourada em minha mão, que estava prestes a destruir alguns dos
trabalhos que eu jurei que eram algo além de expectativas bobas. As lágrimas pesaram em meus
olhos.
Aquilo era muito mais difícil do que eu imaginei que seria.
Mas era a coisa certa. Eu precisava aceitar que era hora de seguir em frente. Mesmo que eu não
fizesse ideia de qual era a direção, já que eu estava me livrando do meu único ponto guia.
Arremessei o fósforo contra a pilha de quadros, e ela nasceu. A besta flamejante faminta pelos meus
quadros. Tão rápida, grande, brutal.
Recuei alguns passos e me sentei na grama, abraçando meus joelhos. O calor ondulou em meus
braços e em minhas pernas, e o som da madeira estralando era uma canção cruel. Uma cortina de
lágrimas despencou em meu rosto. Aquele foi um dos momentos mais devastadores de toda a minha
existência. Observar as chamas reduzindo meus quadros a cinzas foi acompanhar a morte da coisa
que eu mais gostava em mim. Foi destruir o motor que me motivava a me levantar da cama todos os
dias. Como despedaçar a esperança que me tornava quem eu era.
Quem eu era?
Até aquele dia eu era Ava Beckett, a garota que sonhava em ser pintora.
Mas depois de queimar meus quadros, depois de queimar meu sonho, eu não fazia a menor ideia do
que eu queria.
O vazio estraçalhou minha alma.
Acho que é isso. É isso que acontece quando você desiste da coisa que mais quer no mundo. E sim, é
verdade que tudo passa. Mas antes de passar, te atropela, te arrebenta. Te quebra em mil pedaços.
E esta parte é a pior de todas.
A parte em que nada mais faz sentido. Que nada permanece. Que a vida se torna cinza, oca e sem
graça.

Eu fiquei ali algumas horas, sem nem sequer perceber o sol trocando de lugar com a lua. E nem
mesmo quando os fogos de artifício estouraram banhando o veludo negro do céu com cores e brilho,
eu senti vontade de olhar. Na verdade, só me dei conta da escuridão e da solidão que haviam se
instalado ali quando o ronco de um motor ecoou em meu estômago e a luz branco-amarelada de um
farol quase queimou meus olhos. E eu só consegui reconhecer o dono do veículo quando ele abriu a
porta e caminhou até mim.
E eu não sei se senti alívio ou desespero por Tyler me encontrar pela segunda vez no mesmo dia.
— Aí está você — ele anunciou em um tom casual ao parar a cerca de seis passos de distância de
mim. — Eu estava te procurando.
Funguei.
— Como você sabia que eu estava aqui? — Questionei, e minha voz soou tão rouca.
Tyler raspou o pé direito contra o chão.
— É fácil. — Ele ergueu os ombros. — Vínhamos aqui olhar as estrelas, lembra?
É claro que eu me lembrava. Tyler pegava emprestado o Camaro do seu pai e íamos para aquele
mesmo local todas as sextas para observarmos o céu. Minha primeira vez tinha sido ali mesmo, com
ele, sob a luz prateada do luar. E depois daquilo, aquele lugar havia se tornado meu refúgio
particular.
Deixei uma risada vazia escapar.
— Dentre outras coisas.
Uma brisa gelada me cumprimentou e eu deixei que meu corpo pendesse para trás, até que eu
estivesse deitada de barriga para cima. Meus dedos brincaram com a grama fria e pontiaguda, e meu
olhar percorreu o céu. O grande tapete escuro forrado por todos aqueles borrões prateados. A lua era
um enorme disco dourado.
Passos abafados e contidos trouxeram Tyler para mais perto.
— O que está fazendo, Ava?
— Exatamente agora? — Retruquei com escárnio. Grilos farfalhavam e a noite se estendia em uma
escuridão fria e densa. — Eu estou admirando o céu.
Tyler estalou a língua e se deitou ao meu lado.
— Sabe o que é engraçado? — Ele indagou retoricamente. E deixou que o silêncio pesasse por um
momento. — Depois de falar com você, eu esbarrei acidentalmente com sua mãe.
Oh, ótimo.
— E ela me disse que você não está trabalhando com flores.
Soltei uma respiração pesada. Mas nada restara em mim para que eu me importasse com aquilo.
— Você me pegou — admiti por cima do arranhão em minha garganta. — Eu não estou trabalhando
com flores. — Pisquei com calma. — Eu não estou fazendo nada. — Olhei para a montanha de cinzas
e brasas. Era a mesma coisa que preenchia meu interior agora. — Nada com exceção de perder meu
tempo.
— Ava, o que aconteceu com você? — Tyler arfou. — Há seis anos atrás você estava tão destinada a
batalhar pelos seus sonhos, que eu jurava que chegaria aqui e nem mesmo te encontraria.
Esta é uma ótima pergunta Tyler.
O mundo ficou inerte por um minuto enquanto eu refletia sobre aquilo.
O que aconteceu comigo? O que eu havia me tornado em um período de 6 anos?
Nada.
Eu estava deitada na grama reconhecendo que meu maior sonho não me levaria a lugar nenhum. Com
23 anos e com absolutamente nenhum plano. Estagnada exatamente na mesma posição em que eu
estava com 17 anos.
— Venha comigo para Nova York.
Pisquei com pressa. O convite vibrou em meus ossos.
— O quê?! — Arquejei.
E sobressaltei na grama, me colocando de pé. Uma tontura leve me acertou.
— Sério Ava. — Tyler repetiu se levantando também. Aquele olhar tão doce encontrou o meu. —
Tem uma vaga de emprego aberta na companhia em que eu trabalho, e poderia ser um novo início
para você.
Meu coração deu um salto em meu peito.
Mais uma vez: o quê?! Me mudar para Nova York?! Com Tyler Griffin?!
— Você bebeu alguma coisa, Tyler?
— É claro que não Ava — ele contestou, flexionando um músculo fascinante em sua mandíbula. —
Por que você acha isso?
Bufei uma risada nervosa.
— Talvez por que você esteja me convidando para ir para Nova York.
Tyler estalou a cabeça para o lado. E deu um passo para frente rompendo a pequena distância entre
nós. Algo esfriou em meu estômago quando nossos olhares se encontraram de novo. Mas agora, tão
perto.
— Preste atenção, — ele falou, levando suas mãos fortes até minha clavícula, — que lugar seria
melhor para investir em sua carreira de artista do que Nova York?
Eu me desvencilhei dele e coloquei uma mão em meu peito, como se aquilo pudesse parar a
rachadura que crescia. Meu corpo era quase pequeno demais perto do dele.
— Bem, se este é o motivo do seu convite, eu te agradeço imensamente Tyler. — Murmurei com a
voz abafada. Olhei mais uma vez para meus quadros destruídos. — No entanto eu deixei isso para
trás.
Girei meu tronco e fiz menção de caminhar rumo a minha caminhonete, mas ele se colocou em meu
caminho.
— Eu sei que isso é difícil para você — Tyler disse em um tom baixo. Mas também, um tom
acolhedor, íntimo. — Eu sei o quanto você queria ser pintora. — Sua garganta oscilou. — E eu
imagino que deva ser...., — ele buscou por uma palavra, — frustrante ainda não ter alcançado o que
você queria.
Não, você não imagina. Você não tem a menor ideia, Tyler Griffin. Você está vivendo seu sonho, e
eu estou vivendo o maior pesadelo de todos.
— Mas continuar aqui em Norshingan não vai tornar nada mais fácil, Ava — ele prosseguiu, e sua
voz era mais macia do que seda. Tyler levou uma mão até meu rosto, me forçando a encarar seus
olhos verdes. Um arrepio subiu por minha espinha por causa da familiaridade do seu toque. — Você
é boa demais para passar o resto de sua vida aqui.
Usei minha mão para sobrepor a dele ainda em meu rosto. Sua pele era tão quente e macia.
— Eu te agradeço, Tyler — respirei fundo, e meus olhos rodaram nas órbitas. Eu precisei lutar contra
o agudo cortante em minha voz para emendar: — Mas eu não posso fazer isso.
Tyler abriu a boca, uma, duas vezes. Mas não disse mais nada. Ele assentiu apenas uma voz, retirou
sua mão do meu rosto e enterrou as mãos nos bolsos de sua calça.
— Eu vou ficar por dois dias, Ava. — Ele ronronou, girando seu tronco para a direção do seu carro.
E adicionou quando começou a caminhar naquele rumo: — Se mudar de ideia, você sabe onde fica a
casa dos meus pais.
Sim, eu sabia. Mas as palavras ficaram entaladas em minha garganta. Ele abriu a porta do carro.
Entrou. Fechou a porta. Ofereceu um aceno em despedida, manobrou o veículo e dirigiu para longe. E
depois daquilo, as lágrimas pesaram em meus olhos, mas não caíram.
Toda a minha vida estava em Norshingan. Minha família, meu cachorro, meus amigos, minha casa,
meus materiais de pintura... assim como todas as minhas decepções. Eu poderia passar o resto da
minha vida naquela pequena cidade como uma pintora desiludida e eterna ajudante do meu pai, ou
arriscar tudo e ir para Nova York com Tyler Griffin.

Fui recepcionada com muitas lambidas por Rufus, o vira-lata que já estava conosco há quase 5 anos.
Rufus era meu fiel companheiro, e sempre passava horas comigo enquanto eu estava no porão
pintando. Sua amizade era uma das melhores coisas que existiam em minha vida. Ele realmente fazia
parte da família.
Fechei a porta atrás de mim, com Rufus ainda sacudindo o rabo e esfregando seu corpo em minha
perna, e avistei meu pai terminando de lavar a louça.
— Oi pai — saudei enquanto jogava as chaves da caminhonete em cima da mesa. O metal deslizou
pela madeira. — Estou em casa.
No andar térreo da minha casa havia uma sala de estar composta por dois sofás e uma poltrona, uma
estante que comportava uma televisão, uma lareira paralela, um balcão largo que separava a cozinha
da sala, e do outro lado, um banheiro adjacente e uma escada que dava acesso ao andar superior.
— Oi querida — meu pai respondeu enxugando suas mãos com um pano de prato branco. — Como
foi seu dia? — Ele abriu um meio sorriso. Seu bigode denso era tão escuro quanto seus cabelos
curtos e crespos. — Teve sorte na exposição?
Cruzei os braços sobre o peito e me encostei em uma das paredes da sala, fazendo um sinal
silencioso de não com a cabeça. Meu corpo pesou. A casa estava tão quieta, com o silêncio puro
rompido apenas pela respiração ofegante de Rufus. Eu estava separada do meu pai por uma distância
de dois metros.
— Quer falar sobre isso? — Ele ofereceu se debruçando no balcão. Seus olhos cor de café
encontraram os meus. Neguei com a cabeça mais uma vez, soltando uma respiração pesada. — Sabe,
— papai afastou alguma sujeira do balcão, — Tyler Griffin está na cidade
— É, — murmurei, — eu sei disso.
Meu pai piscou com calma.
— Você falou com ele?
— Mais ou menos. — Meus ombros caíram. Um minuto correu até que eu perguntasse: — Onde está
a mamãe?
— Ela foi colocar Sophie para dormir. — Ele disse antes de virar as costas para mim e retornar para
a pia, reencontrando os poucos pratos sujos que restavam.
E considerando o silêncio, significava que minha mãe já tinha finalizado a tarefa. Meu olhar alcançou
o relógio pendurado acima da lareira, e o horário fez algo ficar gelado em minha barriga. Já eram
quase 22h30. Eu tinha deixado a exposição antes das 18h, então talvez... eu tenha caído em algum
limbo temporal depois de ter queimado meus quadros.
— Eu vou tentar dormir um pouco também — avisei com a voz baixa, enquanto eu caminhava em
direção as escadas. — Boa noite pai.
— Boa noite querida.
Meu pai e eu tínhamos um bom relacionamento. Ele nunca implicou com Tyler, nunca me repreendeu
quando eu enfrentei aquela fase de passar cada noite com um macho diferente, nunca mencionou
assuntos que nenhum de nós queria discutir. Ele me ensinou a dirigir, dividiu comigo minha primeira
cerveja, e também estava lá quando desejei que eu nunca tivesse conhecido Tyler. Porque ele era tão
difícil de esquecer.
Passei em frente ao quarto da minha irmã e através da porta rosa entreaberta, avistei minha mãe
adormecida aninhada com aquela garotinha. Sophie nasceu poucos dias antes de Tyler e eu
terminarmos. No início foi irritante conviver com um bebê. Ela chorava tanto, que em um
determinado ponto eu só conseguia escutar gritos agudos de bebê, mesmo quando ela estava
dormindo. Mas eu me apaixonei completamente por ela. Aqueles pezinhos, tão parecidos com
pãezinhos de chocolate, que eventualmente eu não resistia em morder. Sophie era tudo para mim. E
meu peito queimava e doía quando eu pensava em qualquer pessoa fazendo mal para ela.
Não, eu não poderia ir para Nova York. Eu não sobreviveria nem sequer um dia sem apertar aquelas
bochechas gorduchas ou fazer tranças em seus enormes cabelos cacheados. Sem olhar para seus
olhos castanhos claros, como amêndoas banhadas por mel. Assim como os meus.
Fui para o banheiro e fiquei afundada na banheira por longos minutos. E depois, eu me enrolei em
meu roupão e me joguei em minha cama, refletindo sobre o que teria feito Tyler Griffin me convidar
para ir para Nova York com ele. E eu refleti tanto, que não percebi que eu estava com meu telefone
fuçando suas redes sociais até que os detalhes de sua vida perfeita estivessem rolando por minha
tela.
Ele dividia um apartamento com um outro homem, de nome Ian Monroe. Havia várias fotos em seu
Instagram com este tal de Ian, assim como com um outro cara de nome Adam Neil. Ele parecia ser
feliz em Nova York. Olhando as fotos descobri que ele estava com uma nova garota, de nome Claire
Stewart. Ela tinha cabelos castanhos claros, olhos desnecessariamente azuis, pele perfeita e lábios
vermelho rubi. Ela era injustamente linda.
Bem, se Tyler estava com ela significava que ele não tinha me convidado por interesses amorosos.
Talvez ele realmente acreditava em mim e achava que eu tinha potencial.
Eu deveria ir?
É claro que não.
Arrrgh.
Saí do meu quarto, atravessei aquele pequeno corredor escuro – minha mãe ainda estava abraçada
com Sophie – desci as escadas em passos leves, alcancei a cozinha e abri a geladeira, procurando
por uma cerveja. Rufus estava enrolado do outro lado da sala, roncando alto em seu tapete particular.
E eu grunhi quando percebi que não havia nenhuma cerveja ali. O relógio já acusava meia noite
agora. Eu definitivamente não queria rodar a cidade em busca de uma bebida, mas eu ainda precisava
de algo que entorpecesse minha mente um pouco. Eu estava dividida entre fumar um cigarro do meu
pai ou mandar mensagem para um dos homens em minha agenda em busca de sexo sem compromisso.
Porque sim, eu tinha contatos em minha agenda para aquilo. Se tratavam de Carter Evans, Austin Lee
e Cole Edwards. Eu os procurava sempre que queria algo de apenas uma noite e estava com preguiça
de gastar tempo flertando. Não havia nenhuma ordem específica de prioridade. Eu simplesmente
enviava uma mensagem ao mesmo tempo para os três, e quem me respondesse primeiro, passava a
noite comigo.
E naquela noite, quando meu celular vibrou depois de uns 3 minutos, foi decepcionante.
[Austin 00:37] Foi mal gata, mas hoje eu já tenho planos. Amanhã?
Não. Amanhã estava longe demais. Eu me agarrei a esperança de que os outros dois responderiam.
Mas depois de quase 30 minutos observando aquela tela fria sem nenhuma notificação, eu desisti do
sexo. E resolvi apelar para o cigarro.
Eu não gostava de fumar.
Na verdade, eu só tinha fumado uma vez, encorajada por Tyler. Eu não queria parecer uma garotinha
brega na frente de seus amigos enquanto estávamos matando aquela aula no fundo das arquibancadas,
então, quando um dos jogadores do time de futebol me ofereceu um cigarro e Tyler assentiu apenas
uma vez, eu soube o que ele esperava de mim. E todo mundo estava fumando. Que mal tinha? O
gosto. O gosto era o mal. Porque era horrível.
Então por que aquele maço de cigarros estava repousado entre meus dedos?
Eu não sei. Meu pai fumava o tempo todo. Talvez eu tivesse fumado errado. Talvez o gosto tivesse
ficado melhor ao longo dos anos. Ou talvez eu ainda estivesse tão distante de mim.
Abri a pequena embalagem contrariando o enorme aviso de câncer, e retirei uma unidade.
Acendi. Coloquei em minha boca. Dei uma tragada.
Eu me engasguei com minha própria tosse depois de ingerir a fumaça. E não, o gosto não tinha
mudado. Ainda era horrível.
Enquanto eu apagava o cigarro e falhava em afastar aquele cheiro nojento, passos ressoaram na
escada.
— Querida, o que você está fazendo?
Era minha mãe. O tom baixo e suave.
— Não se preocupe mãe. — Respondi com mais uma tosse. Apertei o cigarro contra o cinzeiro na
mesa de centro e me deitei no sofá, meu roupão escorregando em minha pele. Minha mãe parou
diante de mim, com um roupão amarelo pálido enrolado em seu corpo. Os olhos verde folha-seca
avaliando o cigarro. Adicionei: — Não é o que parece.
— Sério? — Minha mãe perguntou com um fundo de ironia e reivindicou um lugar no sofá, bem na
ponta onde minha cabeça estava. Eu me ajustei ao seu colo, e suas mãos começaram a percorrer meus
cabelos. — Porque parece que você está fumando depois de um dia difícil.
Ah, ela me conhecia tão bem.
— Eu não estava fumando. — Pigarrei tentando me livrar do gosto de cinzas que insistia em
perdurar. — Eu estava tentando. — Estalei a língua. — Mas nem isso eu consigo fazer.
Repuxei meus joelhos, encolhendo um pouco mais o corpo.
— Isso teria alguma coisa a ver com Tyler?
— Não. — Suspirei.
— Então... — Os dedos gentis da minha mãe enrolaram uma mecha do meu cabelo. Brincando,
adulando. Os mesmos cabelos pretos e encaracolados que ela tinha. — Qual é problema?
— Meus quadros — um nó arranhou minha garganta. — Meus quadros são o problema mamãe. —
Lágrimas pesadas marejaram meus olhos. — Ninguém se interessou por eles.
— Querida, — minha mãe ronronou, e sua voz era tão aveludada, — essas coisas fazem parte da
vida.
— Até quando, mamãe? — Indaguei. E minha voz quase falhou quando acrescentei: — Porque eu já
estou cansada.
Rufus se remexeu no seu tapete. O zumbido denso da noite ecoou por um longo tempo.
— Essa história de persistir é muito mais difícil na prática do que na teoria, não é verdade?
Balancei minha cabeça indicando que sim. E o choro... apenas veio.
— Quando me casei com seu pai, os médicos me disseram que seria impossível que eu tivesse um
bebê. — Minha mãe comentou. Aquelas lágrimas escandalosas rolavam por minhas bochechas agora,
despencando no colo dela. Suas mãos massageavam o fundo da minha cabeça. — Eu tentei
engravidar durante sete anos, até que quando eu estava prestes a desistir, eu acordei me sentindo
enjoada e indisposta. — Ela fez uma pequena pausa. Meu choro abafado manchou o silêncio. — Oito
meses depois, você nasceu e foi o melhor dia da minha vida.
Eu sabia daquilo. Eu sabia sobre como eu tinha sido tão planejada, sonhada e aguardada. Eu me
perguntei se toda aquela espera valera a pena, considerando o fracasso que eu me tornara.
— Assim que te vi pela primeira vez, eu me esqueci de tudo. — Minha mãe prosseguiu, e suas mãos
macias faziam círculos lentos e compassados em meu couro cabeludo. —Todo o sofrimento que
passei ao acreditar que eu jamais engravidaria, todas as lágrimas que derramei... absolutamente toda
a dor que eu senti, desapareceram no exato segundo em que segurei você em meu colo.
Levei minhas mãos até meu rosto, limpando aquelas lágrimas, e me sentei, com o tronco virado para
ela. Nossos olhares se encontraram.
— Por que está me dizendo isso agora?
Minha mãe abriu um sorriso que iluminou seus olhos.
— Porque quando chegar o dia em que seu sonho se realizar, tudo vai valer a pena. — Ela puxou
minhas mãos para seu colo. — Você não vai nem mesmo se lembrar de quantas vezes você chorou e
pensou em desistir. Será tão maravilhoso que você vai se agradecer por ter seguido em frente.
Meu coração doeu de verdade.
— Vá para Nova York com Tyler. — Ela aconselhou sem desviar o olhar, e suas mãos apertaram as
minhas. — Você merece uma nova chance.
— Você realmente acha isso? — Minha voz foi apenas um sussurro trêmulo e abafado.
Mamãe se inclinou para dar um beijo em minha testa.
— Eu tenho certeza, Ava.
E então, ela me abraçou. E eu percebi que eu não precisava de nicotina, álcool ou sexo de
consolação. Eu só precisava do colo da minha mãe e de uma boa conversa com ela. Foi o que
acendeu uma pequena faísca de esperança em meu coração e me fez decidir que sim, eu iria para
Nova York com Tyler.

CAPÍTULO 3

A cidade era uma gigantesca selva de pedra. As luzes vibraram em meus olhos, o barulho e o frenesi
de pessoas reverberou em meu estômago. As buzinas, as músicas, as vozes e gargalhadas. Todas
aquelas lojas imensas piscando, os arranha-céus, os telões coloridos e as centenas de
estabelecimentos emparelhados ao longo das ruas. Foi como estar no topo do universo. Literalmente
como se não houvesse nada que eu não pudesse fazer. Tudo parecia ser tão novo, empolgante e
repleto de infinitas possibilidades, que era como se a vida estivesse sorrindo novamente para mim.
Tyler pagou o taxista que nos conduziu até o prédio em que ele morava, e foi cavalheiro a ponto de
carregar minhas malas. Seu apartamento ficava no quarto andar, e não havia elevadores. Mas cada
degrau daquelas escadas de cimento pálido foi acompanhado por um sorriso ou outro que ele me
ofereceu. E, quando alcançamos aquela porta de madeira fosca no final do corredor, Tyler colocou
minhas malas no chão apenas por tempo o suficiente para que abrisse a porta e gesticulou para que eu
entrasse.
— Ian! — Tyler chamou depois que cruzamos o arco.
Enquanto colocávamos minhas malas para dentro do apartamento, um homem alto, magro e ruivo saiu
do banheiro com uma toalha enrolada na cintura. Seus cabelos estavam molhados e sua boca suja de
pasta de dente. Eu já tinha lhe visto por foto no dia em que vasculhei a vida de Tyler.
— Você deve ser Ava. — Ele supôs com uma voz aguda, depois de me olhar de cima a baixo por
tempo demais. Eu me perguntei se havia algo de errado com o vestido florido drapeado e a jaqueta
jeans que eu usava. — É um prazer finalmente te conhecer.
Assenti. E abri um sorriso para ele.
— Sim, eu sou. — Confirmei, e Tyler fechou a porta atrás de nós. — É um prazer te conhecer
também.
— É bom que esteja aqui — Ian voltou a falar, levando suas mãos até a toalha para reforçar o ajuste
na cintura. — Porque honestamente, eu já não aguentava mais ouvir Tyler falando sobre você.
Minhas bochechas arderam.
Tyler falava de mim?
Meu ex-namorado arremessou uma bola de golfe que eu não sei de onde ele tinha tirado contra seu
amigo. Ian se desviou e deixou uma risada rouca escapar.
— Ignore ele. ​— Tyler aconselhou se posicionando ao meu lado. Seu calor fez um arrepio subir por
minha espinha.
— Eu espero que ele tenha dito coisas boas — retruquei com a voz mole e boba.
— Somente as melhores. — Ian cantarolou. Então, me lançou uma piscadela cínica e se direcionou a
um dos quartos.
Avaliei o apartamento. Cinco cômodos, pelo que me parecia. Uma sala composta por um sofá bege
de três lugares, e uma poltrona da mesma tonalidade. Um tapete vinho redondo, sob uma mesa de
centro, e uma estante com uma televisão. Em uma extremidade da sala, um banheiro, e um cômodo ao
lado – o mesmo o qual Ian tinha entrado. E na outra extremidade, outro cômodo, que julguei ser o
quarto de Tyler. Roupas estavam espalhadas por todo lugar, havia uma pilha de vasilhas sujas na pia,
lixo acumulado e embalagens de comida largadas em cada canto possível.
Tyler deixou que seu corpo recaísse no sofá e se espreguiçou. A viagem tinha sido tranquila.
Conversamos bastante dentro do avião – grande parte do assunto ficou reservada a Sophie. E desde
que saímos do aeroporto, eu me perdera com os encantos daquela cidade.
— Sinto muito por Ian — Tyler ofereceu abrindo um sorriso que expunha suas lindas covinhas. —
Mas com o tempo você se acostuma.
— Está tudo bem. — E estava. Puxei uma linha solta da manga da minha jaqueta e passei o peso do
corpo para outra perna. Olhei por cima do ombro, para minhas duas malas ainda perto da porta, e
reavaliei o apartamento. Uma barata correu de uma caixa vazia de pizza. — Onde é o quarto que eu
irei ficar?
— Sobre isso, — Tyler murmurou, — eu meio que menti para você.
Meu olhar encontrou o par de olhos verde jade.
— Do que você está falando?
Ele mordeu seu lábio inferior. E eu não me permiti pensar no gosto que seu beijo costumava ter.
— Não existe um terceiro quarto no apartamento.
Bati meus cílios com pressa. Ele havia me feito sair do meu país para dormir... na sala? Porque ele
tinha dito que existia um quarto desocupado em seu apartamento, e que seria perfeito para mim.
— Tyler... — engoli em seco. — Eu não estou entendendo.
Ele escovou seus dedos pelos seus cabelos cacheados. Ian fez algum barulho dentro do cômodo em
que estava.
— Era a única forma de te convencer, Ava. — Ele disse, com calma demais. E eu estremeci. — Eu
sei que se eu te dissesse que irei te ceder meu quarto você jamais viria.
Tossia uma risada.
— Eu não quero seu quarto. — Sacudi minha cabeça em um sinal de não. — Não é justo que eu
chegue aqui e o tome de você.
— Não se preocupe com isso. — Tyler se colocou de pé e caminhou até mim, parando a pouco
menos de 30 centímetros. — Ian e eu já tínhamos conversado. — Ele usou sua mão direita para
afastar uma mecha do meu cabelo, e eu ignorei o puxão gelado em meu estômago. — Iremos repartir
o quarto dele até você se adaptar, e depois... — seus olhos cintilaram. — Depois a gente vê o que
acontece.
Neguei outra vez com a cabeça.
— Não parece certo.
— O que não é certo é você não ter privacidade. — Tyler retrucou em um tom plano e leve. — Além
disso, Ian e eu fomos colegas de quarto na faculdade, e acredite, o dormitório era muito menor do
que o quarto daqui.
Um lampejo de humor cruzou suas feições perfeitas. Encolhi meus ombros.
— Tem certeza que não será incômodo?
— Sim, eu tenho certeza, — ele afirmou, e então inclinou seu rosto para beijar minha bochecha. E
sua pele, seu cheiro... afastei os pensamentos. — Não será incômodo nenhum.

O quarto de Tyler era... confortável. Acolhedor. Uma cama grande, um guarda-roupa de carvalho de
quatro portas, o piso de madeira como no resto do apartamento, e uma janela de vidro oposta a cama.
Eu me deitei, apalpando o colchão. Macio, suave. Os lençóis tinham o mesmo cheiro doce de
baunilha de Tyler. Mas eu sobressaltei quando me perguntei com quantas garotas ele já devia ter
trepado naquela cama.
Meu ex-namorado estava no banho, e aquela pareceu a oportunidade perfeita para virar o colchão e
trocar os lençóis. Eu não era obrigada a dormir em uma cama cheia de vestígios de nova-iorquinas. E
enquanto eu fazia aquilo, enquanto eu ajeitava o travesseiro e espalmava uma colcha que não estava
tão limpa assim para estar guardada, notei que em uma das paredes havia um quadro que me era
familiar. Era uma pintura do King Kong pendurado no prédio Empire State. Tinha sido um presente
meu para Tyler antes dele se mudar para Nova York. Aquele era seu filme preferido, e ele sempre
vibrava na cena em que o gorila gigante escala o prédio. E eu tinha me esquecido daquela pintura.
Eu me afastei da cama e caminhei até onde o quadro estava pendurado. Passei meus dedos pela tela,
me recordando do dia em que eu o havia dado de presente para Tyler. Era um dia ensolarado em
Norshingan, e combinava quase que poeticamente com o sorriso iluminado de Tyler. Ele estava
ansioso e empolgado com a mudança, e não conseguia parar de falar sobre isso. E eu estava feliz por
ele, eu estava feliz de verdade, mas havia um aperto massivo em meu coração. Eu lhe desejava tudo
de melhor, mas eu não queria que as coisas entre nós acabassem.
A porta do quarto se abriu me puxando de volta para a realidade. Tyler entrou no cômodo com uma
toalha vermelha amarrada na cintura, assim como Ian havia aparecido quando chegamos. A diferença
é que a toalha de Tyler estava presa rente aos seus quadris, exibindo muito do seu abdômen perfeito.
Aqueles músculos sólidos e desenhados, e aquele caminho entre seu umbigo e seu pênis que eu
costumava percorrer com beijos e lambidas. Pigarreei. Olhos verdes brilhando em lascívia
encontraram os meus.
— Eu vou te dar privacidade — falei baixinho.
— Não precisa fazer isso — Tyler retorquiu fechando a porta atrás de si. — Não é como se você
nunca tivesse me visto nu.
Um sorriso felino repuxou seus lábios, exibindo suas covinhas lindas. E, um segundo depois, ele se
livrou da toalha. Eu salivei de verdade quando revi seu membro masculino enrijecido e tão...
delicioso. Tyler Griffin estava mais gostoso do que nunca, ali a meros dois metros de distância. E o
quarto ficou tão quente. A noite começava a recair trazendo ruídos, buzinas e luzes amanteigadas.
Eu precisei fazer um esforço grande para não avançar até ele.
— Eu vou.... — balbuciei. Um suor quente se empoçou em minhas mãos. Engoli em seco e gaguejei
por fim: — Eu... e-eu, vou.... tomar banho.
Tyler riu com escárnio. Eu me dirigi em passos largos até minha mala recostada contra o guarda
roupa, e me abaixei. Tudo que eu precisava fazer era abrir o zíper e encontrar minha toalha. E não
pensar em Tyler. Não pensar em seu corpo nu tão perto do meu, em seu calor, em como o sexo com
ele era suado e feroz. Engoli em seco outra vez. E tive a impressão de estar em um forno. A mala
estava aberta, e minhas mãos trêmulas. Blusas, saias, calças, meias, roupas íntimas, vestidos... Onde
estava a maldita toalha?
— Você está bem, Ava? — Tyler indagou em um tom manso. E eu paralisei de verdade notando seu
corpo se aproximar. Apertei os olhos. — Precisa de ajuda?
Sua mão pesou em meu ombro. Eu estava abaixada, e ele nu. Então quando girei meu pescoço para
explica-lo que eu estava bem, eu dei de cara com seu pênis.
— Eu estou ótima, — arquejei. Girei meu pescoço outra vez e voltar minha atenção para a mala
quando eu queria devorar Tyler ali mesmo foi uma tarefa cruel. Mas eu me obriguei a lembrar que eu
não estava ali para isso. De alguma forma, consegui completar: — Eu não preciso de ajuda.
— Você não parece ótima — Tyler ronronou.
Mais saias, e blusas, e vestidos... finalmente a toalha. Eu a tomei em minhas mãos e me coloquei de
pé, forçando meu corpo a manter distância.
— É impressão sua. — Avisei. E quando nossos olhares se encontraram outra vez, meu coração
disparou.
Tyler deu um passo para frente. E eu esmaguei a toalha com meus dedos.
— Você sabe que se precisar de qualquer coisa, eu estou aqui, certo?
— Claro. — Retruquei, rápido e quase ofegante. Eu me dei um segundo para admirar outra vez o
corpo de Tyler. Aquele corpo que costumava ser meu paraíso. E que agora, eu me forcei a lembrar,
pertencia a outra pessoa. — Digo o mesmo.

Precisei tomar um banho muito gelado para acalmar o calor entre minhas pernas. E talvez eu tenha
ficado naquele banheiro pequeno que possuía apenas um chuveiro, um sanitário e uma pia por tempo
demais, porque quando retornei para o quarto de Tyler, encontrei um cômodo vazio. Eu coloquei um
pijama vermelho e amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo.
E então, eu esperei. Esperei sentada no sofá depois de chamar pelo nome do meu ex-namorado em
voz alta mais de uma vez e não obter resposta alguma. Liguei para minha mãe, avisei que estava tudo
bem, e meu peito doeu quando eu pensei na despedida que tivemos. Aquela última cena
especialmente, que foi engolida pela esquina: meu pai em pé na porta de casa, segurando uma Sophie
muito chorosa em seu colo, e minha mãe com os olhos marejados na calçada.
Liguei a TV, troquei de canal, de novo e de novo. Tamborilei meus dedos pelo sofá, brinquei com as
linhas soltas das almofadas, encontrei restos de batata frita entre o braço do sofá e o assento.
Mas ainda, nada de Tyler ou Ian.
Soltei um arquejo tenso e por fim retornei para o quarto.
Não me lembro exatamente de quando o sono me reivindicou, mas me lembro que aquela primeira
noite foi horrível. Porque eu entendi na prática o que queriam dizer quando falavam que aquela
cidade nunca dormia.

CAPÍTULO 4

Acordei com o barulho de vozes altas e alguma inquietação vindo da sala. Meu celular dizia que
eram 8h35. Não estava tão cedo, mas depois das poucas horas que eu realmente passei dormindo, eu
ainda me sentia cansada. E aquilo... meu humor ficava amargo quando eu não dormia direito.
Abri a porta do quarto e avistei Tyler do outro lado da sala, sentado no balcão da cozinha, usando
uma camiseta branca de mangas compridas e botões pelo torso, uma gravata azul índigo e calças
escuras. E lendo um jornal. Aquele garoto que costumava matar aula para fumar e beber com sua
namorada e seus amigos tinha se tornado um homem adulto e responsável. E aquilo era tão sensual,
que eu me esqueci sobre como ele tinha me largado sozinha na minha primeira noite em Nova York.
E o sorriso que ele me ofereceu como cumprimento, deixando que aquelas covinhas profundas
aparecessem.... Bem, meu humor nunca tinha mudado tão rápido.
— Como foi sua primeira noite na cidade grande?
— Barulhenta demais — confessei. Eu me recostei contra a parede do arco de entrada do quarto e
cruzei os braços sobre o peito. — Algo me diz que sentirei falta do silêncio estridente de
Norshingan.
Tyler estalou a cabeça para o lado.
— Você se acostuma. — Ian retrucou. Eu nem tinha percebido ele ali, perto da porta daquele outro
quarto, usando um terno cinza. O homem magrelo dos cabelos ruivos ergueu o queixo pontudo na
direção de Tyler. — Vamos nos atrasar.
Tyler saltou do balcão e jogou o jornal em cima da mesa redonda que havia na sala. E caminhou até
mim em passos contidos, estudando meu pijama vermelho. E quando ele parou diante de mim, tão
perto, seu perfume amadeirado se instalou em minhas narinas.
— Você vai ficar bem sozinha? — Ele perguntou com aquele tom baixo que fazia algo subir por
minha coluna.
Avaliei a bagunça do apartamento outra vez.
— Eu vou ficar bem — retruquei. E eu iria.
— Devo dizer Ava, — ele ronronou, e inclinou seu rosto para beijar minha testa, — é muito bom te
ver aqui em meu apartamento.
Sorri, quase derretendo. E aquele olhar pretensioso de Tyler, aquela proximidade...
— Tyler. — Ian chamou outra vez. — Eu vou te deixar aí.
Meu delicioso ex-namorado estalou a língua com desprezo para Ian.
— Eu preciso ir agora — ele avisou, e me lançou uma piscadinha. — A casa é sua.
E então, ele se dirigiu até aquele Ian tão rabugento depois de pegar um paletó que estava sobre uma
das cadeiras, e os dois deixaram e o apartamento. E eu soltei um suspiro prolongado, tentando me
convencer de que aquilo não era o início de um reatamento. Tyler estava seguindo a vida dele, e eu
estava ali para seguir a minha. Mas era um pouco difícil não pensar sobre quando ele era meu,
quando eu estava em seu apartamento, cercada por todas as suas coisas.
Eu fui até o banheiro e me preparei para aquele dia. Tomei café da manhã – um restinho quase egoísta
de cereal com algumas míseras gotas de leite, e uma banana quase apodrecida que encontrei na
geladeira. Seria impossível passar o dia inteiro ignorando a bagunça horrorosa que havia ali. A
qualquer momento uma ninhada de ratos poderia sair da pia da cozinha. Ou do lixo empilhado e
fedorento do banheiro. E, Ian e Tyler me deixariam ficar pelo tempo que eu precisasse, então por que
não retribuir a gentileza limpando aquele chiqueiro?
Mesmo que eu nem fizesse ideia de por onde começar. Mas, lavei todas as louças e as guardei no
armário, recolhi todo o lixo que estava espalhado, limpei todo o piso da sala e da cozinha, lavei o
banheiro, limpei o quarto de Tyler que agora era temporariamente meu, e por fim, organizei as
almofadas no sofá e dobrei uma pilha de roupas que estava amontoada em uma cadeira, separando as
limpas das sujas.
Terminei tudo por volta das 14h. E eu não me lembrava de estar tão cansada em muito tempo. Eu me
joguei no sofá e liguei outra vez para minha mãe. Depois de quase uma hora de conversa boba, eu me
despedi dela e não percebi que eu adormeci ali mesmo. Mas despertei com chaves tilintando e a voz
aguda de Ian perguntando alguma coisa.
— Shhhhh. — Tyler chiou. A porta foi fechada. — Ela está dormindo.
Não, eu já estava acordada. E eu estava prestes a me mexer e abrir meus olhos quando escutei Ian
dizendo:
— Caramba, Tyler. Eu não tinha reparado que ela tinha uma bunda tão maravilhosa.
Eu não ousei me mexer. Não quando eu podia aguardar a reação de Tyler.
— Ela tem sim. — Ele retrucou em um tom preguiçoso. — Mas se eu te pegar olhando para ela,
teremos grandes problemas.
Sorri internamente. Tyler estava com ciúmes de mim?
— Eu estou apenas brincando, irmão — Ian cantarolou. E passos abafados ressoaram. — Mas ela é
mais gostosa do que você tinha mencionado.
— O que eu posso dizer? — Tyler ainda mantinha o tom baixo. — Em seis anos, ela encontrou um
jeito de ficar ainda mais linda.
Eu não conseguiria continuar fingindo por muito tempo. Depois daquilo, eu queria empurrar Tyler
contra aquele sofá e trepar com ele ali mesmo.
Uma porta abriu, e fechou. Mais passos.
— Quando vai falar com ela? — A voz de Ian veio um pouco mais de longe dessa vez.
— Na hora certa — Tyler respondeu depois de um suspiro. — Eu tenho quase certeza que ela irá
aceitar.
Aceitar o quê? Voltar a ser namorada dele?
Não tive tempo de descobrir. Porque o sorriso que queria crescer em meu rosto... eu me remexi. E
abri os olhos devagar, piscando algumas vezes. Rolei. Tyler estava atrás do sofá, com a gravata
frouxa em seu pescoço e o paletó aberto. Eu não me permiti pensar no que existia sob aquela
camiseta branca.
— Quando você chegou? — Murmurei.
— Exatamente agora — Tyler disse abrindo um sorriso que não chegou até seus olhos. — Teve um
dia bom?
Eu endireitei meu tronco e me sentei. E espreguicei. E bocejei. De verdade.
— Bastante produtivo, eu diria. — Falei. Ian não estava na sala. — E o seu?
— Normal — ele retrucou com um desinteresse gélido. Então contornou o sofá e pegou o controle da
TV. — A mesma rotina chata de sempre.
Enruguei o cenho. Se eu não tivesse ficado tantos anos sem vê-lo, eu poderia afirmar que ele estava
chateado com alguma coisa. Mas, naquele momento, eu estava dividida entre um cansaço habitual ou
estresse acumulado.
— Eu achei que você gostasse do seu trabalho.
Tyler ligou a TV e colocou em um canal de esportes. Baseball.
— Eu gosto. — Ele confessou se aninhando ao meu lado no sofá. Seus pés foram repousados contra a
mesinha de centro, e seus olhos permaneceram fixos no esporte que passava na tela. — Mas eu
gostaria de ser um pouco mais valorizado para variar.
Aquele olhar vazio, aquela falta de calor e brilho... não. Não era apenas um cansaço habitual ou
estresse acumulado.
— Este é o problema das grandes corporações, Griffin — Ian explicou retornando para a sala. E eu
pensei que ele tinha algum talento para se movimentar sem emitir ruídos. — Não somos nada lá
dentro.
Com o canto dos olhos, observei Ian ir até a geladeira e abrir a porta. Ele colocou uma mão no
quadril, e seus olhos se estagnaram lá dentro.
— O que aconteceu com toda nossa comida? — Ele grunhiu.
— Você se refere a todos os alimentos estragados que estavam aí? — Indaguei com esgar. — Porque
se for isso, eu joguei tudo fora.
Ian bateu a porta da geladeira com força. E rosnou.
— E o que eu vou comer agora?
Girei meu rosto para sua direção, e por um momento achei que a fúria estampada em seus olhos
castanho alaranjados era algum tipo de truque ou brincadeira.
— Você pretendia comer aquele lixo?
— Não chame minha comida de lixo. — Ian devolveu. Seu tom foi um pouco mais pesado. — Você
chegou há um dia e já se acha dona do lugar?
Algo correu por meu sangue. Algo quente.
— O quê?
— Exatamente. — Ian caminhou batendo os pés até a poltrona e se jogou contra o estofado, tirando
seus sapatos com os calcanhares. Seus olhos castanho alaranjados me perfuraram. — Ninguém te
pediu para jogar nada fora.
Bufei pelas narinas. Eu passei metade do dia transformando aquele apartamento em um local
habitável, e ele me agradecia com toda aquela grosseria?
— Pare de ser tão irritante, Ian. — Tyler interferiu, pegando uma almofada e a arremessando contra
seu amigo. — Ela nos fez um favor.
— Favor? — Ian repetiu com sarcasmo demais. E então estalou a língua antes de acrescentar: —
Jogar minha comida fora não é me fazer um favor.
— Aquilo não era comida, era um monte de coisa mofada. — Disparei quase cerrando os dentes. —
Você teria uma infecção intestinal se comesse.
— Ei, Tyler — Ian cantarolou, mas ainda me encarava. Deboche. Havia puro deboche em seu olhar.
— Você nunca me disse que sua ex era médica.
Oh, céus. Talvez aquele apartamento ficasse pequeno para nós dois.
Tyler grunhiu com desprezo. Sua atenção ainda estava naquele jogo de baseball.
— Ela tem razão, Ian. Nossa geladeira estava podre.
Ian soltou um arquejo pesado.
— Você vai ficar do lado dela? — O barulho daquele jogo passando na TV preencheu o silêncio por
um momento. — Porque até semana passada você parecia não se importar.
Tyler apenas revirou os olhos. E depois que Ian reclamou mais uma vez e foi para seu quarto,
batendo a porta com força, eu entendi que aquela tensão... existia alguma outra coisa ali.
— Sinto muito por isso — Tyler falou depois de um ou dois minutos. — Ian sabe ser um completo
idiota às vezes.
— Eu é que preciso me desculpar — retraí meus ombros. — Eu não queria que vocês discutissem
por minha causa.
— Não estávamos discutindo. — Tyler contrapôs, e virou seu torso para minha direção. O brilho da
TV reluziu em sua pele dourada. — E você não fez nada de errado.
— Eu posso sair para comprar comida se você quiser, e....
— Ava — ele me interrompeu, e levou seu polegar até meus lábios. Seu polegar tão macio. — Você
não precisa se desculpar.
E aquele mesmo polegar que pressionava sutilmente minha boca se transformou em uma mão em
minha bochecha. E então aconteceu de novo. A mesma troca de olhares que tinha acontecido pela
manhã, um momento antes dele ir para o trabalho. E desta vez estávamos um pouco mais próximos, e
agora existia ainda mais intimidade. Como se os seis anos que passamos separados nunca tivessem
existido. Quase como se tivéssemos 17 anos de novo, e ainda fôssemos aquela líder de torcida
popular e aquele capitão do time de futebol.
Tyler desceu a mão que estava em meu rosto para minha nuca e inclinou seu rosto em minha direção.
E eu percebi que ele ainda tinha muito efeito sobre mim. Porque mesmo sabendo que ele estava com
outra garota, eu torci para que nossas bocas se encontrassem. Como se não existisse nada de errado
com isso. Era como se eu estivesse presa em sua órbita. Como se ele fosse minha gravidade. E eu
não podia lutar contra a gravidade. Ela era poderosa demais.
Nossos hálitos se cruzaram um segundo antes do seu telefone tocar. E nós dois recuamos quase em
um salto.
Limpei minha garganta.
— Você deveria atender.
— Claro — Tyler concordou, e sua voz pareceu tremular. — Eu vou atender e depois podemos ir
comer alguma coisa.
Assenti enquanto ele retirava o telefone do bolso e ia para o seu quarto. E eu apenas cobri meu rosto
com uma almofada e me afundei no sofá.
Porque eu concluí que eu ainda era completamente apaixonada por Tyler Griffin.

CAPÍTULO 5

Uma posição na equipe de limpeza da corporação – esta era a vaga que Tyler tinha conseguido para
mim. E estava tudo bem. Era um emprego honesto e um salário razoável. O que marcaria meu
recomeço. O prédio onde a filial se situava era gigantesco, não muito diferente dos outros vários
arranha-céus que existiam naquela cidade. Eu podia inclinar todo o meu pescoço para trás e ainda
não era capaz de enxergar o último andar dos cinquenta que existiam ali.
Era meu primeiro dia. Eu estava me dirigindo ao provador feminino para colocar meu uniforme,
quando esbarrei com um homem que vestia um terno cinza, possuía olhos preto-ébano e cabelos da
mesma tonalidade, um pouco cacheados e caídos até a altura do queixo. Ele parecia familiar, quase
como se eu já o tivesse visto em algum lugar. E ele sorriu para mim ao indagar:
— Você é a Ava, não é mesmo?
Franzi o cenho. Pessoas passavam com passos apressados por nós dois, e as portas girantes de vidro
da entrada abriam e fechavam, de novo e de novo.
— Sim, eu sou. — Respondi. O observando, avaliando... tentando me lembrar de quem ele era. Mas
perguntei por fim: — E você é....?
— Oh, me desculpe. — Ele disse e estendeu sua mão para mim. E estava tão quente e suada quando
nossos dedos se enroscaram. — Meu nome é Adam Neil. Eu sou amigo de Tyler Griffin.
Ah. Por isso ele me era familiar. Eu tinha lhe visto naquelas fotos no Instagram de Tyler.
Trocamos mais uma ou duas palavras, e depois que nos despedimos, eu alcancei o cômodo reservado
para as necessidades da equipe de limpeza. O uniforme era verde musgo – uma blusa de mangas
compridas com botões pelo torso e uma calça. E havia luvas de borracha e botas também.
O trabalho não era difícil. Cada funcionário daquela equipe era responsável por um bloco.
Banheiros, corredores, escritórios, salas de reunião... basicamente, manter as lixeiras vazias, os
vidros brilhando e o piso limpo. E tínhamos horários específicos para cada tarefa – não
frequentávamos espaços quando estavam ocupados.
Mas ainda naquele primeiro dia, alguém derramou café na mesa de uma sala justamente quando eu
estava cruzando o corredor do andar em questão, e eu me vi obrigada a obedecer ao homem robusto
de olhos cinza grafite com cabelo louro escuro que ordenou que eu limpasse a bagunça.
Especialmente quando eu vi o crachá sobre o terno preto que ele usava, indicando que ele se
chamava Charles Baker e era gerente de vendas. Parecia importante.
Entrei na sala.
O local possuía uma mesa ampla de vidro, quadrada, posicionada exatamente no centro do ambiente,
com doze cadeiras pretas de couro alinhadas ao seu redor. A mancha negra amarronzada do café
escorria e pingava de uma quina, formando uma poça no piso de cerâmica perfeitamente polido. Em
um canto da sala, havia um quadro branco, um tripé com um gráfico, e um projetor montado.
— Não demore muito tempo. — O homem rosnou da porta. Sua voz era densa demais. — A reunião
vai começar em cinco minutos.
Assenti. Empurrei meu carrinho de limpeza até perto da mesa e peguei uma das flanelas. Limpei o
café derramado do vidro da mesa e do piso. Borrifei água e produtos. Enxuguei o vidro. O homem
ficou ali, em pé na porta observando. Devia estar no final dos quarenta anos. As mãos gordas e
brancas afastando o suor que brilhava em sua testa, e a perna direita balançando demais. Eu conferi
uma última vez se o trabalho estava impecável e me preparei para deixar a sala. Mas quando cruzei a
porta e dei as costas para o homem, sua mão pesou contra meu bumbum.
Virei. Havia um sorriso grande em seus lábios pálidos, empurrando suas bochechas fartas para cima.
— Obrigado, querida — ele disse com calma demais. Aqueles olhos cor de grafite percorreram meu
corpo. Nojo preencheu meu sistema. — Eu mando te chamar caso eu precise de outro favor.
Ardi. E quis de verdade engolir aquilo e fingir que não tinha acontecido. Era meu primeiro dia, e eu
não precisava criar um escândalo. Mas ele deu um passo para frente e enrolou seu braço nojento em
minha cintura.
— Você é uma coisinha deliciosa, sabia? — Ele ronronou.
E foi isso. Minha mão direita acertou seu rosto como um raio. Rápido demais para que eu pudesse
pesar as consequências ou para que ele pudesse reagir. O homem cambaleou para trás, levando uma
mão até sua bochecha vermelha e marcada pelos meus dedos, e seus olhos eram pura fúria
condensada quando seu olhar encontrou o meu.
— Vadia! — Ele arquejou, perto da mesa que eu limpara. — Eu vou acabar com a sua vida.
— Toque em mim outra vez e veremos qual vida terá um fim — bufei. Meu peito subindo e descendo
depressa. E eu soube imediatamente que eu seria demitida.
Meu coração se perdeu em uma batida desgovernada. Um grupo de homens e mulheres muito bem
vestidos implodiu do outro lado do corredor, e eu tive duas batidas do meu coração acelerado para
tomar uma decisão. Larguei o carrinho de limpeza ali mesmo e corri até o primeiro elevador que
encontrei, não me importando nem um pouco se eu fazia parte de uma equipe que supostamente
deveria usar as escadas.
As portas se fecharam me deixando sozinha na caixa de aço. E quando eu pensei no que acontecera,
eu quis derrubar todas aquelas paredes. Aquele andar. Aquele prédio.
Desgraçado.
Maldito porco assediador.
Algo queimou em minhas veias, de uma forma que nunca tinha queimado antes. Eu perderia meu
emprego. Era mais um fracasso acumulado.
Ah, Tyler ficaria tão decepcionado comigo.
O elevador parou. E eu não me dei conta de que eu estava no último andar, e não calculei nem um
risco quando cruzei aquela porta com uma placa vermelha que dizia “acesso restrito. ”
E então, eu estava na cobertura do prédio. Uma brisa suave me cumprimentou, o sol me deu um beijo
quente, e um zunido quase estridente ricocheteou meus ouvidos. O parapeito era de vidro,
flanqueando todo o espaço. Vasos de begônias e lírios se enfileiravam, trazendo um toque de cor que
contrastava com o piso pálido. Com todo o cinza amontoado. E havia luminárias douradas.
Luminárias que me fizeram pensar em como aquele lugar deveria ser lindo a noite.
Não percebi que eu tinha chegado tão perto do parapeito de vidro, mas meus olhos se perderam nas
enormes construções que se debruçavam, disputando em altura com o que eu estava. Constituindo a
belíssima silhueta de concreto da cidade. Ah, tudo parecia tão insignificante em meio a aquele mundo
de cimento. Havia tantos pequenos detalhes escondidos no meio de tanta imensidão, que chegava a
ser caótico. E ao mesmo tempo era tão fascinante, que tudo que eu mais desejei foi estar com meus
materiais de pintura para tentar transformar aquilo em um quadro. Traduzir todos aqueles traços em
um único desenho. Eternizar aquela paisagem tão excêntrica em uma tela, e quem sabe, proporcionar
a alguém o mesmo encanto de ver o que meus olhos estavam vendo.
Era um dos motivos pelos quais eu mais gostava de pintar. Pegar uma coisa que me marcou, que me
tocou de alguma forma, e converter isso em algo que transmitiria estas mesmas emoções para um
outro alguém. Uma obra de arte podia transcender o espaço, o tempo e a distância. Em um período de
trezentos anos aquele cenário não seria mais o mesmo, no entanto, ainda era possível tornar todas
aquelas particularidades imortais na forma de um quadro. E claro, era possível fazer isso com uma
fotografia também. Mas havia uma mágica diferente quando a imagem nascia dos seus próprios
dedos.
Eu queria tanto me tornar uma pintora, que aquilo corroía meu peito ás vezes.
— Você não pode ficar aqui. — Uma voz masculina sensual avisou. Todo o barulho da cidade lá
embaixo, que tinha se esvaído por um momento, me acertou em cheio. E com o barulho, o episódio
deplorável que me levara até ali.
Eu me virei para o rumo da voz e avistei o homem mais bonito que eu já tinha visto em toda a minha
vida. Ele usava um terno preto-ônix, e seus olhos azuis como safiras cintilavam contra a claridade do
dia.
— Me perdoe — falei, e minha voz quase falhou. — Eu me perdi.
O homem me mediu com seu olhar. Minhas botas, minhas pernas, meu torso, meus seios, meu rosto. E
quando nossos olhares se encontraram, algo ficou gelado em meu estômago.
— Entendo — ele retrucou em um tom preguiçoso, e contraiu um músculo em sua mandíbula. Os
cabelos mais pretos do que o seu terno pareciam úmidos em um topete impecável. — Você trabalha
aqui?
Oh não, eu estou usando este uniforme porque está na moda.
— Sim. — Apertei meus olhos, afastando as lágrimas impostoras. — Pelo menos, eu trabalhava até
há alguns minutos atrás.
Ele piscou com calma. Suas mãos encontraram os bolsos frontais de sua calça.
— Posso lhe perguntar por quê?
— É um motivo simples. — Respondi por cima do aperto em minha garganta. Eu não sabia quem ele
era, e ele não usava um crachá ou nada do tipo para que eu descobrisse. Talvez fosse um guarda, um
segurança... eu não sabia, e não me importava. Mas ele estava falando comigo, e falando sobre o
assunto que estava borbulhando em minha língua. Adicionei, ainda que com a voz tão embargada: —
Um homem me tocou sem meu consentimento e eu não reagi muito bem.
— Oh, — ele franziu o cenho, ainda mantendo os olhos azuis em mim, — e por acaso a senhorita
saberia o nome dele?
— Charles Baker — soltei. Rápido demais. E dizer o nome em voz alta fez algo apertar a boca do
meu estômago.
— Minhas profundas desculpas por qualquer coisa que ele tenha lhe feito — o homem disse, quase
como se se importasse. Sua garganta cor de creme oscilou. — Mas a senhorita realmente não pode
ficar aqui.
Assenti apenas uma vez com a cabeça e caminhei até a saída, esfregando meus braços. Ah, eu queria
desaparecer. Desaparecer do mundo. Não por causa do macho acompanhando cada movimento meu.
E sim por causa de tudo. Tudo que a vida insistia em fazer. Alcancei a porta, e antes que eu saísse,
escutei uma pergunta:
— Como a senhorita disse que se chamava?
Olhei por cima do ombro, examinando o dono da pergunta. As sobrancelhas grossas levemente
arqueadas, nariz reto, maçãs do rosto altas, quase esculpidas, e um queixo quadrado. Não sei como
eu fui capaz de abrir um sorriso debochado para responder:
— Eu não te disse meu nome.

Eu não sabia mesmo o que fazer.


Não sabia aonde ir naquela empresa idiota, não sabia se continuava com minhas funções ou se
aceitava que eu já não tinha um emprego e voltava para o apartamento de Tyler. Mas eu alcancei o
pequeno cômodo onde meus pertences estavam guardados, e peguei meu celular. E um minuto depois,
eu estava sentada no único banco que havia ali, com meu telefone na mão, e ligando para minha mãe.
— Como vão as coisas por aí? — Foi a primeira coisa que ela perguntou. — Está conseguindo se
adaptar?
Não, mamãe.
— Tudo está ótimo. — Tentei parecer firme. Ela reconheceria qualquer traço de tristeza em minha
voz. — Onde está Sophie?
— Sophie está no quarto dela fazendo o dever de casa. — Alguma coisa chiou contra o telefone e um
grito agudo da minha mãe clamou pelo nome da minha irmã.
Meu peito doeu de verdade. Eu queria tanto um abraço da minha mãe. Ou ver os olhos doces e
inocentes de Sophie.
— Ava, Ava! — A voz meiga de Sophie se aproximou do telefone, e lágrimas pesaram em meus
olhos. — O senhor Rufus está dormindo comigo todas as noites.
Soltei uma risada rouca, e aquelas lágrimas caíram. Ah, Rufus. Se pelo menos ele estivesse comigo.
— Ah, é? — Deixei escapar uma fungada. — Cuide bem dele.
— E Ava, — ela voltou a falar, — ontem eu ganhei uma estrelinha por bom comportamento. A
senhora Cindy disse que eu posso ser ajudante dela esta semana e....
Afastei um pouco o telefone para que ela não escutasse meu choro abafado enquanto me contava
sobre sua professora. Sophie era uma menina tão gentil e carinhosa. Meu coração virava chumbo só
de imaginar ela passando pelo que eu tinha acabado de passar. Eu odiava saber que ela cresceria em
um mundo tão perverso com as mulheres.
— Oh, Sophie. — Respondi quando ela finalizou. — Eu estou muito feliz por você.
— Ava? — Sua voz ficou um pouco mais embargada. — Quando vem nos ver? Eu estou com
saudade.
Afastei o telefone outra vez para tentar engolir o choro.
— Eu não sei exatamente quando, Sophie. — Expliquei tentando vencer o agudo em minha voz. —
Mas assim que eu voltar, iremos nos divertir muito, está bem?
— Você promete?
— Sim — sussurrei.
A voz da minha mãe surgiu novamente, pedindo para que Sophie lhe entregasse o telefone e voltasse
para seu quarto. Respirei fundo e tentei manter a voz firme. Enganar minha mãe era muito mais difícil
do que mentir para Sophie.
— Querida?
— Sim, mamãe?
— Tem certeza que está bem?
— Sim, — funguei, — eu só estou com saudades.
— Estou com saudades também filha. Eu amo você.
Murmurei que a amava também e desliguei o telefone. E chorei. Chorei baixinho naquele quartinho,
por longos minutos, esperando o destino injusto que me aguardava. Mas as horas correram e ninguém
apareceu para me demitir.
Na verdade, o único demitido naquele mesmo dia foi Charles Baker.

CAPÍTULO 6

As semanas passaram.
A rotina me mantinha ocupada e exausta, e eu estava começando a me acostumar com a correria e o
barulho de Nova York. Ian e eu não nos dávamos muito bem, mas não nos víamos muito. Quando
estávamos todos em casa, ele passava a maior parte do tempo em seu quarto e nos fins de semana ele
desaparecia. Ao contrário de Adam, que era um cara decente. Este não se importava em dividir um
almoço comigo mesmo quando eu era de um cargo inferior. Tínhamos longas conversas sobre nossas
próprias vidas, famílias e sonhos.
Quanto a Tyler, ele nunca falava sobre a tal de Claire ou qual era seu tipo de envolvimento com ela, e
parecia evitar a todo custo este assunto. Isso fazia com que fôssemos um casal de ex-namorados
vivendo sob o mesmo teto e frequentemente compartilhando... momentos.
Trocas de olhares durante o café da manhã, cosquinhas no sofá no meio de um filme, beijos na testa e
na bochecha, abraços demorados e uma vez ou outra, até mesmo caminhávamos de mãos dadas no
percurso entre apartamento e o taxi para o trabalho. E eu não fazia a menor ideia do que estava
acontecendo entre nós, mas era agradável. E eu definitivamente estava gostando.
Então, houve uma celebração em comemoração aos resultados da empresa. Os funcionários foram
convidados para uma festa que ocorreria em um dos salões mais luxuosos de Nova York, e apesar da
equipe de limpeza não estar incluída nos convites, Tyler me levou como sua acompanhante.
E com aquele vestido justo de cetim vermelho, que deixava minhas costas nuas e favorecia meus
seios em um decote atrevido, ninguém me reconheceria como uma das moças da limpeza. Eu arrumei
meu cabelo em um coque volumoso, deixando que duas mechas enroladas recaíssem pelo meu rosto.
Um batom vermelho, rímel nos cílios e blush nas bochechas. Um salto alto e.... Tyler quase babou
quando me viu.
Formávamos um belo par. Aquilo era indiscutível. Naquela noite, ele estava usando um terno preto,
que recaia como uma luva em seu corpo lindo. Ian escolheu um terno da mesma cor que Tyler, mas eu
não gostava dele o suficiente para elogiá-lo. Encontramos Adam na entrada do local, aguardando por
nós três. Ele estava usando um terno cinza grafite, bonito, asseado, que o fez parecer um pouco menos
desengonçado do que sempre.
O salão se perdia em lustres dourados de cristais luminosos, mesas redondas de quatro lugares
organizadas em fileiras, uma orquestra de violinistas e garçons portando bandejas com garrafas de
champanhe. Havia muitas pessoas na festa. Pessoas lindas e bem vestidas. Reconheci diversos
funcionários da empresa, aqueles que me viam todos os dias e nunca me ofereciam um bom dia, ou
que viravam o rosto com desprezo quando eu passava por eles. Mas o fator mais chamativo era um
grupo reunido perto da luxuosa escadaria principal. Era a imprensa.
Escolhemos uma mesa perto do serviço de bufê, porque de acordo com Adam, comeríamos mais. Eu
me sentei entre Adam e Tyler, e Ian ficou de frente para mim. Eu revirava os olhos sempre que ele
respirava.
A melodia instrumental vibrava em meu estômago, e garçons desfilavam pelas mesas servindo
champanhe e porções tão minúsculas de comida, que não serviriam para sustentar nem mesmo um
passarinho. Se eu soubesse que a festa seria daquela forma, eu teria feito uma refeição farta antes de
sair de casa. Acho que eu estava muito acostumada com as festas regadas a comidas engorduradas,
músicas sujas, dança agitada e cerveja barata. Eu não pensaria meio segundo antes de trocar a noite
de gala por uma festa como aquelas de Norshingan.
— Essa festa está um tédio — Ian suspirou depois de algum tempo.
Foi a primeira vez que concordei com ele.
— É, — Adam apoiou, raspando o dedo indicador contra a louça vazia em nossa mesa, — eu sabia
que ficar em casa seria melhor.
— Parem de ser tão rabugentos — Tyler contrapôs vasculhando o salão com seus olhos. Já fazia
algum tempo que ele estava fazendo aquilo. — Vocês é que não sabem apreciar uma festa da alta
classe.
E desde quando Tyler sabia?
— Desista — Ian retrucou acompanhando o movimento incessante dos olhos de Tyler pelas mesas.
— Ela não está aqui.
Pisquei.
— Ela quem? — Perguntei quase como um reflexo.
— Ninguém — Tyler ciciou. Rápido demais. Suspeito demais. E um barulho abafado ressoou sob a
mesa.
— Não precisa me chutar. — Adam arfou, se remexendo em seu assento.
Tyler semicerrou os olhos para Adam e abriu a boca, mas alguma coisa que estava em algum lugar
atrás de mim atraiu sua atenção. E ele apenas empurrou sua cadeira com pressa e disse que estava
indo ao banheiro. Mas Ian bufou uma risada, e Adam estalou a língua com desprezo. Eu entortei meu
pescoço observando a direção que ele seguira, e o vi se direcionando a uma mulher loira usando um
vestido azul pálido, que deslizava pelo seu corpo como líquido.
Claire.
Não consegui conter um grunhido frustrado.
— Não seja tão ciumenta. — Ian ronronou com escárnio, e eu o encarei. Louças tilintavam em todo
lugar. Os violinos preenchiam o salão com suavidade e maestria. — Ninguém te ensinou a dividir?
Rosnei de verdade. E pensei em jogar minha bebida rosa espumante em sua cara sardenta. Mas, um
segundo antes da minha mão alcançar a taça, aquele homem surgiu no topo da escada.
Usando um terno azul meia-noite que parecia ter sido cortado unicamente para seu corpo. Sapatos
que comprariam o apartamento em que morávamos. Um olhar altivo, mandíbula cerrada como se ele
fosse forjado por uma beleza etérea, ombros alinhados, pescoço ereto e peito inflado. E meu coração
parou de bater no exato instante em que eu percebi que era o mesmo homem com quem eu tinha
falado na cobertura da empresa.
Cutuquei as costelas de Adam.
— Quem é aquele?
Adam desviou o olhar para o topo da escada, e algo lampejou em seus olhos preto-ébano.
— Aquele é Thomas Sawyer.
Engasguei com a bebida que eu tinha acabado de colocar na boca. Ian murmurou alguma coisa com
escárnio, mas eu decidi ignorá-lo.
— Sawyer? — Peguei um guardanapo e me limpei. — Sawyer tipo em... — minha garganta trabalhou
com dificuldade, — todas as corporações Sawyer?
— Exatamente. — Adam respondeu com uma calma gélida. — Aquele homem faz dinheiro na mesma
proporção em que pisca.
Oh, céus.
Alguém da família Sawyer tinha falado comigo?
Olhei outra vez. E agora eu não era a única acompanhando cada movimento que ele fazia enquanto
descia a escada. O pessoal da imprensa se amotinou ali, no pé da escadaria, e pareciam urubus
brigando por uma carniça. Mas Thomas apenas olhava para a plateia que o esperava e piscava com
um tédio frio, quase glorioso. E talvez tenha sido efeito do champanhe borbulhante, ou da fome
apertando meu estômago, mas por uma fração ridícula de segundos eu tive a impressão de que nossos
olhares se cruzaram. E algo tão gelado se empoçou em meu intestino, que voltei a olhar para a cara
feia e pálida e sem graça de Ian.
— Hambúrguer e cerveja. — Ele disse assim que seus olhos castanho alaranjados encontraram os
meus. Então tamborilou os dedos pela mesa e empinou o queixo para mim. — O que você acha?
— Ótimo. — Falei, e era verdade.
E, como se apenas aguardassem minha resposta, Ian e Adam se levantaram. Mas Tyler ainda não
estava ali. E o problema não foi eu ter perguntado se não deveríamos esperar por ele, e Ian ter dito
que Tyler nos encontraria no local que escolhêssemos. O problema foi que enquanto cruzávamos o
salão rumo a saída do local, eu o avistei trocando algumas carícias íntimas demais com aquela
mulher loira. E eu me senti tão tola.
Sacudi a cabeça em um gesto de não para mim mesma, como se aquilo fosse anular o que eu estava
vendo. Mas eu avisei para aqueles dois outros homens que me acompanhavam que eu estava me
sentindo mal, e que eu preferia voltar para o apartamento. Não esperei que insistissem, e peguei um
táxi de volta para casa.
Por todo o caminho eu pensei em como eu tinha aceitado me mudar para a cidade grande e estava
morando com o ex-namorado por quem eu ainda era claramente apaixonada, em busca de uma
carreira que parecia cada vez mais distante.
E eu me perguntei como minha vida tinha se tornado aquilo.

Joguei minhas coisas em cima do balcão e fui direto para a cozinha. Caminhei até a geladeira e
peguei um pote de sorvete no congelador. Chocolate com pasta de amendoim. Depois, eu me joguei
no sofá e liguei a TV, procurando qualquer coisa que me distraísse daquela cena. Aquelas mãos se
tocando, aquelas bocas tão próximas do ouvido um do outro. Estremeci.
No primeiro canal estava passando noticiário. Eu odiava noticiário. Mudei de canal. Um programa
de culinária. Não. No próximo canal, um comercial sobre um produto para emagrecimento. Não.
Programa de esportes, show de talentos, entrevistas... parei em um filme de romance idiota que não
me ajudou muito. Cena por cena, o pote de sorvete ficou vazio em minhas mãos.
Os créditos do filme já estavam rolando pela tela quando a porta do apartamento se abriu trazendo
murmúrios de Tyler e Ian. Permaneci olhando para a TV, fingindo que eu ainda estava sozinha. Ian foi
para o quarto dele sem dizer nada e se trancou lá dentro. E enquanto isso, Tyler se sentou ao meu
lado no sofá.
— Achei que já estivesse dormindo — ele ronronou.
Suspirei.
— Aparentemente, eu não estou.
A mão de Tyler encontrou a minha. E eu a empurrei como se eu tivesse levado um choque. Meus
olhos seguiam cada nome branco subindo naquela tela preta.
— Você está zangada com alguma coisa?
Oh. Por que eu estaria? Por que você me levou para uma festa como sua acompanhante, mas me
largou sozinha para ficar com sua namorada?
— Não. — Bufei.
Tyler pegou o controle e desligou a Tv. Revirei meus olhos.
— O que você quer Tyler? — Rosnei. Ainda sem encará-lo.
— Eu quero que você converse comigo.
Eu me coloquei de pé e me dirigi até a cozinha, quase esmagando o pote de sorvete com as mãos.
— Eu não tenho nada para falar com você. — Retruquei. E meu tom soou amargo demais.
Escutei aqueles passos pesados me seguindo. Inspirei. Joguei o pote de sorvete no lixo e atirei a
colher na pia. E quando eu me virei, Tyler estava diante de mim. Seus olhos verde-jade tracejados
por folhas de manjericão brilhavam demais.
— Qual o problema?
— Nada.
— Por favor me diga. — Ele insistiu dando um passo para frente. Seu cheiro docemente amadeirado
castigou minhas narinas — Você está chateada comigo, e eu não suporto isso.
Outro passo. E agora estávamos perto demais. Perto o suficiente para que eu precisasse tombar a
cabeça para trás para continuar o enxergando quando ele apoiou as mãos na pia, rentes ao meu
quadril. Seus braços fortes me encurralando...
— Você pode me dizer? — Sua voz não passou de um sussurro.
— Tyler ...
— Por favor, — ele me interrompeu e deu um beijo em minha testa. — Eu não queria ter te magoado
— um beijo na ponta do meu nariz. — E eu realmente sinto muito — um beijo em minha bochecha. —
Eu só quero que as coisas fiquem bem entre nós.
Um beijo no canto da minha boca.
Abaixei a cabeça. Eu queria empurrá-lo para longe. Eu queria sair batendo os pés e me trancar no
quarto. Eu queria me lembrar de que ele estava com outra pessoa há menos de duas horas antes. Mas
não consegui fazer nada disso. E fiquei tanto tempo em silêncio, que Tyler ergueu meu rosto usando
seu dedo indicador.
— Eu só quero ficar bem com você — ele disse antes de pressionar um beijo leve em meus lábios.
Rápido o suficiente para que eu não reagisse. Demorado o suficiente para que eu desejasse seu beijo.
— E a Claire? — Murmurei. Nossas respirações se cruzando.
— Claire e eu terminamos — ele contou. Então me ergueu pela cintura e me sentou naquele balcão ao
lado da pia. — Por isso eu precisei me ausentar na festa.
Aquilo não parecia um término. Mas Tyler empurrou meus joelhos, abrindo minhas pernas para
encaixar seu torso entre minhas coxas. E então levou uma mão até minha nuca e encostou sua testa na
minha. Sua mão livre começou a percorrer minha coxa esquerda, puxando a saia do vestido para
cima. E algo trepidou bem ali entre minhas pernas.
— Eu nunca parei de pensar em você, Ava — ele sussurrou, seu hálito fresco fazendo cócegas em
meu nariz. — Todo este tempo, nenhuma garota nunca despertou em mim o que você desperta.
E foi isso. Ele não precisou dizer ou fazer mais nada. Eu mesma inclinei o rosto e o beijei.
Profundamente, sugando sua língua deliciosa. Cruzei minhas pernas com força ao redor de sua cintura
para que ele entendesse exatamente o que eu queria. Levei uma de minhas mãos até suas costas, e
enterrei os dedos da outra em seus cabelos macios. Oh, nada no mundo me faria parar de beijá-lo.
Eu o engoliria ali mesmo. Ele era meu.
Mas Tyler se afastou do beijo para murmurar contra meu pescoço que deveríamos ir para o quarto. E
eu precisei concordar com ele.
Em um segundo cruzamos a entrada do quarto. No outro segundo, Tyler fechou aquela porta e me
empurrou contra a parede adjacente. Nossos beijos eram ferozes demais enquanto arrancávamos a
roupa um do outro. Nossas mãos se provocavam, percorrendo, clamando aquilo que pertencia um ao
outro. E quando ele estava nu, eu o empurrei contra aquela cama e o lambi. O lambi como eu queria
ter lambido naquele dia em que ele estava despido tão perto de mim. Minha língua alcançou seu
peitoral sólido, seu abdômen musculoso, e por fim, seu pênis tão enrijecido. Tyler estremeceu e
gemeu quando minha boca explorou aquela área. De novo e de novo. Até que ele endireitou seu
corpo e me puxou para um beijo, e eu avancei até encaixar meu corpo em seu colo. Gemi alto com
seu membro entrando em mim.
— Você não faz ideia do quanto senti sua falta — Tyler avisou sem desviar o olhar.
Ah, ele também não fazia a menor ideia do quanto eu sentia falta daquilo.
Rolei meus quadris, deixando que ele me penetrasse até a base. Arqueei minha coluna para que ele
lambesse e mordesse meus mamilos, enquanto suas mãos apertavam minhas costas. Cada gemido dele
ateava fogo em minhas veias, lançava centelhas de prazer latejante até meu âmago. E eu pensei que
talvez eu tenha visitado tantas camas depois do nosso término, procurando por aquilo que apenas ele
sabia me dar. Mas ali eu tive a certeza de que nem um homem podia me fazer alcançar o clímax como
Tyler conseguia.
E quando terminamos, suados e ofegantes, entrelaçamos nossos dedos e ficamos em silêncio olhando
para o teto esperando nossas respirações e nossos batimentos cardíacos se acalmarem.
— Eu senti sua falta Tyler — reconheci com a respiração ainda curta. — Mais do que devo admitir.
— Eu senti sua falta também, Ava. — Ele enrolou seu braço em meus ombros, e me puxou contra seu
peito. — Terminar com você foi o pior erro que eu poderia ter cometido.
— Não foi um erro — contrapus. E esperei um minuto para que minha respiração se estabilizasse. —
Você precisava seguir com sua vida.
Tyler me apertou com força.
— Você é minha vida, Ava Beckett.
Sorri.
Eu estava flutuando.

CAPÍTULO 7

Amanheci sozinha na cama. O cheiro de Tyler nas cobertas era a prova mais deliciosa de que o sexo
não havia sido apenas um sonho. Eu me enrolei no roupão e saí do quarto, planejando conversar com
ele sobre o que tinha acontecido na noite passada. Mas assim que pisei na sala, me deparei com uma
das melhores cenas que eu tinha visto desde que tinha chegado em Nova York. Tyler Griffin usando
apenas uma bermuda azul e um avental branco, terminando de preparar uma pilha de panquecas.
— Bom dia, meu pedacinho de chocolate — ele cantarolou.
Pedacinho de chocolate.
Era o apelido carinhoso no qual ele me chamava quando estávamos namorando.
— Bom dia, raio de sol — cantarolei de volta.
E sim. Eu o chamava de raio de sol.
Tyler abriu aquele sorriso que iluminava seus olhos e fazia suas covinhas se formarem em suas
bochechas.
— Sabe de uma coisa? — Ele indagou empurrando a alça do seu avental para fora da sua cabeça. —
Não era para você ter se levantado.
Caminhei até a geladeira. Minha garganta estava seca demais.
— Por que não? — Eu perguntei em um tom preguiçoso enquanto pegava uma garrafa com água.
Entornei um gole. E outro. Devolvi a garrafa para a geladeira e fechei a porta.
— Porque, — Tyler murmurou, como se só estivesse esperando que eu terminasse aquilo e me puxou
pela cintura, — eu queria levar o café da manhã na cama para você.
Trocamos um beijo lento. E então eu afastei meu rosto apenas para analisar seus detalhes. Seus
lindos olhos verdes jade, sua boca vermelha, seu nariz não tão perfeito assim, mas que combinava
perfeitamente com seu rosto, suas bochechas empinadas, e seus cabelos cor de mel encaracolados e
bagunçados. Eu queria pausar aquele momento em que parecíamos estar revivendo nossos dias de
adolescentes apaixonados.
— Sinto muito por isso — expliquei levando minhas mãos até seu pescoço. — É que eu senti
saudade.
— Não seja por isso. — Ele ciciou um segundo antes de me tomar em seu colo. E eu soltei um
arquejo. — Passaremos o dia inteiro juntinhos. — Tyler anunciou caminhando até a mesa. — O que
me diz?
— Eu digo... — ronronei quando ele me colocou no chão. — Que é perfeito.
Sim. Era a única palavra para descrever tudo aquilo.
Eu me sentei na mesa pronta para ser servida por Tyler. Porque ele não só tinha feito as panquecas,
como também insistiu que iria me servir. Depois que eu comi seis panquecas com mel e frutas, Tyler
e eu tomamos um banho demorado. Ian não estava no apartamento naquele domingo – ele tinha saído
para algum lugar que não me interessava nem um pouco. Dependendo de mim, ele nem precisava
voltar. Porque assim Tyler e eu poderíamos passar o dia inteiro fazendo sexo debaixo do chuveiro, na
cozinha, na sala. Eram seis anos de saudade acumulada.
Após horas e horas aproveitando nossa privacidade em cada cantinho do apartamento, decidimos ver
alguma coisa na TV para recuperar um pouco das energias. Eu preparei almondegas e batata frita
para comermos enquanto assistíamos qualquer coisa. Eu não me importava na verdade. Então,
quando Tyler escolheu um jogo de futebol, eu apenas me deitei com a cabeça em seu colo, e fiquei
ali, o observando enquanto ele assistia com todo aquele interesse.
O jogo terminou por volta das 17h da tarde. Eu me afastei de Tyler apenas para ir para o quarto e
ligar para minha mãe. Eu fazia aquilo todos dias. Mas, depois daquela ligação, eu encontrei um Tyler
muito diferente na sala. A televisão estava desligada, e ele estava com os braços cruzados sobre o
peito e um olhar distante.
— Aconteceu algo? — Sondei. E caminhei até o sofá outra vez.
— Na verdade não, Ava — ele disse em um tom denso, e suspirou. — Mas precisamos conversar.
O silêncio pesou ali. Meu coração ficou apertado. Talvez ele fosse dizer que tudo aquilo era um erro.
— Tudo bem — falei por fim, e minha voz soou baixa demais. Eu me sentei antes que minhas pernas
falhassem, colocando uma almofada em meu colo. — Eu estou escutando.
Tyler não me encarou diretamente. Ele se levantou e começou a caminhar de um lado para o outro,
tamborilando os dedos das mãos pelas suas coxas.
— Adam, Ian e eu tivemos uma ideia, e precisaremos da sua ajuda.
Pisquei. Aquilo foi tão distante do que eu imaginei.
— Que ideia?
Um suspiro tenso o deixou. Ele continuava sem olhar para mim, seguindo de um lado para o outro, de
novo e de novo.
— Resumidamente, Adam trabalha para a companhia Sawyer há quase 7 anos. — Tyler contou. — 7
longos anos e nunca recebeu um aumento ou uma oportunidade de promoção. Ian trabalha lá há 4 anos
e a história é a mesma. Já faz três anos que eu também estou empacado no mesmo lugar, por que
sempre que surge uma possibilidade de melhora, algum amigo da família Sawyer consegue o cargo.
Franzi a testa. Minhas mãos repousaram sobre a almofada, meus dedos afundando no veludo.
— Entendo.
— Você acha que isto é justo? — Ele indagou retoricamente, e ainda não tinha olhado para mim. —
Nos matamos de trabalhar para tentar ocupar posições que os filhos dos amigos deles que ainda estão
engatinhando conseguem simplesmente por terem um sobrenome importante. E para quem você acha
que sobra a responsabilidade de todos os erros que os incompetentes cometem?
Tyler gesticulou apontando para si mesmo.
— Certo... — murmurei. E então joguei meus cabelos para trás dos ombros. — É uma droga. —
Mordi meu lábio inferior. — Mas ainda não entendi como eu poderia ajudar vocês.
— Na verdade, sua ajuda será crucial. — O olhar de Tyler finalmente encontrou o meu. Havia algo
nublando os olhos verde-jade que eu amava. — O que acontece Ava, é que planejamos desviar uma
certa quantia das operações da empresa para nossas contas.
Sobressaltei do sofá. A almofada foi parar do outro lado da sala, e eu desejei que eu tivesse
entendido errado.
— O quê?
Tyler se aproximou de mim e colocou as mãos em meus ombros. Eu conhecia aquilo. Era o toque
gentil que ele usava quando queria suavizar as coisas.
— Ava, sua parte seria a mais simples. — Ele disse com uma naturalidade quase assustadora. Quase
como se não estivesse falando sobre um crime. — Você é a única de nós quatro que tem acesso ao
andar do CEO. Tudo que precisa fazer, é entrar na sala dele e substituir seu pen-drive por um modelo
idêntico. Adam pegou todos os relatórios financeiros de todas as entradas e saídas da empresa.
Bolamos um esquema perfeito de desvio, cerca de centavos em cada uma das operações. Ele jamais
seria capaz de notar.
Retirei suas mãos dos meus ombros e cambaleei três passos. O CEO daquela empresa era Thomas
Sawyer.
— Tyler... — Arquejei. As almondegas se rebelaram em meu estômago. — Do que você está
falando?
Ele engoliu em seco. As luzes do crepúsculo banharam a sala de vermelho dourado.
— Adam trabalha no setor de operações financeiras. Ian trabalha com a parte de segurança
cibernética. O que eu estou dizendo é que um pen-drive de Thomas Sawyer é tudo que precisamos
para desviar um pouco de dinheiro para nossas contas — Tyler virou as costas para mim. E aqueles
passos sem rumo retornaram. — Ian já tem o modelo clonado. No instante em que Sawyer usar o pen-
drive falso, um algoritmo que Ian desenvolveu irá descobrir o acesso e senha dele, e simultaneamente
Ian irá acessar a conta do Sawyer. E pronto. 50 mil dólares para cada um de nós.
50 mil dólares. Quatro envolvidos. Tyler estava falando de 200 mil dólares.
— Tyler... — Minha voz quase falhou. E um suor frio escorreu em minha nuca. — Isso é roubo.
— Não, Ava. — Ele contrapôs, e seu tom pesou. — Roubo é um cara daquele ganhar rios e rios de
dinheiro enquanto estamos vivendo aqui nesta caixa de fósforos. Pense bem... você poderia investir
em seus quadros e....
— Pare. — O interrompi. Meus ossos doeram quando ele se virou outra vez para mim, mantendo
aquele olhar gélido. — Eu não vou ajudar vocês em um roubo. — Fiz um sinal frenético de não com
a cabeça. — Isso é.... — Balbuciei procurando uma palavra. — Horrível.
— Ava, é injusto alguém ter tanto dinheiro assim. — Tyler contraiu a mandíbula. — E ele recuperaria
o que pretendemos pegar em questão de dias, e além disso, apenas estaríamos pegando o que é nosso
por direito.
Levei minhas duas mãos à cabeça, e apertei meu couro cabeludo.
Quem Tyler tinha se tornado?
— Você ficou louco. — Acusei por cima do nó que se instalou em minha garganta. — Você pode ser
preso.
— Não seremos presos por que ninguém irá descobrir. — Tyler marchou até mim e segurou meu
rosto, me forçando a encará-lo. Suas mãos estavam frias. Seus olhos letais. — O plano é perfeito
Ava. — Ele piscou. — Pense nisso como um empréstimo. Quando você fizer sucesso com seus
quadros, pode devolver sua parte para limpar a consciência.
Expulsei suas mãos do meu rosto.
— Eu não posso fazer isso.
Caminhei até o quarto. Antes que eu entrasse e deixasse aquele aperto em meu peito me engolir, Tyler
disse mais uma coisa:
— Por favor Ava... se não fizer por você, faça por mim.
Não respondi. Apenas entrei no quarto e bati a porta com força atrás de mim. Como Tyler podia me
pedir aquilo? Era o cúmulo do absurdo. Era tão ilógico que ele estivesse pensando daquela forma.
Como ele podia ter se corrompido a ponto de querer roubar 200 mil dólares de uma empresa, e ainda
achar que aquilo não era nada demais? O que havia acontecido com meu doce e honesto Tyler
Griffin? Eu não sabia. E eu estava muito perdida para entender.
Eu me sentei na cama para tentar acalmar aquele furacão em minha alma. Meu corpo inteiro tremeu.
A maneira como ele tinha descrito aquele plano. Com tanta naturalidade. Lágrimas silenciosas
rolaram por meu rosto.
Meus olhos vagaram quase que automaticamente pelo quarto. Talvez eu estivesse procurando
qualquer coisa que me fizesse entender o que estava acontecendo com o amor da minha vida. Até que
meu olhar encontrou aquele quadro. O quadro que eu tinha pintado.
Aquele quadro, que assim como outras dezenas, fez parte de uma linda esperança que alimentou
minha alma por anos e anos. Uma esperança que parecia estar começando a morrer dentro de mim.
Eu pensei em como eu me sentia feliz e viva quando eu estava com um pincel na mão. Em como eu
podia ficar horas e horas fazendo aquilo. Uma tela branca era colocada diante de mim, e eu poderia
passar o dia inteiro trabalhando nela, e ainda assim, quando a noite chegasse eu seria capaz de
continuar, por que eu não conseguia me cansar. O tempo parecia não ter significado algum quando eu
estava pintando. Era como se nada mais existisse. Apenas o pincel em minha mão, as cores que a tela
ia ganhando aos poucos, e aquela sensação indescritível de prazer e realização. Como se fosse a
personificação de todos os melhores sentimentos que eu era capaz de sentir.
E mesmo assim, eu ainda não tinha nada. Mesmo me dedicando tão arduamente depois de anos e
anos, o único lugar que meus quadros tinham reconhecimento era em minha casa, pelos meus pais. E
por quanto tempo meu maior local de exibição seria aquele porão? E quem eu estava tentando
enganar fingindo que com aquele emprego eu conseguiria dinheiro suficiente para ter minha própria
galeria ou investir em meus quadros? Além de que eu estava sempre tão exausta desde que comecei
aquele trabalho, que eu não tinha pintado nem uma vez desde que eu chegara em Nova York. Quase
dois meses agora. Eu nunca tinha ficado tanto tempo sem pintar.
Não, as coisas não seriam tão fáceis. Mesmo que eu economizasse cada centavo do meu salário,
ainda demoraria muito tempo para que eu tivesse dinheiro o suficiente para alavancar minha carreira
como pintora. E a questão é.... eu já estava tão cansada de esperar o dia em que eu meus quadros
fariam sucesso. Eu já estava tão cansada de sonhar com o momento em que alguém teria interesse em
uma das minhas pinturas. Eu já estava tão cansada de esperar que a vida me desse uma oportunidade
que me guiasse ao sucesso. Quer dizer, eu já tinha me esforçado tanto.... e eu ainda estava empacada
no mesmo lugar.
E... 50 mil dólares fariam tanta diferença.
Não, Ava Beckett. Não.
Pare de considerar esse absurdo.
Mas por outro lado, e se o plano de Tyler fosse realmente tão bom quanto ele acreditava que fosse, e
no final cada um de nós acabasse com todo aquele dinheiro em cada conta?
Não.
Meus pais não tinham me criado para aquilo. Meus pais me ensinaram a ser honesta e trabalhar duro
pelos meus objetivos.
Mas eu já estava tão exausta de trabalhar e não ter nenhum resultado.
Não.
Pare de cogitar todos esses “mas” e foque no que é importante.
Mas.... O que é importante? Minha carreira como pintora? Minha honestidade? Não existe um ditado
que diz que os fins justificam os meios?
Porque eu sabia que eu era boa. E tudo que eu precisava era de um empurrãozinho.
E 50 mil dólares seriam de fato um excelente empurrãozinho.
E assim como Tyler tinha dito, depois eu poderia devolver o dinheiro. Como se fosse um
empréstimo. E um empréstimo não é um roubo. É apenas uma ajuda financeira.
Oh, não.
O que estava acontecendo comigo? O plano de Tyler estava começando a fazer sentido em minha
mente. E eu estava me sentindo inclinada a cogitar de verdade aquilo.
Merda.
Por que as coisas precisavam ser tão difíceis?
Eu precisava conversar outra vez com a minha mãe.
Seria o segundo telefonema em menos de duas horas, mas eu precisava ouvir suas palavras de
sabedoria e me convencer de que aquilo era errado.
A ligação foi atendida.
— Mãe? — Disparei. — Eu preciso te perguntar algo. — Não esperei uma resposta. —Se você
precisasse tomar uma decisão muito perigosa que te colocasse no último degrau perante a realização
do seu sonho, você decidiria que sim? Mesmo que fosse muito arriscado, mas fosse sua melhor
chance em anos?
— Oi, querida. — Era a voz do meu pai. — Sua mãe não está em casa. Ela foi levar Rufus para
caminhar.
Soltei uma respiração tensa. Meus dedos suavam contra meu celular, minha coxa direita balançava
como se tivesse vida própria.
— Você acha que ela vai demorar?
— Ela saiu quase agora. — Ele explicou em um tom leve. — E ela foi com Sophie, e você conhece
sua irmã.
Droga.
Sempre que minha mãe saía com Sophie, elas demoravam uma eternidade. Sophie sempre queria um
sorvete, queria brincar no parquinho, queria fazer novos amigos... e eu não aguentaria esperar tanto
tempo para ligar novamente.
— Pai?
— Sim?
— Você pode responder minha pergunta?
— Eu não sei, querida — ele suspirou depois do que pareceu uma pequena eternidade. — Tudo que
eu sei é que as melhores oportunidades em nossa vida vêm disfarçadas de ideias que parecem
loucura. O que você precisa se perguntar é: se você fizer esta escolha hoje, amanhã você estará mais
perto de alcançar o que deseja?
Refleti por um momento. E eu mal percebi a resposta fluindo da minha boca:
— Eu acho que sim.
— Então você já tem sua resposta.
Desliguei o telefone.
Eu não consegui nem mesmo me despedir do meu pai.
Isso porque meu coração estava prestes a saltar pela minha garganta.
Minhas pernas quase falharam quando eu me levantei da cama e saí do quarto. Tyler estava afundado
no sofá, com aqueles olhos gelados. Na poltrona, estava Ian. Eu nem sabia que aquele idiota já havia
retornado. E pelo ódio gelado que ele me ofereceu com aquele olhar, eu percebi que ele também não
estava muito feliz em me ver.
Ignorei os dois. Caminhei até a cozinha, bebi um pouco de água e retornei para a sala. Tyler
acompanhava cada movimento meu, os ombros tensos e rígidos. Eu me sentei na outra ponta do sofá.
O silêncio ecoou por alguns minutos.
— Você tem certeza absoluta que este plano irá funcionar? — Perguntei a ninguém específico, fitando
aquela parede marrom.
— Sim. — Foi Tyler quem confirmou. Com tanta convicção que minha barriga tremulou. — Temos
certeza de que tudo irá dar certo.
— Ótimo. — Bufei uma respiração pesada e virei meu pescoço para encarar o palerma do Ian. — Eu
estou dentro.
Enquanto Tyler se levantou e avançou para um abraço apertado, Ian apenas abriu um meio sorriso
como se somente naquele momento tivesse desenvolvido algum respeito por mim. E eu retribuí. Não
porque eu o respeitava, e sim por que faríamos parte de um roubo.
Aquele era meu sinal de trégua.

CAPÍTULO 8

Eu participei de uma pequena reunião entre Adam, Tyler e Ian. E como eu tinha concordado, o plano
estava concluído.
Assim como Tyler havia me explicado, eu só precisaria ir até a sala de Thomas Sawyer e substituir
seu pen-drive pelo modelo clonado. Realizaríamos a operação em uma quinta-feira à noite em que
Ian ficaria de plantão, e eu permaneceria propositalmente até mais tarde em meu expediente. Era a
mesma data em que Thomas Sawyer estaria fora da cidade de acordo com sua secretária pessoal,
com quem Ian estava trepando. Aproveitaríamos o horário em que os seguranças trocavam de turno,
deixando os corredores vagos por um curto período de tempo. Então, usando um programa remoto,
Ian congelaria a imagem das câmeras por 10 minutos, me dando o tempo suficiente para ir até a sala
do diretor chefe e realizar a troca sem ser flagrada pelo funcionário que ficava no monitoramento das
filmagens.
Eu estaria usando um fone de ouvido intra-auricular sem fio, e Ian me avisaria o momento exato em
que dez minutos começassem a correr. Depois que eu efetuasse a troca, eu deveria me encontrar com
Tyler e Adam em um carro em uma rua sem saída perto da empresa. Adam usaria o algoritmo que
tinha sido desenvolvido para transferir o dinheiro para uma conta fantasma, de tal forma que se o
roubo fosse descoberto, não seria ligado aos nossos nomes.
Repassamos o plano umas mil vezes.
Naquela semana, passei cada minuto me preparando para aquele ato que ou me levaria direto para a
prisão ou me transformaria finalmente em uma pintora. Eu acho que só não enlouqueci por que
durante os dias anteriores à execução do plano, Tyler parecia estar disposto a me dar toda a atenção
do mundo. Dormíamos juntos, trocávamos alguns flertes nos corredores da empresa, ficávamos até
tarde vendo TV no sofá e outras pequenas coisas que me faziam acreditar que tínhamos reatado nosso
namoro. Até mesmo a convivência com Ian estava mais tranquila. Não existia um clima óbvio de “eu
te odeio” sempre que estávamos perto um do outro, e chegamos até mesmo a dividir uma cerveja
uma ou duas vezes.
É incrível o que a tensão inerente a cometer um crime pode fazer.
No dia do roubo, conforme havíamos planejado, trabalhei da maneira mais natural possível. Com
exceção das horas que pareciam estar demorando uma eternidade para passar, tudo estava indo bem.
O relógio acusou 17h.
Era o fim do meu expediente. Eu me escondi em uma cabine sanitária no último andar. Assim como o
combinado. E aguardei.
Uma hora depois, escutei o aviso naquele fone intra-auricular. Eu tinha exatamente 10 minutos para
atravessar aquele andar antes que os seguranças do próximo turno chegassem, e antes que as câmeras
voltassem a funcionar.
Saí do banheiro.
O silêncio era quase ensurdecedor. Meus passos abafados não pareciam ser silenciosos o suficiente.
Alcancei o corredor que dava acesso à sala de Thomas Sawyer. Eu nunca o via na empresa, e diziam
que ele tinha um elevador particular que o levava diretamente para a sala dele. Fazia sentido.
Com as mãos trêmulas, abri a porta da sala do senhor Thomas Sawyer. Meu coração podia rasgar
meu peito. Aquela sala nem fazia parte do meu bloco habitual de limpeza, mas era a maior sala que
eu já tinha visto naquele prédio. Que eu já tinha visto em qualquer lugar. As paredes eram forradas
por um papel marfim cremoso, e havia um paredão de janelas de vidro do lado oposto da porta,
permitindo que a luz marrom dourada do crepúsculo mantivesse a sala iluminada. Uma das paredes
adjacentes era ocupada por uma estante de livros, com prateleiras do piso até o teto. E em um canto,
realmente havia um elevador. No fundo da sala ficava aquela mesa quadrada, com uma poltrona de
couro de um lado e duas cadeiras pretas acolchoadas do outro.
Atravessei o cômodo como um ratinho indefeso temendo o gato faminto que poderia aparecer a
qualquer hora. Não. Thomas Sawyer estava viajando, eu me obriguei a lembrar. Ian murmurou que eu
me apressasse. Sua voz no fone soou como uma trombeta.
Alcancei a mesa. As únicas coisas que existiam ali eram justamente um computador e um pequeno
dispositivo prateado. Idêntico ao pen-drive falso que já estava em minha mão direita. Eu só
precisava fazer a troca. Simples. Fácil. Rápido. Ian murmurou outra coisa. No entanto, meu coração
batia tão rápido, que eu já não podia discernir suas palavras.
Eu podia fazer aquilo.
Eu iria fazer aquilo.
Mas meu corpo travou quando algo que eu ainda não tinha notado ali alcançou minha visão
periférica. Girei meu pescoço, e encontrei aquele enorme quadro emoldurado por bordas douradas,
que abrigava a pintura de um cavalo negro majestoso. Os traços perfeitamente alinhados, deixando
que os músculos reluzissem em brilho. A textura remetia a algo de camurça, mesmo sem tocar. E o
contraste de cores era tão exuberante, mantendo a pelagem do animal em destaque contra um fundo
tracejado por uma penumbra escura, que perdi a noção do perigo quando parei para me perguntar se
um dia alguém escolheria um quadro meu para decorar seu escritório. E então, o pen-drive pesou
uma tonelada em minha mão.
Eu estava tão perto. Mas de repente, parecia tão errado.
Algo nublou minha alma.
Eu não podia fazer aquilo.
Era melhor ter uma vida regada a fracassos do que começar uma carreira a partir de um roubo.
Eu virei de costas para a mesa, e comecei a caminhar rumo a saída da sala.
Mas despois de três passos, as portas do elevador se abriram.

CAPÍTULO 9

Ele caminhava como se nem o chão fosse digno dos seus passos. Como se ele fosse um príncipe indo
rumo à sua coroação. Congelei no exato instante em que Thomas Sawyer em pessoa parou a cinco
passos de distância.
— Ora, ora. — Ele ronronou com aquela voz grave e sensual. — Eu não me lembro de ter pedido
que minha sala fosse limpa.
Eu não conseguia respirar. Ou sentir minhas pernas.
O olhar altivo, ombros alinhados, um terno azul petróleo impecável embalando seu corpo alto e
poderoso. A mandíbula forte, as maçãs altas, sobrancelhas escuras emoldurando seus olhos de um
azul tão profundo, como se safiras tivessem sido polidas por entidades celestiais e colocadas ali.
Lindo. Ele era lindo demais. E igualmente assustador. E eu estava em sua sala, com aquele pen-drive
escondido em minha mão. Um arquejo tenso em meu fone de ouvido... e eu percebi que o tempo tinha
acabado.
— Então? — Thomas arqueou as sobrancelhas. — Nada a dizer?
Balancei a cabeça indicando que não. E ele apenas apontou com o queixo indicando uma das
cadeiras.
— Por favor, se sente. — Ele disse.
O calor fugiu do meu corpo. Mas eu ainda não conseguia me mover. Eu inspirei. E me obriguei a
lembrar que eu não tinha completado o roubo. Eu levaria uma bronca por estar em sua sala, e talvez
seria demitida. Mas não iria para a cadeia.
Minhas pernas quase falharam, e eu não sabia como eu tinha me movido e cumprido seu pedido, mas
eu estava sentada quando o CEO caminhou com aqueles passos etéreos até se empoleirar em sua
poltrona. Sem desviar seu olhar do meu, ele puxou seu computador para mais perto dele, ainda com a
tela abaixada, e o som do metal raspando contra a mesa fez algo doer em meu intestino.
— Seu nome é Ava Beckett. — Ele anunciou com uma calma gélida. Ian ofegou tão alto, que eu levei
minha mão até meu ouvido direito e retirei o fone. O guardei em meu bolso. Assim como aquele pen-
drive encharcado pelo meu suor. — Sua data de nascimento é 26 de agosto de 1992. Você nasceu e
cresceu na cidade de Norshingan, no norte da Inglaterra. É filha de Addison Beckett e Vincent
Beckett. Tem uma irmã caçula, que acabou de completar 6 anos. O nome dela é Sophie. — O sangue
apenas parou de correr em minhas veias. — Você chegou na cidade há exatamente oito semanas, e
trabalha para esta companhia há sete. Estou correto?
Eu ainda não conseguia falar. Um suor tão gelado se formou em minhas costas, mas assenti uma vez
com a cabeça. Atrás dele, a cidade se deitava para o fim do dia. Thomas deixou que seus antebraços
se repousassem sobre a mesa, e inclinou levemente o corpo em minha direção. Seu olhar nunca me
deixou.
— A senhorita está amorosamente envolvida com Tyler Griffin. Isto é verdade?
De novo, eu só consegui assentir com a cabeça, pensando que talvez eu passasse a detestar o azul
depois daquela conversa.
— E vocês dois, juntamente com Ian Monroe e Adam Neil planejaram um roubo descarado contra
minha empresa. — Ele anunciou. E naquele momento, o chão virou areia sob meus pés. — A
senhorita confirma?
Um sufoco esmagador reivindicou meu peito. Aquele era o fim da minha vida. Eu tinha certeza.
— Você confirma? — Thomas repetiu, pesando o tom.
E eu não sei porquê, mas ofereci outro aceno em confirmação com a cabeça.
Thomas não disse uma palavra. Apenas se levantou a caminhou até o outro lado da sala. Cada passo
seu fazia meu coração bater mais rápido. Tique. A porta foi trancada. Mais passos abafados. Tique,
tique, tique. Persianas sendo fechadas. A sala foi engolida por uma escuridão rala, e um segundo
depois, luzes douradas foram acesas. E a respiração travou de verdade em minha garganta quando ele
parou atrás de mim. Meu corpo nunca ficou tão tenso em toda minha vida. Sua presença ficou mais
perto. Mais quente. E então, sua respiração quente e perfeitamente espaçada se aproximou do meu
ouvido.
— Vocês acham que eu sou idiota?
A resposta era tão simples. Não. Mas minha voz estava entalada em algum lugar. Neguei com a
cabeça. Minhas mãos tremiam tanto. E aquele silêncio. Aquele silêncio ondulando em mim era
devastador.
— Sendo assim, — sua respiração ainda estava perto demais do meu ouvido, — por que planejaram
me roubar?
Eu senti minhas entranhas sendo corroídas por ter concordado com aquele plano. Mas assim como no
dia em que queimei meus quadros, o estrago já estava feito. Depois de jogar o fósforo, eu não podia
evitar que o fogo destruísse minhas pinturas, assim como naquele momento não havia nada que eu
pudesse fazer. Apenas lidar com as consequências.
— Dinheiro. — Minha voz não passou de um sussurro trêmulo. Lágrimas ácidas rolaram por minhas
bochechas. — Diferentes motivos, mas todos precisávamos de dinheiro.
Precisar. O termo pareceu tão incorreto. Era uma palavra forte demais para ser usada quando nenhum
de nós precisava do dinheiro. Sim, cada um de nós tinha seus desejos, ambições. Suas próprias
justificativas. Mas precisar... precisar soava como um tratamento caro para uma doença gravíssima,
ou um problema sério envolvendo risco de vida. Ainda assim seria errado. E não era nem de longe o
caso.
A respiração quente se afastou, e passos abafados ressoaram pela sala outra vez.
— E roubar foi a única solução que encontraram?
Deus.
Aquele terror psicológico era pior do que uma tortura física.
Eu me obriguei a me colocar de pé, mesmo que meus joelhos oscilassem. Eu me virei na direção da
porta, e Thomas Sawyer estava parado em frente a estante, apertando suas mãos atrás de suas costas,
com o olhar fixo nos livros. Sua postura era tão impecável que ele parecia uma estátua.
Engoli em seco.
— Eu sinto muito. — Foi o que eu encontrei para dizer. — Eu sinto muito de verdade. E eu sei que
não existe nada que eu possa fazer para consertar isso, mas...
— Deixe-me te interromper bem aí, — ele cortou, e virou apenas seu pescoço para minha direção.
— Por que acredita que não existe nada que possa fazer?
Pisquei com pressa.
— Existe?
— Sim. — Ele falou em um tom tão plano quanto um quadro, e voltou a fitar os livros. — Existe algo
que a senhorita pode fazer para que eu releve o que aconteceria se eu não tivesse aparecido.
Eu hesitei. Eu hesitei em fazer aquilo. Claro, ninguém saberia, mas eu tinha hesitado.
Mas espere... por que ele tinha trancado a porta e fechado as persianas? Ele era um daqueles
milionários imundos que resolviam este tipo de coisa fazendo as mulheres se submeterem a coisas
nojentas? O que ele iria me propor? Que eu chupasse seu pau ou me deitasse nua em sua mesa? Por
que nem fodendo eu faria isso. Eu preferia ir para a cadeia.
— Não. — A palavra saltou da minha boca em um tom afiado.
— Não o quê? — Thomas retrucou em um tom casual. Sua atenção ainda estava fixa na estante de
livros. — A senhorita ainda não sabe o que eu iria propor.
— Eu não estou interessada.
— É uma pena. — Ele comentou com uma calma fria. — Podemos evitar muitos problemas se apenas
ouvir o que eu tenho a dizer.
— Eu não irei trepar com o senhor se é o que está prestes a propor.
O macho virou seu tronco em minha direção em um movimento tão veloz. E aqueles olhos azuis
gélidos voltaram a fitar os meus.
— É isso o que pensa de mim?
— Eu não sei o que pensar do senhor. — Engoli em seco outra vez. — Eu não o conheço.
Thomas lambeu seu lábio inferior. Foi pretensiosamente sensual.
— E por isso a senhorita assumiu que eu seja um pervertido?
— O que mais eu poderia assumir? — Minha voz tremulou. Mas gesticulei mostrando as persianas
fechadas. E a porta que ele tinha trancado.
— Oh, isso? — Ele ronronou. — Foi apenas para que tivéssemos privacidade.
— Privacidade?
Sawyer me estudou de cima a baixo, com tanto escrutínio que foi quase como se ele estivesse me
tocando. Mas então estalou a cabeça para o lado antes de enfiar as mãos nos bolsos frontais de sua
calça e caminhar em passos lentos até sua poltrona. Algo tremeu em meu estômago quando ele passou
por mim. Eu girei meu corpo, me obrigando a permanecer ciente dos seus movimentos. Ele se sentou,
ajustando sua gravata preta, e gesticulou para que eu me sentasse outra vez também.
— Precisamos de privacidade para que eu lhe explique com calma os detalhes da minha proposta.
Ele não percebia que eu não estava interessada em sua proposta, seja lá qual fosse?
Eu abri a boca para dizer isso, mas ele falou primeiro:
— Daqui alguns dias será o casamento da minha irmã mais nova, Amelia Sawyer. E ela insiste em
minha presença.
Troquei de pé. Odiei o interesse que aguçou meu intestino.
— Certo.
Thomas afastou uma poeira invisível da sua mesa. O azul em seus olhos cintilou.
— E em uma de nossas conversas eu dei a entender que eu estava casado.
Enruguei o cenho. Encarei os dedos de suas mãos grandes. A mão direita. A mão esquerda. Nenhuma
aliança ou anel de compromisso.
— Entendo.
— E agora, comparecer sozinho não é exatamente uma opção para mim. — Ele indicou a cadeira
livre outra vez. Minhas pernas me traíram, e eu me sentei. Thomas adicionou: — Eu preciso de uma
mulher.
— Muitos homens precisam. — Retruquei.
Eu me arrependi um segundo depois, embora um lampejo de humor tenha cruzado as feições daquele
macho.
— A senhorita estava prestes a cometer um crime. — Ele disse por fim, entrelaçando seus dedos
sobre a mesa. — Eu poderia enviá-la para a cadeia imediatamente, juntamente com seus cúmplices.
Tentativa de roubo. Quanto anos de pena aquilo me renderia? Eu não sabia. Mas eu sabia que eu não
queria ser presa. Apertei meus olhos para afastar a queimação.
— Ou, — Thomas ronronou antes que eu pudesse digerir sua ameaça, — a senhorita poderia
conseguir o dinheiro que precisa de forma honesta.
— O quê? — Sibilei.
— Veja bem, senhorita Beckett. — Ele inclinou a cabeça para o lado, seus olhos me avaliando de
uma forma quase selvagem. — Um passarinho me contou que você não é uma pessoa ruim. Apenas
tem um péssimo gosto para homens e está um pouco perdida na vida. — Thomas fez uma pausa, e eu
queria oferece-lo uma resposta muito suja. — E quando estamos perdidos tendemos a tomar decisões
ruins. — Fiz um esforço para não revirar os olhos. E ele continuou, com um deboche que eu desejei
arrancar aos tapas daquela cara: — Além disso, se a senhorita conseguiu ficar tão atraente com
aquele vestido vermelho horroroso, algo me diz que com roupas e joias adequadas poderia ser a
mulher mais bonita de qualquer local.
Algo ardeu de verdade em meu peito. Então ele não apenas tinha me visto, como também me
reconhecia daquela festa. Eu me perguntei se ele se lembrava da conversa na cobertura também. Não.
Certamente não.
— Primeiro, — falei trincando os dentes, — meu vestido não era horroroso.
Um sorriso cretino se curvou em seus lábios grossos.
— Nós dois sabemos que era.
Apertei minhas mãos com tanta força, que minhas unhas quase rasgaram minha pele. Era a mesma
força que eu queria usar para esbofeteá-lo.
— Segundo, — estremeci, — por favor não diga que quer que eu me passe por sua esposa.
— Na verdade, é justamente isso. — Thomas confirmou com calma demais. — Em troca, eu me
esqueço sobre o que estava prestes a fazer e a senhorita recebe o mesmo valor que pretendia roubar.
— Uma pausa. — Mas apenas a sua parte.
Por um longo momento, apenas silêncio correu por mim.
— O senhor quer me pagar para que eu me passe por sua esposa por uma noite em um casamento
qualquer?
— Primeiro de tudo, — ele foi rápido em corrigir, — não é um casamento qualquer, é o casamento
da minha irmã. — Ele estalou outra vez seu pescoço. — E segundo, não seria apenas durante uma
noite.
— Existe tipo... — balancei a cabeça, — uma festa no dia seguinte que eu precisaria comparecer
também?
— Na verdade, — ele tamborilou os dedos pela mesa, — seria um pouco mais do que um dia.
Estreitei os olhos.
— Dois dias de festa?
Humor viperino cruzou seu rosto esculpido.
— Está mais para duas semanas de recepção.
Eu me engasguei com minha própria respiração. Como um casamento poderia durar duas semanas?
— E quanto ao meu emprego? — Arfei. — Eu não posso me ausentar por duas semanas.
Thomas bufou uma risada debochada.
— A senhorita realmente acha que qualquer um de vocês ainda terá um emprego depois desta noite?
É claro.
Estávamos todos demitidos. Sacudi minha cabeça em um sinal de não, e pisquei afastando aquela
queimação. Uma tonelada recaiu sobre meu peito ao pensar em Tyler agora demitido. O salário que
ele costumava receber ia muito além da média. E Ian. Eu não me importava com Ian, mas os dois
moravam juntos. E ambos tinham vindo de cidades pequenas. Apertei meus olhos. E fiquei tanto
tempo em silêncio, que Thomas voltou a falar:
— Se no final da viagem...
— Espere. — Foi minha vez de interromper. — Viagem?
Ele assentiu.
— O casamento não será aqui.
— Onde será?
— Eu não posso revelar o local. É um casamento privado.
Oh céus.
— Como o senhor quer que eu aceite se não quer me dizer nem mesmo o local?
— Lamento, senhorita Beckett. — Thomas suspirou, e parecia lamentar de verdade. — Eu realmente
não posso dizer. — Ele fez outra pausa. Mais longa desta vez. — Mas, se no final das duas semanas
ninguém suspeitar que é uma farsa, você terá 50 mil dólares.
Impossível.
Meu corpo estava rígido, mas endireitei minha coluna. Ajeitei meus ombros, cruzei as pernas e
coloquei minhas mãos contra meu joelho direito.
— Que garantia eu tenho de que receberei de fato o dinheiro?
— Que garantia eu tenho de que a senhorita e seus amigos não irão tentar aplicar outro golpe em
mim?
— É uma pergunta justa — retruquei. — Mas eu não entendo. — E eu não entendia de verdade. —
Por que o senhor não contrata uma atriz?
— Porque caso a senhorita não saiba, — ele falou em um tom presunçoso demais, — eu tenho uma
carreira bem-sucedida. E um nome a zelar. — Rolei os olhos. Eu sabia daquilo. Seu maldito nome
estava na própria corporação. — Mas estas coisas podem derrubar alguém em um piscar de olhos. A
menos que exista um fator de garantia para o sigilo.
Eu inspirei, deixando que o ar fresco beijasse meus pulmões. Por um segundo aquilo fez sentido em
minha cabeça. Ele precisava de uma mulher que não fosse o chantagear com aquela história no futuro.
Porque aquilo seria de fato um escândalo.
— Eu tenho a garantia de que o senhor não prestará nenhuma queixa contra mim se eu não contar
sobre sua proposta para ninguém.
Thomas confirmou em um aceno.
— Atraente e inteligente. — Um sorriso provocativo repuxou seus lábios rosados. — O tipo de
mulher com quem eu me casaria.
Ele era um idiota arrogante. E eu não aguentaria meia hora em sua companhia, quem dirá duas
semanas. Eu mal o conhecia, e já o detestava. Mas 50 mil dólares era muito dinheiro. Especialmente
agora que seriamos demitidos. Eu não tinha quase nenhum dinheiro guardado, e aquele valor poderia
nos oferecer um intervalo de tempo seguro até que encontrássemos novos empregos. Quer dizer, para
mim seria um pouco difícil. Mas meu Tyler poderia se recuperar daquela demissão e conseguir um
outro emprego facilmente, a menos que ele manchasse sua ficha por causa de uma denúncia criminal.
E eu odiava a ideia de ser presa, mas pensar naquilo acontecendo com o filho de ouro do senhor e da
senhora Griffin ainda era de alguma forma pior. Eu me dei um momento para pensar.
Eu me levantei e ajeitei meu uniforme.
— Não demita nenhum de nós e tem seu acordo.
A risada que ele soltou foi puramente infecciosa.
— A demissão é incontestável.
— Então minha resposta é não.
Thomas levantou a tela do seu computador.
— Pense com calma, senhorita Beckett. — Seus olhos encararam os meus. Frios e perigosos. —
Como Addison e Vincent se sentiriam se sua primogênita fosse presa?
Eu odiei que ele soubesse todas aquelas coisas sobre mim. Aquele desgraçado... aquele joguinho de
poder... As palavras ficaram presas em minha garganta. Girei meu tronco e caminhei batendo os pés
até a porta. Antes que eu saísse, ele anunciou em um tom debochado:
— Eu esperarei até amanhã para prestar a queixa.
Saí da sua sala. E bati a porta com tanta força atrás de mim, que o barulho ecoou pelo corredor
vazio.
Droga.
Aquilo era loucura, certo?
Me passar por sua esposa.
Quem acreditaria?
Por outro lado, ele não parecia estar blefando quando mencionou a denúncia. E por que ele estaria?
Ele sabia sobre o crime que pretendíamos cometer. E por que ele perdoaria um crime?
Merda.
Tudo estava tão confuso em minha mente.
Mas eu tinha certeza de uma coisa: eu definitivamente não queria ser presa.
Esposa. De Thomas Sawyer.
Em uma ocasião que provavelmente reuniria várias pessoas que carregavam aquele mesmo
sobrenome.
Não.
Impossível.
O silêncio daquela empresa começou a me causar náuseas. E meus passos pareciam fazer aquela
palavra ondular pelos corredores.
Cadeia. Cadeia. Cadeia.
Mas ainda assim, eu consegui alcançar o cômodo com meus pertences. Eu me dei um minuto antes de
pegar meu telefone e encontrar oito ligações perdidas e algumas mensagens de texto.
[Tyler 18h02] Ian perdeu o acesso das câmeras. Todas foram desligadas. O que aconteceu?
[Tyler 18h04] Você conseguiu realizar a troca?
[Tyler 18h09] Por que você não responde?
Enviei apenas uma resposta dizendo que precisávamos conversar com urgência. E no momento em
que pisei na calçada do lado exterior da empresa, o carro de Adam estava estacionado do outro lado
da rua.

CAPÍTULO 10

A casa de Adam não era nada mais do que um apartamento de apenas um quarto que ficava em um
prédio de tijolos cinzas no final de um beco sem saída. Na sala, revistas e embalagens de comida se
misturavam com o próprio piso de madeira ressecada, e o sofá verde-musgo poderia ser um
manicômio de gatos. Havia cinco ali sobre as almofadas – um emaranhado de cores e tamanhos. A
cozinha era pequena demais. Mal comportava o armário, a geladeira e o fogão. Havia duas portas
adjacentes a sala, e eu imaginei que fossem o quarto e o banheiro.
O ar era quente e abafado, e o cheiro era úmido de um jeito ruim. Mas o pior, era o silêncio tão
sufocante entre nós. A única coisa que eu dissera depois de entrar naquele carro foi para que Adam
dirigisse até a sua casa. E ele dirigiu. Eu fiquei afundada no banco traseiro do veículo, balançando as
pernas e brincando com aquele pen-drive falso sem desenterrá-lo do meu bolso.
Tyler parou ao meu lado, entre o sofá e um tapete grudento, e Adam começou a caminhar de um lado
para o outro. Eu passei minhas mãos pelo uniforme, meus dedos frios e rígidos. Encarei aquele gato
de pelo preto e olhos amarelo-ouro, deitado entre um outro acinzentado e um branco. O contraste era
lindo.
— Thomas Sawyer sabe. — Anunciei em voz alta. — E todos nós seremos demitidos.
Uma multidão de arquejos tensos, xingamentos e reclamações abafadas eclodiu. Os gatos
ronronaram, um deles de pelo manchado se levantou apenas para alongar a coluna e bocejar, e outro,
um de pelo cinza grafite que estava na ponta, miou e rolou até ficar com a barriga para cima. A noite
começava a cair do lado de fora daquela janela de vidro pequena do outro lado da sala.
— O que exatamente Sawyer te disse, Ava? — Adam perguntou com a voz abafada depois de algum
tempo. Suas mãos ficavam balançando pelas laterais do seu corpo. — Quer dizer, o que ele sabe?
— Tudo. — Respondi, e eu ainda encarava o mesmo gato preto, me perguntando como eu poderia
retratar aquele brilho em seu pelo. O quadro apenas tinha surgido em minha mente: o felino
repousado sobre uma almofada vermelha de veludo, com um sombreamento marrom-dourado de
fundo, e aqueles olhos amarelos expressivos. — Ele sabe que nós quatro estamos envolvidos, sabe a
quantia.... — Inspirei. — Ele sabe sobre tudo.
— Droga. — Tyler bufou. Eu não tinha percebido que ele tinha caminhado até perto da cozinha. Ele
afrouxou sua gravata cinza e soltou uma lufada de ar. E seus olhos verde-nublados encontraram os
meus. — O que fazemos agora?
— Eu acho que não nos resta nada a fazer. — Adam contrapôs com a voz trêmula. Ele estava perto de
uma poltrona em frangalhos que ficava perpendicular ao sofá-ninho de gatos. Dois dos gatos miaram
e saltaram do sofá, caminhando até seu dono e se esfregando contra suas canelas. — Apenas aceitar
que fomos pegos.
— Bem, e se tentássemos encobrir a história? — Tyler sugeriu. Os gatos miavam, esfregavam suas
cabeças, balançavam os rabos. — Podemos dizer que foi um engano, forjar um acidente...
Eu fugi dali. Enquanto eu observava aqueles felinos mendigando atenção de Adam, a voz de Tyler e
todo aquele cenário emudeceu. Eu estava em algum local onde só existiam meus pensamentos
competindo entre si. De um lado, a possibilidade de ir parar atrás das grades, a decepção que isso
causaria em meus pais e o quanto isso interferiria ainda mais em meu sonho de ser pintora.
Por outro lado, a oferta miraculosa de Thomas Sawyer. Me passar por sua esposa em troca da
denúncia não ser feita e ainda receber 50 mil dólares. Havia tantas coisas que eu poderia fazer com
aquele dinheiro. Poderíamos cortar nossos gastos por um tempo, e se Tyler não demorasse muito para
conseguir outro emprego, talvez eu até pudesse alugar uma galeria e investir em meus quadros. E eu
ainda não mancharia meu nome com uma ficha criminal. A decisão era óbvia, no entanto... Thomas
Sawyer parecia ser um completo babaca presunçoso e arrogante. Como eu passaria duas semanas
fingindo ser sua esposa, em uma viagem para um local que ele nem mesmo queria me dizer onde era?
Droga.
Um estalar de dedos e minha atenção retornou para a sala em que estávamos. Adam e Tyler
argumentavam um contra o outro, com vozes alteradas e veias saltando para fora do pescoço. Eu mal
conseguia entender quais eram as falas de cada um.
— Tem um jeito, — confessei baixinho, quase inaudível. Acho que eu estava falando apenas para
mim. — Tem um jeito de resolvermos isso.
— O que você disse Ava? — Adam indagou com a voz alta e densa, silenciando um Tyler muito
agitado e eu fiquei surpresa que ele tivesse escutado.
— Eu disse que tem um jeito — repeti.
Tyler bufou um grunhido frustrado e se virou para mim.
— Agora não Ava. — Ele disse em um tom pesado. — Estamos tentando resolver essa confusão.
Os gatos agora desfilavam pela sala.
— Eu sei. — Avisei com alguma firmeza. Os olhares dos dois homens se fixaram em mim. — E é
exatamente o que estou dizendo.
— Vá em frente Ava — Adam encorajou. — Se tem uma ideia, por favor nos diga.
Respirei fundo. Eu não podia revelar os detalhes da proposta de Thomas Sawyer, pelo menos não
para Adam. Mas eu podia tranquiliza-los. Saber que seríamos demitidos era horrível, mas era a ideia
de ir para a cadeia que tinha feito o horror tremular em meu estômago. E eu sabia que o mesmo
estava acontecendo com os dois.
— Não é uma ideia — expliquei, oscilando meu olhar entre Adam e Tyler. — É um acordo. Um
acordo com Thomas Sawyer.
— O quê? — Tyler espalmou as mãos contra os quadris. — Ava, você realmente acha que Thomas
Sawyer faria um acordo conosco? — Ele tossiu uma risada e sacudiu a cabeça em um sinal de não.
— Você é mais inteligente que isso.
— Sim. — Afirmei, e foi um esforço ignorar o jeito que Tyler tinha falado comigo. — Ele está
disposto a fazer um acordo conosco.
Adam arregalou os olhos. Espanto brilhava no preto-ébano.
— Ele disse que quer fazer um acordo conosco?
O gato preto, o mesmo que tinha me dado a ideia de um quadro, se espreguiçou e miou ao lado do
meu pé. E eu não gostava de gatos, eu realmente não gostava. Mas eu me vi inclinada a me abaixar e
oferecer uma carícia ao animal.
— Para ser mais exata, — falei, enquanto meus dedos percorriam a pelagem aveludada do felino, —
o acordo é comigo. Eu preciso... — apertei os olhos... — fazer algo. E, se eu fizer isso, ele não
prestará a queixa.
Tyler grunhiu com desprezo.
— Você é melhor do que isso, Ava.
Minha garganta oscilou.
— Não é isso. — Rebati. E o gato esfregou sua cabeça pequena contra minha mão aberta. A pressão
era intensa, mas leve. — Eu preciso... — Procurei por uma forma de dizer aquilo. — Participar de
uma coisa.
— E? — Adam insistiu.
O gato preto miou outra vez.
— E a demissão será nosso único problema.
Tyler soltou uma risada de corvo, e foi quase tortuoso. Eu me coloquei de pé abandonando o felino
carente, e Adam arfou e caiu sentado em sua poltrona como se suas pernas tivessem parado de
funcionar. A madeira rangeu.
— Isso.... — Adam balbuciou, a cor fugindo do seu rosto. — Isso é sério?
Rolei os ombros.
— Eu jamais brincaria com isso.
Minha resposta fez Tyler levar as mãos até suas têmporas. E o gato manchado pulou no colo de
Adam. Então, o silêncio pesou por um minuto. Dois. Três.
— Não vamos ser presos. — Tyler por fim murmurou.
Vá com calma Tyler. Não é tão fácil assim. Até por que eu nem aceitei.
— Na verdade... — Pigarreei. Os gatos começaram a miar em coro. E eu me perguntei se existia
algum problema com eles. — Tem um pequeno detalhe.
— Não, não, não. — Tyler apertou os ombros. — Não venha com esse “na verdade” Ava. Você só o
usa quando tem más notícias.
— Ava... — Adam chamou baixinho, adulando o gato aninhado em seu colo. O tom vazio e distante.
— Você aceitou, certo?
Meus lábios se abriram, mas não consegui dizer nada. Tyler caminhou com passos curtos até mim, e
segurou meu rosto para que eu o encarasse. Suas mãos estavam quentes e suadas.
— Você aceitou. — Tyler disse quase em um sussurro. Seus olhos verde jade rodaram nas órbitas, e
sua voz ficou mais mole quando ele emendou: — Você aceitou, não é mesmo meu amor?
Meu amor.
Fazia um longo tempo que Tyler Griffin não me chamava de meu amor.
Engoli em seco. Eu não podia dizer a ele que não. Pelo menos, não com ele me olhando daquele
jeito. Falei:
— Eu tenho até amanhã para responder.
— Oh, Ava Beckett... — Tyler suspirou, e parecia puro alívio. Então pressionou um beijo contra
meus lábios. — Não me assuste assim.
Aquele azul frio dos olhos de Thomas Sawyer ficou impregnado em meus pensamentos. E de tanto
cogitar se eu realmente podia me passar por sua esposa, ou ficar pesando as consequências de ser
presa, eu passei a noite em claro. Escutei toda a discussão que Ian e Tyler tiveram de madrugada
quando aquele morador ruivo terminou seu plantão e retornou para o apartamento. Ian despejou toda
a culpa em mim, e foi um esforço não me levantar e ir gritar com ele. Mas Tyler já estava fazendo
aquilo por mim.
Quando o relógio acusou 7h, eu me levantei e me preparei para aquele dia. Meus olhos estavam tão
vermelhos, e minhas bochechas tão inchadas. Tomei um banho gelado, arrumei meus cabelos
cacheados em um rabo gordo de cavalo, e coloquei uma blusa branca e uma calça jeans. Dobrei o
uniforme e o guardei em minha bolsa. Xinguei um nome sujo quando me lembrei de que Thomas
dissera que com roupas e joias adequadas eu seria a mulher mais bonita de qualquer lugar. Idiota.
O café da manhã teve um gosto amargo. Ninguém conversou com ninguém, mal olhávamos um para o
outro, e dividir o táxi conforme fazíamos todos os dias foi um exercício de paciência. E aquela
empresa... aquela empresa nunca me pareceu tão grande quanto naquela manhã depois que a demissão
chegou para cada um de nós. Eu tinha a impressão de que cada pessoa com quem eu cruzava estava
me julgando, e de que todos aqueles olhares eram de pura aversão. Aquilo era pior do que ser
menosprezada apenas pela posição inferior que eu ocupava.
Mas eu me obriguei a acreditar que ninguém sabia. Ninguém sabia que na noite anterior eu estava
prestes a cometer um crime. E, assim que pontei no corredor que levava até a sala do CEO, seu
secretário avançou até mim e disse que Thomas estava aguardando ansiosamente para me receber.
Ansiosamente.
Eu realmente duvidava.
E não sei se gostei dos murmúrios que eclodiram atrás de mim quando eu alcancei o final daquele
corredor.
— Bom dia senhorita Beckett — Thomas cumprimentou no instante em que abri a porta. Mas seus
olhos estavam fixos em alguns papéis que ele estava preenchendo. — Eu já sabia que a senhorita iria
aceitar.
Revirei os olhos e fechei a porta atrás de mim. Seu paletó estava no encosto da poltrona, e ele usava
apenas uma camiseta branca com as mangas enroladas até os cotovelos. Seus antebraços eram
tracejados por músculos, e a gravata-vermelho rubi se destacava em seu torso.
— O senhor não sabe se eu irei dizer sim — retruquei baixinho.
Sua mesa estava impecável. Aquelas pilhas de papel alinhadas, o computador no centro, um porta-
canetas e um copo grande de café. E eu me perguntei se na noite anterior aquilo tinha sido proposital.
Se ele tinha deixado sua mesa vazia apenas para provocar aquela ideia errada de que seria fácil fazer
o que eu tinha ido fazer.
— Oh, sério? — Ele zombou. Então largou sua caneta e ergueu o olhar, e aqueles olhos azuis fatais
me alcançaram. Algo esfriou em meu intestino. — Por que não me conta mais sobre a sua resposta no
jantar?
Bati os cílios.
— Que jantar?
Ele pegou sua caneta e sua atenção retornou para o papel sob sua mão esquerda. Sua pele cor de
creme reluzia contra os raios de sol amanteigados que serpenteavam pelas persianas semiabertas.
— O jantar que teremos esta noite, para discutir os detalhes do nosso acordo.
Bufei uma risada abafada.
— Eu não irei jantar com o senhor.
— Ótimo — Thomas retrucou com um divertimento frio. — Assim podemos pular todas as
preliminares bobas e ir direto para minha casa.
Meu peito ardeu de verdade.
Quem ele achava que era? Claro. Um homem rico e poderoso. Mas aquilo não o dava o direito de
falar comigo daquela forma.
— Eu não irei para sua casa.
— É claro que irá — ele contrapôs mantendo o tom baixo e arrogante, com os olhos fixos no
documento e a mão conduzindo aquela caneta. Linha por linha do que quer que estivesse naquele
papel. — A proposta é minha, sendo assim eu escolho onde iremos falar sobre ela.
Oh, céus.
Pretensioso, arrogante e egocêntrico.
Ser presa seria tão ruim assim?
— Escute — falei tentando manter a voz calma, — isso não irá funcionar se o senhor acredita que
pode dar ordens em mim, porque eu....
— Shhhhh. — Thomas chiou e levantou o dedo indicador como se quisesse que eu fizesse silêncio.
— Como eu disse, iremos discutir os detalhes desta proposta mais tarde. — Ele enrugou o cenho
para o documento. — Agora eu preciso trabalhar.
Sério? Ele realmente achava que eu iria para a casa dele?
— Olhe. — Respirei fundo. E me perguntei outra vez se a cadeia era tão ruim assim. — Eu não irei
para sua casa.
— A senhorita vai sim. — O macho presunçoso disparou. Com aquela calma gélida e arrogância
odiosa. — E vai sozinha.
Nem fodendo Sawyer.
— Não. — Bufei pelas narinas. — Eu não irei para sua casa, e muito menos sozinha. — Troquei de
pé. — Isso é ridículo e....
— Shhhhh. — Thomas chiou de novo, erguendo o mesmo dedo de antes. — Eu estou trabalhando
agora. — Ele coçou o nariz com as costas da mão que segurava a caneta. — Te vejo ás 20h em ponto.
Não se atrase.
Era oficial. Eu o detestava.
— Eu nem sequer sei onde o senhor mora. — Avisei de dentes cerrados.
— Não se preocupe — ele continuou preenchendo aquele papel. — Um dos meus motoristas irá te
buscar e de novo, apenas você. — Ele fez uma pausa. A atenção ainda estava no documento. —
Agora por favor, me deixe trabalhar.
Inacreditável.
Simplesmente, inacreditável.
Como era possível um só homem ser tão... detestável?
Saí da sua sala e bati a porta com força atrás de mim.
Eu duvidava que qualquer pessoa já tivesse feito aquilo duas vezes e saído impune, como eu acabara
de fazer.

Eu me encontrei com Tyler e Ian na saída da empresa no final do dia e pegamos um táxi rumo ao
apartamento. Ian ainda não tinha me direcionado nem sequer uma palavra ou me encarava
diretamente. Talvez fosse a dificuldade em engolir o orgulho agora que eu era a única que podia
livrá-lo da cadeia.
Não era exatamente assim, mas era como eu me sentia.
Tyler segurava minha mão quase como se eu fosse fugir do táxi. Na noite anterior eu tinha o contado
tudo. Ele gargalhou da necessidade patética de Thomas precisar de uma esposa falsa, e me beijou
como nunca antes tinha beijado pelo alívio de saber que tínhamos um plano B mesmo com a
demissão que nos aguardava.
Quando chegamos ao apartamento, eu me apressei em alcançar o banheiro e me demorei no banho.
Geralmente, eu esperava que Tyler e Ian tomassem seus respectivos banhos enquanto eu preparava
alguma refeição, porque eu estava morando no apartamento deles, e mesmo que eu estivesse
contribuindo com as contas, eu achava que era justo que eu cozinhasse. Mas naquela noite, eu
realmente precisava de um longo e demorado banho para ponderar as fortes emoções daquele dia. E
obviamente, tentar ficar calma para chegar a um acordo racional com Thomas Sawyer.
— Finalmente — Ian cantarolou quando eu saí do banheiro. — Achei que você tinha se afogado no
chuveiro.
O barulho da TV ligada em algum canal de esportes manchava a sala.
— Oh, você ia gostar disso, não é verdade? — Retruquei indo em direção ao quarto.
— Eu não vou mentir, — ele murmurou do canto em que estava, perto do balcão da cozinha, — seria
a melhor notícia do dia.
Eu parei de caminhar.
— Sabe de uma coisa? — Indaguei com escárnio e girei meu tronco para seu rumo. — Você me deve
um pedido de desculpas.
Ele tossiu uma risada.
— Como é que é?
— Exatamente o que ouviu. — Eu o avaliei com meu olhar. O corpo magrelo encoberto por aquele
terno cinza pálido, os cabelos ruivos cacheados e as sardas vermelho alaranjadas no rosto. — É
graças a essa vadia aqui que você não vai ser preso.
Porque sim. Ele tinha me chamado por aquele termo na discussão com Tyler durante a madrugada.
— Eu não estou contando com isso. — Ian retorquiu cruzando os braços sobre o peito. — Eu tenho
certeza que você vai acabar estragando tudo.
Estremeci. E procurei por um motivo para não avançar até ele e dar um soco naquela cara
debochada.
— Chega. — Tyler rosnou do sofá. — Ava tem razão, Ian. Você deveria se desculpar com ela.
— Vá se foder Tyler. — Ian cuspiu indo em direção ao banheiro. — Vocês dois.
Aquela porta foi fechada, e eu apertei meus punhos. Mas eu só podia lidar com um babaca de cada
vez. E por mais que eu fosse adorar estapear Ian até que ele voltasse chorando para qualquer que
fosse o buraco que ele tinha saído, eu precisava gastar aquele período de tempo que eu tinha antes
das 20h em outra coisa. Descobrir detalhes sobre a vida pessoal de Thomas Sawyer. Ele sabia todas
aquelas coisas sobre mim, e eu não sabia nada sobre ele. Mas o que eu encontrei na internet foi quase
inútil. Ele não tinha nenhuma rede social, e todas as notícias sobre ele estavam ligadas aos negócios
da família.
Praguejei contra a mídia incompetente que não me oferecia nem mesmo um podre sobre a vida
daquele ordinário. Apenas manchetes e mais manchetes sobre como Thomas era brilhante e rico.
Muito rico. Eu já estava vestida, mas o relógio ainda acusava 19h42. E somente depois de sair do
quarto e encontrar Tyler aguardando por mim com aqueles palpites a respeito da residência de
alguém da família Sawyer, eu percebi que era oficial. Eu estava indo para a casa daquele homem.
E então, meu coração deu um salto em meu peito.
E se fosse uma grande artimanha dele para se vingar de nós com suas próprias mãos?
E se fosse uma jogada de um homem louco?
Por que ele não chamou a polícia? Talvez ele não tivesse provas. O crime não tinha sido executado.
Planejado, e colocado em prática. Mas não tinha sido completado. Mas ele sabia sobre tudo. E tinha
me encontrado em sua sala. Aquilo já era suficiente para a denúncia? E como ele sabia sobre tudo, se
o plano só tinha sido discutido por Ian, Adam, Tyler e eu?
Afastei todos os pensamentos quando Tyler ronronou que depois de tudo aquilo, passaríamos um fim
de semana juntos em algum chalé nas montanhas. E eu me agarrei a ideia quando trocamos um beijo
doce. Ah, Tyler era minha paz. Meu Tyler Griffin. Meu lindo e adorado Tyler Griffin.
Assim que o relógio marcou 20h, escutei uma buzina. Corri até a janela da sala e avistei um Bentley
Mulsanne preto parado em frente a calçada do prédio. E aquele luxuoso carro em um bairro como
Brooklyn só podia ter a ver com Thomas Sawyer.
— Me deseje sorte. — Eu pedi a Tyler quando abri a porta me preparando para sair.
Ele abriu um sorriso que fez seus olhos brilharem.
— Você não precisa de sorte, gata. — Tyler piscou com o olho direito. — Você é Ava Beckett.
Naquele caso eu precisava sim. Mas era sempre bom ouvir Tyler me incentivando daquela forma. Eu
soprei um beijo para ele e saí do apartamento. As escadas nunca pareceram tão intermináveis. O
próprio saguão do prédio nunca pareceu tão extenso.
Mas alcancei a saída, e um senhor de cerca de 60 anos, usando um uniforme preto de motorista
estava parado ao lado do carro.
— Senhorita Beckett? — Ele sondou.
— Sou eu. — Confirmei, e minhas mãos gelaram.
— O senhor Sawyer está lhe esperando, — ele informou ao abrir a porta de trás do veículo, —
vamos?
Assenti com a cabeça e entrei no carro. O couro bege e nobre dos bancos do veículo era tão macio. E
cheiroso.
— Onde ele mora? — Eu indaguei assim que o veículo começou a se locomover.
As luzes da cidade recaiam como flashes vermelhos e amarelos em meus olhos. As lojas, as pessoas,
a movimentação, o comércio iluminado. Nova York era de fato linda.
— Em SoHo — o motorista respondeu.
Meu sangue esfriou de verdade.
SoHo não era um dos bairros mais chiques de Manhattan?
Se não fosse o mais chique?
Onde várias celebridades possuíam imóveis? Porque eu definitivamente não estava vestida para
conhecer uma celebridade. Eu estava usando um suéter vermelho, jeans escuros e sandálias simples.
E eu nem tinha me dado o trabalho de me maquiar ou prender meus cabelos, porque eu realmente não
queria que o idiota do Sawyer acreditasse que eu tinha me arrumado para ele.
Torci para que eu não esbarrasse com ninguém famoso.
Mesmo quando bem no fundo eu sabia que Thomas era algo do tipo.

CAPÍTULO 11
O edifício em que Thomas Sawyer morava era mais um daqueles gigantescos prédios, com no
mínimo setenta andares. Seu motorista me acompanhou até o elevador privado que me conduziria
diretamente até dentro do apartamento de Sawyer, que neste caso era a cobertura.
E eu me perguntei qual era o problema daquele homem com elevadores públicos.
Quando o elevador começou a subir, meus joelhos oscilaram.
Eu desejei tanto que Tyler estivesse ali comigo. Eu seguraria sua mão e todo o percurso seria tão
mais tranquilo, diferente da pressão gelada afundando meu estômago. Comecei a me perguntar outra
vez sobre quais seriam as verdadeiras intenções de Thomas Sawyer comigo. Aquela proposta
parecia tão intangível que quando a porta do elevador se abriu, me deixando de fato dentro da
residência de Thomas Sawyer, minhas pernas insistiram em travar. Quase como se elas quisessem me
avisar que aquilo era um erro. A única coisa que me fez sair do elevador foi uma empregada que
confirmou meu nome. Ela usava um uniforme preto com babados e avental branco. Os olhos grandes
cor de mousse de chocolate, o cabelo castanho dourado preso em um rabo de cavalo e um sorriso
caloroso em seus lábios.
Eu saí do elevador, e meus olhos se perderam por um minuto. Eu nunca tinha visto uma combinação
de espaço, design e beleza como aquela cobertura. Havia um enorme sofá de couro preto, onde
deveria caber confortavelmente umas vinte pessoas, uma mesa de centro de madrepérola que seguia
todo o comprimento da mobília, e uma parede de vidro em frente ao sofá com vista para todo o
horizonte da cidade. O terraço que flanqueava aquela sala apresentava uma variedade de
comodidades – uma piscina, uma banheira de hidromassagem, um bar e uma cozinha grande.
Paralelo ao sofá existia uma adega de vidro, repleta de bebidas, enquanto nos fundos da sala ficava
uma escada flutuante, que deveria levar para o quarto ou quartos que constituíam o resto daquela
cobertura.
— Pode ficar à vontade, senhorita Beckett — disse a empregada em um tom cortês. — Eu irei avisar
ao senhor Sawyer que você chegou.
Murmurei algum agradecimento. E no exato instante em que eu me encontrei sozinha naquele ápice do
luxo, eu procurei por qualquer sinal sobre a personalidade daquele homem. Vasos de orquídeas,
estátuas de louça branca, uma enorme estante com livros sobre negócios.... Mas nada. Nada que me
oferecesse qualquer detalhe a respeito de sua vida pessoal. Apenas duas fotografias na mesma
estante dos livros.
A primeira, onde ele estava abraçado com uma linda moça, de cabelos loiros e olhos cor do oceano,
em frente ao que parecia ser algum dos monumentos da Grécia. Thomas parecia alguns anos mais
jovem naquela foto, e a intimidade do abraço poderia indicar que eles eram namorados. Talvez ela
tivesse sido o primeiro amor dele. Mas ela devia ter seguido a vida com outra pessoa, ou talvez não
deveriam ter mais nenhum tipo de contato, já que Thomas estava recorrendo a uma completa estranha
para se passar por sua esposa.
Na segunda foto ele estava em um jardim, acompanhado por uma mulher mais velha de cabelos louro
dourados e olhos claros, uma moça mais jovem que se parecia muito com a primeira mulher, e um
homem mais velho com traços que lembravam Thomas. E eu concluí que fosse a família dele.
— Olá senhoria Beckett — aquela voz sensual ronronou. E eu quase derrubei a fotografia. — Que
bom que já chegou.
Devolvi a foto para a estante e me virei para o rumo da sua voz. Ele estava parado em um dos
extremos da sala usando uma camiseta justa azul-pálido com as mangas repuxadas até os cotovelos,
uma calça cinza clara com um cinto marrom, e segurava um copo de vidro com uma bebida cor de
âmbar. E de novo. Seus antebraços eram gloriosos.
Engoli em seco.
— Olá senhor Sawyer.
Ele me avaliou com seu olhar presunçoso e começou a caminhar no rumo do sofá. Seus passos
ecoaram pela sala tão grande e silenciosa. Ele era um lobo. E eu estava em seu território.
— A senhorita aceita uma bebida? — A pergunta foi... sutil. Neguei com a cabeça. E ele apontou com
o queixo para o sofá. — Por que não se senta?
Meu olhar encontrou o dele. E eu engoli em seco outra vez e forcei minhas pernas a caminharem até o
sofá. Eu me sentei. A superfície acolchoada acolheu meu corpo como o abraço de uma mãe em seu
bebê.
Thomas piscou com uma calma gélida e se sentou também, a uns dois metros de distância. E então
entornou um longo gole da bebida dourada em seu copo, deixando que um silêncio esquisito recaísse
sobre nós. Tamborilei meus dedos contra minhas coxas. E ele inclinou seu corpo para colocar o copo
sobre a mesa.
— Eu a chamei aqui hoje, Senhorita Beckett ...
— Impôs — eu o interrompi. Ávida. Minhas mãos ficaram frias. — O senhor impôs que eu viria.
Thomas deixou um arquejo pesado escapar.
— Certo. — Ele endireitou seus ombros. Meus olhos estavam fixos naquela adega tão bem
preenchida do outro lado da sala. Tantas garrafas de bebida. — A senhorita está aqui para que eu lhe
explique com maiores detalhes sua parte nesse acordo.
Murmurei que eu estava prestando atenção.
— Minha irmã irá se casar e eu preciso comparecer em seu casamento com uma esposa. — Seu tom
era casual. Baixo. — A senhorita deve manter sigilo absoluto sobre tudo que ver e ouvir. Mesmo que
30 anos se passem, não pode dizer a ninguém que eu te paguei para isso. Todos os detalhes para que
acreditem em nosso casamento já estão preparados. Tudo que precisa fazer é se portar bem.
Eu fiz uma careta.
— Me portar bem?
Com o canto do olho, notei seu tronco sendo girado para minha direção. Algo esfriou em meu
estômago.
— Minha família pode ser um pouco complicada às vezes.
— Todas as famílias podem.
— Claro. — Thomas assentiu de leve. — Mas neste caso, se os momentos complicados chegarem, eu
preciso que seja civilizada.
Bufei uma risada. E virei meu pescoço para seu rumo. Aqueles olhos deveriam ser batizados por
azul-arrogante.
— O senhor acha que eu não sou civilizada?
— A senhorita concordou em fazer parte de um roubo. — Ele retrucou, e inclinou seu corpo para
retomar aquele copo com um dedo de bebida. E eu desejei que de alguma forma eu pudesse provar a
ele que eu tinha desistido no último segundo. Ele emendou: — Isso não me deixa com boas
impressões a seu respeito.
Abri um sorriso viperino.
— É muito simples, senhor Sawyer. — Esperei que ele bebesse aquele gole. Que a bebida brilhasse
em seus lábios rosados. E então disparei, em um tom tão afiado quanto o olhar que o ofereci: —
Escolha outra mulher.
— Ah, eu não quero fazer isso. — Thomas ronronou. O copo foi girado entre seus dedos, e seus
olhos cintilaram contra as luzes douradas que banhavam seu apartamento. — Como eu te disse, eu
preciso da garantia do sigilo. — Ele piscou com calma. — E o que poderia garantir mais sigilo do
que uma corda no pescoço?
Uma corda em meu pescoço. Era o que aquele evento da última noite tinha se tornado em minha vida.
E eu me odiei. Eu me odiei de verdade por ter me colocado naquela posição. Saber que aquele
desgraçado arrogante estava certo. Meu sangue ferveu de verdade, mas eu me obriguei a inspirar, me
obriguei a pensar no dinheiro. Eu me obriguei a pensar em como seriam apenas duas semanas. Duas
semanas da minha vida, e eu nunca mais precisaria ver aquele maldito homem de cabelos negros
como mortalhas de onixes.
— Podemos continuar discutindo os detalhes? — Ele indagou com um divertimento frio, e eu percebi
que eu tinha ficado calada por tempo demais. Então apenas assenti. — Ótimo. Seu nome será
Katherine.
Não consegui segurar uma risada.
— Katherine? — Repeti, e ri outra vez.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Qual o problema com Katherine? — Thomas tracejou a borda do copo vazio em sua mão. — É
elegante e refinado.
Oh, céus.
Brinquei com uma mecha longa do meu cabelo.
— E por quanto tempo estamos casados?
Thomas não disse nada por um momento. Ele balançou o copo em suas mãos, se levantou e caminhou
em passos alinhados até a adega. Os músculos sob sua camiseta pareciam enrijecidos demais.
Enquanto Thomas escolhia uma garrafa de bebida, meus olhos percorreram a cidade debruçada sob
uma noite escarlate além daquele paredão de vidro. As luzes cintilantes contrastado com o céu de
veludo negro. Não havia estrelas naquela noite, somente uma lua prateada tímida e magricela. E por
um segundo eu pensei que talvez Thomas Sawyer pudesse ser tão solitário quanto ela.
— Seis meses. — Ele anunciou, ainda da adega.
— O quê?
Eu tinha me esquecido de verdade sobre o que estávamos falando.
— Estamos casados há seis meses. — O homem dos olhos azul-arrogante retornou para o sofá,
portando uma garrafa de algum Whisky que eu não saberia pronunciar o nome. Ele colocou aquela
garrafa sobre a mesa de madrepérola, e o vidro do seu copo sendo arrastado chiou contra o silêncio.
A bebida encheu o copo até a metade. E Thomas bebeu um gole generoso antes de adicionar: — E
nos conhecemos há sete meses.
Estalei a língua.
— Isso é ridículo. — Falei. E realmente era. — Nos casamos depois de um mês?
— Sim. — Thomas assentiu e bebeu outro gole. Seu olhar se perdeu por um momento naquelas luzes
da cidade. — Eu me encontrei pessoalmente com minha irmã há um ano atrás. Ela queria me
apresentar para uma pessoa, mas eu não estava interessado. Então eu disse que estava saindo com
uma mulher. Alguns meses depois ela insistiu outra vez, e insistiu tanto, que eu disse que eu tinha me
casado.
Fiz um sinal silencioso de não com a cabeça. E o estudei por um minuto, enquanto ele estava ali
olhando para o copo em suas mãos. Os dedos alisando o vidro, seguindo algum padrão que só existia
na cabeça dele. O cabelo negro como se absorvesse qualquer fiapo de luz, penteado naquele topete
volumoso. A pele clara que cintilava, o nariz reto, os lábios cor de mousse de morango. Ele era
lindo. E rico. Por que precisava de uma esposa falsa? Deveria existir dezenas de mulheres se
jogando aos pés dele. Mas não achei que eu tinha o direito de fazer aquela pergunta. Parecia pessoal
demais.
— E o que o senhor irá dizer depois? — Falei ainda o observando. — Quer dizer... — apertei meus
lábios por um momento. — Depois do casamento da sua irmã, quando rever sua família. — Thomas
virou seu rosto para mim e piscou com calma. Seu olhar agora era inexpressivo. — O que vai dizer
quando eles perguntarem por sua esposa?
— Raros são os casamentos que duram. — Ele disse com os olhos rodando nas órbitas. E eu tive a
impressão de reconhecer alguma tristeza ali. — O nosso pode ser um daqueles que acaba em um
divórcio tão conturbado, que eu nunca mais conseguiria nem mesmo ouvir seu nome.
Assenti. O futuro do nosso falso casamento era tão horrível quanto ele estar disposto a enganar sua
família. Mas aquele era um problema dele, não meu. Eu só estava ali para não ser acusada de
tentativa de roubo e pelo valor financeiro que eu receberia. Talvez mais pelo primeiro motivo do que
pelo segundo.
E então, Thomas esvaziou sozinho aquela garrafa de Whisky enquanto me contava a história fictícia
de como ele e Katherine haviam se conhecido. E também, me mostrou fotos de todos os seus parentes
e amigos da família que provavelmente estariam no casamento. E eu me perguntei se ele acreditava
de verdade que eu iria me lembrar de todos eles, ou se só estava fazendo aquilo para aliviar o meu
choque em conhecer toda a sua família pessoalmente. E discutimos uma outra vez, quando ele me
disse que eu precisava deletar todas as minhas redes sociais. Eu relutei, mas por fim aceitei que se
eu fosse me passar por outra pessoa, não deveriam existir provas sobre minha verdadeira identidade
na internet. Mas deixei aquilo para depois.
E quase no final da noite eu percebi algo. Se eu iria me passar por sua esposa, precisávamos de
limites.
— Eu quero impor algumas regras. — Eu falei, e agora estávamos a meros 40 centímetros de
distância naquele sofá. A tela do celular de Thomas ainda brilhava em um azul tão pálido quanto o de
sua camiseta. Ele tinha usado o aparelho para me mostrar as fotos.
Thomas deixou uma gargalhada rouca escapar.
— A senhorita acha que está em posição de impor regras?
Não. Ele não manteria aquele joguinho de poder comigo.
Não quando eu já tinha alguns grãos de informação para usar contra ele também. Inclinei meu corpo e
puxei aquele copo de bebida da sua mão. Ele arfou, mas eu não o ofereci tempo de falar nada.
Entornei a bebida contra minha goela. E não contorcer meu rosto foi um esforço que não pude manter.
Thomas riu com escárnio.
— A senhorita não sabe apreciar uma boa bebida?
Limpei minha garganta tentando fugir do amargo que se instalara ali. Devolvi o copo para a mesa, e o
cheiro de pinho misturado com algo cítrico de Thomas roçou minhas narinas.
— Eu posso impor regras. — Avisei com alguma convicção. Thomas enrugou o cenho. — Porque o
senhor precisa de mim.
— Oh, senhorita Beckett. — Ele retrucou com a voz mole, e inclinou seu corpo em minha direção. —
Eu não preciso de você.
— Ótimo. — Eu me levantei criando um momento dramático. — Então eu estou indo embora.
Dei dois passos para frente, e aquela mão grande se fechou contra meu cotovelo. O toque foi firme.
— Quais são suas regras?
Retraí meu cotovelo e reivindiquei minha posição anterior. Nossos olhares permaneceram fixos.
— Não iremos nos beijar.
— Não será um problema.
Engoli em seco. Acho que eu não esperava que ele respondesse tão rápido.
— Não iremos dormir na mesma cama.
Thomas piscou.
— Eu não posso prometer isso.
— E... — Inclinei meu corpo, e nossos rostos estavam separados por quinze centímetros agora.
Aqueles olhos eram tracejados por uma joia azul fria. Lembravam uma massa de água intocada pelo
homem. Mantive a voz firme para dizer: — Eu não irei fazer sexo com o senhor.
Thomas olhou para minha boca. Para meus seios. Para o centro das minhas pernas. E então para meus
olhos outra vez.
— E o que te faz pensar que eu quero fazer sexo com a senhorita?
Tudo, Sawyer.
— Oh, — foi minha vez de olhar para sua boca rosada. Para seu torso largo sob aquela camiseta.
Para o volume que parecia grande no centro das suas pernas. Ergui o olhar, reencontrando aqueles
olhos azuis. — Eu tenho certeza que isso já passou pela sua cabeça. Então eu quero sua palavra, —
estendi a mão direita no ar, — de que o senhor não vai tentar trepar comigo.
Thomas ergueu sua mão em resposta, e enroscou seus dedos nos meus. E quando pele tocou pele,
algo trepidou em minha coluna. Nossos olhares ainda estavam conectados.
— A senhorita tem minha palavra.
Gelo glaciou inundou meu sistema, e eu fui a primeira a retrair a mão e desviar o olhar. E alguma
coisa fez o ar ficar mais quente ali. Eu me coloquei de pé e espalmei as mãos contra minha blusa,
ajeitando as rugas do tecido. Thomas se levantou também.
Ele me acompanhou até o elevador, e uma semana depois daquela noite viajaríamos rumo ao
casamento da sua irmã, onde quer que fosse, e passaríamos duas semanas fingindo estar casados.
Mas, um segundo antes de eu entrar naquela caixa de aço, Thomas me lançou um olhar letal.
— Se a senhorita prejudicar a mim, ou qualquer pessoa da família, — ele disse, com um tom
cruelmente afiado, — eu acabo com a sua vida e com a vida dos seus amigos.
Minha boca ficou seca. Mas de alguma forma eu consegui dizer:
— Eu digo mesmo a você.
Eu não me arrependi daquilo. Ele sabia todas aquelas coisas sobre meus pais. Sobre Sophie. Sobre
Tyler. E Adam. E Ian. Apesar de que eu não me importava com este último. Eu estava disposta a
cumprir minha parte e confiar em sua palavra. Mas se algo desse errado e ele tentasse qualquer coisa
contra as pessoas que eu amava.... Eu não me importaria em destruir minha vida destruindo a dele.
No entanto, aquele homem não fez nenhum comentário a respeito da minha ameaça. Ele apenas ergueu
as sobrancelhas, e perguntou com aquela arrogância gélida:
— Você?
— Eu irei me passar por sua esposa. — Abri um sorriso debochado para ele. — As formalidades
ficaram para trás.

CAPÍTULO 12
A semana que antecedeu a viagem foi tortuosamente longa.
E eu nunca achei que Tyler seria tão... pegajoso. Ian continuava sendo detestável, e recebemos a
visita de Adam uma ou duas vezes em nosso apartamento. Adam era um homem lento e sonso. Mas
ele foi o único dos três que me agradeceu por estar lidando sozinha com as consequências daquela
tentativa de roubo, e também era o único que parecia aliviado por ter dado errado.
Talvez eu não tivesse sido a única em hesitar na última hora.
Mas a pior parte era não poder falar sobre nada daquilo com a minha mãe. Eu nunca tinha mantido
nem sequer um segredo dela. E agora eu precisava esconder justo o que parecia ser o maior de toda a
minha vida.
O mesmo motorista que tinha me levado até a cobertura de Sawyer me buscou quando o poente recaiu
sobre aquela quinta feira, e me levou até um campo gramado imenso e desolado. As luzes rosas
avermelhadas do grande disco de ouro que se escondia no horizonte fazia a grama cintilar, e forrava
a pintura de um jato branco de forma quase ofuscante. E quando eu avistei Thomas aguardando em pé
a cerca de cinco metros da aeronave, usando um terno azul marinho e óculos de lentes escuras, com a
coluna ereta e peitoral inflado, um pensamento cruzou minha cabeça.
Aquele homem podia ser o dono do mundo.
E eu não sei por que meu coração esfriou quando eu desci do carro e sua cabeça se virou em meu
rumo. Um vento gelado me cumprimentou e balançou a saia do meu vestido rosa salmão.
— Você está atrasada — Thomas anunciou em um tom rude. Você. Então ele concordava que as
formalidades tinham que ficar para trás. Ele contraiu um músculo em sua mandíbula para acrescentar:
— E eu não gosto de atrasos.
Avaliei o macho com as mãos enterradas nos bolsos frontais de sua calça. Os sapatos de couro preto
brilhavam.
Ainda dava tempo de desistir?
— Me perdoe pelo atraso, — falei, e minha voz soou ridiculamente aguda. O motorista fechou a
porta que ele mesmo tinha aberto para mim, e contornou o veículo para pegar minha mala. — Minha
despedia com Tyler demorou um pouco mais do que o previsto.
Eu não estava mentindo. O motorista precisou aguardar quase vinte minutos até que Tyler parasse de
me beijar e me deixasse entrar no carro.
— Tenho certeza que sim. — Thomas retrucou. E eu imaginei que existia um olhar de escárnio
escondido atrás daquelas lentes escuras. — Mas me poupe dos detalhes.
O tique do porta malas sendo aberto e fechado retumbou. Eu continuei parada, perto do carro,
enquanto o motorista pegava minha mala e caminhava até o jato. Mas Thomas ergueu apenas um dedo
indicador no ar, e o senhor gentil que me conduzira até ali interrompeu seus passos quase quando
estava cruzando com o milionário. Imediatamente.
— O que é isso? — Thomas bufou.
Aquela linha fechada em sua mandíbula... talvez ele estivesse de mal humor.
— Esta é a bagagem da senhorita Beckett, senhor Thomas. — O motorista explicou, e havia uma gota
de hesitação em sua voz. — Eu estou levando para o compartimento de bagagens.
Pisquei contra a claridade do cenário. Eu já estava tão acostumada com todo o concreto de Nova
York, que toda aquela grama ondulando em brilho fez meus olhos lacrimejarem. E Thomas soltou um
suspiro prolongado.
— Pode deixar aí. — Ele disse para o motorista com aquela arrogância gélida. — Essa mala não
entrará no meu jato.
O quê?
Caminhei em passos rápidos ao ver o motorista colocando a mala no chão, como se realmente fosse
larga-la ali.
— O que você está fazendo? — Rosnei para Thomas. Estávamos separados por dois passos de
distância.
— Eu estou me livrando de cargas desnecessárias. — Sawyer respondeu com esgar. — Agora,
querida, — ele ergueu o cotovelo no ar para mim, — já podemos ir.
Bufei pelas narinas.
— Qual é o seu problema? — Inclinei meu corpo para pegar minha mala. — Minhas melhores roupas
estão aqui.
E estavam.
Mas Thomas apenas soltou outro suspiro pesado e retirou seus óculos de sol. E calmamente, o
entregou para o motorista. O senhorzinho que agora tinha perdido um pouco da cor dos lábios.
— Sendo assim, — Sawyer me lançou um olhar puramente debochado, — é uma pena que você não
irá leva-las.
Inacreditável.
— Do que você está falando? — Grunhi. Segurei minha mala com as duas mãos e ajeitei minha
postura. — Por acaso quer que eu passe duas semanas usando a mesma roupa?
— Eu nunca disse isso. — Thomas deu um passo para frente e levou sua mão direita até a mala. —
Eu só estou dizendo que não iremos ocupar espaço em meu jato com suas roupas.... — Ele demorou
um momento, fingindo que buscava por uma palavra. — Horrorosas.
Trinquei os dentes.
— O quê?
— Exatamente o que ouviu, Beckett. — Ele forçou sua mão tentando puxar a mala para si. Eu puxei
de volta. Ele estalou a língua com desprezo. — Apenas solte.
— Não. — Arquejei. — São minhas coisas.
Ele deu um puxão forte. E a mala quase escapuliu da minha mão.
— Não percebe que está atrasando tudo? — Thomas indagou. — Por que não cede de uma vez?
Ele realmente achava que eu iria largar todas as minhas coisas ali?
— Não. — Insisti. E puxei a mala para mim. Com toda a força que eu tinha.
Mas Sawyer abriu sua mão, e meu próprio esforço me fez cambalear para trás e cair de bunda no
chão. E como se não bastasse a minha queda, a mala caiu aberta, cuspindo boa parte das minhas
roupas. O motorista arfou.
— Está vendo o que sua teimosia acabou de fazer? — Thomas ronronou com um divertimento frio.
— Agora realmente precisamos ir.
Aquele mesmo motorista fez menção de estender a mão para me ajudar a levantar, porém Thomas
ergueu a mão direita no ar.
— Ela consegue se levantar sozinha — o milionário disse com escárnio. E o motorista recuou um
passo.
Bufei pelas narinas. Eu queria chama-lo por um nome muito, muito sujo. Mas uma palavrinha ecoou
em resposta nos meus pensamentos. Cadeia. Cadeia. Cadeia. Então me obriguei a manter a cama, e
me ajoelhei na grama e comecei a reunir minhas coisas. Minha roupa íntima, meus sapatos, minhas
calças jeans.
Thomas estalou a língua de novo.
— Que diabos está fazendo agora?
— Por acaso você é cego? — Repliquei em um tom azedo. Uma blusa, uma saia. Dobrar, encaixar de
volta na mala. — Estou recolhendo minhas roupas.
Em um segundo, os sapatos lustrados de Thomas reluziram diante da mala. Em outro segundo, um
chute violento arremessou a mala para muitos metros de distância, e eu vi uma trilha com minhas
roupas sendo formada.
— Mas que inferno! — Vociferei. E me coloquei de pé apenas para empurrar seu torso. Ele nem se
moveu. — O que há de errado com você?
Thomas olhou para seu peitoral, exatamente onde eu tinha o tocado, e usou sua mão direita para
espalmar de leve a área. Como se eu tivesse o sujado. Idiota.
— Não há nada de errado comigo. — Ele disse com uma calma odiosa. — Eu só não consigo
entender que obsessão ridícula é essa com suas roupas.
— Não é uma obsessão ridícula, seu idiota. — Retruquei. O motorista arquejou, e eu estudei minhas
roupas esparramadas pelo gramado. A mala estava largada a uns bons dez metros. — Você quer que
eu viaje apenas com uma peça de roupa?
Eu me preparei para ir até minha mala. Mas no momento em que eu girei meu tronco, aquela mão se
fechou contra meu cotovelo outra vez. E o toque foi apertado demais. Eu olhei por cima do ombro, e
encontrei os olhos azuis arrogantes. Thomas apertou a mandíbula e informou:
— Existem seis malas dentro do jato com tudo que você precisa para a viagem.
Eu puxei meu braço e não consegui conter minha mão direita. Meus dedos estralaram contra aquela
cara debochada.
— Nunca mais coloque suas mãos em mim — avisei. E meu peito subiu e desceu com pressa. — E
você poderia ter começado me dizendo isso.
Thomas articulou seu maxilar e soltou um riso cínico. Ah, aquele riso. Foi pior do que se ele tivesse
revidado o tapa. E então ele caminhou até o jato mantendo uma postura gloriosa e gesticulou para a
escadaria da aeronave.
— Você primeiro, meu amor. — Thomas ronronou.
E eu queria deixar aquela outra banda do seu rosto vermelha também. Limpei a poeira dos meus
joelhos e caminhei batendo os pés até ele. Mostrei o dedo do meio para meu futuro marido fictício
antes de subir o primeiro degrau.
— Veja bem, senhor Crawford — ele falou para o motorista, que observava aquela cena com os
olhos arregalados. Devia ser a primeira vez que ele presenciava alguém gritando com seu patrão, ou
o esbofeteando. — Eu dei meu coração a esta mulher, e é assim que ela me retribui.
— Vá para o inferno Sawyer — disparei subindo os degraus.
— Sério, senhor Crawford, — Thomas ciciou em um tom preguiçoso, — eu não sei mais o que fazer.
Idiota.
Talvez por isso precisasse de uma esposa falsa.
Porque ninguém suportaria se casar com ele de verdade.

CAPÍTULO 13

O interior do jato era um mini salão luxuoso.


Os assentos eram duas poltronas de couro, de cor bege, posicionados um de frente para o outro, com
uma mesa quadrada preta entre os dois. Pequenas janelas de vidro, e um revestimento cor de marfim
pelas paredes internas e pelo piso.
— Então, — fui a primeira a falar alguma coisa desde que decolamos, — agora que já estamos a
caminho... — passei meus dedos pelo braço acolchoado do assento. — Pode me dizer onde será o
casamento?
O silêncio dentro do jato era um zumbido baixo e constante. Thomas estava observando aqueles
campos vastos se tornarem mais distantes através da janela de vidro do seu lado.
— Sim, eu posso. — Ele disse com uma inexpressividade gélida. — Mas lembre-se de que não pode
contar para ninguém. Nem mesmo para seu namorado.
— Ele não é meu namorado — murmurei. E Sawyer virou seu rosto para minha direção um segundo
depois. Eu soltei um suspiro profundo antes de completar: — Ele é meu ex.
Thomas enrugou o cenho.
— Você é cumplice do seu ex?
— É mais do que isso. — Falei, e esfreguei meu peito para afastar um aperto que cresceu ali. —
Nascemos um para o outro.
— É claro. — Thomas retrucou. Seus olhos piscaram de forma lenta. — Austrália.
— O que tem a Austrália?
— O casamento.
O mundo girou mais rápido por um momento.
— O casamento é na Austrália? — Minha voz soou tão aguda.
— Sim. — Thomas afirmou com tanta calma, que era como se estivéssemos viajando para a cidade
de vizinha. E não para o outro lado do mundo. — Mas qual é o problema? — Ele deixou que suas
mãos escorregassem por suas coxas. — Você nunca voou para a Austrália?
— Eu irei fingir que você não me perguntou isso — disparei. E apertei meus dedos contra os braços
do assento, com tanta força que as juntas ficaram brancas. — E você não pode estar falando sério.
— Sim, eu estou. — Sawyer replicou. Aqueles olhos azuis salpicados por estrelas de safira
permaneciam calmos demais. Meu estômago mergulhou. — Eu não brincaria com isso.
Oh, céus.
Austrália?
Eu estava esperando no máximo outro estado. E não outro continente.
— Sawyer, — falei com a voz trêmula, — quanto tempo levará para chegarmos lá?
Ele fez um pequeno gesto de não com a cabeça.
— Se não tivermos nenhum problema, — Thomas ponderou, — 20 horas.
20 horas? 20 malditas horas presa em um voo com Thomas Sawyer?
Não, não, não.
Meu coração tropeçou em meu peito.
— E o que fazemos durante estas 20 horas? — Bufei.
O céu agora era um mar nuvens rosas passando pelo vidro da minha janela. Era lindo.
— Podemos ficar em silêncio e aproveitar o voo.
— É impossível aproveitar o voo olhando para essa sua cara, Sawyer — resmunguei. E eu não
estava mentindo. — Me diga que existe algo para fazer. Um jogo, um filme, um livro.
Thomas se espreguiçou em sua poltrona.
— Infelizmente não existe. — Ele desenhou seu lábio inferior com seu polegar. — Eu já estou tão
acostumado com viagens do tipo que não cogitei suas preferências.
— Então é melhor me arranjar um passa tempo — avisei, e coloquei meus pés na mesinha que
separava os assentos. — Este voo não será nem um pouco agradável para você se eu estiver
entediada.
— Retire seus pés daí. — Thomas rosnou encarando as sapatilhas cor de salmão em meus pés. —
Esta mesa foi feita para receber apenas comida.
Engoli em seco. E me vi obrigada a retrair os calcanhares. Eu me aninhei em meu assento outra vez.
Um segundo depois, Thomas colocou os pés exatamente onde eu tinha colocado os meus.
Estalei a língua.
— Sério? Por que seus pés podem ficar aí e os meus não?
— É simples, senhorita Beckett. — Ele abriu um sorriso torto. — Meu jato, minhas regras.
Era oficial. Eu cometeria um crime pior do que roubo se aquele voo demorasse muito tempo.
— Quer saber de uma coisa? — Indaguei retoricamente. — Eu...
— Não — Thomas me interrompeu com sarcasmo. — Eu não quero saber de nada. Na verdade, —
ele se inclinou e apagou a luz, — eu adoraria que você mantivesse sua boquinha calada para que eu
possa dormir um pouco.
Inclinei meu corpo e acendi a luz. Ele não dormiria e me largaria ali sozinha.
— Eu não estou com sono — cantarolei.
Thomas me lançou um olhar letal.
— O problema não é meu.
Luz apagada.
— É claro que não.
Luz acesa.
— Pare com isso.
Luz apagada.
— Pare você.
Luz acessa.
— Eu quero dormir.
Luz apagada.
— Mas eu não.
Luz acessa.
— Sério. — Ele apertou sua mandíbula. — Pare com isso.
Luz apagada.
— Qual o problema? — Luz acessa. — Você não consegue dormir com a luz acessa?
— Ninguém consegue dormir com a luz acesa.
Luz apagada.
— Eu tenho certeza de que alguém neste mundo consegue.
Luz acessa.
— Beckett, — seu tom pesou, — você não quer me testar.
Luz apagada. Eu esperei um minuto até que ele se ajeitasse. Que parecesse confortável. E então
acendi a luz outra vez. Thomas bufou pelas narinas, e eu... eu achei graça daquilo.
— Qual é o seu problema?
— Eu diria que.... — Ronronei, deixando que o divertimento lampejasse em meu pequeno sorriso, —
Você, Thomas Sawyer. — Apaguei a luz. — Você é o meu problema.
— Eu?
Luz acessa outra vez. Mas agora ele tinha sido o responsável.
— Sim — retruquei com escárnio. — Você é meu problema. Eu preciso fingir ser sua esposa ou irei
direto para a cadeia. — Mordi meu lábio inferior. — Eu não sei o que é pior.
Thomas apertou um botão que fez algum tipo de campainha baixa e sutil ecoar nos fundos do jato.
— Eu lhe garanto senhorita Beckett, — ele inclinou seu corpo para trás, apoiando sua cabeça no
encosto de sua poltrona, — a cadeia é um lugar muito pior do que minha companhia.
Estalei a cabeça para o lado.
— Estou começando a acreditar que não.
Eu mal fechei a boca e uma aeromoça apareceu portando em mãos uma bandeja com morangos
gordos, tão vermelhos como rubi, juntamente com uma garrafa de champanhe e duas taças. Eu nem
sabia que existia mais alguém além de nós dois e o piloto naquele jato.
— Com licença, senhor Sawyer, — ela disse em um tom baixo e cortês, — o senhor gostaria de uma
bebida?
O macho assentiu de forma lenta, e seus olhos encontraram os meus. A aeromoça colocou a bandeja
com os morangos e a garrafa de champanhe na mesinha que nos separava e em seguida encheu as
duas taças.
— Algo mais, senhor Sawyer?
Thomas negou com a cabeça. A aeromoça pediu licença e se retirou, e ele puxou uma das taças para
si, entornando um gole generoso.
— O que você tem contra mim, Beckett?
— Me chame de Ava — pedi. — E eu tenho absolutamente tudo contra você. O jeito em que pessoas
como você ganham tudo sem qualquer esforço, que não precisam fazer quase nada para conseguir o
que pessoas como eu precisam trabalhar dez vezes mais para ter.
Thomas bebeu outro gole. E eu estudei aquela postura etérea, a forma em que a taça repousava entre
seus dedos compridos, o jeito que seus ombros estavam tão alinhados.
— Talvez o problema esteja na forma em que pessoas como você trabalham, Beckett.
— Ava — insisti. — E você não faz a menor ideia do que é isso.
Ele bebeu outro gole. Sua taça agora já estava quase vazia. E os morangos em meu campo de visão
eram tão brilhantes e cheirosos.
— Isso o quê?
— Trabalhar duro — expliquei. Enrolei uma mecha do meu cabelo em meu dedo indicador direito.
— Trabalhar realmente duro em alguma coisa.
Thomas contorceu o rosto. Então brincou com aquela taça de cristal manchada pela bebida
espumante.
— Você acha que eu não sei o que é trabalhar?
— Eu tenho certeza — afirmei com convicção. — Você nasceu em um berço de ouro, ganhou tudo em
suas mãos. — Ergui os ombros com desdém. — Eu duvido que precisou derramar pelo menos uma
gota de suor para ganhar seu lugar de presidente naquela empresa. Para ganhar qualquer coisa.
Ele bebeu o último gole.
— Você realmente está me julgando da forma errada, Beckett.
— Ava. — Falei de dentes trincados. Era tão irritante ser chamada pelo meu sobrenome. Parecia que
eu iria receber uma bronca. — Por que você não pode me chamar de Ava?
Meu futuro marido falso inclinou seu corpo para deixar a taça sobre a mesa. A outra permanecia ali,
intacta ao lado da bandeja de morangos. O jato se movia com tanta estabilidade, que a bebida mal
trepidava.
— Não temos intimidade o suficiente para que eu te chame pelo seu primeiro nome.
Esfreguei meus olhos. Que ele nunca visitasse Norshingan então. Porque cinco minutos de uma
conversa naquela cidade já era o suficiente para tratar a outra pessoa pelo primeiro nome.
— Pois bem, eu não acredito que eu esteja te julgando da forma errada. — Confessei. Enrolei outra
mecha do meu cabelo, e outra. — Me diga, quantas entrevistas de emprego você já fez?
Thomas fingiu pensar por um momento, quase enrugando seu nariz reto.
— Várias.
Revirei os olhos.
— Como entrevistado e não entrevistador.
— Oh, — ele assentiu apenas uma vez, — neste caso a resposta seria nenhuma.
Bufei uma risada.
— Viu? — Inclinei meu corpo para frente e peguei um morango daquela bandeja. A furta se
desmanchou em um sabor doce e molhado em minha boca. — Você é um hipócrita.
Thomas ergueu de leve as sobrancelhas. Que eram tão grossas e naturalmente arqueadas.
— O que você disse?
— Que você é um hipócrita.
Fiz menção de pegar outro morango, mas ele foi mais rápido em puxar a bandeja para mais perto
dele, o aço raspando contra o vidro da mesa. E ele também pegou a outra taça que estava cheia.
— Me devolva os morangos — falei, quase trincando os dentes.
Sawyer balançou a cabeça em um gesto lento de não. Seus olhos brilharam com deboche.
— Você está em meu jato, me chamando de hipócrita, e ainda acha que tem direito de exigir os
morangos?
— Sim. — Retruquei. E então soltei uma respiração pesada. — Me manter alimentada é uma
importante parte deste acordo.
E era verdade. Eu não era uma pessoa nem de longe agradável quando estava com fome.
— Oh, sério? — Um sorrisinho torto se curvou em seus lábios enquanto ele pegava o maior dos
morangos e o colocava em sua boca, mastigando lentamente sem desviar o olhar. E a forma que sua
boca rosada ficou molhada mastigando aquele fruto... fez algo ondular em meu estômago. Thomas
adicionou com esgar: — Não me lembro desta parte.
— Deveria. — Bufei. — E é melhor me passar os morangos. Você não quer conhecer meu lado mal-
humorado.
Ele soltou uma gargalhada vazia.
— Você estava de bom humor todo este tempo?
Rosnei. Rosnei de verdade. E ele empurrou a bandeja para mim. Mas de novo, eu fiz menção de
pegar um morango e ele foi mais rápido em puxar a bandeja para si. Talvez fosse seu jeito idiota de
se vingar por eu não ter deixado que ele dormisse. Thomas pegou outro morango. E bebeu um gole
daquela taça que deveria ser minha. Outro morango, mastigando com toda aquela calma. Outro
morango. Outro gole. Minha boca salivou de verdade.
— Pare. Com. Isso.
— Apenas se me pedir desculpas. — Thomas comeu outro morango. E meu estômago enrolou.
— Eu não irei te pedir desculpas — cruzei meus braços sobre o peito. Ignorar o gosto da fruta se
perdendo em minha boca foi um esforço. — Eu apenas disse a verdade.
— Ótimo — Thomas devolveu com aquele deboche gélido. Outro morango. E outro. E outro. —
Assim sobra mais para mim.
Estreitei meus olhos.
Idiota.
E ele continuou comendo os morangos, um por um, até que a bandeja ficou vazia. E eu balancei minha
cabeça em um gesto de não. Que foi mais para mim do que para ele. Quanto tempo já havia passado?
Uma hora?
Ah. Aquela viagem seria tão longa.
Eu me afundei em meu assento, deixando que meus olhos vagassem pelo céu azul-pálido lá fora.
Pensei em como eu gostaria de ter uma tela branca para capturar aquelas nuvens de algodão
manchadas pelos tons de rosa-fúcsia do horizonte. Eu fiquei calada. Eu fiquei calada por tanto tempo
observando aquela vista e ignorando qualquer coisa que Thomas estivesse dizendo, que me assustei
de verdade quando a aeromoça retornou com uma bandeja. Havia torradas, tiras de carnes, queijos e
geleias. Mas apenas um prato de louça branca.
Pisquei. Uma, duas, três vezes. E desejei de verdade que aquilo não fosse o que eu estava
imaginando. Mas aqueles olhos azuis lapidados por provocação encontraram os meus.
— Tem algo a dizer Beckett?
Esfreguei minhas têmporas quando concluí que toda aquela comida... ele só me deixaria comer se eu
pedisse desculpas.
— Eu tenho sim. — Rosnei. O cheiro emaranhado por notas doces, salgadas e cítricas enlaçou meu
estômago. — As vagas para o jardim de infância devem estar abertas.
Sawyer gesticulou com a cabeça e a aeromoça se retirou. E então, ele piscou um olho para mim e
puxou o prato de louça para si. E se serviu.
E enquanto ele mantinha aquela tentativa ridícula de me provocar com a comida, senti meu celular
vibrando em meu colo. Eu tinha me esquecido dele. Peguei o aparelho e havia uma mensagem de
Tyler.
[Tyler 20h50] Oi meu bombonzinho. Como estão as coisas com o Sawyer?
Ergui meu olhar analisando o comportamento desprezível do macho ordinário.
[Ava 20h51] Você jamais acreditaria.
[Tyler 20h52] Está tão ruim assim?
[Ava 20h52] Você não faz ideia.
[Tyler 20h53] Sinto muito por você.
[Ava 20h53] Está tudo bem. Serão apenas duas semanas.
[Tyler 20h54] Duas semanas que irão parecer uma eternidade sem você.
Aquela última mensagem arrancou um sorriso largo de mim.
[Ava 20h54] Prometo te recompensar quando eu voltar.
— Por que você está sorrindo? — A pergunta veio em um tom gélido.
Ergui minha cabeça. Meus olhos se depararam com aqueles lábios rosa mousse de morango
lambuzados por uma geleia vermelha. Parecia um lobo com a boca ensanguentada depois de devorar
sua presa.
— Não é da sua conta. — Retruquei. — Além de hipócrita e egoísta, você também é intrometido?
Os olhos de Thomas brilharam com algum tipo de desprezo frio. Mas meu celular vibrou outra vez,
me distraindo daquele azul ladrilhado por safiras. E agora, ao invés de uma mensagem de texto, havia
uma foto de Tyler somente de cueca, com uma notável ereção. Dei um zoom na foto estudando cada
pedacinho do seu corpo. Meu Tyler era gostoso demais. Meu. E vendo aquela foto percebi que eu
ainda não tinha matado nem um terço de toda a saudade que eu senti dele durante aqueles seis anos.
— Sabe de uma coisa, Beckett? — Sawyer latiu. — É uma pena que você não esteja com apetite.
Oh, acredite em mim Sawyer. Eu estou com muito apetite neste exato momento. Mas por uma
comida diferente.
— Eu estou bem — murmurei com preguiça enquanto digitava uma mensagem indecente demais para
Tyler.
Mas, como a vida era mesmo uma vadia irritante, a mensagem não foi enviada por que o sinal
desapareceu.
Praguejei. E levantei o aparelho no ar procurando por sinal.
— Qual o problema, Beckett? — Sawyer perguntou em um tom debochado que me fez ter vontade de
pular em seu pescoço. — Só está descobrindo agora que jatos em movimento a gigantescas altitudes
e sinais de telefone não combinam muito bem?
Meu peito ardeu de verdade. E eu acho que só não arremessei meu telefone na cara daquele homem
por que eu não queria estragar meu aparelho.
Mas.
Espere um minuto.
Gigantescas altitudes?
Eu não tinha medo de altura, e eu já tinha viajado de avião. Mas aquilo significava que eu estava
presa naquela jaula de aço sobrevoando sei lá que parte do mundo com aquele imbecil. Talvez eu
tenha ficado tanto tempo preocupada em tentar levar aquele plano adiante, que me esqueci
completamente do percurso.
O percurso.
Que eu tinha descoberto que durariam 20 horas.
Oh não.
Meus joelhos começaram a oscilar.
Os riscos de um acidente aéreo cruzaram meus pensamentos, e meu coração se perdeu em uma batida
desgovernada em meu peito. Porque... E se o jato caísse e eu nunca mais visse minha família? Eu
morreria sendo Thomas Sawyer a última pessoa que eu vi?
Um sufoco reivindicou meu peito, assim como um suor gélido se empoçou em minhas costas e em
minhas mãos.
Gigantesca altitude.
Uma onda de tremor correu por todo o meu corpo.
O jato pode cair. Nunca mais ver minha família.
O ar se tornou pesado demais.
E aquela náusea ondulando em meu estômago. O que era aquilo?
Por que de repente tudo estava girando? Por que o silêncio era tão agudo e estridente? E por que eu
não conseguia enxergar nada mais do que um borrão de luzes manchadas por um escuro denso?
O que estava acontecendo comigo? Por que aquilo estava acontecendo? E como eu poderia fazer
aquilo parar?
— Beckett? — A voz de Thomas soou de algum lugar distante. — Você está bem?
Não, Thomas, eu não estou bem.
Mas por que eu não consigo te dizer isso? Por que minha voz não quer sair da minha garganta?
— Beckett. — Sua voz ainda estava distante. — Olhe para mim.
Olhar para você? Eu nem sei onde você está!
O que é isso? Por que tenho a sensação de que meu peito vai explodir? O que é isso correndo
minhas entranhas? E por que eu quero gritar? Por que eu perdi o controle do meu corpo? Por
favor, faça isso parar! Faça isso parar! Por favor.
Espere.... O que está acontecendo?
O que é isso me envolvendo? O que é esse calor circundando meu corpo? E esse cheiro doce
ludibriando meu olfato?
— Inspire, Beckett. — Aquela voz soou tão perto.
Inspirar. Puxar o ar pelas narinas. Eu podia fazer aquilo. Eu fiz aquilo.
— Agora expire.
Expulsar o ar. Eu podia fazer isso também.
— De novo.
De novo. Inspirar e expirar. Deixar que o ar entrasse e saísse. De novo e de novo.
Aquele azul foi o que me atingiu primeiro. Azul-arrogante era como eu tinha batizado aquela cor.
Mas agora estava tão perto. Eu conseguia ver todos aqueles traços claros e escuros, aqueles detalhes
tendendo ao coração do oceano. A cor era densa, mas também, cintilante. Eu poderia me afogar ali.
Porque olhando para aqueles olhos, o mundo retornou para mim. Cada sentido. O tremor se esvaindo
em minhas mãos, o aperto se afrouxando em meu peito, a respiração se tornando compassada. O
hálito fresco de Thomas roçando meu rosto.
— O que aconteceu? — Minha voz não passou de um sussurro trêmulo.
Thomas inclinou seu corpo para trás. E só então eu percebi que antes ele segurava meus ombros. Ele
se sentou em seu assento.
— Você teve um ataque de pânico, Beckett. — Ele falou em um tom baixo. Seu rosto estava um pouco
mais pálido do que o normal.
— Não faz sentido. — Arfei. — E-eu... eu nunca tive um antes.
Meu peito ainda subia e descia um pouco mais rápido do que o normal. As mãos de Thomas
percorreram os braços da poltrona de cor bege em que ele estava sentado. E um músculo tremeluziu
naquela mandíbula.
— Sempre existe uma primeira vez. — Ele comentou. Mas pela primeira vez, não havia deboche ou
escárnio em seu tom de voz. Apenas algum tipo de tristeza.
Eu pisquei, sentindo meus olhos arderem. E minha garganta doeu de verdade. Então aquela aeromoça
surgiu de qualquer lugar onde permanecia naquele jato, segurando uma bandeja com uma taça de
cristal preenchida por um líquido incolor.
Ela ofereceu a taça para mim.
— Beba. — Thomas falou ainda me fitando. — É água.
Engoli em seco. E aceitei aquela taça, mesmo que minha mão ainda tremesse um pouco. Bebi um
gole. Dois. Três. O silêncio agora era um zunido manchado pelo barulho das turbinas baixas do jato.
E minha janela estava fechada, mesmo que eu não me lembrasse de tê-la fechado. Devolvi a taça para
a bandeja e o vidro tilintou contra o metal. Toda a louça e comida que antes estava na mesinha tinha
sido retirada.
— Algo mais, senhor Sawyer? — A aeromoça perguntou.
Thomas ainda olhava para mim. Ele apenas balançou a cabeça em um sinal de não, e a mulher de
cabelos vermelho acobreados presos em um coque sem nenhum um fio fora do lugar e olhos amarelo-
dourados se retirou.
Um minuto se passou. Eu mexi meus pés, apertei os dedos da mão. O acolchoado da poltrona me
engoliu. Os dedos compridos de Thomas alcançaram a borda do braço do seu assento, e ele abriu
uma pequena tampa ali, que se misturava com a extremidade da poltrona. Havia alguns botões e
interruptores. Meu futuro marido fictício girou um botão, e a luz que antes era branca pálida se tornou
uma fúcsia leve, e depois escureceu até ficar azul frio. Azul como os olhos de Thomas. E então ele
empurrou um pequeno interruptor, e a temperatura mudou de quente agradável para quente...
reconfortante.
Thomas piscou com uma calma letal.
— Você se sente melhor? — Ele indagou em um tom baixo. Seu olhar ainda me estudava. Eu apenas
assenti com a cabeça, e ele confessou em um tom baixo: — Você me deixou preocupado por um
minuto.
Abracei meus braços.
— Você se preocupou comigo? — Perguntei baixinho.
— É claro. — Ele contraiu sua mandíbula outra vez. — Não há tempo para arranjar outra esposa
falsa.
É claro. Ele não estava preocupado comigo, e sim com o papel que eu exerceria. Eu me encolhi na
poltrona, desejando que eu pudesse ter um travesseiro e um cobertor. Não porque estava frio. Mas
porque eu queria ficar agarrada em qualquer coisa.
— Beckett — Thomas chamou, ainda mantendo aquele tom baixo. Mas seu olhar era tão inexpressivo
e vazio. — Podemos jogar um jogo agora.
Eu pisquei.
— Oh, — apertei os ombros, — qual jogo?
Thomas abriu um pequeno sorriso. Tão vazio e inexpressivo quanto seu olhar.
— Eu não sei. — Ele fez um pequeno sinal de não com a cabeça. — Eu não sou muito bom com
jogos.
Encarei a janela fechada. E imaginei que talvez o céu agora se estenderia em um tapete negro,
forrado por borrões esbranquiçados. Pensei por um minuto em algum jogo que envolvesse apenas
duas pessoas e nenhum tipo de tabuleiro ou peças. E quando existe uma criança de seis anos em sua
casa que fica entediada com muita facilidade, opções de jogos acabam pulsando em sua mente.
— Podemos jogar um jogo de perguntas — ronronei. E Thomas assentiu apenas uma vez, mas
manteve aquele olhar, como se estivesse esperando pela explicação. — É simples, — eu estalei a
cabeça para o lado, — eu irei mencionar um tema e você precisa responder a primeira coisa que vier
a sua cabeça.
Sawyer abaixou a cabeça por um momento. E quando nossos olhares se encontraram outra vez, o
vazio havia se tornado algo um pouco mais preenchido. Ele piscou com calma.
— Você começa.
Eu me remexi outra vez, puxando minhas pernas até abraçar meus joelhos.
— Filme.
— Perca de tempo.
— O quê? — Franzi o cenho. — Você não assiste filmes?
— Não.
Estreitei meus olhos.
— Você não pode estar falando sério.
Thomas ergueu os ombros com desdém. E aquele divertimento frio brilhou em sua expressão.
— Eu estou falando sério.
Estalei a língua. Eu conseguia entender mais e mais porque ele precisava pagar para ter alguém ao
seu lado.
— A próxima palavra é.... Música.
— Prática.
Sério?
— Prática? — Repeti quase sobrepondo sua voz.
Sawyer inclinou seu pescoço para a direita e para a esquerda.
— Existe alguém problema com minha resposta?
— Não — contestei. — É só que... a maioria das pessoas costuma dizer um cantor, um gênero ou até
mesmo o nome de sua canção favorita.
Seus lábios se repuxaram em um sorriso torto. E o azul em seus olhos brilhou.
— Eu não sou como a maioria das pessoas, senhorita Beckett.
Eu não sei porque meu estômago ficou gelado. Mas ignorei aquilo. E aceitei sua resposta patética.
Aquela luz azul estava começando a fazer meus olhos ficarem pesados.
— A próxima palavra é.... — fingi pensar por um momento. — Casa.
— Investimento.
Bufei uma risada. Não era possível. Eu tinha escolhido aquela palavra porque achei que talvez
conseguiria arrancar algum detalhe pessoal sobre ele.
— Quem associa tão rapidamente investimento a palavra casa?
Aquele sorriso debochado cresceu tanto, que seus dentes brancos e retos ficaram à mostra.
— Qualquer pessoa na idade adulta, Beckett.
Revirei os olhos. E percebi que aquilo, mesmo que tivesse sido um momento idiota... eu tinha me
esquecido daquela pequena crise horrorosa que me acertou há alguns minutos antes. E eu quase
agradeci ele. Quase agradeci de verdade. Mas Thomas lambeu seu lábio inferior e perguntou quase
com desdém:
— O que você teria respondido?
— Para filme eu diria Titanic.
Sawyer enrugou a testa. Estava tão quieto e silencioso no jato.
— Por que este filme?
— Porque é meu filme preferido.
— Talvez quando tudo isso acabar, possamos assistir juntos.
Foi minha vez de abrir um sorriso debochado.
— Cuidado Thomas Sawyer, — eu falei sem desviar o olhar, — se você se apaixonar por mim, eu
não me importarei em partir seu coração.
Ele estalou a cabeça para o lado em um sinal contido não. E o azul em seus olhos poderia se misturar
com a frieza da tonalidade da luz quando ele respondeu:
— Meu coração já está partido há muito tempo.

CAPÍTULO 14
Estávamos em uma praia, e a luzes do crepúsculo banhavam a areia de vermelho dourado. Tyler
estava mais lindo do que nunca usando um terno branco, e eu usava um vestido branco de renda,
com uma rosa branca em minha orelha direita se destacando contra meus longos cabelos pretos
cacheados. Estávamos de mãos dadas, caminhando descalços na areia rumo a um pequeno altar
de madeira. Sophie estava lá, brincando de correr com Rufus, e meus pais, posicionados próximos
aos pais de Tyler, nos observavam com brilho nos olhos.
Mãos pesadas chacoalharam meus ombros.
— Beckett. — Aquela voz soou como um trovão me puxando do meu sonho. — Acorde.
Minhas pálpebras pesaram.
— O que você quer? — Resmunguei letárgica, e me remexi dentro do cobertor. Um cobertor macio e
quentinho, que eu não me lembrava mesmo de ter pegado. — Me deixe em paz.
— Estamos quase chegando. — Sua voz insistiu. Em um tom amargo demais. — Você precisa ir se
trocar.
— Eu não quero me trocar. — Murmurei, me aninhando mais contra aquele assento tão confortável.
Thomas rosnou alguma coisa e eu emendei: — Eu quero voltar a dormir.
Passos abafados ressoaram. Eu continuei ali, agarrada a um travesseiro tão macio quanto as nuvens
deveriam ser, que eu também não fazia a menor de ideia de onde havia surgido, mergulhada naquele
zumbido que borrava o silêncio com constância. Mas, eu não me lembrava de ter dormido tão bem
desde que eu tinha me mudado para Nova York. Todo o barulho e movimentação que nunca
cessavam... eu sentia falta daquela quietude. E eu pensei sobre o sonho que eu estava tendo, e desejei
que eu apenas pudesse retornar para ele. Mas em um momento havia um sorriso bobo escorregando
em meus lábios, e no outro momento, um choque de água fria acertou meu rosto. Eu sobressaltei do
assento.
— Que inferno! — Arfei para Thomas. O idiota estava em pé, ao lado daquela mesinha que separava
nossas duas poltronas, segurando uma taça vazia. E a aeromoça observando a cena com os olhos
quase arregalados.
— Como eu estava dizendo, — ele ronronou com escárnio, — você precisa ir se trocar. — Ele
entregou a taça para a aeromoça e assentiu para que ela se retirasse. Seus olhos pareciam mais claros
agora que ele usava um terno azul pálido. — Já estamos quase chegando.
A aeromoça se retirou. Bufei pelas narinas e usei minhas mãos para limpar as gotas geladas que
escorriam em meu rosto.
— Como eu irei me trocar? — Trinquei os dentes.
Thomas abriu um sorriso debochado.
— Você quer que eu te ensine a se trocar Beckett? — Ele me avaliou com seu olhar. Aqueles olhos
azuis brilharam de uma forma felina quando nossos olhares se encontraram outra vez. — Você pode
começar ficando nua.
— Sawyer, seu patético, — ciciei em um tom tão insípido quanto o olhar que eu lhe devolvi, — você
não teria a sorte de me ver nua nem em um milhão de anos.
Ele deixou uma gargalhada rouca escapar. Então passou os dedos daquela mão cor de creme pelos
seus cabelos negros arrumados em um topete impecável, e apontou com a cabeça para a direção
oposta à qual a aeromoça tinha ido.
— Seu traje está no banheiro. — Ele avisou mantendo um tom casual. Eu dei um passo para a direção
que ele indicara, e seus dedos se enrolaram em meu cotovelo. Sua pele era tão macia quanto veludo.
Girei meu pescoço, encarando aquele rosto a quinze centímetros de distância. E só então eu percebi o
quanto Thomas era alto. Ele usou sua mão livre para afastar um fio úmido de cabelo grudado em
minha bochecha direita, e acrescentou: — Me chame se precisar de ajuda.
Grunhi com desprezo. E então retraí meu cotovelo com alguma brutalidade e movi meu torso para a
direita, para longe dele. Idiota.
Eu me dirigi até o final daquele espaço principal do jato e encontrei uma porta branca. Girei a
maçaneta e diante de mim estava o luxuoso banheiro do jato que eu ainda não tinha visto. Havia um
espelho quadrado com bordas douradas, combinando com a torneira dourada da pia de mármore
branco, duas gavetas embaixo da pia e um sanitário que mais parecia uma poltrona. E eu pensei que
aquele banheiro era mais chique do que o da minha própria casa. Afastei o pensamento. Fechei a
porta atrás de mim e acendi a luminária do cômodo. O piso era revestido com um carpete marfim.
Lindo. Enquanto eu usava o banheiro para minhas devidas necessidades, avaliei o traje separado
para mim. Se tratava de um vestido de chiffon cor turquesa, com alças finas e um decote em v. A saia
era longa e esvoaçante, e não havia tecido algum para cobrir as costas. Também havia um colar de
prata com um pingente de diamante, três pulseiras que combinavam com o colar, um par de salto
agulha de tiras finas e delicadas e um frasco de um perfume Chanel. E maquiagem.
Eu me enxuguei com a tolha branca e felpuda que havia ali e retirei meu vestido rosa salmão que
agora parecia um monte de frangalhos perto daquele outro vestido. Coloquei o traje turquesa –
agradecendo de verdade a Deus por não existir nenhum tipo de feixe ou zíper que iria requerer a
ajuda daquele idiota – e calcei o salto. Empurrei pulseira por pulseira contra meu pulso, percebendo
pelo reflexo do espelho como aquela cor recaia bem em minha pele negra, e como aquele vestido
valorizava certas curvas do meu corpo. Meus seios firmes, meu bumbum redondo, minha cintura fina
e meus quadris largos. Curvas que Tyler gostava bastante. Borrifei o perfume em minha nuca, sacudi
meus cabelos, deixando que meus cachos ondulassem pelos meus ombros e pelas minhas costas e saí
do banheiro segurando aquele colar em minha mão direita. E por um segundo, tive a impressão de
que Thomas estava conversando com alguém. Mas eu o encontrei sozinho em sua poltrona, encarando
fixamente uma pequena caixinha vermelha de veludo em sua mão direita. Parei a dois passos de
distância dele.
— Quem escolheu este vestido? — Questionei tentando soar um pouco menos azeda.
Thomas ergueu seu olhar e seu rosto se iluminou por um momento quando ele me viu com aquele
vestido. Com roupas e joias apropriadas, a senhorita seria a mulher mais bonita de qualquer
local. Talvez ele estivesse pensando se tinha cogitado corretamente aquilo. As janelas permaneciam
fechadas, e a luz no interior do jato era amarelo-pálido.
— Eu escolhi o vestido — ele respondeu em um tom preguiçoso, seu olhar caindo para meus seios, e
depois para o colar em minha mão. — Assim como todas as roupas que você irá usar.
Assenti. Eu não sabia o que pensar sobre aquilo. O jato ainda matinha aquela estabilidade que me
fazia ter a impressão de estar sentada no sofá da casa de alguém.
Thomas levou a mão até a mesinha entre os dois assentos para deixar a caixinha sobre a superfície, e
eu percebi que havia uma aliança gorda e dourada em seu dedo anelar esquerdo. A caixinha vermelha
devia comportar a minha. Mas eu não falei nada. Ele se colocou de pé, ajustando os cortes do seu
terno azul pálido perfeito, e gesticulou para que eu me virasse de costas para ele. Virei. E ergui o
colar de prata no ar. Meu futuro marido fictício deu um passo para frente, se posicionando perto
demais de mim, e eu segurei meu cabelo no ar para que ele colocasse o colar em meu pescoço. O
metal gelado fez cócegas em minha pele nua, e quando seus dedos tocaram minha nuca para fechar a
argola, algo gelado trepidou em meu estômago. Soltei meus cabelos e caminhei até meu assento,
fugindo daquilo. Esperei que Thomas se sentasse também e apontei com o queixo para o objeto de
veludo vermelho se destacando contra a mesa de vidro preta.
— O que é isso? — Perguntei por fim.
Ele retomou o objeto e empurrou a pequena tampa para cima revelando o que havia ali dentro. A
aliança tão dourada e gorda quanto a dele não foi uma surpresa. Mas havia um segundo anel ali, de
arco prateado e pedra quadrangular azul, que parecia ter sido forjada pela mesma cor dos olhos de
Thomas. Eu nunca vira uma joia tão bonita, e me perguntei se aquilo era intencional.
—Isso Beckett, — Thomas disse reconquistando minha atenção, — é seu anel de noivado e a aliança
do nosso casamento.
E enquanto ele retirava os dois anéis do compartimento, eu fiz um esforço para manter meu queixo
travado. Eu estava esperando uma aliança, e talvez um anel simples de noivado. Mas aquela outra
joia azul poderia ser o anel de uma rainha. Ele devolveu a caixinha vazia para a mesa e estendeu a
mão esquerda para mim, com a palma virada para cima. E seu olhar cintilante encontrou o meu.
— Posso?
Inclinei meu corpo para frente para colocar minha mão esquerda sobre a sua.
— Claro.
Sawyer não desviou seu olhar do meu enquanto empurrava a aliança dourada contra meu dedo anelar,
e depois o anel da pedra azul. E eu não consegui desviar meu olhar também.
— Agora você é oficialmente Katherine Sawyer, — ele falou baixinho, — minha esposa.
— Sim. — Sussurrei. O jeito que aquele azul ainda fitava meus olhos, o jeito que suas mãos macias e
quentes reivindicaram minha mão esquerda, quase em uma carícia... afastei os pensamentos. Retraí
minha mão e pigarreei. — Eu sou.
Ajeitei meu corpo na poltrona e puxei o cinto de segurança me preparando para a aterrissagem do
jato.
E me perguntei o que me aguardava agora que eu seria a esposa de Thomas Sawyer.

CAPÍTULO 15
No momento em que alcancei o primeiro degrau da escada, meus pés travaram. A luz dourada e
quente do sol ricocheteara meus olhos por uns instantes, e agora que eu realmente conseguia ver o
que se estendia a cem metros do jato.... Eu não sabia como respirar.
A propriedade ia muito além do que eu jamais poderia ter imaginado.
A mansão que parecia ser de puro gesso desabrochava em tantos cômodos divididos em dois
andares, que eu não seria capaz de contar apenas pelas varandas e pelo número extravagante de
janelas. Uma área externa circundava toda a construção, e um jardim com gramado capim verde-
limão escorregava pelas laterais da casa, com arbustos e mais arbustos de rosas e magnólias. Havia
uma piscina flanqueando quase toda a lateral esquerda da casa, e nos fundos da construção tão
branca, o horizonte se perdia em colinas que começavam a engolir o sol. E o cheiro. Era tão cítrico.
Tão diferente do odor esfumaçado de Nova York.
— Algum problema? — A voz de Thomas ressoou de algum lugar. Pisquei. E me lembrei que ele
estava ali no pé da escada aguardando por mim.
Balancei a cabeça indicando que não. E precisei lutar contra a oscilação em meus joelhos para
descer degrau por degrau, sentindo um vento fresco soprar meus cabelos e balançar o tecido do meu
vestido.
Alcancei o último degrau e Thomas estendeu a mão direita para mim. Toda aquela claridade do
poente fazia sua pele reluzir como mármore polido.
— Está pronta? — Ele perguntou em um tom inexpressivo quando minha mão tocou a dele. Murmurei
que sim, e seus olhos azuis demais giraram nas órbitas quando ele acrescentou: — Ótimo. — Sua
garganta oscilou. — Porque minha família está aguardando.
Eu não tinha percebido aquilo. Eu não tinha percebido que duas mulheres e um homem estavam em pé
em um dos jardins frontais da propriedade. Eu me ajeitei ao lado de Thomas, envolvendo seu
antebraço direito conforme ele pedira, e começamos a caminhar. Pássaros chilreavam e a grama
farfalhava sob nossos pés. O jato ficava para trás, e a mansão se aproximava. E passo por passo, eu
notei que Thomas ficava mais rígido. Que uma tensão estava nublando aquela arrogância que eu
conhecia. E aquilo não era bom porque ele não podia estar nervoso. Agora que sua família já estava
sorrindo, era tarde demais para desistir. E o sucesso daquele plano dependia exclusivamente da
confiança daquele homem. Respirei fundo. Era hora de começar a mostrar para Thomas que eu estava
preparada e disposta a executar minha parte da melhor maneira possível.
— Seus pais se chamam Michael e Christine Sawyer, — sussurrei mantendo meu sorriso para que
sua família não percebesse que eu estava conversando. Ambos encarávamos aquela mesma direção.
— Sua irmã é três anos mais nova que você e se chama Amelia. Você tem 2 tios por parte de pai,
Jackson e Edmund Sawyer, assim como uma tia de nome Charlotte. E é deste lado da família que vem
o sobrenome poderoso. Sua mãe tem apenas uma irmã viúva chamada Lilian. No total você tem 9
primos, e três deles já são casados e têm filhos.
— Bom trabalho, Beckett. — Ele sussurrou de volta e já estávamos a meros cinco metros dos seus
pais e da sua irmã. — Talvez eu deva te pagar um pouco mais por isso.
Deixei um risinho escapar. Tímido e contraído, e apertei meus dedos contra seu terno impecável.
Inspirei uma última vez, e os ruídos de conversas e risadas atingiram meus ouvidos. Mas antes de
alcançarmos sua família, Thomas inclinou a cabeça para o lado e me encarou uma última vez.
— Não importa o que acontecer, — ele cochichou discretamente, — não abaixe sua cabeça para
ninguém.
Um calafrio gelado reverberou em minha espinha. E não tive tempo de investigar sobre aquilo,
porque estávamos agora diante da mãe de Thomas, com os braços abertos reivindicando um abraço
do seu filho.
— Meu filho, — ela falou em um tom doce como mel, — que alegria em te ver.
Eu dei um passo para o lado para que os braços dela envolvessem o corpo do filho. As pulseiras de
ouro e os anéis em seus dedos reluziram, se destacando contra seu vestido vermelho como rubi que
se acentuava em seu corpo esbelte. Seus cabelos louro-mel eram mortalhas lisas que acabavam nos
ombros, presos por pentes de diamantes. Os olhos eram do mais puro âmbar, tracejados por um
amarelo dourado.
— Estou feliz em vê-la também, mãe. — Thomas disse afastando a mulher do abraço. Usando um tom
tão gentil que eu mal o reconheci por um momento.
— Eu não ganho um abraço, Thommy? — A moça mais jovem choramingou.
Amelia Sawyer. A versão mais nova da sua mãe, perfeitamente esculpida. O nariz pequeno e
delicado, os olhos naquela mesma tonalidade banhada pelo outono, e lábios grossos pintados por
vermelho sangue.
— É claro que sim, — Thomas retrucou, com aquele mesmo tom gentil, e a puxou para um abraço. —
Minha querida irmã. — Ele disse com a moça afundada em seu peitoral. — Eu nem acredito que
você esteja se casando.
Amelia abriu a boca para responder, mas aquele outro homem entrou em sua frente e me avaliou de
cima a baixo.
— E esta bela moça, quem é?
Era dele que Thomas tinha herdado toda a aparência etérea. Michael possuía cabelos negros como os
de Thomas, olhos azuis como o céu de verão, e uma postura robusta como a do próprio filho.
Christine se colocou ao lado do seu marido. Vozes alegres ressonavam do interior da mansão.
— É verdade meu filho. — Ela me olhou e depois olhou para Thomas. — Onde estão seus modos?
Meu marido de mentira soltou uma risada rouca e me puxou, entrelaçando seu braço direito em minha
cintura. Seu corpo era tão sólido.
— Mãe, pai, Amélia..., — Thomas disse estufando o peito, — esta é Katherine. Minha esposa.
Os três olharam para mim. E eu me obriguei a esboçar um sorriso para que eles não suspeitassem que
meu coração tinha parado de bater em meu peito.
— Devo dizer, senhorita, — o pai de Thomas foi o primeiro a falar diretamente comigo, mantendo o
tom mais cortês que eu já tinha escutado em toda a minha vida, — eu disse que só acreditaria que
meu filho está casado se eu visse sua esposa com meus próprios olhos. — Ele estendeu a mão em
minha direção, oferecendo um cumprimento. Mas quando meus dedos se encaixaram contra sua palma
tão suave quanto seda, ele se inclinou e deu um beijo em minha mão. E então, aqueles olhos azul-
celestial encontraram os meus. — E agora que a vejo, estou de fato encantado.
Calor rastejou por minhas bochechas. E agradeci por Thomas estar mantendo aquele braço em minha
cintura. Talvez ele já soubesse que seu pai era tão cavalheiro, que eu poderia cair no chão de
verdade depois da nossa apresentação. Nossas mãos se soltaram.
— Seja bem-vinda a família, minha querida, — a mãe de Thomas falou, e se posicionou em minha
frente. Thomas por fim me soltou, permitindo que ela me abraçasse. Seu cheiro era como um mar de
orquídeas. Ela me afastou pelos ombros apenas para olhar em meus olhos e completar: — É muito
reconfortante saber que meu Tom já não está mais sozinho.
Thommy, Tom... quantos apelidos ele tinha?
Eu sorri outra vez. E notei que eu ainda não tinha dito uma palavra. Abri a boca para falar que era um
prazer conhece-los, e que Thomas era um homem maravilhoso e todas as baboseiras que eu
supostamente deveria mencionar, porém eu encontrei aqueles olhos amarelo dourados mais joviais. A
irmã caçula que enrugara o cenho para mim, mantendo suas mãos pendidas pelas laterais do seu
vestido justo cor de fúcsia. A forma que ela olhava para mim, especialmente para minha mão, com os
olhos franzidos como se já soubesse que tudo aquilo era uma farsa, fez meu sangue esfriar.
— Oh. Meu. Deus. — Ela cantarolou por fim, quando algo esplendido pareceu cruzar seu rosto. E ela
deu um passo para frente e puxou minha mão esquerda para si. — Este é um Oppenheimer?
Eu não fazia a menor ideia do que ela estava falando.
— É claro que não Amelia. — Thomas contestou com aquela velha arrogância gélida que eu
conhecia. — Não é um Oppenheimer. — Um sorriso viperino se curvou em seus lábios. — É o
Oppenheimer, único e exclusivo.
Michael abraçou sua esposa pelo ombro, e a mãe de Thomas sorriu por algum motivo. Amelia quase
esmagou minha mão com aqueles dedos pequenos e franzinos. Ela era delicada como uma begônia,
mas aquela joia em meu dedo parecia despertar um instinto animal nela.
— É lindo, Thommy. — Ela falou sem desviar os olhos do anel. — Eu me esqueci de como você
tinha bom gosto.
Christine limpou a garganta. E então Amelia sacudiu a cabeça e ergueu o rosto, voltando a me
encarar. Seus olhos cor de âmbar encontraram os meus, e um sorriso que fez seus olhos brilharem
cresceu em seu rosto.
— Oh, me perdoe Katherine. — Ela disse em um tom educado. — Eu fiquei tão surpresa pelo anel
que até me esqueci de cumprimenta-la. — Amelia inclinou seu corpo para me dar um abraço, mas ela
mal encostou em mim. Quase como se estivesse com nojo. — É um enorme prazer conhece-la.
Eu recuei um passo para trás, voltando a ser acolhida pelo meu marido.
— O prazer é todo meu — eu falei olhando cada um. Michael. Christine. Amelia. — Thomas me
disse coisas maravilhosas a respeito de todos vocês.
A mão direita de Thomas se acentuou sobre minhas costelas esquerdas. Amelia empurrou suas
madeixas louras para trás dos ombros.
— Que belo sotaque. — O pai de Thomas comentou em um tom casual. — De onde você é, minha
querida?
— Inglaterra — informei. E estava tudo bem dizer a verdade pelo menos sobre minha origem. Eu não
saberia manter um sotaque falso por muito tempo. — Eu nasci lá, mas me mudei com 15 anos para
Seattle. Nunca perdi o sotaque.
Eu não sabia o que era mais estúpido. Aquela história ou os pais de Thomas sorrirem como se
estivessem acreditando. Os pais. Porque Amelia me olhava como se soubesse que eu era uma
bijuteria no meio de um baú de joias preciosas.

Entrar na casa foi como cruzar um enxame de abelhas pomposas. Era um emaranhado de pessoas
usando trajes finos e elegantes que saíam de todos os cantos para abraçarem a Thomas, e
arregalavam os olhos ou arfavam com o mais puro espanto quando eu era apresentada a eles. Quase
como se Thomas fosse um homem amaldiçoado por algum feitiço que o impedia de se casar. E aquele
anel em meu dedo parecia chamar tanta a atenção deles quanto todo aquele luxo chamava a minha.
Tantos homens e mulheres de diferentes idades e aparências nos cumprimentaram, que eu perdi a
conta. Primos e primas, tios e tias, amigos da família, damas de honra, padrinhos do noivo.... Ainda
bem que eu não precisava decorar o nome de todos eles. Minha cabeça explodiria antes que eu
chegasse na metade.
Depois de quase uma hora de apresentações, por fim fomos conduzidos por um empregado até os
nossos aposentos. Cruzamos um grande salão principal, flanqueado por janelas de vidro e cortinas de
seda, com um lindo piano branco no centro. Subimos a escadaria que se dispunha em degraus
forrados por um carpete de veludo e corrimões de ouro, e alcançamos o andar superior. E depois de
um corredor extenso que abrigava muitos cômodos dos dois lados, chegamos ao quarto em que
ficaríamos.
A mobília do quarto poderia pertencer a um hotel que excederia cinco estrelas. Havia uma cama que
ocuparia quase toda a sala do apartamento de Tyler, forrada por colchas brancas que combinavam
com as cortinas. Dois criados-mudos de carvalho denso estavam dispostos nas laterais da cama, e de
frente a ela, duas janelas eram separadas por uma porta de vidro que levava a uma varanda. Uma das
paredes era ocupada por uma estante preenchida por livros, e perto dela ficava uma mesa com duas
cadeiras e um imenso sofá de couro branco.
O closet ficava entre a cama e uma penteadeira extensa, e do outro lado havia um banheiro adjacente
– composto por uma pia de louça branca, dois vasos sanitários de mármore pálido e um chuveiro
oposto a banheira de hidromassagem encrustada no chão.
— Os empregados de minha mãe são de fato eficientes — Thomas anunciou observando o interior do
closet. — Todas as nossas coisas já estão aqui.
— Bom. — Ronronei. E me sentei na cama.
Oh, seria preciso um guindaste para me tirar dali.
Era tão macia, que eu passaria aquelas duas semanas deitada sem reclamar. Só havia um problema:
meu estômago. A fome tinha se tornado um aperto cruel. Eu estava sem comer há quase 24 horas
porque o idiota do Sawyer me privou da comida do jato.
— Eu estou morrendo de fome. — Avisei. Thomas fechou as portas do massivo closet e se virou para
mim. — Quando será servida alguma coisa para comer?
Ele estalou a língua.
— Acabamos de chegar e você já quer comer?
Inclinei meu corpo apenas para pegar uma almofada e a arremessar contra ele. Ele aparou a
almofada.
— Sim. — Eu bufei. — E a culpa é toda sua.
— Minha? — Thomas indagou com esgar e arremessou a almofada de volta. Eu desviei. — Se não
me engano, — ele afastou uma poeira invisível do seu terno, — eu lhe ofereci uma opção. Você que
foi orgulhosa demais.
Soltei um grunhido frustrado.
— Sério, Sawyer — murmurei. — Eu preciso comer alguma coisa.
— Bem, — ele enfiou pretensiosamente as mãos no bolso, — se você se desculpar por ter me
chamado de todas aquelas coisas, eu a levo para fazer uma refeição.
Deixei que meu corpo tombasse contra a cama, e fiquei de barriga para cima encarando o teto. O
lustre de cristais reluzindo logo ali no centro.
Ah, eu estava com tanta fome para permanecer naquele joguinho idiota.
— Está bem. — Soltei um suspiro prolongado. — Você não é hipócrita.
— E?
Revirei os olhos. Ergui meu tronco usando meus cotovelos para me apoiar na cama e olhei para
aquela cara debochada a dois metros de mim.
— E eu peço desculpas se o ofendi. — Falei fazendo um certo esforço. — Feliz agora?
Thomas abriu um sorriso crapuloso.
— Minha querida esposa — ele ronronou estendendo a mão direita em minha direção, — permita-me
te levar para se alimentar.
E eu permiti. Mas antes, conferi meu celular. Só havia uma mensagem de texto, e era da minha mãe,
que acreditava que eu estava viajando para um treinamento da empresa. Aquilo fez algo ficar
apertado em meu peito.
E eu acabei enviando duas mensagens.
[Ava 19h41] Oi mãe. As coisas estão ótimas. Não se preocupe.
[Ava 19:42] Ei, Tyler...você tinha que ver como todas essas pessoas são ridículas.

Somente quando estávamos no topo da escadaria prestes a descer outra vez para o salão, eu percebi
quantas pessoas havia ali. Cerca de uns 70 convidados, reunindo crianças e adultos, empoleirados
com toda aquele esplendor e glamour em mesas douradas de quatro assentos. E elas riam e
conversavam em tons baixos e educados, fazendo suas refeições que eram servidas por garçons
usando trajes brancos. Se o quarto poderia pertencer a um hotel de luxo, aquele salão poderia ser o
saguão reservado para a primeira classe do navio Titanic.
Todas elas ficariam naquela casa por duas semanas?
— Estas pessoas não trabalham? — Cochichei para Thomas enquanto descíamos os degraus. Minha
mão direita enrolada no antebraço esquerdo de Sawyer. — Quer dizer, todas elas vão ficar aqui todo
esse tempo?
Meu marido de mentira deixou uma pequena risada escapar.
— Eles são ricos, Beckett. — Ele retrucou em um preguiçoso acenando com a cabeça para alguém.
— Eles podem ficar aqui um ano se quiserem.
Pisquei. E desejei que um dia eu fosse rica daquela forma.
Thomas me explicou que como aquela era a primeira noite de recepção, não haveria nada de
especial, porque muitos dos que ali estavam desejavam descansar e se preparar para as agitadas duas
semanas que viriam. Mas, o restante dos dias estava lotado de jantares e atividades comemorativas
seguindo os padrões da família Sawyer.
Alcançamos uma das mesas redondas com quatro cadeiras que se dispunham pelo salão. Havia
guardanapos de seda e taças de cristal organizadas pela mesa, assim como pratos de louça branca e
talheres que poderiam ser de prata. Thomas puxou uma das cadeiras para mim de forma tão sutil, que
eu me perguntei como ele podia ser o mesmo homem que tinha chutado minha mala. Ele contornou a
mesa e sentou de frente para mim. 20 segundos depois um garçom apareceu e nos entregou dois
cardápios.
— Isso é bem diferente do que imaginei. — Confessei em voz alta analisando as opções do cardápio.
Havia listas de entradas, acompanhamentos, pratos principais, sobremesas e bebidas.
Thomas pigarreou em repreensão. Eu quase revirei os olhos.
— Digo, — abri um sorriso falso para Thomas, — têm mais opções do que imaginei.
Meu marido de mentira me olhou por cima do cardápio estreitando os olhos. O garçom apenas
observava em silêncio, enquanto a movimentação do salão se perdia em ruídos dos talheres
metálicos, conversas baixas e alguns passos abafados contra o piso de mármore da mansão.
— Eu vou querer a lagosta — Thomas disse por fim fechando o cardápio. — E vinho branco para
minha esposa e eu. — Ele estendeu o cardápio para o garçom, mas seus olhos fitaram os meus. —
Ela não gosta de bebidas fortes.
Franzi a testa.
Como ele sabia daquilo?
— Mmm... — Murmurei fechando o cardápio também. — Eu vou querer o pato recheado.
O garçom inclinou de leve seu corpo em minha direção, apenas para pegar o cardápio das minhas
mãos.
— Excelente escolha, madame — ele disse em um tom cortês e se retirou.
Apoiei meus antebraços sobre a mesa, deixando que minha pele exposta sentisse a frieza do forro de
seda dourado e encarei Thomas. Ele estava com um olhar inexpressivo e com os lábios rosa mousse
quase relaxados em um sorriso.
— Como sabia que eu não gosto de bebidas fortes? — Indaguei.
— É simples. — Ele retrucou em um tom preguiçoso e levou sua mão direita até a minha mão
esquerda por cima da mesa. — Você não gostou do Whisky o dia que estava em meu apartamento.
Oh. Ele se lembrava daquilo?
— E o que pensa que está fazendo? — Questionei tentando puxar minha mão de debaixo da dele.
Ele apertou com força.
— Minha mãe está quase atrás de você — Thomas avisou tentando ser discreto. — Finja que estamos
de mãos dadas.
Arrastei minha mão livre até sobrepor a dele, apenas para que eu pudesse beliscar aquela pele cor de
creme e vê-lo disfarçando a dor. E eu sorri. Sorri de verdade.
— Queridos... — Christine ronronou ao se aproximar. — Vocês ficam tão lindos juntos.
Virei meu rosto para a direção dela.
— São seus olhos. — Afirmei.
— Tudo está bem com vocês? — Ela perguntou colocando uma mão em meu ombro. Tão leve e
delicada quanto uma carícia de primavera. — Vocês gostaram de suas acomodações?
Soltei a mão de Thomas para sobrepor a mão macia de Christine em meu ombro.
— Tudo está perfeito, senhora Sawyer. — Pisquei com calma. — Muito obrigada por perguntar.
Eu nunca havia sido tão falsa em toda a minha vida.
Christine apertou levemente minha mão, sorriu para seu filho e se afastou. E quando meu olhar
encontrou outra vez o de Thomas, aquele azul estava brilhando com arrogância. E ele bufou uma
risada.
— Não diga uma palavra. — Rosnei, passando as mãos pela saia do meu vestido. — Eu só estou
cumprindo meu papel.
— Eu não disse nada, querida. — Ele retrucou com escárnio. — Pato recheado..., — ele estalou a
cabeça para o lado, — eu não sabia que gostava de carnes tão nobres.
Eu o ofereci um olhar muito porco.
— Está me chamando de sem classe, Sawyer?
— Eu não disse isso. — Um canto de sua boca curvou-se. — Embora você seja.
Debrucei meu corpo sobre a mesa, e meu decote atraiu aquele olhar por alguns segundos. Abri um
sorriso debochado e cantarolei:
— Vá se foder, Thomas Sawyer.
Ele devolveu o sorriso debochado.
— Que boquinha suja minha esposa tem. — Ele lambeu seu lábio inferior. — Eu me pergunto o que
mais ela sabe fazer.
Murmurei um xingamento que apenas apoiava aquela declaração sobre mim, e trinta segundos depois
o garçom retornou trazendo nossa comida. As bandejas foram posicionadas entre Sawyer e eu, e o
cheiro cítrico e salgado castigou meu estômago. Eu mal esperei que o garçom servisse nossas
bebidas para começar a comer. Pelo menos eu tinha dedicado algumas horas para aprender como
usar todos aqueles talheres que se enfileiravam a direita e a esquerda do meu prato. Levei a primeira
garfada até minha boca e gemi de verdade. Thomas contorceu o rosto com aversão, mas eu não me
importei. Eu não sabia se era a fome, mas aquela carne tão suculenta reduzia grande parte de tudo que
eu já tinha consumido em algo sem graça demais. Exceto pela comida da minha mãe.
O som dos talheres raspando contra a louça foi tudo que preencheu o silêncio entre Thomas e eu
enquanto comíamos. Mas ainda que meu pato estivesse tão saboroso, assim como os camarões que eu
roubei do acompanhamento de Thomas, eu teria gostado que naquele cardápio existisse a opção de
um hambúrguer muito engordurado e batatas fritas.

Finalizamos a refeição e o mesmo garçom retornou para recolher a louça e nos oferecer sobremesa.
Thomas apenas pediu por uma dose de Whisky, e eu aceitei um pudim de chocolate. E, enquanto eu
fazia um esforço para não enfiar o dedo naquele pequeno recipiente de cerâmica para poder lamber
mais do pudim, Amelia se levantou do seu assento quase no centro de salão e bateu com um talher em
uma taça de vidro. 30 segundos depois, todos os convidados estavam em silêncio e com a atenção
direcionada a ela.
— Queridos familiares e amigos aqui reunidos, — ela saudou em um tom casualmente educado, —
estou muito feliz pela presença de todos vocês. — Ela sorriu e seus olhos cor de âmbar cintilaram.
— Devo dizer que esta ocasião é duplamente especial para mim.
Uma pequena salva de palmas eclodiu no salão.
— Além da alegria pelo meu casamento — ela prosseguiu, — meu coração está repleto de felicidade
por receber em nossa família Katherine, a esposa de Thomas.
Oh não.
O sangue parou de correr em minhas veias quando Amelia pegou aquela mesma taça que ela usara
para pedir por silêncio e a apontou em minha direção. E um segundo depois, todos os convidados
estavam olhando para a mesa em que Thomas e eu estávamos.
— Gostaria de dizer algumas palavras, querida? — Amelia indagou. E eu quase vi uma loba por
baixo daquela ovelha branca e elegante.
Thomas assentiu para mim em um gesto encorajador. Engoli em seco e lutei contra o tremor em
minhas pernas para me colocar de pé. Forcei um sorriso. E não encarei ninguém em específico para
dizer:
— É um enorme prazer estar aqui. — Minha voz soou um pouco abafada. — Eu mal posso esperar
para conhecer melhor cada um de vocês.
Aquelas palavras não eram minhas. Thomas mencionara que em algum momento alguém citaria nosso
casamento e me ofereceria a chance de falar alguma coisa, e quando o momento chegasse, eu só
precisava dizer aquilo. Era sucinto e educado.
— Sendo assim, — Amelia voltou a falar, erguendo aquela taça no ar, — um brinde ao meu
casamento e a reunião da família.
Eu me sentei e peguei minha taça para poder brindar com Thomas. E quando todos os cristais se
chocaram e tilintaram no ar, Thomas abriu um sorriso orgulhoso para mim.
— Nada mal, querida.

Depois daquele brinde, retornamos de mãos dadas para o quarto. Na verdade, fizemos isso apenas
até que o corredor nos engolisse. No exato instante em que já não havia olhares sobre nós, soltamos
as mãos e deixamos aqueles personagens no salão.
Entramos no quarto.
Eu me sentei na cama e comecei a retirar aquela sandália de salto. Enquanto eu me livrava do sapato
esquerdo, Thomas caminhou até o closet e pegou um pijama azul de seda dobrado. Então, inclinou
seu corpo e abriu uma das gavetas. E eu fingi que não notei ele escolhendo um conjunto de renda.
Cruzei o tornozelo direito sobre o joelho esquerdo. Meu marido parou a três passos de distância.
— Isso é para você. — Ele anunciou balançando aquele pijama em suas mãos. — Eu quero que
durma confortavelmente.
Estreitei os olhos e expulsei aquela outra sandália. Meus pés agradeceram. Eu me coloquei de pé
para pegar o pijama de suas mãos, e Thomas gesticulou para que eu rodopiasse.
— O quê? — Grunhi.
Ele abriu aquele meio sorriso.
— O colar.
Eu tinha me esquecido daquele colar. Era tão leve, que eu mal o sentia em meu pescoço. E com toda
a atenção que o massivo anel azul recebera, eu mal me lembrei daquela outra joia em meu pescoço,
assim como as pulseiras incrustadas por diamantes em meu pulso. Girei. Ergui meu cabelo no ar.
Uma de suas mãos tocou minha nuca com delicadeza, e um instante depois o colar escorregou para
fora do meu pescoço. Girei outra vez. Ignorei aqueles olhos azuis tão perto, e aquele cheiro com
acordes condimentados e couro aveludado retumbando em minhas narinas. Não agradeci. Peguei o
pijama de suas mãos e marchei para o banheiro. Se ele soubesse como eu preferia mil vezes dormir
usando apenas uma calcinha e uma das camisas de Tyler, não teria se esforçado tanto. Mas por outro
lado, quanto mais vestida eu estivesse, menos provável era que ele desse em cima de mim.
Eu me demorei naquele banho. A roupa íntima de renda era confortável e sensual, e eu desejei que
Tyler pudesse me ver com aquilo. Talvez eu tirasse uma foto em algum momento e enviasse para ele.
Coloquei o pijama e percebi que eu poderia me acostumar com a suavidade daquele tecido frio
roçando contra minha pele.
Saí do quarto. Thomas murmurou que eu tinha demorado demais, mas eu o ignorei. Eu me afundei
naquele ninho suave de colchas e travesseiros sobre a cama e peguei meu celular. Praguejei ao notar
que o aparelho estava descarregado. Encontrei meu carregador depois de alguns minutos fuçando o
massivo closet, não prestando atenção em todos os trajes pendurados nos cabides. Conectei o
aparelho na tomada ao lado da cômoda da cama, e aguardei que carregasse o suficiente para que pelo
menos ligasse.
E enquanto eu fazia isso, Thomas saiu do banheiro. Usando um pijama de seda azul exatamente igual
ao meu.
— Você deve estar brincando. — Murmurei encarando aqueles olhos azuis. — Nossos pijamas são
da mesma cor?
— Não. — Ele cantarolou com esgar enquanto cruzava o quarto. — Meu pijama é cor de rosa. — Ele
estralou o pescoço de um lado para o outro. — Não está vendo?
Grunhi com desprezo. Idiota.
Meu celular vibrou atingindo alguma carga, e eu pressionei o botão para que ele ligasse. Thomas
percorreu o quarto fechando aquelas cortinas brancas, escondendo a escuridão que serpenteava
adiante das janelas de vidro. A tela do meu celular ficou acesa em minha mão, e uma notificação de
Tyler apareceu ali.
[Tyler 20h51] Sinto muito pelo sumiço. Eu estava resolvendo algumas coisas. Sem você aqui é difícil
não pensar no emprego que eu perdi.
[Ava 22h48] Não se preocupe. Usaremos o dinheiro deste idiota para que vocês tenham tempo de
encontrar outro emprego.
Coloquei meu celular sobre aquela cômoda. E me sentei outra vez, sem olhar para Thomas.
— Katherine? — Ele chamou em um tom baixo. Provocativo.
Eu não respondi. Soltei um arquejo e me deitei na cama, puxando as colchas até cobrir meu corpo. Eu
me senti em uma lagoa de plumas. Estendi a mão e apaguei o abajur do meu lado.
Passos abafados soaram. E pararam do outro lado da cama. E então, eu percebi um travesseiro sendo
puxado. E outro. As colchas sendo empurradas e o corpo dele afundando o colchão ao meu lado.
— O que está fazendo? — Rosnei sem me virar para ele. — Não iremos dormir juntos.
— Dormir na mesma cama não é a mesma coisa de dormir junto — ele retrucou. Sua voz estava perto
demais.
E aquele abajur dourado que ficava sobre a pequena cômoda de carvalho do lado em que ele estava
foi apagado.
Não mesmo. Nem em pensamento dividiríamos a cama. Eu me levantei, caminhei batendo os pés até
seu lado da cama e acendi seu abajur.
— Sério? — Ele resmungou. Seu corpo já estava aninhado sob as colchas. — Vai começar com isso
das luzes outra vez?
Eu o fuzilei com meu olhar.
— Sim. — Cruzei os braços sobre o peito. — A menos que você vá se deitar no sofá.
Thomas grunhiu com desprezo, rolou para o lado e cobriu sua cabeça com um travesseiro.
— Thomas. — Rangi os dentes. — Eu estou falando sério.
Ele me ignorou. Eu insisti outra vez. E outra. E outra. Então ele afastou aquele travesseiro da sua
cabeça e saiu da cama. Um segundo depois, Thomas me empurrou contra a parede mais próxima,
mantendo meus pulsos presos acima da minha cabeça. Seu corpo era grande como uma muralha, o
torso quase esmagando meus seios, e o azul em seus olhos agora poderia ser azul-ira. Meu coração
sibilou.
— Deixe-me ser claro, Beckett — ele falou com uma voz mais fria do que a morte, —você não dita
as regras aqui. — Ele inclinou sua cabeça, e seu hálito fresco roçou minhas bochechas. — Eu irei
dormir na cama, e se você tem um problema com isso, fique à vontade para dormir no sofá. — Seus
dedos apertaram com mais força meus pulsos. — Você entende?
Desgraçado. Se não fosse pela demissão de Tyler... eu cuspiria naquela cara arrogante.
Um aceno de cabeça foi a única coisa que ofereci a ele.
— Ótimo. — Ele afastou sua cabeça, ainda mantendo meus pulsos presos. — Porque ao contrário de
você, eu não dormi naquele jato.
Então ele afrouxou seus dedos e deu um passo para trás. Eu permaneci ali, calada e tremendo de ódio
por dentro enquanto ele se encaixava outra vez na cama, apagava o abajur e se preparava para
dormir.
Avaliei o sofá. Parecia confortável. Caminhei até o lado livre da cama, peguei um travesseiro e uma
colcha. Thomas estalou a língua com desprezo, e eu murmurei o xingamento mais sujo que eu
conhecia de volta.
Eu me afundei no sofá. Era macio, mas não tão aconchegante quanto a cama. Talvez eu pudesse
esperar até que Thomas dormisse e depois me deitasse na cama, e me levantasse pela manhã antes
que ele acordasse, e retornasse para o sofá o fazendo acreditar que eu tinha mesmo dormido ali.
Era um plano perfeito.

CAPÍTULO 16

Eu nunca dormira tão bem em toda a minha vida.


Aquela suavidade extrema estava quase me afogando. Eu me dei alguns instantes para que meu corpo
despertasse, deixando que aquele emaranhado de plumas e colchas me abraçasse. Espreguicei. E meu
corpo estava tão relaxado que foi como se eu tivesse dormido de fato em uma cama grande, macia,
espaçosa e confortável ao invés de ter dormido em um sofá.
Espere um minuto.
Abri os olhos. Eu estava na cama. E eu não me lembrava de ter ido para a cama. Eu me virei para o
lado em um solavanco, e percebi que Sawyer não estava ali. Na verdade, a outra metade do colchão
estava tão bem arrumada, que nem sequer parecia que ele tinha se deitado ali na noite passada.
Contorci o rosto.
— Thomas? — Chamei com a voz perdida em rouquidão. Limpei a garganta. — Você está aqui?
Silêncio total. Eu me remexi na cama outra vez e peguei meu celular agora totalmente carregado. O
relógio acusava 9h55 da manhã. Não havia mensagem alguma de Tyler. Um aperto se formou em meu
coração, porque talvez ele fosse relutar em aceitar o dinheiro. Mas não era justo que ele enfrentasse
nenhum tipo de dificuldade financeira. Especialmente quando eu só estava ali por causa dele.
Abri meu Instagram.
E rolei o feed, apenas por hábito.
Algumas fotos deslizaram em minha tela. Fotos que Ian postara em uma festa, que aparentemente tinha
acontecido na noite anterior. Eu nem sei como eu tinha chegado no perfil dele. Havia um espaço
tumultuado, e alguém que possuía cabelos encaracolados cor de mel. Fiz menção de dar um zoom
para investigar se aqueles cabelos pertenciam a quem eu imaginava pertencer, e a porta do quarto
rangeu se abrindo. Ergui o olhar. Thomas entrou no quarto, usando uma blusa branca de mangas
curtas e um short cinza pálido. E tênis brancos. Era um traje esportivo, eu percebi. Seus cabelos
estavam bagunçados, e ele estava vermelho e suado.
— Onde você estava? — Murmurei.
— Oh — Thomas ofegou fechando a porta atrás de si. — Então você é do tipo de esposa ciumenta?
— Ele deu dois passos para frente e colocou as mãos nos quadris. Seu peito subia e descia rápido.
— Devo dizer, eu não gosto muito disso.
— Eu não estou com ciúmes de você, seu idiota — retruquei azeda. — Só estou perguntando porque
você está ridículo com essas roupas.
Mentira.
Ele não estava ridículo, pelo contrário. As mangas curtas da camiseta exibiam músculos muito fortes
em seus braços. E como ele sempre estava usando roupas sociais, eu não tinha reparado aquilo ainda.
Thomas bufou uma risada e olhou para a direção das janelas ainda engolidas por aquelas cortinas
brancas.
— Eu estava correndo.
Enruguei o cenho.
— Você corre?
— Sim, Beckett. — Ele confirmou passando as mãos em seus cabelos bagunçados. Foi um gesto
involuntário para ele, e por causa daqueles bíceps gloriosos, sensual para mim. — É um ótimo
exercício.
— Claro. — Resmunguei afastando aquele pensamento.
Mas continuei estudando Thomas. Ele caminhou até aquela mesma janela que observava e empurrou
a cortina. Um raio de luz branca e cintilante cruzou o quarto.
— As garotas estão tomando sol na beira da piscina — Thomas comentou em um tom preguiçoso
depois de fechar a cortina e se virar para mim. — Você deveria se juntar a elas.
Sua pele parecia mais clara naquela manhã.
— Não, obrigada. — Retorqui. E só então eu me lembrei do celular em minhas mãos. Do Instagram
de Ian. Da foto suspeita. — Não estou interessada.
— Você não está aqui para passar o dia inteiro mexendo em seu celular. — Ele contrapôs. — Você
deveria se socializar com as mulheres da minha família.
Mas minha atenção estava fixa naquela foto. Especialmente depois daquele zoom que revelava Tyler
naquela festa. Talvez ele tivesse saído para tentar espairecer. Eu entendia aquilo. Uma noitada com
amigos era uma forma interessante de lidar com dias ruins. Afogar os problemas em álcool. Eu já
tinha feito aquilo muitas vezes. Mas uma dorzinha aguda cortou meu coração quando reconheci outra
pessoa perto demais de Tyler. Claire.
— Não quero socializar com mulherzinhas — falei procurando por mais fotos.
— Mulherzinhas? — Thomas bufou. — O que quer dizer com mulherzinhas?
Eu abri a boca para responder, mas eu alcancei aquele outro perfil. Daquela mulher de cabelos louro
dourados e olhos azuis demais. A última foto em seu perfil era da festa. E eu queria ignorar aquilo,
mas o primeiro comentário vinha do usuário de Tyler e dizia que a companhia dela tinha sido melhor
do que a festa.
Meu sangue ferveu. Thomas pigarreou insistindo em sua pergunta, e eu larguei meu telefone sobre a
cama. Eu não queria pensar no que aquele comentário poderia significar. O apoio de uma ex que
agora era sua amiga? Ou o início de um reatamento agora que eu estava longe?
Não. Afastei os pensamentos.
Ergui meu torso e me sentei de pernas cruzadas na cama. Encarei Thomas.
— Você não conhece as mulheres da sua família, não é verdade?
Thomas caminhou até o closet e pegou um roupão branco, com as iniciais T e S bordadas de dourado
na altura do peito.
— Você por algum acaso conhece? — Ele devolveu.
Revirei os olhos. Eu não precisava conhecer. Eu já tinha assistido muitos filmes para saber como
eram as mulheres ricas. Thomas estalou a língua no céu da boca, mantendo aquele roupão branco e
felpudo em suas mãos. Saltei da cama e caminhei até a outra janela. Empurrei as cortinas, e o dia lá
fora se perdia em um clarão forte brilhante. O sol que Nova York tendia a esconder por causa de
todos aqueles arranha-céus.
Depois que a breve cegueira ocasionada por toda aquela luz passou, avistei Amélia, suas três damas
de honra, e algumas primas na calçada da piscina. Elas riam com sorrisos escandalosos deitadas em
suas espreguiçadeiras, segurando enormes taças contendo bebidas. Na piscina estavam o noivo de
Amélia, o irmão dele, um de seus padrinhos, e mais primos.
Girei meu corpo para meu marido de mentira, parado perto da cama.
— Aposto que elas estão falando sobre homens. — Anunciei. E eu estava certa sobre aquilo.
Thomas colocou o roupão sobre a cama, retornou até àquela primeira janela e afastou as cortinas
outra vez. Ele estreitou os olhos para o que estava vendo.
— Como pode ter tanta certeza?
Era simples. Elas não paravam de olhar para os homens na piscina e cochichar coisas nos ouvidos
umas das outras.
— Digamos que... — fiz uma pausa dramática, — eu sou muito mais inteligente do que você acha.
— É mesmo? — Thomas retrucou com um tom esnobe. — Quer apostar?
Virei em sua direção.
— Apostar que eu tenho razão?
— Sim. — Thomas girou seu corpo para minha direção também, e aqueles olhos azuis brilhando em
arrogância encontraram os meus. — Se está tão certa sobre o assunto que elas estão conversando,
podemos fazer uma aposta.
Dei um passo largo rumo a ele.
— O que eu ganho se eu vencer?
Thomas avançou um passo em resposta.
— Pode escolher.
— Contrate Tyler outra vez — disparei.
Ele balançou a cabeça em um pequeno sinal de não.
— Eu não posso fazer isso.
Eu já esperava por aquela resposta. Mas não custava tentar.
— Quero que durma no sofá.
Thomas bufou uma risada.
— Onde você acha que eu dormi esta noite?
— Você estava na cama ontem. — Acusei.
— E quem amanheceu nela? — Ele rebateu. Eu enruguei o cenho, pedindo silenciosamente por uma
explicação melhor. Thomas adicionou: — Eu não queria que você acordasse de mal humor. Então
esperei que adormecesse e te coloquei na cama.
Ergui as sobrancelhas.
— Eu duvido. Eu teria acordado.
Meu marido grunhiu com desprezo.
— Beckett, seu sono é tão pesado que o jato fez uma pausa de duas horas para manutenção e você
nem sequer trocou de posição.
Ah. Aquilo explicava algumas coisas.
— Então eu quero que adicione dez mil dólares ao meu pagamento. — Falei por fim em um tom
convicto, sem desviar o olhar.
Ele contraiu um músculo em sua mandíbula.
— Cinco. — Thomas disse e deu mais dois passos. Estávamos separados por 40 centímetros. — E se
você perder, fica sem mexer no seu celular pelo resto da viagem.
De forma alguma. E ficar sem falar com Tyler? Como eu sobreviveria naquele covil de idiotas?
Mas por outro lado, um extra de cinco mil dólares não seria nada mal. E além do mais, sobre o que
aquelas mulheres poderiam estar falando? Negócios? Não. Filhos? Talvez. Homens? Sem sombra de
dúvida. Os homens dali eram atraentes demais para que uma reunião de mulheres não mencionasse
este assunto.
— Ótimo. — Eu avancei mais um pequeno passo e estendi a mão direita.
Thomas ergueu fechou seus dedos em um aperto contra minha mão. Um aperto forte demais.
— Aposta aceita — ele anunciou com uma firmeza que fez meu coração esfriar.
Fui a primeira a retrair a mão e desviar o olhar. Então, ele caminhou em passos curtos até o closet, e
ficou ali dentro por dois minutos. E quando retornou, portava em suas mãos um outro roupão branco e
felpudo, que assim como o dele tinha duas letras douradas bordadas na altura do peito. KS. Mas
havia outra peça, que eu só notei depois que ele me entregou. Era um maiô verde-musgo.
— Vista isso. — Ele disse sem esperar minha resposta indo em direção a porta do quarto. Mas antes
de sair, Thomas me olhou por cima do ombro e abriu um sorriso felino. — Você vai ficar deliciosa
nele.
Eu xinguei. Cretino. Ele soltou uma gargalhada e fechou a porta. Avaliei os trajes em minhas mãos.
Thomas tinha pensado em detalhes demais se até mesmo as iniciais do meu nome fictício estavam
bordadas naquele roupão. Retirei o pijama azul de seda. Retirei a roupa íntima. Coloquei o maiô.
E odiei concordar com Thomas quando vi meu reflexo.
Havia um decote formado por uma argola cor de ouro, que mostrava demais dos meus seios. Nenhum
tecido para cobrir as costas, os braços, os ombros ou a cintura, tão pouco qualquer região da barriga.
Havia apenas uma faixa de tecido que ligava aquela argola até a parte inferior do maiô. Se Thomas
falou a verdade quando disse que ele mesmo escolheu todas as peças de roupas que eu usaria, aquele
imbecil arrogante tinha de fato um ótimo gosto. Só não era um gosto muito comportado.
Coloquei o roupão por cima do maiô, tão felpudo e confortável que eu passaria o resto da minha vida
o usando, sem o menor dos problemas. Calcei a sandália mais simples que encontrei naquele closet,
e mesmo assim, deveria custar uns quatro meses do meu salário considerando as pequenas pedras
que pareciam ser de esmeralda pelas amarras laterais.

— Katherine... — Amelia cantarolou no exato instante em que eu pontei na calçada da piscina,


sacudindo a mão no ar para que eu me aproximasse. O sol de açafrão era gostoso, quente,
convidativo. — Venha se juntar a nós.
Todas elas pareciam iguais. Usando trajes de banho que transformariam o meu em algo muito vulgar,
guindadas naquelas espreguiçadeiras segurando taças de bebidas com frutas e canudos em espirais, e
acenando para mim como se fossemos melhores amigas.
Eu me forcei a abrir um sorriso largo quando parei diante do grupo. Murmúrios masculinos ecoavam
na piscina, e a brisa era quente como a luz amanteigada do sol.
— Aqui. — Amelia ronronou me oferecendo uma taça de cristal, que assim como a das outras
mulheres, continha um canudo em espiral, lascas de pêssego e uma bebida rosa salmão. — É para
você.
Estiquei a mão esquerda para pegar aquela taça, e os olhares do grupo de mulheres dispararam para
minha mão. Arquejos escandalosos explodiram ali, assim como olhos arregalados e mãos cobrindo a
boca. Era o mesmo instinto selvagem que Amelia me oferecera quando nos conhecemos.
— Meu Deus. — Uma das primas de Thomas foi a primeira a dizer alguma coisa realmente
compreensível. — O que é isso em sua mão?
— É o que eu acho que é? — Outra prima de Thomas indagou abaixando seus óculos de sol. — Eu
não acredito.
Aquela pedra quadrangular azul encaixada em meu dedo parecia ser muito mais valiosa do que eu
conseguia imaginar.
— Sim. — Amelia confirmou em um tom empolgado demais, e puxou minha mão com a sua mão
livre. Eu quase tombei para frente. — É o Oppenheimer.
Eu nem saberia repetir aquele nome se fosse preciso. E fiz uma nota mental para investigar aquilo no
futuro, porque não teve uma mulher ali que não deixou seu queixo cair.
— Você é tão sortuda. — Uma das damas de honra comentou. — Eu aposto que Thomas deve mimá-
la com vários presentes.
— Claro. — Eu falei tentando soar convincente. — Thomas é um marido muito generoso.
As mulheres soltaram aqueles risinhos agudos. Amelia liberou minha mão e eu finalmente peguei
aquela taça que ela me oferecera. E então eu me sentei na espreguiçadeira livre que estava
posicionada no início da fila de mulheres, e fiz menção de me reclinar. O copo suava em minha mão
esquerda, e havia mesinhas entre as espreguiçadeiras com jarras e mais taças de bebidas.
— O que está fazendo, Katherine? — Amelia indagou.
— Apenas relaxando. — Expliquei. E fiquei tensa por um segundo com aqueles olhos cor de âmbar
me encarando. Por baixo daquele corpo de pele clara, usando um maiô vermelho rubi levemente
decotado, poderia existir a irmã que me detestava. Que sentia o odor da minha classe baixa no meio
de toda aquela alta sociedade. A água da piscina ondulava com todos aqueles homens nadando de um
lado para o outro. Emendei: — Tem algum problema?
Amelia riu. Uma risada que se assemelhava ao canto de um passarinho.
— Não, bobinha. — Ela retrucou em um tom amolecido. — Eu perguntei porque você ainda está de
roupão.
Claro. O roupão.
— Hmmm, — murmurei, — é que ...
— Oh querida, — fui interrompida por uma dama de honra, dona de uma voz irritantemente aguda. —
Você está com vergonha de tirar seu roupão?
— Não exatamente. — Falei baixinho.
— Vá em frente querida. — Outra dama de honra ronronou. — Queremos ver o que tem por baixo
desse roupão.
— É verdade. — A terceira dama de honra, de nome Heather apoiou. Esta usava um maiô azul meia
noite, e tinha cabelos vermelho sangue. Poderia ser uma modelo. Os olhos estavam encobertos por
óculos escuros. — Nos mostre o corpinho que foi capaz de domar Thomas Sawyer.
Oh, céus.
Eu já sabia que eu tinha ganho a aposta antes de mesmo de precisar passar mais tempo com elas.
— Se vocês insistem. — Retruquei para ninguém em específico.
Suguei um gole daquele coquetel de frutas antes de me colocar de pé e retirar o roupão. Enquanto eu
desamarrava o cinto felpudo, percebi que três primos de Thomas que estavam reunidos em um canto
da piscina me observavam e murmuravam entre si. Ignorei aquilo. E as reações que vieram quando o
roupão foi expulso do meu corpo, eram e não eram o que eu já estava esperando.
— Amiga... — uma das primas de Amélia arfou. — Thomas a deixa usar isso em público?
Não, amiga. Estamos no século 17 e ele controla minhas roupas.
— Na verdade, — declarei voltando a me sentar, — foi ele mesmo quem escolheu.
— O quê? — Elas indagaram em uníssono.
— Meninas, se acalmem. — A tal de Heather disse antes que eu tivesse tempo para formular uma
resposta adequada. — Vocês não conhecem nosso Thommy? — Ela abriu um sorriso venenoso. —
Claro que ele iria querer exibir uma esposa com um corpo desses.
Nosso Thommy?
— Você tem razão Heather. — Emendou outra prima de Thomas, de nome Luna. Essa usava um maiô
rosa choque. — Por quantos procedimentos você passou?
Enruguei o cenho. Peguei minha taça e suguei outro gole. A luz quente alisou minha pele agora
exposta demais.
— Procedimentos? — Repeti. Eu realmente não tinha entendido.
Amélia acenou para seu noivo na piscina. Oliver Scott. Estavam juntos há três anos. Oliver era um
homem de pele bronzeada e olhos cor de umbra. Porte atlético. De acordo com Thomas, era outro
milionário.
— Você entendeu o que ela quis dizer, sua danadinha. — Heather contrapôs. E então empurrou
aqueles óculos escuros, exibindo olhos verde floresta. — Ela quer saber quantas cirurgias plásticas
você já fez.
Bufei uma risada. Cirurgia plástica? A única coisa que não era natural em meu corpo era o esmalte
bege em minhas unhas.
— Eu nunca fiz nenhuma cirurgia plástica.
As mulheres arquejaram em coro outra vez. E eu suguei mais um gole daquele coquetel.
— Oh querida — Heather retorquiu. E seu tom era puramente viperino. — Não precisa mentir para
nós. — Ela gesticulou para o acaso. — Todas nós já passamos por isso. Diga, — ela se inclinou em
minha direção, — foi silicone, lipoaspiração, plástica no nariz?
— Deixe ela paz, Heather. — Amelia interferiu. E foi bom porque eu não me importaria em jogar
minha bebida naquela cara azeda se ela continuasse falando daquele jeito comigo. Amelia
prosseguiu: — O que importa é que estamos morrendo de curiosidade para saber como você e
Thommy se conheceram. — A irmã de Thomas fez um beicinho. — Ele não me conta nada.
Bebi outro gole. E outro. A taça ficou vazia em minhas mãos, e meu estômago reclamou de fome. Eu
me ajeitei na espreguiçadeira, e encarei o grupo de mulheres esperando em silêncio para saber os
detalhes do meu falso matrimônio.
— Bem, — lancei um olhar porco para Heather, e depois encarei Amelia, — Thomas e eu nos
conhecemos há sete meses atrás, em uma viagem de negócios na França. Um pequeno mal-entendido
nos colocou na mesma mesa em um restaurante, e inevitavelmente trocamos algumas palavras. No fim
da noite ele acabou me convidando para um encontro. — As garotas prestavam atenção em mim
como se fossem crianças ouvindo seu conto de fadas favorito. — Depois de sairmos três vezes, ele
me pediu em casamento em frente à torre Eiffel. Parecia loucura, mas nossas viagens estavam
acabando e havia essa atração inegável entre nós. Aquela química que eu nunca tinha compartilhado
com nenhuma outra pessoa. E eu aceitei. Duas semanas depois, como dois adolescentes apaixonados,
nos casamos em uma pequena capela na Argentina. E não conseguimos nos desgrudar desde então.
— Aooownt, — uma prima de Thomas, de nome Luna, gemeu quase derretendo. — Quem diria que
Thommy poderia ser tão romântico.
— Ele tinha mesmo mencionado que foi amor à primeira vista. — Amelia comentou me estudando
com seu olhar. — Eu só não tinha imaginado que tinha sido assim tão rápido.
— Eu devo dizer, — Heather falou, e eu quase vi o veneno de uma víbora escorrendo em seus lábios
vermelhos, — quando ouvi que nosso Thommy tinha se casado eu achei que não fosse verdade.
Por que ela insistia em dizer “nosso Thommy”?
— Por que não? — Indaguei. E inclinei meu corpo até a mesa mais próxima para me servir com mais
bebida.
— Você sabe porquê. — Luna disse enquanto se alongava na espreguiçadeira. — E depois de tantos
anos recusando tantas mulheres.... Foi uma surpresa para todos nós.
Recusando mulheres?
Thomas Sawyer por acaso era gay?
— Falando do diabo. — A dama de honra que havia falado primeiro empinou o queixo mostrando a
ponta da piscina. — Se não é o ex solteiro mais cobiçado da família Sawyer.
Com exceção de Amelia, todas as outras mulheres que ali estavam imediatamente olharam na direção
indicada pela dama de honra. E todas elas arregalaram os olhos de tal maneira, que eu não resisti em
olhar também. Thomas surgira na outra extremidade da piscina, caminhando com aquela soberania de
alguém que esteve no topo durante toda sua vida. Ele retirou o seu roupão, exibindo uma sunga da
mesma cor do meu maiô.
Ele queria que combinássemos? Porque era extremamente brega.
Mas não foi aquilo que fez minha garganta secar. Eu esperava um corpo atraente depois da roupa que
ele estava usando naquela manhã, mas não daquele jeito. Seu peitoral era inchado, seu abdômen era
marcado por todos aqueles músculos quadrados, seus braços esculpidos por bíceps e tríceps
robustos, e suas coxas eram tão grossas. E, a parte da frente de sua sunga estava tão bem preenchida,
que era como se ele tivesse colocado uma toalha lá dentro. E eu pensei que não era possível que ele
fosse bonito, rico, gostoso e ainda dono de um pau imenso. Seria injusto demais com o restante dos
homens.
Eu fiz um esforço para conseguir desviar minha atenção. Mas eu não era a única babando no corpo de
Thomas Sawyer. Aquelas damas de honra, principalmente Heather, o olhavam como se ele fosse um
Deus grego.
Eu não podia julgá-las.
Thomas inclinou seu corpo quando alcançou a borda da piscina e pulou em um mergulho de ponta. E
eu senti tanto calor. Especialmente entre minhas pernas. Bebi três longos goles da minha bebida.
— Katherine, — a dama de honra de nome Maya disse, — você é uma mulher de sorte.
— Maya tem razão, — a outra dama de honra apoiou. — Agarre esse homem e não o deixe ir embora
nunca mais. — Ela soltou um suspiro prolongado. — São tempos escassos.
Só se fosse para elas, porque para mim as coisas não iam nada mal. Eu tinha Tyler Griffin me
esperando em Nova York. E quem tem um Tyler Griffin à sua espera, não precisa de um idiota como
Thomas Sawyer.
Pelo menos aquela era a deixa perfeita para incentivá-las a falarem sobre homens.
— Tempos escassos? — Indaguei. Virei meu torso para a direção delas outra vez. — Mas e quanto a
todos esses maravilhosos homens na piscina?
— Katherine, — Gina ronronou abrindo um sorriso surpreso, — sua safadinha.
— O quê? — Questionei. E rolei os ombros com desdém. — Olhar não tira pedaço.
— Ela está certa. — Amelia apoiou em um tom divertido. — Além disso, nós duas somos as únicas
comprometidas aqui. — A irmã de Thomas mordeu o lábio inferior. — Vocês precisam aproveitar
por nós.
— Eu vou apostar em Kyle. — Informou Gina. — Ele é fantástico.
— Quem é Kyle? — Instiguei.
Eu realmente não me importava sobre quem era Kyle. Mas, o assunto precisava continuar.
— Kyle é aquele moreno que está logo ali. — Luna apontou para um dos homens de beleza etérea na
piscina. A prima de Thomas rechonchuda e linda, que parecia ser a mais nova daquele grupo. — Ele
é um dos padrinhos do noivo.
— Já eu... — Maya sorriu. — Consegui trocar alguns beijos com Noah ontem. — Ela bateu
palminhas discretas. — Acho que nos divertiremos durante as próximas semanas.
— Noah? — Indaguei demonstrando interesse.
— Oh, Noah é irmão do noivo de Amelia — explicou Luna.
Bebi mais um gole do meu coquetel.
— Então todas vocês já têm pretendentes?
— Com exceção de Luna e Heather, eu diria que sim — Amelia respondeu.
— Eu tenho um pretendente. — Heather avisou soltando um suspiro prolongado. Ela encarou a
direção em que Thomas tinha mergulhado e acrescentou: — E ele é maravilhoso.
Eu abri a boca para investigar sobre aquilo, mas Thomas emergiu da água em nossa frente. Ele
apoiou as mãos na borda da piscina, e sem nenhum esforço aparente impulsionou seu corpo para
cima, contraindo os músculos célebres em seus braços. E então ele se posicionou em pé a cerca de
dois passos de mim, exibindo aquele corpo molhado que reluzia sob a luz dourada do sol.
Eu não conseguia nem olhar. E acabei com minha bebida em um só gole.
— Meninas, — ele disse se aproximando da minha espreguiçadeira, — se importam se eu roubar
minha esposa um pouco?
— Oh, Thommy — Luna gemeu com a voz mole. — Você não consegue ficar longe dela, não é
verdade?
A boca de Thomas curvou-se em um sorriso. Ele me puxou pela mão, me obrigando a me colocar de
pé e fazendo com que nossos corpos ficassem pareados. Eu estremeci com aquela muralha gelada tão
grudada em mim.
— Exatamente Luna, — o olhar de Thomas perfurou o meu. E seus olhos estavam tão bonitos ali
banhados pela claridade do dia. Eles reluziam tanto como a pedra em meu dedo anelar esquerdo. —
Eu não posso ficar longe dela, nem por um segundo.
Eu me esqueci como se respirava por um instante. Mas mais estúpida do que aquelas palavras foi a
reação de Luna, que suspirou como se estivesse assistindo a cena final de um filme de romance.
Coitadinha. De todas as que estavam ali, ela parecia ser a mais encantada com nosso teatro.

CAPÍTULO 17

Nos sentamos do lado oposto da piscina, com os pés afundados na água.


— Então, — Thomas foi o primeiro a dizer alguma coisa, — quem ganhou a aposta?
— Adivinha? — Retruquei apontando com o queixo para o grupo de homens. — Com todo esse
espetáculo aqui, qual mais seria o assunto?
Meu marido de mentira, aquele mesmo homem com um corpo esculpido pelos deuses e sentado a
quinze centímetros de distância, estalou a língua com desprezo.
— Espetáculo?
Assenti com a cabeça. E balancei meus pés dentro da água.
— Parece até um comercial. — Murmurei. — Onde foi que sua família arranjou tantos homens
bonitos?
— Ah, sério? — Thomas grunhiu. — Você está reparando em outros homens?
— Como eu não estaria? — Mordi meu lábio inferior. Meu olhar se perdera no que estava além da
piscina. Aquele jardim de magnólias que minha mãe amaria conhecer. — Já viu como eles são
gostosos?
Sawyer me empurrou pelo ombro.
— Você é inacreditável. — Ele falou em um tom preguiçoso. — Eu te disse para se socializar com as
garotas e não para ficar babando nos convidados masculinos.
— E eu estava. — O empurrei de volta. — Mulheres falam de homens também, sabia?
Thomas bufou uma risada.
— Acho que eu devo acrescentar uma certa quantia financeira em sua conta.
Eu me virei para ele.
— Espere um minuto — estreitei os olhos. — Tão fácil assim? — Thomas virou seu rosto para mim
também, e eu me vi naquelas piscinas de safiras. — Como sabe que não estou mentindo?
— Eu confio em você Beckett. — Thomas falou. Então usou a mão direita para colocar uma mecha
do meu cabelo atrás da minha orelha. Sem que nossos olhares se desviassem, ele acrescentou: — Ou
eu não deveria?
Eu não consegui responder. Então ele apenas abriu um sorriso que não chegou até seus olhos e se
colocou de pé. E eu o segui com meus olhos enquanto ele caminhava até o outro lado da piscina,
onde havia largado seu roupão. E desta vez eu percebi que Thomas não despertava atenção apenas
das mulheres, que agora estavam se afastando da piscina. Os homens também o encaravam por mais
tempo que o normal. Entretanto, ao contrário das mulheres, eles o olhavam com um certo desprezo.
Quase como se Thomas não fosse uma pessoa querida ali.
Afastei o pensamento. Aquilo não era um problema meu. O dia estava lindo, e aquele maiô não
ficaria apenas de enfeite em meu corpo. Forcei meu corpo para frente, e afundei naquela água
deliciosamente morna.
Emergi no centro da piscina. Thomas tinha desaparecido do meu campo de visão. Eu me preparei
para nadar até a outra extremidade, a mesma que as mulheres estavam empoleiradas antes, para
conseguir outra taça de bebida. Mas três homens se aproximaram de mim. O primeiro era loiro de
olhos verde-esmeralda, e poderia ser alguns centímetros mais alto do que Thomas. Os outros dois
eram quase da mesma altura que o primeiro, e possuíam cabelos escuros e olhos castanho chocolate,
e dividiam uma imensa similaridade. E eu me lembrei que eles eram irmãos.
— Katherine, não é mesmo? — O loiro, de nome Dylan, disse. — Nos conhecemos ontem. — Ele
abriu um meio sorriso. — Eu sou primo de Thomas.
Eu já sabia daquilo. Mas foram tantos parentes que foi bom relembrar.
— E estes são Javier e James, também primos de Thomas — Dylan emendou.
Ofereci um sorriso e um aceno com a cabeça. E eu me obriguei a lembrar do que Thomas me dissera
sobre aqueles três machos. Dylan era um advogado muito bem-sucedido em Los Angeles. Possuía sua
própria firma. James era diretor de operações na empresa do seu pai em Chicago, e Javier era
gerente de tecnologia na mesma empresa.
— Sabe, — Javier falou, — uma das grandes surpresas deste casamento é Thomas aparecer aqui com
uma esposa.
— Francamente, eu achei que era mentira — acrescentou James. — E achei que na última hora ele
inventaria uma desculpa para não vir, assim como nos últimos anos.
Assenti outra vez. Eu não encarei ninguém mais do que uma vez. Thomas dissera que não aparecer
naquele casamento seria o mesmo que confessar que tinha mentido. Assim como aqueles primos
estavam mencionando.
— Pensando bem, acho que já fazia uns dez anos que não o víamos — Dylan ponderou.
O grupo de homens se mantinha a menos de meio metro de distância de mim. Seus corpos eram
montanhas de músculos.
— Sim. — Javier concordou, enterrando os dedos em seus cabelos molhados. — Não o vemos desde
que Hayden morreu.
Espera.
Quem é Hayden?
Droga.
Pegaria muito mal se eu perguntasse?
— Mas não vamos tocar nesse assunto — James voltou a falar, e deu um passo em minha direção. A
água ondulou. — Até que faz sentido Thomas ter te mantido escondida.
Com licença?
— Me desculpe — não consegui segurar. E fitei os olhos cor de chocolate encaixados naquele rosto
belíssimo. — O que você quer dizer com isso?
— Qual é princesa... — Dylan ronronou e se aproximou um passo também. — No fundo Thomas sabe
que ele é um perdedor.
Um perdedor? Aquele homem tão majestoso? Quem eles consideravam um vencedor então?
— Provavelmente ele estava com medo de que te tomássemos dele — Javier completou. E com o
passo dele, eu notei que eles tinham fechado um semicírculo ao meu redor.
A frase dele correu por minhas veias. Quem ele achava que eu era? Um objeto para ser tomado?
Aqueles movimentos pretensiosos, e o veneno que estavam colocando no tom de voz me fez recuar
um passo para trás.
— Qual o problema, princesa? — Dylan perguntou, e insistiu em mais um passo. — Está com medo
de nós?
Não é medo. É aversão.
— Não iremos te machucar — Javier apoiou e fez um movimento largo dentro da água, avançando
até ficar quase colado em mim. — É só que... — Ele encarou meus seios. — Você é areia de mais
para o caminhãozinho dele.
E, como se aquelas palavras não fossem o cúmulo do absurdo, ele levou a mão larga até minha
cintura, e tentou me puxar para mais perto dele.
Inacreditável. Os primos de Thomas conseguiam ser mais babacas do que ele.
— Primeiro, não me toque sem meu consentimento. — Bufei, e expulsei sua mão de minha cintura. —
Segundo, eu não sou uma princesa. — Recuei de forma que eu me distanciasse dos três. — E
terceiro, eu sou casada com o primo de vocês. — Estalei a língua. — Um pouco mais de respeito é o
mínimo que deveriam ter comigo.
— Eu já entendi — Dylan retrucou. — Você quer se fazer de difícil.
Não, não é este o caso.
— Difícil? — James repetiu em tom de zombaria. — Se ela fosse difícil Thomas não a teria
conseguido.
Meu Deus. Eu não sabia se me sentia ofendida ou com pena da mentalidade deles.
— É — Javier concordou. — Quer dizer, quem abre as pernas para um patético como Thomas pode
abrir para qualquer um.
Os três gargalharam como três palhaços. Mas eles não me conheciam. Eles precisariam de muito
mais para me atingir. Soltei uma risada de corvo tão alta, que eles pararam de rir e me encararam.
— Me respondam uma pergunta — eu falei com calma e olhei lentamente para cada um deles. Javier.
Dylan. James. — Como funciona a relação de vocês três?
— O quê? — Eles indagaram quase em uníssono.
Eu abri um sorriso viperino.
— Quem segura as bolas de quem quando estão se chupando?
O sarcasmo desapareceu de todas as expressões. E uma fúria gélida se condensou naqueles olhos
verde-esmeralda.
— Escute aqui vagabunda, — Dylan rosnou, avançando em minha direção, — quem você pensa que é
para falar assim?
James e Javier também dispararam em minha direção, estreitando aquele semicírculo. Eu não me
mexi. Eu não estava com medo de três idiotas como aqueles.
— Oh, por acaso vocês se ofenderam? — Apertei as bochechas de Dylan provocativamente. — Você
vai chorar?
Em um ímpeto, ele levantou a mão no ar. E eu já conseguia sentir aqueles dedos encontrando minha
pele e deixando uma marca ardente. Por um segundo eu me encolhi em um reflexo, mas o gesto de
Dylan foi interrompido por uma sombra que cresceu dentro da água, nublando aqueles três patetas.
— Vá em frente. — Aquela voz densa trovejou. — E nunca mais verá sua mão.
Dylan bufou pelas narinas e sua mão estremeceu por alguns segundos, mas após um olhar cortante
para mim ele acabou obedecendo.
— Só estamos dando boas-vindas a ela, Thommy. — Javier foi quem falou, com uma expressão
cínica. — Ela é parte da família agora.
Não, obrigada. Eu me recuso a ser parte de uma família escrota como essa.
— Se afastem da minha esposa. — Thomas exigiu. — E nunca mais se aproximem dela.
Dylan ainda não havia tirado os olhos dos meus. E eu também não tinha desviado o olhar.
— Calma Thommy — Javier retrucou. — Estamos nos divertindo.
— Eu não irei pedir outra vez. — Meu marido de mentira rosnou. — Fiquem longe dela.
Os dois irmãos grunhiram com desprezo.
— Vamos Dylan. — James disse puxando o primo louro pelo braço. — Não vale a pena.
Mas Dylan cerrou os dentes e deixou uma última ameaça antes de se afastar:
— Não acabamos.
Fiz uma careta para ele.
Os três idiotas viraram as costas e nadaram para longe, e só depois deles atingirem uma certa
distância, eu me virei para trás. Thomas estava em pé na beira da piscina, usando seu roupão e
óculos escuros.
Ele estendeu a mão direita para me ajudar a sair da piscina, mas eu o ignorei.
— Você não precisa me defender, Sawyer — bufei para ele. Um vento gélido me cumprimentou, e
minha pele se perdeu em um arrepio. — Eu poderia muito bem lidar com eles sozinha.
Fiquei de pé ao lado dele, e água escorreu pelo meu corpo.
— Acredite em mim, — Thomas olhou na direção para qual eles tinham ido, — eu estou bem longe
de permitir isso.

Eu rosnei de verdade quando alcancei aquelas espreguiçadeiras e não encontrei meu roupão ali. Eu
já estava tremendo, e meus cabelos pingavam. E eu definitivamente não queria atravessar aquela
mansão usando apenas aquele roupão. Algo no jeito em que os pais de Thomas tinham me
cumprimentado antes de eu alcançar aquela piscina pela manhã, me dizia que eles ficariam um pouco
surpresos se vissem tanto do corpo da suposta esposa do filho deles.
— O que você está fazendo? — Murmurei irritada quando Thomas retirou seu roupão e colocou
sobre meus ombros. Ele estava diante de mim, e tinha me seguido até ali.
— Eu estou sendo um bom marido, — ele retrucou em um tom inexpressivo, — e cuidando de você.
Bufei.
— Eu não preciso que cuide mim.
— Precisa sim. — Ele insistiu. E ele estava perto, mantendo seus dedos repousados em meus
ombros. — Especialmente quando cada um destes homens está te olhando como se você fosse uma
ovelha e eles fossem lobos famintos.
Avaliei o cenário ao meu redor. Éramos mesmo o centro das atenções.
— É sua culpa — grunhi. E empurrei meus braços contra as mangas do roupão de Thomas, que era
grande demais para mim. — Foi você quem escolheu um maiô que me faz parecer uma atriz pornô.
— Está bem — Sawyer confirmou escorregando suas mãos até minha cintura. Eu deixei que ele
fizesse aquilo apenas porque pessoas nos observavam. E enquanto ele amarrava aquele cinto felpudo
em minha cintura, eu pensei em Tyler. Eu queria as mãos dele me tratando com toda aquela
intimidade. Thomas finalizou o nó, mas suas mãos permaneceram em minha cintura. — Eu admito que
ele é um pouco mais chamativo do que imaginei.
— Um pouco mais chamativo? — Repeti trincando os dentes. — Eu estava quase nua.
Thomas me puxou para mais perto. E eu arfei.
— O que está fazendo?
— Não se mexa — ele disse em um tom baixo, inclinando sua cabeça até que seu rosto ficasse mais
perto do meu. E toda aquela proximidade fez algo gelado repuxar meu estômago. Ele acrescentou
quase em um sussurro: — Sorria como se eu estivesse dizendo alguma coisa agradável para você.
Eu me encarei no reflexo dos seus óculos. O roupão grande e folgado engolindo todas as minhas
curvas, meus cabelos úmidos compridos, meus olhos castanho amêndoa. E sorri. Sorri de verdade
pensando em como seria dar um tapa na cara de Thomas e sair desfilando.
— Isso, — Thomas ronronou, — seu sorriso está muito convincente.
Eu levei minhas mãos até seu rosto apenas para empurrar aqueles óculos escuros para cima,
deixando que ficassem acima da testa dele, e encarei o azul dos seus olhos. Mantive meus dedos
enterrados na parte detrás da sua cabeça. Seus cabelos eram tão macios.
— Eu estou sorrindo de verdade. — Avisei. E inclinei um pouco meu queixo, deixando que nossas
respirações se cruzassem, porque eu sabia que havia tios e primos de Thomas nos assistindo. — E
você é o motivo.
Ele arquejou as sobrancelhas.
— Sério?
— Sim. — Eu lambi meu lábio inferior. — Eu estou pensando em como seria esbofetear sua cara.
Thomas riu. Mas não com escárnio ou deboche. Ele riu de verdade. E por um segundo, eu ri também.
CAPÍTULO 18

Depois do banho, encontrei um traje sobre a cama. Era um vestido casual, laranja escuro, sem decote
algum, com alças compridas de renda, justo no busto e na cintura, e com uma saia plissada até as
canelas. Se com aquele maiô eu estava parecendo uma atriz pornô, com aquele vestido eu estava
parecendo uma dama dos anos 70. Eu coloquei uma sandália de salto baixo, quase dourada, pulseiras
e brincos de ouro. Prendi apenas as mechas da parte frontal do meu cabelo, usando pentes de
diamante para separar os fios. E antes do sair do quarto, conferi meu celular. Ainda não havia
nenhuma mensagem de Tyler.
[Ava 12h55] Eu consegui mais cinco mil dólares deste pateta.
Deixei o quarto. Meu estômago reclamou tão alto, que eu agradeci por estar cruzando sozinha aquele
corredor com um carpete marfim e paredes forradas por veludo escuro. Os lustres se enfileiravam
como em um desfile de cristais. Uma música instrumental ressoava do salão principal, o mesmo onde
aquelas mesas estavam dispostas. Meus olhos brilharam quando eu parei no topo da escadaria.
Porque a julgar pelos garçons que caminhavam de um lado para o outro servindo pessoas, estava na
hora do almoço.
Não olhei mais do que uma vez para as pessoas meu caminho, mas caminhei oferecendo sorrisos a
qualquer um que me encarasse. Escolhi a primeira mesa que encontrei vazia e me aninhei ali,
agradecendo a Deus por um garçom não ter demorado em me atender. Ele me entregou um cardápio e
me ofereceu uma das três bebidas que estavam em sua bandeja metálica – vinho branco, tinto ou rose.
Eu peguei aquela taça de cristal disposta em minha mesa, e enquanto ele me servia com o vinho rose
que eu escolhera, analisei o cardápio. As opções eram diferentes do dia anterior.
Eu escolhi filé mignon recheado com batatas salteadas, que eu nem sabia o que era, mas eu duvidava
que batatas poderiam ficar ruim em alguma coisa. O garçom se afastou, e enquanto eu tracejava a
borda daquela taça encarando o vazio, uma presença masculina se aproximou da mesa. Ergui meu
olhar para descobrir que era Michael Sawyer. O pai de Thomas.
Droga.
— Se importa se eu me sentar com você? — Ele perguntou em um tom cortês.
Eu preferiria fazer aquela refeição sozinha. Mas recusar a companhia do meu sogro não parecia ser
muito cortês da minha parte. Além disso, o pai de Thomas parecia ser uma pessoa agradável, e
aquela era uma ótima oportunidade para descobrir se eu estava certa. Então eu apenas balancei a
cabeça indicando que não. O homem usava um terno cinza grafite e uma gravata azul meia noite. E
quando ele puxou aquela cadeira diante de mim e se sentou, um outro garçom surgiu na mesa. Mas o
pai de Thomas não aceitou o cardápio oferecido, apenas a bebida.
— Eu irei querer o mesmo que esta senhorita pediu — ele informou olhando para o garçom. Então
esperou que o funcionário se retirasse, e seu olhar encontrou o meu. Os olhos de um azul turquesa
exagerado. E ele abriu um sorriso que não chegou até seus olhos para acrescentar: — Eu fiz uma boa
escolha?
E tinha como fazer uma escolha ruim quando todas as coisas do cardápio pareciam ser
excelentes?
— Sim. — Eu falei devolvendo o mesmo tipo de sorriso. — Eu aposto que irá gostar.
Michael deixou uma risada rouca escapar.
— Eu gosto de você Katherine. — Ele confessou em um tom sutil. — Você parece uma boa mulher.
E uma excelente atriz, pelo visto.
— Obrigada. — Eu disse tentando manter a voz firme. Espalmei minhas mãos contra saia plissada do
vestido. — Eu devo dizer que estou encantada com toda a gentileza de todos vocês.
Michael piscou com calma. Do mesmo jeito que seu filho fazia. Ele se reclinou levemente na mesa,
deixando que suas mãos brancas apalpassem o forro dourado.
— Eu posso te contar um segredo? — Ele perguntou baixinho, olhando uma vez para a direita e uma
vez para a esquerda. — Algo que ficará apenas entre nós dois?
Fofoca? Claro!
Assenti com a cabeça. Michael gesticulou para que eu me reclinasse também, ficando um pouco mais
perto dele. Assim eu o fiz.
— Eu odeio toda essa formalidade. — Ele cochichou ocupando a distância de trinta centímetros entre
nós com um clima leve. — E eu acho que você não gosta também.
Eu engoli em seco.
— Eu apenas... — pigarreei procurando por uma palavra. Os olhos azuis do pai de Thomas rodaram
nas órbitas aguardando pela resposta. Eu consegui dizer por fim: — Eu sou um pouco mais
reservada.
Michael retraiu seu corpo, voltando a se recostar contra o assento acolchoado da cadeira.
— Não se preocupe querida. — Ele disse, e puxou sua taça cheia de vinho tinto para si. — Eu não
estou à vontade com tudo isso também. — Ele bebeu um gole. — Se quiser saber a mais pura
verdade, eu mataria por um cachorro-quente.
Bati os cílios com pressa.
— Sério?
— Sim. — Ele devolveu sua taça para mesa e soltou uma risada. Foi sincera. — Já faz longos anos
que não como um. Se estivesse incluso no cardápio, seria o que eu pediria neste exato momento. —
Ele estalou a cabeça para o lado. E de novo, o gesto era tão similar ao que Thomas fazia. — Na
verdade, eu pediria uns 10.
Foi minha vez deixar uma risada escapar. Eu puxei minha taça preenchida por vinho rose e bebi um
gole. A bebida espumou em meu estômago vazio.
— Eu concordo plenamente — retruquei.
A música suave ressoava pelo salão, e as conversas baixas e educadas se misturavam com o tilintar
de taças e sons dos talheres metálicos.
— Muitas pessoas não sabem, — o pai de Thomas voltou a falar encarando seu vinho, — mas minha
Christine e eu nos conhecemos assim. Eu estava farto do escritório, e saí para caminhar em uma rua
pouco movimentada de Boston. Me deparei com esse vendedor parado em frente ao seu carrinho de
cachorro-quente. Eu nunca comia nada da rua, mas eu me lembro de pensar, “que se dane, um
cachorro-quente não vai me matar”. Depois de esperar alguns minutos na pequena fila, comprei um
e me escorei em um poste, pronto para consumir aquele pão tão molhado dentro do saco plástico. Eu
fiz menção de dar uma mordida, e já estava salivando. Mas foi justamente quando eu a vi pela
primeira vez. — Michael fez uma pausa, como se estivesse lembrando de uma doce memória. — A
mulher mais bonita que já tinha visto em toda a minha vida.
— Christine? — Eu ronronei.
— Sim. — Seus olhos brilhavam. — Ela estava caminhando pela rua, passeando com um cachorro. O
cão viu um gato e se descontrolou, e ela acabou deixando a coleira escapar. Um segundo depois, meu
cachorro-quente estava no chão e eu me encontrei correndo atrás do pequeno animal.
— E você conseguiu o pegar?
— Após umas três quadras — Michael gargalhou novamente. — Aquele bastardinho me deu um
trabalhão. Quando eu voltei, ela me agradeceu de forma incessante. E insistiu para que me pagasse
um cachorro-quente para retribuir, uma vez que eu tinha largado o meu para ir atrás do cachorro dela.
Eu não podia aceitar, pois naquela época não era muito comum que mulheres pagassem as coisas
para homens. Mas ela insistiu de novo e de novo, até que eu disse a ela que eu só poderia aceitar se
ela me permitisse que eu pagasse um para ela também, e assim ficaríamos quites. Então retornamos
até aquele mesmo carrinho, mas o vendedor disse que só tinha mais um pão.
— Oh, — cocei a testa, — é uma pena.
— Na verdade, — ele deu um meio sorriso, — não foi uma pena. Acabamos dividindo o cachorro-
quente, e menos de um ano depois, já dividíamos até o mesmo sobrenome. E as vezes eu não consigo
parar de pensar em como se eu não tivesse parado para comer aquele cachorro-quente, eu poderia
nunca ter conhecido o amor da minha vida.
Foi inevitável não pensar em Tyler. Naquela química que rolou entre nós quando nos conhecemos, as
trocas de olhares, o frio na barriga, os sorrisos bobos... ah, havia sido tão gostoso me apaixonar por
Tyler. E eu me perguntei se um dia, ele contaria a alguém sobre nossa história, e também se referiria
a mim como a mulher mais bonita que ele já tinha visto.
— É uma linda história. — Eu suspirei.
— Amor à primeira vista, não é verdade? — Michael indagou e puxou sua taça para mais um gole. E
então nossos olhares se encontraram outra vez. — Mas você sabe bem do que eu estou falando.
Assenti.
— Eu sei exatamente o que é o amor à primeira vista. — Não, eu não sabia. Mas forcei um sorriso.
— Foi assim entre Thomas e eu.
— Sabe Katherine, — sua expressão endureceu um pouco, e ele devolveu a taça agora quase vazia
para a mesa, — eu sei que meu filho pode ser um pouco difícil às vezes.
Às vezes? Ele é difícil o tempo todo.
— Mas Thomas é um homem bom. — Michael prosseguiu, e levou sua mão direita até a minha por
cima da mesa. E algo cintilou naquele azul esplendido. — E eu estou feliz que ele encontrou uma
mulher que fez com que ele se lembrasse disso.
Coloquei minha mão livre por cima da sua e a apertei. Era a única maneira de demonstrar
condolência, uma vez que eu realmente não podia responder. Eu senti pena por ele falar daquela
maneira, mas minha resposta seria algo do tipo, “me perdoe, mas Thomas não é um bom homem. Ele
é um enorme idiota”.
E aquilo certamente estragaria o momento.
Nossa comida chegou. O garçom posicionou os pratos, e eu salivei de verdade quando o vapor
quente espiralou diante das minhas narinas. Entretanto, o pai de Thomas esperou apenas que o
garçom se afastasse da mesa para se levantar.
— Não estou te chamando de comilona, — ele disse antes que eu falasse alguma coisa, e me lançou
uma piscadela com o olho direito, — mas se caso for capaz de comer os dois pratos, fique à vontade.
Aparentemente, aquele homem era a melhor pessoa da família.

Meu primeiro prato estava quase na metade quando aquele outro homem de olhos azuis se sentou em
minha mesa. Mas agora ele não estava apenas de sunga como eu o tinha visto pela última vez. Ele
usava um terno cinza mercúrio. Talvez estivesse combinando com seu pai.
— Você vai comer dois pratos? — Foi a primeira coisa que ele perguntou.
— Pode apostar que sim — retruquei puxando o segundo prato para mais perto.
— Relaxe Beckett — Thomas retrucou com inexpressividade, e se reclinou contra seu assento. — Eu
não estou com fome.
Enfiei mais uma garfada generosa de comida em minha boca.
— Ótimo — anunciei antes de engolir. — Porque eu estou faminta.
Thomas grunhiu com desprezo. Eu não me importei. Não quando eu tinha pulado o café da manhã
para me socializar com as mulheres de sua família, conforme ele dissera.
Eu cortei uma tira do filé mignon. E Thomas espetou o nariz no ar.
— Foi impressão minha, ou você estava falando com meu pai?
Gesticulei para que ele esperasse um minuto. Eu tinha colocado tanta batata em minha boca, que seria
impossível dizer alguma coisa.
— Eu estava — falei e bebi um gole do vinho para ajudar a engolir a comida. — Ele é uma excelente
pessoa. Você deveria aprender com ele.
Sawyer revirou os olhos. Mas permaneceu ali, me observando comer garfada atrás de garfada. Até
que os dois pratos estivessem limpos.
A costura do meu vestido poderia ceder. Um suor quente escorria em minhas costas. Mas eu estava
satisfeita.

Após aquele almoço, fomos convidados para uma sessão de jogos. Pelo que eu tinha entendido,
basicamente todos os dias funcionariam da seguinte maneira: as manhãs eram livres, durante as
tardes aconteceriam jogos e atividades de lazer, e todas as noites haveria um jantar onde diferentes
pessoas seriam responsáveis por fazer um brinde.
Tédio, tédio e mais tédio.
Mas, fazia parte do acordo participar de tudo como a esposa feliz de Thomas.
E como éramos um casal, fomos colocados eu uma competição idiota de mímica onde o tema era
“filmes”. Além de nós dois, havia mais outros 6 casais – Amelia e seu noivo, 3 primos de Thomas
que eram casados com suas respectivas esposas, e outros dois casais que eram amigos de Amelia e
seu noivo.
A competição funcionaria em um clássico time feminino versus time masculino, sendo que um
participante por vez pegaria um papel dentro de uma caixa e faria uma mímica, e seu time teria um
minuto para adivinhar. O time vencedor seria aquele que tivesse mais pontos acumulados por mímica
decifrada corretamente quando os papéis acabassem.
Um rápido sorteio decidiu que o time das mulheres começaria primeiro. E como Amelia era a noiva,
ela iniciaria. A irmã de Thomas caminhou em passos leves até a caixinha onde estavam os papéis e
retirou um. O estúdio que comportava aquela brincadeira era composto por uma mobília de veludo
vermelho, uma lareira e uma mesa de carvalho fosco. O local ideal para ler um livro em um dia
chuvoso.
— Hmmm... — Amelia sorriu após ler a informação do papel. Ela se posicionou entre a lareira e a
pequena mesa de carvalho. — Eu estou pronta.
O cronômetro começou a marcar o tempo, e Amelia ergueu os dois braços imitando um avião.
— Voar. — Eu disparei. Em um tom tão alto que todos olharam para mim por um instante.
Minha competitividade me impedia de me comportar normalmente.
Amelia ergueu seus polegares indicando que eu tinha acertado. Então ela juntou as duas palmas das
mãos, quase como se fosse uma oração.
— Orar. — Uma mulher palpitou.
Amelia balançou a cabeça em um sinal feroz de não.
— Implorar. — Outra mulher chutou.
A irmã de Thomas fez outro gesto indicando que não.
— Pedir. — Eu falei. E de novo, minha voz soou tão alta que Thomas encolheu os ombros do outro
lado em que estava. Os outros homens do time me olhavam com testas franzidas.
Mas eu não me importava. Não quando Amelia gesticulou indicando que eu tinha chegado perto.
Olhei para o relógio. Faltava 30 segundos.
— Desejar. — Eu disse.
E Amelia balançou a cabeça em um sinal tão empolgado de sim, que a resposta apenas saltou da
minha boca:
— Aladim.
A noiva bateu palmas e soltou um gritinho histérico.
— Sim. — Ela saltitou do seu lugar.
Talvez eu não fosse a única competitiva ali.
Ponto para as mulheres. Na vez dos homens, o noivo de Amelia foi o primeiro a tirar um papel. E
quando o cronômetro teve início, eu não sabia o que era pior – seus gestos horrorosos ou os palpites
do time masculino. Ele gesticulava balançando as mãos ao redor do seu rosto, tentando representar
alguma coisa. O tempo acabou e nenhum dos homens foi capaz de acertar que o filme era O Rei Leão.
Oh céus. Todo aquele tempo ele estava tentando fazer uma juba de leão?
Foi a vez do time feminino novamente, e desta vez eu era responsável por fazer a mímica. Tirei o
filme Cinderela.
Fácil.
Fiz apenas dois gestos para representar o filme – corri uma pequena distância e deixei um dos meus
sapatos largados simulando que eu o havia perdido, e depois peguei o mesmo sapato e fingi que não
servia em meu pé algumas vezes.
— Cinderela. — Uma das mulheres disse.
E enquanto o time feminino comemorava mais aquele ponto, meu olhar encontrou o de Thomas no
meio de todas aquelas pessoas. Seus olhos brilhavam com algo parecido com aprovação. Meu
estômago se contorceu em um nó gelado.
Thomas foi o encarregado por fazer a mímica depois de mim. Ele começou apontando para si mesmo
e fazendo uma careta assustadora.
— Frankenstein. — Um dos homens disse.
Sawyer fez um sinal de não com a cabeça. Sua mímica não foi ruim, ele estava claramente tentando
representar um monstro. E quando ele desistiu que os homens chegassem na palavra monstro e
começou a fazer caras e bocas tentando representar uma mulher, eu já sabia a resposta. A bela e a
fera. Talvez ter uma irmã de seis anos ajudasse com a temática que Amelia escolhera para aquela
brincadeira.
Quarenta minutos correram naquela brincadeira, e o time feminino venceu por um placar humilhante
de 12 a zero. E para ser completamente honesta, eu me diverti mais do que eu poderia ter imaginado
circundada por todas aquelas madames e seus respectivos pares.

O restante da tarde foi tranquilo. As 17h haveria alguma atividade apenas para os homens, assim
como um chá apenas para as mulheres. Mas eu não queria mesmo participar. Inventei que eu estava
com dor de cabeça e me enfornei no quarto. Eu me joguei naquela cama macia e peguei meu celular.
Telefonei para minha mãe, inventei algumas mentiras sobre o estado atual da minha vida, e depois de
uns bons quarenta minutos de conversa desliguei a chamada. Eu detestava mentir para ela. Mas a
verdade soaria decepcionante demais. Ainda não havia resposta alguma de Tyler.
E eu tentei de verdade não visitar aquele Instagram outra vez. Mas eu estava sozinha naquele quarto
tão silencioso, e mesmo que eu tentasse me convencer de que eu deveria encontrar qualquer outra
coisa para passar o tempo, o aplicativo parecia me chamar. E não muito tempo depois, eu estava
visitando o perfil de Claire e descobrindo todas aquelas fotos com meu Tyler. Eu decidi acreditar
que ela era a ex louca que não tinha apagado as fotos com ele. E que aquela festa na última noite que
aparentemente os dois tinham participado, tinha sido apenas uma coincidência. Talvez uma recaída
sem significado. Apenas isso. E eu queria, eu queria de verdade perguntar aquilo para Tyler. Mas eu
não sabia como abordar o assunto.
Não quando Tyler e eu nem sequer tínhamos reatado oficialmente apesar de toda nossa aproximação
em Nova York. E além disso, eu tinha medo de tocar no nome dela mais uma vez e parecer com uma
ciumenta obsessiva. Por Deus, Tyler estava enfrentando um momento difícil. E eu estava fuçando as
redes sociais daquela garota.
Afastei os pensamentos. E decidi que independentemente do que tinha ocorrido naquela festa, Tyler
não merecia meu julgamento.

CAPÍTULO 19

Eu só percebi que eu tinha adormecido quando acordei com aquela luz dourada irritando meus olhos,
e o barulho de chuveiro ligado. O relógio pendurado na parede ao lado da estante de livros acusava
19h30. Eu me espreguicei na cama, e tateei o ninho de travesseiros até encontrar meu celular. E meu
coração saltou quando eu vi que finalmente havia uma notificação de Tyler.
[Tyler 18h30] Você é meu anjo da guarda. Eu nem sei o que seria de mim sem você.
Um sorriso bobo escorregou em meus lábios.
[Ava 19h33] Como você está?
[Tyler 19h39] Eu estou bem, na medida do possível. Como estão as coisas aí?
[Ava 19h40] Suportáveis. Mas Thomas é tão patético a ponto de querer que nossas roupas combinem.
[Tyler 19h45] Eu já sabia que ele era idiota. Mas não imaginei que fosse tanto.
[Ava 19h46]] Estou com saudades.
[Tyler 19h56] Eu também, gata. Mas aguente firme. Só mais alguns dias e você conseguirá o dinheiro.
[Ava 19h57] É a única coisa que me mantém aqui.
Não o dinheiro. Saber que seriam poucos dias.
[Tyler 20h01] Eu preciso ir resolver algumas coisas agora, mas podemos nos falar depois. Beijos
meu bombonzinho.
Eu realmente quis saber o que Tyler tinha para resolver em um pleno sábado à noite. Mas eu não
podia perguntar. Não quando ele já tinha se despedido.
[Ava 20h02] Beijos meu raio de sol.
Um minuto depois, Thomas saiu do banheiro enrolado em seu roupão com seus cabelos molhados. A
forma majestosa na qual ele caminhava despertou minha atenção. E eu não consegui evitar pensar em
mais cedo, quando eu vi o que havia debaixo daquele roupão.
— Gosta do que vê, Beckett? — Ele perguntou enquanto cruzava o quarto. Aquele sorriso debochado
brilhava em seus lábios rosa mousse de morango.
Eu devo ter encarado demais.
— Não mesmo — retruquei desviando o olhar.
Saltei da cama e me dirigi ao banheiro. Antes de abrir a porta, Thomas chamou. Eu girei meu
pescoço, e o encarei por cima do ombro. Ele estava perto do closet, com aquele roupão ainda
embrulhando seu corpo.
— Qual cor quer usar hoje, Beckett?
Eu não esperava aquela pergunta. Mas de alguma forma, a resposta veio tão rápido, que eu me
surpreendi comigo mesma. E entrei dentro do banheiro antes que ele fizesse algum comentário a
respeito da minha escolha.
Eu não demorei tanto naquele banho, mas quando saí do banheiro, encontrei um quarto vazio. Mas o
cheiro de couro amadeirado que Thomas deixara ali retumbou em minhas narinas. Ele podia ser o
homem mais petulante que eu conhecia, mas ao menos cheirava bem. Bem demais.
Coloquei o traje azul que estava em cima da cama. Exatamente a cor que eu disparei quando ele me
fez aquela pergunta. O tom era pálido e cintilante. Era um vestido longo, leve, com uma fenda gigante
na coxa, com alças finas e um decote chamativo.
Meus cachos estavam tão bonitos naquela noite, que deixei meus cabelos soltos, recaindo sobre meus
ombros como mortalhas de obsidianas. Usei uma maquiagem leve – apenas um blush, rímel e um
batom vermelho. Calcei uma sandália cintilante de salto alto, empurrei algumas pulseiras finas de
prata em meu pulso direito, e encaixei brincos de safira em meus lóbulos. E, enquanto eu borrifava
aquele perfume em minha nuca, eu pensei que eu estava tão bonita, que eu poderia tirar uma foto
minha enviar para Tyler. E eu fiz isso.
[Ava 20h54] Mal vejo a hora de usar um desses apenas para você.
Guardei meu celular em uma das gavetas e saí do quarto. E soltei um arquejo de surpresa quando me
deparei com Thomas ali no corredor, aguardando por mim. Ele usava um terno preto nanquim, mas a
gravata era da mesma tonalidade do meu vestido.
— Finalmente. — Ele cantarolou ao me olhar de cima a baixo. — Achei que você não ficaria pronta
nunca.
Resmunguei algum xingamento muito sujo para Sawyer.
O corredor estava vazio e silencioso. A brisa era leve, suave, morna.
— É melhor parar com isso. — Thomas disse e ergueu seu cotovelo no ar. — Eu não quero que
pensem que minha esposa está infeliz.
Entrelacei meu braço no dele e começamos a caminhar.
— Claro. — Retruquei com escárnio. — Porque você é o melhor marido do mundo.
— Exatamente querida. — Sawyer devolveu com ainda mais escárnio. — É exatamente isso que
você precisa fazer com que acreditem.
Revirei meus olhos. Era incrível como Thomas se tornava cada vez mais irritante.
Ainda não havíamos alcançado o final do corredor quando risadas contidas e uma música agradável
começou a manchar o silêncio. Levei minha mão esquerda até meu nariz por causa de uma leve
coceira e avistei aquela pedra escandalosamente azul em meu dedo anelar. E então a nota mental
tilintou em minha mente.
— Thomas, o que é este anel em minha mão?
Ele elevou um canto de sua boca.
— É o Oppenheimer.
Era a terceira vez que eu escutava aquele nome e ainda não fazia a menor ideia do que significava.
— Certo. — Respirei fundo. — Mas o que ele representa?
Thomas não conteve um riso debochado.
— Vamos apenas dizer... — ele fez uma pequena pausa. — Muito dinheiro.
Parei de caminhar o forçando a parar também.
— De quanto estamos falando exatamente?
Thomas virou seu rosto para mim, e usou a mão livre para afastar meu cabelo do meu rosto. E então
respondeu com aquele divertimento frio:
— Eu o comprei por 56 milhões.
O calor se esvaiu do meu corpo. E meu coração latejou em minha garganta.
— Você está falando sério?
Puta merda.
Como aquele homem podia ser louco o suficiente de colocar um anel daquele valor em meu dedo?
— Sim. — Thomas falou com um tipo de desdém. — Você pode pesquisar sobre ele depois.
— Você ficou louco? — Arquejei. E minha voz soou tão aguda quando emendei: — Por que você me
daria um anel desse valor?
— Eu já te disse, — ele respondeu ainda calmo demais, — minha esposa é uma mulher de luxo.
Inacreditável.
Como ele podia agir daquela forma perante a um objeto daquele preço?
Thomas era um homem senil.
Era a única justificativa.
Eu ainda estava boquiaberta quando ele retomou seus passos, então apenas me deixei ser conduzida
por ele. Algo arranhava minhas costelas à medida que a música ressoava mais e mais alto. Era
dinheiro demais ali, tão perto de mim. Se a polícia me visse com uma joia daquelas eu seria
mandada direto para a prisão. Eu nunca poderia justificar o que algo tão caro assim estava fazendo
em minha mão. Porque ninguém jamais acreditaria.
Meus joelhos ainda oscilavam quando alcançamos o topo da escadaria. E agora, eu tinha a impressão
de que aquela joia pesava uma tonelada. Mas ainda assim, eu notei todos aqueles olhares
rapidamente se voltando para nós. Quase como se Thomas e eu fôssemos a atração principal da noite.
E de novo, eu percebi aquelas expressões carregadas de desprezo que a maioria dos convidados
oferecia a Thomas. Quase como se ele fosse a ovelha negra da família.
— Por que todos estão olhando para nós? — Indaguei quase em um sussurro.
O olhar de Thomas percorreu o salão.
— Porque eu estou acompanhado pela mulher mais bonita daqui. — Thomas devolveu o sussurro, e
meu coração fraquejou. Um sorriso felino cresceu em seus lábios, e ele manteve aquela cabeça
erguida e o peito inflado. Era o lobo que eu vira na sua casa naquela noite. — E isso é difícil para
eles.
Com roupas e joias adequadas, você seria a mulher mais bonita de qualquer lugar.
É claro que nosso Thommy iria querer exibir uma esposa com um corpo desses.
Thomas não queria apenas uma mulher. Ele queria uma mulher que fosse seu troféu particular. Seu
objeto de luxúria. Quase como se ele tivesse triunfado depois de algum tipo de fracasso. E eu entendi
de verdade porque ele me escolhera para aquele papel. Não foi apenas pelo controle que ele tinha
sobre mim por casa da denúncia que poderia ser feita a qualquer momento. Foi porque todas aquelas
mulheres enfileiradas no salão eram lindas, mas eram todas iguais. Com cabelos claros, olhos claros,
e pele clara. E eu, eu era uma rosa preta se destacando em um jardim de rosas brancas. A pintura
apenas veio em minha mente.
E eu não consegui parar de pensar em que tipo de fracasso poderia ser o suficiente para que um
homem como Thomas Sawyer fosse o desprezado em sua família.
Ele começou a descer os degraus como se fosse o rei daquele lugar. E eu... eu era sua rainha. A
mulher atraente e glamorosa que ele podia chamar de esposa, aquela que retribuía todos os olhares
afiados. Um segundo antes de toda aquela farsa, ele disse que eu não deveria abaixar minha cabeça
para ninguém.
Eu não abaixei.

Depois de cruzarmos o salão sendo alvos de olhares tortos, nos sentamos em uma mesa um pouco
mais recuada. Um garçom se prontificou a nos servir quase imediatamente com champanhe, e
explicou quais seriam os pratos da noite. Thomas escolheu um Curry tailandês, conforme
recomendação do garçom, e eu escolhi salmão com salada. Era o único prato que eu sabia o que era.
Quando o garçom saiu, meus olhos começaram a percorrer o salão observando as pessoas que
estavam ali. Amelia estava sentada ao lado do seu noivo em uma mesa que ficava no centro superior
do salão, de forma que ela tinha a visão de todas as outras mesas. Ela estava radiante usando um
vestido roxo claro em dégradé, com mangas caídas nos ombros e uma saia tão bufante que a fazia
parecer uma princesa. Em uma mesa próxima a ela, estavam seus pais, sendo que Michael usava um
traje preto, e Christine esbanjava um lindo vestido vermelho carmesim de um ombro só, com um
faixa cintilante na cintura. Quanto ao restante dos convidados, eram tantos homens e mulheres usando
roupas tão elegantes e exibindo posturas tão impecáveis, que me perguntei se eles recebiam algum
tipo de curso especial ensinando como se portar em situações daquele tipo. Até as crianças ali se
comportavam com esplendor.
Até que uma presença, em um dos cantos do salão, roubou minha atenção como se fosse um feixe de
luz brilhando no escuro.
Não.
Impossível.
A cerca de 10 metros de onde Thomas e eu estávamos sentados, estava um homem, segurando sua
taça de bebida e conversando magnificentemente com duas mulheres. Ele usava um terno vermelho-
vinho tão chamativo, que por Deus, não sei como eu não o tinha visto antes. Se eu não estivesse
alucinando, se tratava de Travis Mattison, um dos meus maiores ídolos dentro do mundo das artes.
Eu conhecia de cor e salteado toda a sua trajetória. Ele tinha nascido em uma tribo na África, e viveu
na extrema pobreza até os doze anos, quando foi adotado por uma família de classe média de origem
dinamarquesa. Seus pais adotivos rapidamente perceberam seu talento e o inscreveram em uma
escola de artes, mas ele foi rejeitado. Certamente por conta do racismo, de acordo com sua mãe.
Contudo, aquilo não o impediu – ele pintava todos os dias, até que quando ele tinha 17 anos um dos
seus quadros se tornou viral em uma exposição. Ele não só ganhou uma bolsa na Royal College of
Art – a faculdade de Artes mais prestigiada do mundo – como em outras dezenas de faculdades.
Travis se tornou um dos pintores mais reconhecidos do mundo, e não só comprou a escola que o
rejeitou, como fundou várias instituições em sua antiga tribo para gerar novos talentos.
Ele estava com 34 anos, e tinha absolutamente tudo que um pintor poderia desejar –reconhecimento,
fama e quadros espalhados por museus no mundo inteiro, de forma que qualquer um que se
interessasse por artes tivesse acesso a suas pinturas.
— Meu Deus. — Arfei. Cutuquei as costelas de Thomas e ergui meu queixo, apontando na direção do
pintor. — Por favor me diga que eu estou ficando louca e aquele não é Travis Mattison.
Sawyer olhou na direção que eu indiquei. E estreitou os olhos.
— Quem?
A música clássica que ressoava de violinos abafou meu arquejo alto demais.
— Você não sabe quem é Travis Mattison?
— Não. — Thomas respondeu com calma e bebeu um gole do seu champanhe. Nossos olhares se
encontraram. — E pela sua reação exagerada imagino que deva ser um cantor fútil.
— Um cantor fútil? — Grunhi. — O que você acha que eu sou, uma adolescente mimada?
Thomas rolou os ombros com desdém. Balancei a cabeça em um sinal de não.
— Ele não é um cantor, ele é um pintor. — Expliquei tentando manter o tom baixo, e olhei mais uma
vez para a direção de Travis. — Simplesmente o melhor dessa década.
Meu falso marido estudou o homem novamente.
— Eu realmente não o conheço. — Ele falou com um desinteresse gélido. E bebeu outro gole. — E
estou surpreso que a senhorita se interesse por coisas deste tipo.
— Coisas deste tipo? — Franzi a testa. E voltei a encarar aqueles olhos azuis que talvez tinham
arrancado minha escolha da cor para aquela noite.
Thomas abriu um sorriso torto. Então encarou minha boca, meu decote, minha cintura.
— Arte é um gosto nobre.
Eu me reclinei contra o encosto acolchoado da cadeira e cruzei as pernas, deixando que aquela fenda
exibisse minha coxa direita. Se ele queria olhar para meu corpo, que eu então oferecesse a visão
completa do que ele nunca teria.
— Do que exatamente você está me chamando neste momento?
Sawyer lambeu o lábio inferior. Seu olhar cintilou com alguma coisa feroz enquanto ele encarava a
pele negra exposta em minha perna.
— Não estou te chamando de nada, Beckett. — Thomas avisou por fim, e voltou a encarar meus
olhos. Levei minha taça de champanhe até minha boca. — Mas se gosta tanto assim deste homem
podemos ir falar com ele.
Quase engasguei com a bebida.
— Eu não posso falar com ele. — Murmurei devolvendo a taça para a mesa. — Eu não saberia o que
dizer ou como reagir.
Sawyer comprimiu seus lábios um contra o outro, e um lado deles foi puxado para cima.
— Não seja boba, Beckett. — Thomas olhou mais uma vez para meu ídolo. — Eu posso te apresentar
a ele.
— N-n-não — gaguejei, e um tremor gelado reivindicou meu corpo. — Eu não saberia o que falar,
e....
— Pare com isso. — Ele me interrompeu com frieza.
E então se levantou com toda aquela magnificência e me puxou pela mão.
Meu corpo traidor deixou que ele me erguesse. E minhas pernas não resistiram quando Thomas
começou a caminhar na direção daquele homem do outro lado do salão.
Nove metros nos separavam. Oito metros. Sete metros. E eu até me esqueci de todos aqueles
convidados murmurando coisas enquanto passávamos pelas mesas que eles ocupavam.
Seis metros.
Meu batimento se perdeu em meu peito.
Cinco metros. Eu esmaguei a mão de Thomas e parei de caminhar. Três mesas douradas no
flanqueavam, preenchidas por membros da família Sawyer que eu não me preocupei em reconhecer.
— Eu não posso fazer isso. — Disparei baixinho.
Thomas virou seu torso para mim, e aqueles olhos azuis rasgaram os meus.
— Ele é só um homem.
— Ele não é só um homem. — Retruquei quase trincando os dentes.
Um suor gélido se empoçou em minhas mãos.
— Oh, não? — Thomas ronronou, e em um instante me puxou para junto do seu corpo, deixando que
sua mão livre empurrasse minhas costas até que nossos quadris colassem um no outro. Aquele
volume em suas calças tão enrijecido roçou minhas partes íntimas sob o tecido. E ele estava tão perto
que eu precisei tombar minha cabeça para trás para continuar enxergando seu rosto. Ele emendou: —
Você não acha que ele tem exatamente a mesma coisa que eu entre as pernas?
Exatamente eu não sei. Seu pau parece ser um tanto único.
Assenti brevemente. Era a única reação que eu conseguia oferecer.
— Ótimo. — Thomas falou com toda aquela inexpressividade e se afastou de mim. — Você
reconhece que ele é apenas um homem.
E então, ele voltou a segurar minha mão direita e me conduzir na direção de Travis Mattison.
Meu coração sibilava mais e mais à medida que nos aproximávamos do pintor. Apertei com tanta
força a mão de Thomas no momento em que cruzamos com Travis, que eu poderia ter quebrado todos
aqueles ossos se eles não fossem de puro concreto. Sawyer me lançou um olhar porco antes de enfim
pararmos na frente do pintor. E eu ainda não podia acreditar que estávamos perante a meu artista
favorito. Parecia um sonho do qual eu estava prestes a acordar a qualquer momento.
— Senhor Sawyer. — Travis foi o primeiro a falar. Ele era grande como a proa de um navio. — É
uma honra o conhecer pessoalmente.
Não, não. A honra era toda a nossa. Thomas estendeu a mão aceitando o cumprimento do pintor.
— Digo o mesmo. — Meu marido respondeu com um tédio frio. — Eu gostaria de te apresentar
minha esposa, Katherine Sawyer.
Travis olhou para mim como se só então estivesse notando minha presença. Seus olhos de falcão
eram escuros como um chá forte, não havia nenhum fio de cabelo em sua cabeça redonda, e seus
traços eram poderosos. Uma mandíbula forte, lábios carnudos, sobrancelhas grossas, nariz achatado.
E quando aquele pintor puxou minha mão direita para si e a beijou, eu decidi que nunca mais lavaria
aquela mão.
— É um enorme prazer, senhora Sawyer. — Travis anunciou mantendo uma proximidade respeitável.
Senhora Sawyer. Era como se ele estivesse falando com outra pessoa. Ele soltou minha mão, e eu
poderia estar derretendo.
— O prazer é todo meu. — Minha voz não passou de um sussurro trêmulo. Eu não conseguia parar de
sorrir. Eu estava mesmo flutuando. Como uma garotinha visitando a Disneylândia pela primeira vez.
Consegui completar com um pouco mais de firmeza: — Eu sou uma grande fã do seu trabalho.
Thomas levou a mão direita até minhas costas. O macho estabelecendo seu território.
— Eu fico muito feliz em saber. — O pintor abriu um sorriso que não chegou até seus olhos. — A
senhora é uma amante das artes ou também pratica pintura?
— Eu.... — Inspirei fundo. Desejei ter coragem o suficiente para dizer sobre meus quadros, mas
como eu falaria daquilo com um dos meus artistas favoritos? E se ele me pedisse para ver um dos
meus quadros e odiasse? Não, eu não aguentaria. Engoli em seco, e minha garganta doeu. — Sou
apenas uma amante.
Havia tantas coisas que eu gostaria de perguntar. Quer dizer, o cara era uma das minhas maiores
inspirações. E eu nunca tinha cogitado que o conheceria pessoalmente. Claro, eu já havia desejado
aquilo inúmeras vezes, entretanto.... Eu achava que isso só existiria em minha imaginação, e quando
eu fantasiava a situação, tudo se saia perfeitamente. Meu ídolo iria me adorar, uma conversa gostosa
e natural iria fluir, e talvez até nos tornaríamos amigos. Mas agora que realmente estava acontecendo,
eu não sabia como me comportar. Quase como se meu cérebro tivesse parado de funcionar.
— Entendo. — Travis retrucou complacente, e afastou uma poeira invisível do seu terno vermelho
vinho. — A senhora gosta de algum quadro meu em particular?
— Eu adoro todos os seus trabalhos. — Confessei um segundo depois da pergunta. Thomas soltou
uma respiração pesada. — Mas “Le fils du feu” é o meu favorito.
Eu não sabia quase nada em Francês. Mas eu aprendera o nome daquela obra, que significava O filho
do fogo. Se tratava de uma pintura quase abstrata, com chamas envolvendo um cenário escuro. No
entanto, o ápice da obra era um garoto quase devorado pelas chamas, que passava despercebido para
olhares que não estivessem atentos.
— Algum motivo especial? — O pintor indagou.
— Eu amo a forma que o senhor brincou com as tonalidades. — Expliquei. — O jeito em que o
castanho-terracota da pele do garoto recai sob o laranja avermelhado das chamas é lindo. Mas o que
me fascina é o significado implícito. Como as vezes uma coisa está bem diante dos nossos olhos, e
ainda assim, somos capazes de ignorar aquilo. — Os olhos de Travis cintilaram. — Como a vida é
linda e intensa, mas também, em como as coisas mais valiosas estão escondidas nos detalhes.
Aquele sorriso sincero que Travis me ofereceu fez meu peito doer de verdade. Meu sonho estava
estampado na expressão daquele homem. O orgulho por saber que sua pintura podia realmente tocar
um coração.
— Fico feliz em saber. — Ele falou com sutileza, e olhou para Thomas, que permanecia em silêncio
até aquele momento. — É sempre uma honra poder agradar a família Sawyer.
Meu marido de mentira apenas assentiu lentamente com a cabeça.
— O senhor é um dos amigos da minha irmã? — Thomas perguntou com um desdém quase gélido.
— Não. — Travis respondeu. E contraiu um músculo em sua mandíbula. — O senhor Scott
encomendou um quadro meu, e eu não poderia deixar de parabenizar pessoalmente noivos tão
queridos.
Thomas soltou um arquejo tão tenso, que um silêncio pesado recaiu sobre nós.
— Eu irei cumprimentar alguns amigos aqui presentes — o pintor disse por fim quase como se
estivesse desconfortável. — E depois nos falamos mais uma vez.
Travis fez menção de inclinar seu corpo em minha direção, mas Thomas rosnou e me apertou ao seu
lado. O pintor engoliu em seco.
— Foi um enorme prazer falar com os senhores.
— Igualmente — eu falei, e minha voz quase falou.
Meu marido apenas estalou a língua e deixou que o pintor se afastasse. Eu esperei que Travis
ganhasse distância, e então expulsei aquela mão das minhas costelas.
— Você precisava falar desse jeito com ele? — Bufei.
O azul nos olhos de Thomas ainda ondulava em puro tédio.
— Eu não gostei dele. — Meu marido de mentira confessou. — Ele me parece ser um homem
forjado.
— Você é um homem forjado — murmurei.
E retornamos para nossa mesa sem trocar mais nenhuma palavra.
O salmão estava se acentuando em meu estômago a medida que eu fazia círculos preguiçosos em
minha barriga usando a mão direita, enquanto minha mão esquerda repousava naquela taça de cristal.
O anel de 56 milhões de dólares se destacando mais do que nunca agora em meu dedo anelar.
Thomas estava calado reclinado em seu assento, vez ou outra oferecendo um cumprimento silencioso
com a cabeça para alguém. E então, aquele talher tilintou contra uma taça de cristal no centro do
salão.
Virei meu torso. O pai de Thomas estava em pé, segurando sua taça.
— Prezados, — ele anunciou quando o silêncio reinou ali, — eu gostaria de um minuto da atenção de
vocês.
O som dos convidados se movimentando em suas cadeiras para olhar na direção de Michael
preencheu o ambiente por um momento.
— Eu não poderia estar mais feliz, — o homem que tinha traços tão parecidos com os de Thomas
disse, e olhou na direção de Amelia, — minha linda filha está se casando com um excelente homem.
— Michael fez uma pausa somente para assistir o sorriso orgulhoso que Oliver abriu. — Quando
olho para vocês dois, penso em quão sortudos somos nós que conhecemos o amor. O amor é muito
mais do que uma dádiva. É luz na escuridão, remédio para uma alma ferida, alento para um coração
desprotegido. Mas não se enganem. O amor também é luta, persistência e esforço. Existirão dias em
que não estarão bem um com o outro. Dias difíceis, em que tudo será colocado a prova. E serão
nestes dias, meus jovens, que vocês devem se lembrar do porquê estão juntos. Lembrem-se de que o
amor é a única esperança e o maior combustível para seguir em frente. — Michael fez outra pausa e
desta vez mirou seu olhar em Thomas ao erguer sua taça. — Um brinde ao amor que cura, abriga,
sustenta e fortalece. Que não fechemos nossos olhos para este sentimento. Que nos permitamos amar
e sermos amados.
Foi um dos brindes mais lindos que presenciei naquela ocasião. Todos ergueram suas taças e
brindaram, deixando que o tilintar de cristais explodisse ali, e em seguida Michael foi aclamado por
uma salva de palmas. E em meio a agitação daquelas palmas, notei algo diferente em Thomas. Tive a
impressão de que as palavras de Michael causaram uma comoção diferente nele. Ele estava com o
olhar vazio, como se estivesse se lembrando de alguma coisa perturbadora. E meu marido de mentira
não disse nada para mim ao devolver sua taça para a mesa e simplesmente sair caminhando rumo aos
fundos do salão. E eu não fazia a menor ideia se o seguia ou se esperava por ele ali.
A segunda opção me pareceu melhor. Não tínhamos intimidade o suficiente para que eu fosse atrás
dele e o fizesse desabafar comigo caso estivesse passando por um momento difícil. Além disso, eu
realmente podia usufruir de uns minutos longe da sua presença.
Retornei para o quarto me desvencilhando de qualquer pessoa que fazia menção de conversar
comigo. Subi em passos tão apressados aqueles degraus, que minha respiração estava curta quando
alcancei o quarto. Arranquei aquele par de salto alto e me joguei na cama, deixando que meu corpo
afundasse no mar de plumas. E peguei meu celular.
A notificação que eu queria tanto ler, estava ali esperando por mim.
[Tyler 22h13] Eu quero use esse vestido para mim. Somente para que eu o arranque do seu corpo
com meus próprios dentes.
[Ava 22h52] Acho que eu não ficarei com as roupas quando isso acabar.
[Tyler 22h54] Talvez até o final da viagem você consiga arrancar mais dinheiro deste pateta. Assim,
pode comprar todos os vestidos que quiser.
[Ava 22h55] E eu ficarei mais do que feliz em usar cada um deles para você.
Eu me demorei naquele banheiro, pensando no homem que eu deixara em Nova York. Naquelas
covinhas que eu devoraria quando retornasse. Eu me empacotei no pijama tão macio e cheiroso que
parecia ter acabado de sair da lavanderia, e me aninhei na cama. Eu não dormiria ali, apenas
deixaria que meu corpo relaxasse até que Thomas retornasse. Mas aquela cama parecia possuir mão
suaves que abraçavam meu corpo e empurravam minhas pálpebras. E elas ficaram pesadas,
pesadas... até que o sono quase me reivindicou. Quase.
Porque a porta do quarto rangeu se abrindo, e trouxe um Thomas em um estado ainda desconhecido
para mim. Seus cabelos estavam bagunçados, seu paletó amassado, sua gravata estava frouxa, e ele
arfava. Evitei o encarar diretamente enquanto ele caminhava em passos pesados até o closet e pegava
seu pijama de seda azul, e depois marchava até o banheiro. E ele bateu aquela porta com tanta força,
que eu peguei um travesseiro e uma colcha e corri para o sofá. E me aninhei ali. Minutos depois
aquela porta se abriu outra vez, e passos abafados ressoaram até parar perto da cama. As luzes
douradas foram apagadas, deixando que o quarto fosse engolido por uma escuridão densa. As molas
foram amassadas, e as colchas remexidas. E um suspiro tão pesado saiu dele, que eu estremeci.
— Venha para a cama. — Thomas exigiu com a voz rouca. — Eu não quero que durma no sofá.
— Não, obrigada. — Respondi encarando aquele estofado quase devorado pelo escuro. — Eu disse
que não dividiria a cama com você.
— Pare com isso Beckett. — Ele retrucou em um tom arrogante. — A cama é grande o suficiente para
nós dois.
Eu me encolhi no sofá.
— Ainda assim estaríamos na mesma cama.
Escutei Thomas se remexendo naquela cama também.
— Por que você precisa ser tão teimosa?
Rolei para o outro lado.
— Eu não sou teimosa. Só estou cumprindo minha palavra.
O silêncio foi estridente ali. Por um minuto. Dois minutos. Até que Thomas se remexeu outra vez.
— Por que você hesitou, Beckett?
Bati os cílios com pressa.
— O quê? — Murmurei.
— Você estava lá, prestes a trocar aquele pen-drive. — Thomas falou com uma inexpressividade
fria, e meu coração sibilou. — Mas você hesitou.
Abracei meus joelhos sob aquela colcha pesada, deixando que as garras da noite envolvessem meu
corpo. E minha garganta se fechou em um aperto.
— Você me viu hesitar? — Indaguei tentando engolir aquele nó.
— Sim.
— Como?
— Adam é um funcionário inteligente. Ele me procurou há 1 mês e me contou tudo. Foi uma crise de
consciência. E eu.... Eu poderia ter demitido todos vocês imediatamente. Mas eu não tinha provas.
Não tinha nada que eu pudesse usar para fazer todos vocês saírem da minha empresa sem ter direito a
nenhum centavo. Nada além da confissão de alguém que poderia muito bem desmentir tudo. Então eu
prometi a Adam que nada aconteceria com ele se ele trabalhasse infiltrado para mim. Que me
contasse todos os detalhes.
“E quando aquela quinta feira chegou, eu cancelei meus compromissos sem que minha secretária
soubesse e entrei na empresa pela saída de emergência para que ninguém me visse. Eu deixei que Ian
acreditasse que tinha o controle das câmeras e esperei em meu elevador. Eu estava observando minha
sala através do meu celular usando outro sistema de monitoramento, um que Ian nem sequer sabe que
existe, e planejava te surpreender no exato instante em que você entrasse ali. Mas quando você abriu
aquela porta eu percebi que você iria desistir. E eu achei que talvez você precisasse daquilo. Que se
eu te impedisse antes mesmo de você tentar, você nunca saberia se teria ido em frente ou não, e isso
se tornaria seu inferno pessoal. ”
Thomas hesitou por um momento. E algo pesado ondulou naquele quarto.
— E acredite em mim, Beckett, — ele murmurou, — você não quer um inferno pessoal.
A comida virou pedra em meu estômago. Por isso Thomas sabia sobre tudo. E ainda assim, não
consegui sentir raiva daquele amigo de Tyler. Não quando eu tinha desistido também. Não quando
alguns princípios deveriam vir antes da amizade. Antes do amor.
— Mas Adam foi demitido também.
— E recebeu minha indicação em outra empresa. Começará no próximo mês.
Uma sombra recaiu sobre meu peito.
— Por que eu recebi uma segunda chance?
— Eu deixaria você ir embora. Eu deixaria você arcar com seus próprios problemas e seguir sua
vida. Mas no exato momento em que você girou seu corpo para sair daquela sala, eu me lembrei de
tudo que Adam tinha me dito ao seu respeito. A mulher que no seu primeiro dia de emprego não teve
medo de se impor contra um assédio, que deixou sua família na Inglaterra para batalhar pelos seus
sonhos. — Ele fez uma pausa, e eu tive a impressão de que ele engoliu em seco. — A mesma que eu
vi naquela cobertura e achei ser a mulher mais bonita que eu já tinha visto em toda a minha vida.
Então a ideia apenas veio. — Meu coração gelou. Gelou de verdade. — Você precisava de dinheiro
a ponto de ter aceitado participar de um roubo, e eu tinha cometido a besteira de dizer para Amelia
que eu estava casado. E considerando que eu sabia de tudo, eu poderia comprar seu silêncio também.
Balancei minha cabeça em um sinal de não, e pisquei afastando aquela queimação. Thomas
permaneceu imóvel. Uma tonelada embolou meu estômago ao pensar em como eu teria destruído de
verdade minha vida se não tivesse desistido daquele roubo.
— Eu vi o quadro. — Falei baixinho, quase em um sussurro. — A pintura do cavalo negro em sua
sala. E eu pensei que era melhor viver atolada em fracasso do que começar algo a partir de um
dinheiro roubado.

CAPÍTULO 20

Era a segunda manhã em que eu acordava como Katherine Sawyer. E, de novo, amanheci na cama.
Assim como Thomas também não estava no quarto. Talvez ele tivesse saído para correr outra vez. Eu
não me importava.
Conferi meu celular. Nenhuma mensagem nova.
Retirei meu pijama e fui para o banheiro. Enquanto aquela água acariciava meu corpo, eu pensei em
quando Tyler e eu fizemos sexo no chuveiro pela última vez. Havia sido no dia em que ele me contou
sobre o roubo. Aquelas maravilhosas horas que compartilhamos naquele domingo. Eu queria tanto
que aquela viagem idiota acabasse logo para que pudéssemos resolver de uma vez por todas as
coisas entre nós e passar o resto de nossas vidas juntos.
Terminei meu banho e me enrolei na toalha. Meu corpo estava tão relaxado. Apesar de todos os
pesares, aquelas últimas noites haviam sido as melhores noites de sono que eu tinha desde que havia
saído de Norshingan. A temperatura era agradável, a cama era confortável, o pijama roçava minha
pele com aquela suavidade gélida, o silêncio era restaurador... só havia um problema: a companhia.
Se eu estivesse passando por aquilo com Tyler, eu nunca mais sairia dali. Seria de fato o paraíso.
Entrei naquele closet e procurei por alguma roupa mais casual para que eu pudesse passar o dia. Mas
depois de dez minutos de procura, eu percebi que não havia nenhum short, blusa, calça ou saia.
Apenas vestidos e mais vestidos. Por fim acabei escolhendo um traje rosa-salmão de renda, com
mangas de princesa e uma saia drapeada com comprimento até os joelhos. Calcei uma sapatilha de
veludo, encaixei brincos pequenos em minhas orelhas e apenas uma pulseira gorda de ouro em meu
pulso esquerdo. Prendi meus cabelos cacheados tão volumosos em um rabo de cavalo, borrifei um
dos perfumes doces enfileirados naquela estante para mim, e saí do quarto.
Caminhei pelos corredores vazios da mansão, observando todas as portas de madeira entalhada dos
quartos vizinhos, refletindo sobre como aqueles outros convidados eram discretos. Eu nunca escutava
nenhum ruído vindo deles. Alcancei a escada e percebi que não havia quase nenhum movimento ali,
com exceção de algumas crianças que brincavam deixando que risadas contidas ressoassem pela
casa. E eu pensei em como Sophie já teria derrubado aquela casa inteira.
Desci degrau por degrau, deixando que os raios de sol que serpentavam das gigantes janelas de vidro
me adulassem. O dia que se estendia adiante delas era forrado por uma claridade pálida.
Meus pés tocaram o piso do salão. Havia uma mesa grande posicionada bem ali no centro, oposta ao
magnífico piano banco, e além de um banquete disposto ali, a mãe de Thomas ocupava uma das
cadeiras. Avaliei minhas opções. Ir procurar Thomas ou aguentar alguns minutos de conversa com ela
e aquietar aquele monstro rosnando em minha barriga. Bem, eu tinha sobrevivido ao pai de Thomas.
Aquela mulher tão jovial usando um vestido branco comprido, com brincos de rubi e um colar de
diamantes reluzindo em seu pescoço não podia ser pior do que ele.
Caminhei até a mesa em passos curtos e reivindiquei um lugar em frente a ela. Havia bandejas de
furtas, torradas, tranças de pão, bolos, queijos, e jarras suadas. Bules brancos e xícaras de louça,
pires, talheres de prata e guardanapos de seda. Falei um cumprimento e abri o sorriso mais educado
que eu era capaz de oferecer a alguém.
Ela sorriu de volta, expondo aqueles dentes brancos e retos. Os olhos amarelos tão dourados como
aquela pulseira em meu pulso.
— Como foi sua noite?
— Maravilhosa. — Respondi em um tom leve, e forcei um suspiro. — Todos os momentos ao lado
do seu filho são assim.
Christine deixou uma risada baixa escapar.
— Está com fome, minha querida? — Ela perguntou de maneira doce. — Eu posso pedir que os
empregados te sirvam.
Como um homem tão idiota podia ser filho de um poço de ternura como aquela mulher?
— Não será necessário. — Falei estendendo a mão até a jarra mais próxima. — Eu não me importo
de me servir.
E eu não sou aleijada.
— Sabe de uma coisa? — Christine indagou em um tom retórico enquanto eu completava minha taça
com aquele suco de melancia. — Eu estou muito feliz que meu filho tenha se casado de novo.
De novo?
Quase derrubei a jarra. E eu precisei me esforçar de verdade para não soltar um arquejo
escandaloso. Thomas já havia sido casado? Por isso todos reagiam com tanta surpresa ao vê-lo com
uma esposa? E o mais importante, como eu extrairia informações daquela mulher sem que ela
percebesse que eu não fazia a menor ideia sobre aquilo?
Puxei um prato de louça branca e coloquei duas fatias de queijo sobre ele. E alguns morangos. E uma
trança de pão.
— Ele não conversa comigo a respeito do que aconteceu. — A mãe de Thomas voltou a falar, e eu
percebi que eu não tinha dito nada. Então, ela levou sua mão até a minha por cima da mesa. Era como
ser tocada por uma boneca. — Mas já havia um longo tempo que eu não via meu Thommy tão…, —
Christine fez uma pausa procurando por um termo específico, — em paz.
Coloquei minha mão livre sobre a dela. Pobre e iludida mulher. Eu me senti mal de verdade por estar
a enganando. Nossos olhares se encontraram, e o cheiro da comida servida em meu prato, mas ainda
intocada, castigou meu estômago.
— A pior coisa que uma mãe pode enfrentar, é ver seu filho em agonia e não poder fazer nada. — Ela
prosseguiu com a voz um pouco embargada. — E desde o momento em que vocês dois desceram
daquele jato, eu percebi que meu filho já não está mais sofrendo. — Christine abriu um sorriso.
Terno. Como minha mãe sorria. — E por isso, você tem minha eterna gratidão.
Eu abri a boca para dizer a verdade. Porque meu peito ficou tão pequeno ao perceber o quanto
aquela mentira era horrenda. E além disso, eu não fazia a menor ideia do que ela estava falando.
Raros são os casamentos que duram. O nosso pode ser um daqueles que acaba em um divórcio tão
conturbado, que eu nunca mais conseguiria nem mesmo ouvir seu nome. Talvez aquilo já tivesse
acontecido com ele uma vez, porque a mãe dele estava me olhando como se eu fosse o maior
presente que seu filho poderia ter recebido. Como se de fato eu fosse um anjo na vida dele.
Mal sabia ela que era justamente o contrário.
— Eu não sei o que dizer.
Foi a única coisa que eu encontrei para falar. E eu não sabia mesmo. Christine assentiu e comprimiu
seus lábios.
E ficou ali em silêncio enquanto eu fazia aquela refeição.

Eu me despedi de Christine decidida a interrogar Thomas. Como ele queria que acreditassem que eu
era sua esposa, se ele tinha omitido algo como aquilo? Disparei para a área externa da mansão. O
cheiro das magnólias e dos lírios acariciou meu olfato, e aquela brisa suave me beijou. Os jardins
estavam desertos, assim como a piscina, mas havia vozes vindo de algum lugar nos fundos da
mansão. Vozes que ondularam em meu sangue. Segui o barulho. O farfalhar das macieiras e o chilrear
dos pássaros era literalmente música em meus ouvidos. Talvez eu fosse sentir falta daquilo quando eu
retornasse para todas aquelas buzinas e movimentação incessante de Nova York. O verde banhado
pelos raios de ouro do sol, ao invés de todo aquele cimento pálido. As vozes ficaram mais altas a
medida que eu avançava por todos aqueles jardins, até que eu virei uma esquina e encontrei uma
quadra de Tênis. De um lado, mulheres empoleiradas em cadeiras brancas sob a sombra de
ombrelones azuis, gargalhando e segurando suas taças de cristal. Havia uma mesa diante delas com
todas aquelas garrafas de champanhe, e saladas de morango, melão e uva. Do outro lado da quadra,
homens se alongando e segurando suas raquetes. Estes usavam blusas de mangas curtas e shorts
esportivos, todos brancos. E em um segundo eu percebi que eles estavam se preparando para uma
partida.
Eu me aproximei do grupo de mulheres depois que Amelia gritou meu nome em um tom muito agudo,
e depois de todos aqueles cumprimentos escandalosos que suas primas e suas madrinhas me
ofereceram, eu examinei o lugar outra vez. E, um pouco afastado de todos aqueles homens que
pareciam iguais usando uniformes brancos, eu avistei Thomas. Ele estava sentado sozinho em um
canto, girando uma raquete em suas mãos. Mas, apesar da distância, parecia existir algum tipo de
tristeza em seu olhar.
— Que bom que veio torcer pelo seu marido. — Amelia ronronou depois de beber um gole do seu
champanhe.
Ela usava óculos escuros e um chapéu grande, bege claro, assim como o vestido de renda em seu
corpo. E as primas de Thomas riram daquele comentário como se aquilo fosse uma piada interna.
— O quê? — Indaguei.
— Você nunca o viu jogando? — Luna perguntou. A prima dos cabelos castanho dourados que era a
mais jovem do grupo.
Balancei a cabeça indicando que não.
— Thommy é péssimo, querida. — Chloe explicou. A prima médica. — Mas pelo visto essa manhã
ele se poupará da vergonha.
Estudei a quadra outra vez. Os homens conversavam entre si, ainda se alongando. E Thomas
observava de longe, quieto, calado. Eu quase senti pena dele.
— É verdade. — Luna emendou. — Não restou ninguém para fazer dupla com ele.
Bati meus cílios. E não consegui desviar o olhar do meu marido de mentira.
— Como assim? — Questionei. — Tem várias pessoas aqui.
— Oh, querida. — Amelia retrucou em um tom casual. — Na verdade se você reparar, os homens
estão em um número ímpar.
Eu não tinha reparado aquilo. Mas ainda assim, não era motivo para que Thomas não participasse
apenas pela falta de um parceiro homem.
— E quanto a todas essas mulheres aqui?
Eu mal fechei a boca, e risadas explodiram ali.
— Bobinha, do que está falando? — Heather indagou. Com aquele veneno que eu queria arrancar aos
tapas de sua cara. — Mulheres não jogam, apenas torcem.
Eu girei meu tronco para ela. Como assim mulheres não jogam? É claro que jogam. Jogam e são
muito boas. Eu já tinha participado de várias competições de Tênis quando estava no ensino médio.
Na verdade, Norshingan podia ser uma cidadezinha do interior, mas se havia uma coisa que era
incentivada ali, eram os esportes. Existiam torneios abertos ao público durante o ano todo.
— Isto é ridículo. — Eu anunciei e me levantei. Expulsei a pulseira do meu pulso, assim como os
brincos dos meus lóbulos. Larguei tudo sobre a mesa. As mulheres arquejaram em surpresa.
Adicionei para ninguém específico: — Não é justo que ele fique fora do jogo.
— Mas não restou nenhum outro homem para ser a dupla dele. — Amelia explicou.
E eu a encarei por cima do ombro. E abri um sorriso muito debochado para dizer:
— Não precisa ser um homem.

CAPÍTULO 21

Eu cruzei aquela quadra banhada pelo sol quase como se eu estivesse desfilando. Pessoas idiotas.
Mulheres não jogam. Estalei a língua com desprezo mais do que uma vez. Os homens que estavam se
preparando para a partida começaram a murmurar alguma coisa quando notaram minha presença,
quase como se estivessem incomodados por eu estar pisando no sagrado solo masculino. Parei a
cerca de 3 metros deles.
— Eu estou aqui, — avisei em voz alta sem encarar nenhum deles, — para ser a parceira de Thomas.
Se as mulheres riram por ficarem surpresas, os homens riram com puro deboche. Meu sangue
esquentou, e nem foi por causa do sol.
— Sim querida. — O tio de Thomas, Edmund, respondeu com escárnio. — Já sabemos que você é
parceira de vida dele
Balancei minha cabeça em um sinal de não.
— Eu serei a dupla dele no jogo.
— Thomas. — O outro tio de nome Jackson falou com tanto desdém, que ânsia encheu meu estômago.
— Controle sua esposa. Estamos prestes a começar o jogo.
Controle sua esposa?
Eu abri a boca para falar alguma coisa muita suja, mas Thomas se posicionou ao meu lado. Eu não
tinha notado que ele se aproximara tão depressa.
— Ela está brincando. — Ele disse em um tom firme encarando o grupo de homens, e sua mão
pesada repousou em meu ombro direito. — Katherine adora fazer brincadeiras.
— Eu não estou brincando. — Insisti. E dei um passo para a frente, me desvencilhando daquela mão
de Thomas. Encarei os tios que haviam falado primeiro. — Eu irei jogar.
Thomas forçou uma risada.
— Com licença por um minuto. — Ele disse um segundo antes de fechar seus dedos contra meu
cotovelo e me arrastar até o mesmo canto em que estava anteriormente. E eu bufei pelas narinas
quando ele soltou meu braço.
— O que está fazendo aqui? — Sawyer bradou de dentes trincados. A ira que eu conhecera na nossa
primeira noite brilhou naquele azul.
— Eu já disse. — Troquei de pé. — Eu serei sua dupla.
Thomas inspirou. E expirou. Profundamente.
— Beckett, — um músculo tremeluziu em sua mandíbula, — mulheres não jogam.
— Sério? — Retruquei com esgar. — Porque eu posso citar o nome de umas duzentas atletas em
menos de um minuto se você quiser.
Meu marido de mentira estreitou os olhos. As mulheres sob os ombrelones pareciam nem estar
piscando, e o grupo de homens reunido a quatro metros de nós ficava murmurando coisas.
— Primeiramente, é impossível dizer tantos nomes em tão pouco tempo — ele rebateu e espalmou as
mãos contra seu quadril. — E segundo, os jogos de Tênis em minha família são apenas para homens.
Coloquei minhas mãos em meu quadril, o imitando em um gesto provocativo.
— Então quer dizer que vocês são um bando de machistas?
— Não, eu não estou dizendo isso. — Ele girou o pescoço e espiou brevemente o grupo de homens.
Os músculos contraídos em seus braços eram lindos. Seu olhar azul cintilante encontrou o meu outra
vez. — É só que, geralmente apenas os homens participam.
Soltei um arquejo frustrado.
— E por que não podemos mudar isso hoje?
Aquela expressão cor de creme endureceu.
— Porque você nunca viu estes homens jogando.
— Eles também nunca me viram jogando. — Olhei na mesma direção em que ele havia olhado, e
percebi que o grupo estava indo para o meio da quadra, como se estivessem prestes a começar. —
Sawyer, me escute, — falei em um tom firme, fitando aqueles olhos tracejados por safiras, — me
deixe fazer isso. Me deixe ser sua parceira e eu prometo que não irá se arrepender.
Thomas observou o grupo de homens outra vez. Suas mãos caíram contra as laterais do seu corpo.
Ponderando. Ele estava ponderando.
— Não podemos fazer isso. — Ele avisou em um tom inexpressivo quando voltou a me encarar. E
sua garganta oscilou. — Eu agradeço sua boa vontade, mas é melhor que eu realmente fique de fora.
Bufei. Aquele não era o lobo que eu conhecia. Era um gatinho medroso. Dei um passo em sua direção
e tomei seu rosto em suas mãos. Ávida.
— Thomas, olhe para mim. — Falei, apertando aquele rosto para que ele não mexesse sua cabeça. —
Eu posso fazer isso. Acredite em mim. Esses bobões irão comer poeira comigo.
Ele tentou negar com a cabeça. E estudou meu corpo por trinta segundos. O grupo de homens já
parecia estar discutindo as regras.
— Você nem mesmo está vestida para jogar.
— Eu não preciso de uma dessas roupas ridículas. — Soltei seu rosto apenas para me inclinar e
retirar aquelas sapatilhas. Meu olhar alcançou o de Thomas outra vez. — Eu só preciso de uma
raquete.
O peito de Thomas subiu e desceu com calma. E então ele balançou a cabeça em um pequeno sinal de
não, como se agora estivesse negando alguma coisa apenas para ele mesmo.
— Eu não acredito que irei fazer isso. — Sawyer disse por fim e segurou minha mão direita. — É
melhor que você seja muito boa nesse jogo.
Ele começou a caminhar em passos largos rumo ao centro da quadra. E eu apressei meu ritmo para
que eu pudesse caminhar ao lado dele, e não atrás dele. Ele podia me conduzir, mas não precisava
ficar em minha frente.
— Eu sou. — Afirmei com convicção. — Eu sou ótima.
Eu não estava mentindo. Movida pela minha competitividade doentia, eu já tinha derrotado grande
parte das pessoas em minha cidade. Na verdade, eu era melhor até do que Tyler. Por vezes
formávamos dupla, no entanto, sempre que estávamos treinando um contra o outro eu o derrotava. Se
eu não quisesse tanto me tornar uma pintora, talvez eu poderia ter investido em uma carreira
esportiva.
— Por Deus, Thommy. — Dylan bufou ao notar que nos aproximávamos. — Por favor não diga que
irá jogar com ela.
— Qual o problema? — Thomas perguntou com escárnio. — Minha esposa não pode participar de
um jogo idiota?
O primo de Thomas sacudiu a cabeça em um sinal de desprezo.
— Ele está certo, Thomas — Javier reforçou. — Tem uma razão pela qual as mulheres não jogam.
— Qual razão, bonitinho? — Eu questionei, chamando a atenção daquele babaca para mim. — Estão
com medo de perder para uma mulher?
Os primos de Thomas começaram a argumentar ao mesmo tempo, com vozes muito alteradas. E eu fiz
uma careta provocativa para eles.
— Chega. — Edmund interferiu na discussão, em um tom tão pesado que eu estremeci. E todos os
primos de Thomas calaram suas bocas sujas em um instante. — Vamos acabar logo com isso. — Ele
lançou um olhar porco para meu falso marido. — Se Thomas insiste em deixar sua esposa jogar,
deixem ela jogar.
Não era ele quem estava insistindo, seu idiota. Eu é que havia decidido participar.
— Mas que fique claro Thomas, — Edmund prosseguiu mantendo aquele tom pesado, — ninguém
pegará mais leve com você só porque sua dupla é uma mulher.
Thomas abriu a boca para responder, mas eu disparei primeiro:
— Venham com tudo, queridos, — eu usei meu tom mais esnobe, — e ainda assim vocês irão perder.
Eu tive a impressão de que aqueles três primos de Thomas queriam me agredir fisicamente. Mas eu
não me importei. Não quando eu recebi uma raquete também.
O minitorneio começou. No total, incluindo Thomas e eu, eram oito duplas. A lógica era simples:
quatro duplas se enfrentariam em um set de apenas um game de 15 pontos, sendo que as duplas
vencedoras avançariam para próxima etapa, competindo entre si e decidindo as duas duplas que
iriam para a final – 3 sets de um game de 10 pontos cada.
A primeira partida foi entre Jackson e seu filho Dylan, contra uma dupla de padrinhos do noivo de
Amelia. O tio e o primo de Thomas venceram. A segunda partida foi entre Edmund e seu filho James,
contra o noivo de Amelia e o pai dele. Oliver e seu pai venceram, roubando de mim o gosto de
derrotar Edmund. Mas não tinha problema, porque a terceira partida foi justamente entre Thomas e
eu, contra Owen e Javier.
E eu mal via a hora de começar a mostrar para os imbecis dos primos de Thomas que eu não tinha
medo deles.
A partida teve início, e só não fomos massacrados porque eu era de fato muito boa. Thomas era
mesmo horrível naquele jogo, e eu acabei entendendo a ironia das meninas. Contudo, era impagável
assistir aqueles homens arregalando os olhos ou deixando o queixo cair enquanto eu corria, rebatia,
arremessava, defendia e pontuava de novo e de novo. Vencemos, ou melhor dizendo, eu venci de 15 a
6. E quando eu saí daquela quadra, com o ar descendo como fogo por minhas narinas, eu lancei um
olhar muito provocativo para as outras duplas. Especialmente para Dylan.
Thomas não disse nada no final da partida. Talvez ainda tentando entender o que tinha acontecido.
Talvez por orgulho. Talvez pelos dois motivos.
A última dupla a competir foi Carter e Colin contra os dois irmãos do noivo de Amelia, tendo como
vencedores os dois primos de Thomas.
Na segunda rodada, Edmund e Dylan jogaram contra Oliver e o pai dele, e acabaram vencendo e
avançando para a final. O que era ótimo, porque eu estava louca para competir contra o imbecil do
Dylan, e depois de ter visto Carter e Colin jogando, eu já sabia que eu podia derrota-los. E foi
justamente o que aconteceu. Depois de uma partida rápida, vencemos de 15 a 2.
Sim, eu era boa nesse nível.
Houve um intervalo de dez minutos em prol da preparação para a batalha final. Os três games de 10
pontos que definiriam a dupla vencedora. Em uma ponta da quadra, estavam reunidos todos os
homens que participaram da competição, juntamente com Edmund e Dylan. Thomas e eu estávamos
na outra ponta da quadra respirando um pouco. Suor escorria por minha testa e pelas minhas costas, e
meu cabelo estava muito desgrenhado. Enquanto o inútil do Thomas estava impecável. Ele mal tinha
se mexido.
— Você nunca disse que era tão boa em esportes — Thomas finalmente falou alguma coisa depois de
duas partidas em silêncio.
— Bem, — respondi com a voz ainda ofegante, — temos que ser bons em alguma coisa, não é
verdade?
Thomas abriu sorriso que não chegou até seus olhos.
— Nós temos.
Esvaziei uma garrafa de água e caminhei até o meio da quadra, deixando bem claro como eu já estava
pronta. Edmund e Dylan fizeram o mesmo. E começamos.
Eles eram muito bons, e eu precisei reconhecer que eu teria algum trabalho. O cansaço por estar
fazendo todo o trabalho sozinha começou a me castigar antes da metade da primeira partida. Uma dor
aguda se instalou em meus rins, e eu tinha quase certeza que a qualquer momento eu teria uma
câimbra. Mas ainda assim, vencemos o primeiro game de 10 a 8. Entretanto, meu corpo parecia estar
começando a me trair, e acabei tendo um péssimo desempenho no segundo game. Perdemos de 10 a 3.
Algo começou a corroer minhas entranhas.
Eu me apoiei em meus joelhos e estudei o território. Edmund e Dylan desfilavam pela quadra quase
como se já fossem vencedores. O grupo de mulheres mal respirava, observando com olhos
esbugalhados o que aconteceria. Por outro lado, o grupo de homens olhava em minha direção como
se estivessem torcendo silenciosamente pela minha derrota.
Eu não podia permitir que aquilo acontecesse.
A partida decisória teve início. Era aquele momento ou nunca. Literalmente. Edmund e Dylan foram
responsáveis pelo primeiro saque, e 30 segundos depois conquistaram o primeiro ponto. Dylan
parecia uma gazela saltitante, como se tivesse guardado todas as suas energias para aquela partida.
Eu tentei defender as bolas que eles arremessavam, mas poucos minutos correram e já estávamos
perdendo de 6 a zero.
Eu estava muito cansada para vencer aquele game sozinha. Eu precisaria da ajuda de Thomas. Mas
como fazê-lo me ajudar, se ele era horrível?
Inspirei fundo e tentei me concentrar. Foi quando percebi que eu não era a única exausta. Edmund
também não parecia estar em seu melhor estado físico. E eu tive uma ideia. Se quiséssemos vencer,
Thomas teria que fazer o possível para manter Edmund ainda mais cansado, enquanto eu usava
minhas últimas forças para tentar derrotar Dylan.
Pedi um tempo, ignorei toda a zombaria e vaias vindo do grupo de homens, e arrastei Thomas para o
canto da quadra para tentar explica-lo sobre meu plano.
— Beckett, está tudo bem. — Thomas disse assim que eu falei que tinha uma ideia. E ele me ofereceu
uma garrafa de água de uma caixa térmica. — Você já provou seu ponto, e ...
— Droga Sawyer, estamos perdendo. — Rosnei o interrompendo. — E eu não aceito perder, não
agora.
A respiração ardia em meus pulmões. E olhei para trás por um segundo, e vi aquele olhar convencido
de Dylan. Um ódio quente subiu por minhas veias.
— Você precisa manter Edmund ocupado — expliquei quase com a voz falhando. — É a única forma
de vencermos. — Encarei Thomas. — Está me entendendo?
Sawyer assentiu com a cabeça. E tive a breve impressão de que ele estava com medo de mim. Do
animal que eu me tornara. Retornamos para a quadra. Eu estava pronta para lutar naquela partida
como um soldado na guerra defendendo seu país. E com Thomas na frente, fingindo que estava
marcando as jogadas de Edmund, Dylan estava caindo direitinho em meu plano. A bola branca voava
de um lado para o outro, como um raio de fúria. Indo e voltando. Éramos praticamente nós dois
competindo um contra o outro. E eu dei meu sangue naquele game.
Eu corria de um lado para o outro, rebatia as bolas de Dylan com a maior precisão possível, girava,
pulava, me agachava, e até caí algumas vezes, mas depois de um longo e sofrido tempo consegui sair
do zero e chegar a um placar empatado de 9 a 9. E depois de alcançar aquele empate, era impossível
que eu continuasse. Eu estava derretendo em suor, minha garganta queimava, minhas vistas ardiam,
meus pulsos doíam, e meus pés descalços estavam começando a sofrer com o chão quente da quadra.
— Thomas, — arquejei para ele quase sentindo meus joelhos cederem, — você tem que marcar o
último ponto.
Ele estava a um metro e meio de mim, e arregalou os olhos depois daquele pedido como se eu
quisesse que ele se jogasse de um precipício. Do outro lado da rede, Edmund podia desmaiar a
qualquer momento e Dylan também parecia ter atingido seu pico. Eu podia estar mal, mas eu também
tinha dado um certo trabalho para ele.
Thomas caminhou em passos curtos até a ponta da quadra, e se posicionou para sacar. Olhei para ele
e gesticulei com a cabeça oferecendo um estímulo. Assisti Sawyer segurar a bola como se estivesse
segurando uma bomba. Quase como se ele estivesse com medo dela. E eu percebi que alguma tensão
estava se fechando contra seu pescoço. E é claro que eu o mataria se ele perdesse aquele ponto, mas
não era de mim que ele estava com receio. Era de sua família.
Droga.
Aquele homem era ainda mais inútil do que eu imaginava.
Manquei até ele batalhando contra o ardor pulsante em meu rim esquerdo. Parei em sua frente e usei
minha mão livre para tocar seu peito. Quente e sólido sob aquela camisa branca. E seu olhar
encontrou o meu.
— Você consegue Thomas. — Eu arfei. Minha boca estava tão seca. — Eu sei que você consegue.
Ele engoliu em seco. Nem parecia o mesmo homem arrogante que estava me fazendo fingir ser sua
esposa. Mas eu girei meu corpo abrindo o espaço para ele. As mulheres estavam rígidas e caladas
em seus assentos. O grupo de homens observava com desprezo. Edmund arquejava, e Dylan estava
com um sorriso viperino. Porque ele sabia que duas coisas aconteceriam: Thomas entregaria o jogo
errando aquele saque, ou ele rebateria a bola e conquistaria o último ponto, porque eu não teria
condições de defender sua jogada a tempo. Mas o que ele não sabia, é que meu marido falso não era
um gatinho indefeso. Ele era um lobo quando queria. E Thomas sacou com tamanha perfeição, que
Dylan nem sequer viu a bola passando diante dos seus olhos.
E foi isso.
Tínhamos vencido a competição.
O cansaço se esvaiu do meu corpo por um segundo. E eu apenas ignorei tudo aquilo e pulei no colo
de Thomas, entrelaçando minhas pernas contra sua cintura, sem nem me importar com minha saia
deixando minhas coxas nuas. E seus braços apenas me envolveram com firmeza. Me abraçando, me
segurando ali. E por um instante, o resto do mundo ficou apenas inerte. Só havia nossos corações
batendo rápido, uma brisa quente nos circundando, e o seu cheiro cítrico e aveludado me afogando
agora que eu estava com o rosto enterrado em seu pescoço. E eu apenas... gostei daquilo.

As lamentações de Dylan e Edmund atingiram meus ouvidos primeiro. Depois os grunhidos


frustrados do grupo de homens, e a comemoração estridente da plateia feminina. E então a voz quase
rouca de Thomas dizendo que tínhamos vencido. E ele deixou que eu escorregasse para fora do seu
colo. Não trocamos nenhum olhar ou palavra, mas nos direcionamos até o meio da quadra para
cumprimentar os outros jogadores. E eu estava tão sedenta por água como estava sedenta por esfregar
na cara de Dylan que ele tinha perdido.
Edmund e Dylan deram a volta naquela rede e se aproximaram de nós dois como se estivessem com
nojo de mim. O tio de Thomas estendeu a mão em minha direção forçando um sorriso.
— Boa partida — ele disse com desdém. O olhar agudo cinza-grafite como de um falcão. — Você
jogou como um homem.
Bufei uma risada. O machismo dele era tão ridículo que chegava a ser engraçado.
— Na verdade, — apertei sua mão no ar, — eu joguei como uma mulher.
Ele me estudou com seu olhar. Os pés descalços, o suor escorrendo pelo meu corpo, meu vestido
sujo de poeira pelas vezes que eu caíra no chão. Meus cabelos deviam estar tão bagunçados e
lambuzados por todo aquele suor.
— É claro. — Ele retrucou com um tédio gélido e sua mão recuou até sua cintura. — Foi o que eu
quis dizer.
Dylan por sua vez, nem mesmo olhou diretamente para mim. Ele apenas avançou para dar uma
batidinha leve no ombro do meu marido de mentira, e cantarolou com deboche:
— Aproveite enquanto pode, pequeno Thomas.
E aquilo fez o dia ficar nublado. De verdade. Thomas fechou sua expressão em uma linha tão dura,
que até mesmo o céu se escondeu atrás daquelas nuvens brancas e gordas. Ele esperou que seu tio e
seu primo se afastassem, oferecendo risadas venenosas, e então se virou para mim. E lá estava.
Aquela fúria condensada no azul safira dos seus olhos.
— Vá tomar um banho. — Sawyer disse trincando a mandíbula. — Você está uma bagunça.
Puro espanto contorceu meu rosto.
— É assim que me agradece?
— Eu não te pedi nenhum favor Beckett. — Ele bufou pelas narinas. — Você jogou porque quis.
E então, ele virou as costas e caminhou para longe, me abandonando ali sozinha.
E eu desejei de verdade que eu pudesse voltar no tempo apenas para não ter interferido quando ele
estava sozinho no canto da quadra igual um pateta carente e abandonado. Ignorei o restante das
pessoas que vinham em minha direção e marchei batendo os pés em rumo a mansão, com cada parte
do meu corpo reclamando de alguma dor física.
Mas a dor que se acumulou em meu peito era ainda pior.

CAPÍTULO 22

Eu nunca sentira tanto ódio. E eu bati aquela porta do quarto com tanta força, que os móveis
estremeceram. Alcancei meu celular.
[Ava 10h46] Eu odeio Thomas. Sério.
[Ava 10h47] Ele é um cretino arrogante. Um idiota egocêntrico.
[Ava 10h47] E você deveria ter visto ele jogando Tênis. Ele é tão patético que dá pena.
[Ava 10h48] A sorte dele é que ele é rico e pode se esconder atrás do dinheiro da família.
[Ava 10h49] Ele é o homem mais desprezível que eu já conheci.
[Tyler 10h50] Oi gata, o que aconteceu? Você está bem? Ele te fez alguma coisa??
[Ava 10h51] Estou bem.
[Ava 10h51] Mas apenas prometa que quando eu voltar, vai trepar comigo com tanta força que não
me lembrarei nem mesmo do nome desse imbecil.
Tyler não respondeu mais nada. Eu larguei o celular em cima da cama e fui para o banheiro. Fiquei
de molho naquela banheira de hidromassagem, com sais relaxantes e aroma de lavanda por quase
uma hora. E cada vez que eu pensava na forma que Thomas falou comigo depois daquele jogo, eu
desejava descer aquelas escadas e gritar para cada parente dele que meu nome era Ava Beckett e
tudo aquilo era uma farsa. E pensei de novo e de novo se ir para a cadeia por tentativa de roubo seria
tão ruim quanto aguentar aquele desgraçado.
Eu me enrolei no roupão felpudo, com meus cabelos pingando e ensopando o chão do banheiro, e
retornei para o quarto. E Thomas estava ali. Sentado na cama com aquela expressão fechada, ainda
usando sua bermuda e sua camiseta branca esportiva. Fechei a porta atrás de mim e fingir que ele não
estava ali não foi um esforço. Caminhei até o closet e procurei pelo pijama. Eu pretendia ficar o
resto do dia no quarto. Mas eu não encontrei aquele traje azul de seda em lugar nenhum. Percorri o
quarto com meus olhos tentando me lembrar de onde eu o havia deixado, mas então me dei conta de
uma coisa – o quarto estava organizado demais. As fronhas dos travesseiros, os lençóis, e até mesmo
as cortinas tinham sido trocadas. Os tons brancos haviam sido substituídos por um bege opaco. E eu
concluí que quem quer que tinha limpado o quarto, deveria ter levado meu pijama para ser lavado.
Então continuei enrolada naquele roupão e me dirigi ao sofá. E me deitei ali, de barriga para cima. O
quarto estava tão quieto, que a respiração contida de Thomas era a única coisa que manchava o
silêncio. Ele estava de costas para mim. Coluna e pescoço eretos, ombros alinhados e lombar
perfeitamente encaixada na maneira em que ele estava sentado.
Idiota. Se olhares pudessem matar, ele estaria sendo assassinado exatamente naquele momento.
— O almoço será servido em uma hora.
Sua voz rouca ecoou pelo quarto.
— Ótimo. — Murmurei. — Mas eu não pretendo sair daqui por tão cedo.
Minha resposta afiada fez seu pescoço se movimentar até que seu queixo beirou seu ombro.
— O que você disse?
— Exatamente o que você ouviu. — Grunhi. — Eu não vou a lugar nenhum.
Foi a vez de uma risada sarcástica ecoar pelo quarto.
— É claro que você vai. — Ele disse pesando o tom. — Eu não irei almoçar sozinho.
Tudo ficou vermelho por um minuto.
— Qual o problema Sawyer? — Eu me levantei do sofá. — Você não sabe comer sozinho também?
Precisa que eu pegue a colher e coloque a comida em sua boca?
Thomas estalou a língua.
— Eu irei fingir que você não disse isso.
— Claro — retruquei em um tom amargo. — Porque você é ótimo com isso, não é? —Bati as mãos
contra meus quadris. — Você é ótimo fingindo.
Sawyer se levantou da cama e girou seu corpo em minha direção.
— E qual é o problema em fingir Beckett? — Seus olhos queimavam. — Eu não deixei claro que
tudo seria exatamente isso? — Ele arfou. E eu percebi que eu não era a única irritada. —
Fingimento?
Fogo correu por minhas veias.
— O problema não é fingir, Sawyer.
Ele me mediu com seu olhar, algo feio obscurecendo aquele azul arrogante.
— E qual o problema então?
— O problema é que você é um egoísta. — Disparei, tentando manter a voz baixa. — Você é um
tremendo, completo e gigantesco egoísta, que nem sequer sabe demonstrar um pingo de gratidão por
eu ter me matado em uma droga de jogo.
Alguma coisa amarga ondulou em meu estômago. Droga. Aquilo realmente havia mexido comido.
Acho que a ingratidão doía mais do que eu podia imaginar. Mesmo que viesse de alguém que eu
detestava.
— Então é isso? — Ele bufou. E caminhou com passos pesados até parar a dois passos de distância.
Sua respiração começou a ficar entrecortada também. — Você está emburrada por que eu não te disse
um maldito obrigado?
Aquele desgraçado arrogante e egocêntrico... Eu estremeci. E dei um empurrão naquele peitoral
forte. Ele nem titubeou.
— Era o mínimo que você podia ter feito.
— Bem, muito obrigado Beckett. — Uma veia saltou para fora do seu pescoço. — Muito obrigado
por ter me humilhado na frente de toda a minha família.
Humilhado?
— Eu estava apenas tentando te ajudar — devolvi. Em um tom mais alto do que eu pretendia.
E o empurrei de novo, porém usei mais força. E desta vez Thomas reagiu, travando meus antebraços
no ar.
— Mas eu não quero sua maldita ajuda. — Ele estremeceu. E agora seu olhar poderia me matar
também. — Eu quero apenas que se comporte como a porra da minha esposa.
Inacreditável.
— Se você não percebeu ainda, — mexi meus pulsos tentando me soltar dele, — é exatamente o que
eu estou tentando fazer. — Rosnei. — Mas isso nunca irá funcionar porque você não sabe o que é um
casamento.
Thomas empalideceu. E aquela garganta cor de creme oscilou quando ele soltou meus braços. Havia
marcas roxas onde seus dedos tinham segurado meus pulsos.
— Chega. — Ele disse em um tom baixo e gélido.
— Não! — Vociferei. E o ar pesou. — Não faz o menor sentido você querer que eu me passe por sua
esposa quando você não sabe o que é ser um marido.
Um rubor subiu até seu rosto.
— Chega. — Ele falou outra vez. Não era um pedido, era uma ordem incontestável.
— Foi o que aconteceu com seu primeiro casamento, Thomas? — Arquejei. E minha pergunta
despertou alguma coisa em Thomas. Uma fúria crua. A tensão que se instalou ali quando ele apenas
trincou cada músculo em sua mandíbula, fez minhas pernas bambearem. Porque agora ele era um
predador feroz, e talvez eu estivesse pisando em um território muito perigoso. Mas eu não me
importava. Não quando ele tinha escolhido fazer aquilo da forma difícil. Emendei: — Você foi tão
idiota que sua esposa te largou?
Aquele lobo apertou os olhos. Então caminhou até a estante de livros e pegou um pequeno elefante
colorido de louça que eu não tinha notado ali. Ele observou o objeto em suas mãos, e o balançou
lentamente por alguns segundos.
— Você não sabe do que está falando. — Ele rebateu por fim. A voz tão afiada quanto uma faca
rasgando meu intestino.
— Você pensou em tudo não é verdade? Nome, história, roupas, joias.... Todas essas coisas idiotas.
Mas você se esqueceu da coisa mais importante. — Fiz uma pausa apenas para apontar meu dedo
indicador para ele. — Você se esqueceu que se quiser que acreditem que é meu marido, precisa agir
como meu maldito marido.
E foi isso. Uma batida meu coração, o elefante repousava em suas mãos. Na outra, voou contra a
parede e explodiu em estilhaços que se esparramaram pelo chão. Eu recuei três passos. Thomas
levou suas duas mãos até sua cabeça e entrelaçou seus dedos em seus cabelos, puxando os fios com
tanta, tanta força. E ele fumegou, apertando seus olhos como se estivesse tentando conter alguma
coisa. E então, depois de soltar um arquejo tão tenso que meus ossos doeram, Thomas apenas
desenterrou as mãos dos seus cabelos, abriu seus olhos e não me encarou diretamente com aqueles
olhos azuis furiosos. Ele inspirou com calma, e caminhou até a porta.
— Quer saber de uma coisa? — Ele disse ao girar a maçaneta. Aquela frieza em sua voz que fez um
arrepio ruim percorrer minha coluna. — É melhor mesmo que não saia desse quarto. — A porta foi
aberta. — Você precisa rever seu comportamento se ainda quiser receber seu dinheiro.
Sawyer deu um passo para o fora do quarto.
— Tire o dia para isso.
Porta fechada. Tique. Chave sendo girada. E eu desejei de verdade que aquele desgraçado não
tivesse me trancado dentro do quarto. Marchei até ali. E descobri que tinha sido justamente isso.
Girei aquela maçaneta de novo e de novo. E escutei uma risada debochada em resposta. Ele ainda
estava ali.
— Abra essa porta. — Rosnei.
Fechei meus punhos para socar a madeira.
— O que foi querida? — Thomas perguntou com tanto escárnio, que eu esmurrei a porta. — Eu
pensei que tinha dito que não iria sair daí por tão cedo.
Passos abafados ressoaram naquele corredor.
— Abra essa porta. — Repeti. Outro soco na madeira. — Você não pode fazer isso.
Sem respostas desta vez. Girei e forcei a maçaneta mais cinco ou seis vezes. Inútil. A porta estava
trancada de verdade.
Que filho da puta. Que grandíssimo filho da puta.
Por quanto tempo ele pretendia me deixar ali? Ele não podia estar falando sério ao dizer que eu
ficaria ali o resto do dia. Não era possível.
Uma coisa era eu ter feito uma birra e dizer que ficaria ali por vontade própria, outra bem diferente
era ele me trancar lá dentro tirando minha opção de mudar de ideia eventualmente.
Que infernos eu faria o resto do dia trancada naquele maldito quarto? E o quê? Ele mandaria alguém
levar uma refeição para mim? Porque eu estava faminta de verdade.
Desgraçado. A próxima vez que eu o visse, eu precisaria usar todo o autocontrole da face da terra
para não o assassinar. Porque honestamente, quando eu achava que ele não podia se tornar mais
detestável, ele me deixara trancada dentro do quarto.
Eu me deitei na cama esfregando as mãos em meu rosto. Pensei em rasgar todas as suas roupas ou até
mesmo pular da sacada. Mas nenhuma das opções era boa. A primeira me renderia o fim daquele
acordo idiota e provavelmente uma passagem sem direito de recusa para a prisão. A segunda poderia
deixar uma lesão grave em mim.

Os minutos correram. O silêncio era ensurdecedor ali dentro. Eu caminhei até a varanda em algum
momento e observei a vista. Os campos que se estendiam no horizonte, o sol tão dourado e forte ali
no centro do céu. As nuvens tão gordas e brancas. Escutei os ruídos que vinham da área externa da
mansão, poucas pessoas caminhando ali despretensiosamente, e beija-flores e pássaros brancos
voando pelos jardins. Desejei pegar meu celular e investigar mais sobre a vida de Claire e Tyler.
Mas meu peito já estava fechado em um aperto tão grande, que eu afastei o pensamento. Porque o que
os olhos não veem o coração não sente. E meu coração não precisava sentir mais nada por um bom
tempo. Mas então, eu me vi fuçando aquelas gavetas em busca de papel branco.
E eu encontrei algumas folhas naquela primeira gaveta da estante, e as esparramei sobre a mesa do
quarto. Peguei todos aqueles pincéis e paletas de maquiagem dispostos na penteadeira e os coloquei
sobre a mesma mesa. Empurrei a cadeira para trás e me sentei ali, deixando que meu corpo se
ajeitasse contra o assento aveludado. Não era exatamente um material de pintura, mas eram alguns
espaços em branco e cor. E quando eu tinha aquilo, eu tinha tudo.
Eu não pintava desde quando eu tinha terminado os quadros para a exposição no dia do aniversário
de Norshingan. E talvez por isso eu tenha ficado alguns minutos encarando meus dedos, pensando em
todas as vezes que eu permiti que eles falassem por mim. Porque pintar era minha voz quando eu não
conseguia usar palavras. Era meu abrigo quando eu estava perdida. Era o que fazia minha alma
vibrar em vida.
Encaixei um pincel em minha mão, e deixei que as cores fluíssem. Eu fui para longe. Fui para muito
longe. E só percebi que a noite começava a escorregar para dentro do quarto, quando aquela porta foi
destrancada e Thomas entrou no cômodo. O mesmo homem que poderia destruir minha vida com uma
palavra, ou me pagar uma quantia financeira que poderia me ajudar tanto com meu sonho. A porta se
fechou atrás dele. Ele deu dois passos silenciosos, ainda usando aquele traje esportivo branco, e
deixou que suas mãos pendessem pelas laterais do seu corpo.
— Refletiu sobre seu comportamento?
Sua voz foi um rasgo em meu orgulho. Mas eu olhei mais uma vez para os papéis que eu tinha pintado
usando maquiagem. Havia três no total – o primeiro ilustrava aquele mar de nuvens rosadas que eu
vira da janela do jato pouco depois de decolarmos. O segundo era um morango sendo estrangulado
por um arame farpado, com sangue vermelho-rubi gotejando dele, e o terceiro, que tinha reivindicado
a maior parte do tempo, era um lobo branco de olhos azuis expressivos e arrogantes, tracejados por
safiras. Olhos que eu sabia muito bem a quem pertenciam. O dono deles estava parado a poucos
metros de mim me perguntando se eu tinha refletido sobre meu comportamento. Puxei aqueles três
papéis estendidos sobre a mesa. Empilhei. E embolei formando uma só bola amassada.
— Sim, Sawyer. — Eu disse em um tom baixo. Submisso. — Eu refleti sobre meu comportamento.
— E?
— Eu sinto muito. — Mantive o tom. Apertei aquela bola de papel e a joguei dentro da lixeira perto
da mesa. — Eu não irei fazer mais nada sem seu consentimento ou sugestão prévia.
— Ótimo. — Sawyer retrucou. Com toda aquela arrogância. — Então agora vá tomar um banho.
Teremos um jantar especial esta noite.
Assenti. Ainda que meu interior fosse um vulcão, eu me levantei calmamente da cadeira e caminhei
em passos abafados até a porta do banheiro.
— E Beckett, — Thomas ronronou quando girei a maçaneta, — quero que deixe sua garganta livre.
Eu o encarei por cima do ombro. Aqueles traços etéreos reluziam.
— Como quiser, Sawyer — murmurei.
Entrei no banheiro. E tranquei a porta atrás de mim. Eu odiei de verdade aquilo. Mas se aquilo fosse
o necessário para que eu tivesse condições financeiras de investir em meus quadros, então não era
um preço tão alto a se pagar.

CAPÍTULO 23

O vestido separado para mim naquela noite era um vermelho rubi clássico, de mangas ombro a
ombro, justo na cintura e com uma saia esvoaçante que ia até um pouco abaixo dos joelhos. Encaixei
uma sandália dourada de salto alto em meus pés, e enquanto eu me maquiava, Thomas saiu do banho.
Eu não o encarei. Deixei que ele se trocasse no closet. Prendi as mechas da frente do meu cabelo
formando uma tiara trançada, e deixei o restante dos meus cachos ondulando em minhas costas. Enfiei
um par de brincos pesados em meus lóbulos, e encaixei quatro pulseiras de ouro no meu pulso
esquerdo. Borrifei um dos perfumes adocicados em minha nuca, e esperei por Thomas.
O traje dele era um terno cinza mercúrio, com uma gravata vermelho rubi exatamente da mesma
tonalidade do meu vestido. Seus cabelos pretos azulados estavam penteados em um topete úmido de
lado, e os sapatos de couro em seu pé eram tão lustrados que eu conseguia ver meu reflexo neles. Eu
continuei em silêncio, esperando que ele ajeitasse as imperfeições que só ele enxergava no seu terno,
e tossi um pouco quando ele borrifou todo aquele perfume em seu pescoço e em seus pulsos. O
cheiro era gostoso, mas muito forte. E então ele parou em frente ao espelho massivo da penteadeira e
gesticulou com a cabeça para que eu me levantasse e fosse até ele. Obedeci. Eu me posicionei ao seu
lado e o encarei através do reflexo no espelho. E eu odiava admitir, mas formávamos um belo casal.
— Feche os olhos, Beckett. — Ele disse. Mas novamente, não estava pedindo. Estava ordenando.
— Por que? — Perguntei.
Um músculo se contraiu em sua mandíbula.
— Apenas feche os olhos, Beckett.
Inspirei. E fechei os olhos. Meu coração tropeçou em meu peito quando notei sua presença atrás de
mim. Tão perto. Depois, eu senti algo gelado encostando em minha garganta e uma corrente um tanto
que pesada sendo fechada contra meu pescoço. E a respiração quente e controlada de Thomas em
minha nuca.
— Abra seus olhos — ele sussurrou ao lado do meu ouvido direito, e aquilo fez os pelos da minha
nuca ficarem eriçados.
Abri meus olhos. Ali no reflexo do espelho, enxerguei em minha garganta um colar com gemas
vermelho-sangue encaixadas em folhas cintilantes, quase como pequenas rosas se enfileirando uma
atrás da outra.
— Permita-me te explicar Beckett — Thomas posicionou as mãos em minha cintura, e um puxão
gelado correu em meu estômago. — Este é o Vermelho Escarlate. É um colar de ouro branco e
platina, que comporta 26 rubis em folhas de diamantes.
Assenti. Por isso era tão pesado.
Encarei seus olhos iluminados através do espelho.
— E deixe-me adivinhar. — Levei minha mão esquerda até o colar, sentindo as pedras geladas em
meus dedos. O azul daquele anel em meu dedo anelar ainda ofuscava qualquer outra joia. — Está me
dizendo isso porque Katherine Sawyer é uma mulher de classe que deveria entender sobre joias.
Thomas pressionou seus dedos contra minha cintura, e nossos olhares se encontraram naquele
reflexo. O rei e sua rainha.
— Sim. — Ele disse sem desviar o olhar. — Esta é a razão.
Assenti outra vez. Embora por um motivo eu tivesse a impressão de que fosse por outro motivo.

— Que jantar especial é este? — Perguntei enquanto avançávamos por aquele corredor com meu
braço direito entrelaçado em seu cotovelo esquerdo.
— Amelia insistiu para que nossa família se sentasse reunida em apenas uma mesa hoje. — Sawyer
explicou. — É a ocasião perfeita para que você desfaça a imagem tão caótica que apresentou essa
manhã.
Eu me obriguei a pensar em meus quadros. Em Tyler. Na prisão, que deveria ser um lugar horrível. E
apenas murmurei que eu faria o possível.
E enquanto descíamos aqueles degraus, observei cuidadosamente cada um dos familiares alinhados
naquela mesa gigante no centro do salão, se destacando contra todas as outras mesas pequenas e
redondas. Na ponta da mesa estava Michael, pai de Thomas, Christine do lado direito e Amelia do
lado esquerdo. Em sequência a Amelia estava seu noivo, os pais dele e seus dois irmãos. Do lado de
Christine, estava sua irmã Lilian, seguida pelos três irmãos de Michael – Edmund, Jackson e
Charlotte. Aquilo deixava apenas dois lugares vagos na mesa.
Thomas puxou a cadeira que estava ao lado de Charlotte para que eu me sentasse e se sentou na ponta
livre da mesa.
— Que bom que se juntaram a nós — Lilian foi a primeira a falar alguma coisa. A irmã de Christine,
com aqueles olhos dourados tão escandalosos. — Estávamos justamente falando sobre vocês.
Aquela melodia clássica oferecida por violinistas ressoava no salão. Mas nesta noite, havia uma
dama tocando harpa também. A mesa em que estávamos se perdia em louças finas, guardanapos
brancos de seda, e taças de cristal. Thomas inspirou fundo antes de piscar com o olho direito para
mim.
— Sério? — Ele indagou com inexpressividade e desviou o olhar para sua tia que falou. — E o que
estavam falando?
A mãe de Thomas abriu um sorriso iluminado e respondeu:
— Que vocês formam um belo casal.
— E estávamos justamente nos perguntando como você convenceu esta pobre moça a se casar com
você, Thommy — Edmund emendou, arrancando uma pequena risada de Jackson. Amelia estalou a
língua com desprezo.
Um músculo tremeluziu na mandíbula de Thomas quando ele desviou sua atenção da mesa, quase
como se estivesse se sentindo intimidado pelos seus tios.
Aquilo era possível?
Que alguém intimidasse Thomas Sawyer?
— Katherine, certo? — Jackson indagou depois de beber um gole de sua bebida, olhando em minha
direção. Assenti com a cabeça, e ele acrescentou: — Como foi que nosso velho e desajeitado
Thommy conseguiu se casar com você?
Thomas Sawyer não era desajeitado. Era um desgraçado arrogante, mas não era desajeitado. Na
verdade, ele era o homem mais elegante que eu conhecia. Mesmo naquele local.
O peito de Thomas inflou. E aquela mandíbula cor de creme ficou mais apertada.
— Deixem meu filho em paz. — Michael pediu em um tom cortês. Talvez estivesse percebendo o
mesmo que eu. Que aquele lobo na outra ponta de mesa estava ficando irritado. — É por isso que ele
nunca nos visita.
— Ah, deixe disso irmão. — Edmund cantarolou com deboche. — Ele já sabe se virar sozinho, não é
mesmo pequeno Thomas?
Os punhos de Thomas se cerraram sobre a mesa. Sua respiração ficou curta, e aqueles olhos azuis
arderam. Christine engoliu em seco. Talvez ela temesse o temperamento explosivo do filho que eu
conhecera naquela manhã.
E eu.... Eu realmente não me importava com ele. Honestamente, eu até entraria nas provocações e
ajudaria eles a tirarem sarro de Thomas. Mas infelizmente eu não podia. Eu precisava intervir, por
três simples razões. A primeira era que eu tinha acabado de prometer a ele que eu me comportaria
como uma boa esposa. A segunda razão, era que seus tios conseguiam ser mais destetáveis que ele. E
a terceira razão, é porque mesmo que fosse apenas uma farsa, eu não queria ser a esposa que vê seu
marido sendo constrangido em público e fica calada.
Tudo que precisei fazer foi fingir que era Tyler ali comigo.
— Bem — ronronei em um tom sensual, e levei minha mão até a dele, atraindo seus olhos cor de
safira até os meus. Não desviei meu olhar. — Eu me casei com Thomas porque ele é o melhor homem
que eu já conheci. Ele me faz sorrir quando estou triste, me faz me sentir segura quando tenho medo e
me encoraja a perseguir meus sonhos. — A mão de Thomas começou a relaxar e nossos dedos se
entrelaçaram. Sua mandíbula relaxou, e aquela confiança soberana se empoçou em seus olhos azuis.
— Além disso, ele é engraçado, forte, inteligente, e com todo respeito senhor e senhora Sawyer, —
foi minha vez de piscar para Thomas, — ele é um espetáculo na cama.
O pai de Thomas ergueu as sobrancelhas, sua mãe não sabia para onde olhar e o restante da mesa
permaneceu em um silêncio áspero que foi apenas rompido pela risada que Amelia não conseguiu
segurar. Thomas abriu um sorriso torto, e lançou seu típico olhar debochado para seu tio Edmund.
— Mais alguma pergunta sobre minha esposa e eu?
— Não — Edmund disparou. E parecia constrangido de verdade.
Sorri internamente. Os tios idiotas de Thomas não tinham a menor chance contra mim. Mas algo
aconteceu. Tentei usar minha mão para pegar a taça de champanhe que estava em minha frente, e notei
que nossas mãos ainda estavam entrelaçadas. Que nossas peles ainda se roçavam em uma carícia
sutil. E então retraí aquela mão, quase como se eu tivesse sido picada por um animal peçonhento. E
bebi todo o meu champanhe em um só gole.

O sogro de Amelia era o responsável pelo brinde naquela noite. Ele se levantou de sua cadeira e
bateu um talher em sua taça, despertando a atenção de todos os convidados.
— Queridos, é uma enorme alegria estarmos reunidos aqui celebrando a união desta adorável moça
com meu filho — ele olhou para Amelia. — Não existe nada melhor nesta vida do que encontrar
alguém que nos fará companhia durante nossa jornada aqui na terra. — Seus olhos brilhavam à
medida que percorriam o salão. — Portanto, esta noite quero brindar aos nossos companheiros e aos
nossos futuros companheiros. — Ele pegou a mão de sua esposa e a convidou a se levantar. — Um
brinde a companhia que aquece nossos corações e traz cor aos nossos dias cinzentos.
As taças tilintaram em brindes pelo salão. E foi impossível não pensar em Tyler. Ele trazia cor aos
meus dias cinzentos. Muita cor.
O jantar foi servido logo após aquele brinde, e enquanto os talheres raspavam contra a louça, um
falatório sobre negócios e política se instalou na mesa. E entre uma garfada e outra daquele suculento
cordeiro assado, percebi que Amelia não tirava os olhos de mim. Cogitei que fosse por causa
daqueles 26 rubis em minha garganta, já que ela parecia se interessar por joias. Mas, quando Thomas
se levantou no final da noite e estendeu a mão para que eu me levantasse também, Amelia saltou do
seu lugar e contornou a mesa.
— Não tivemos a chance de nos conhecermos melhor ainda — ela disparou em um tom gentil se
dirigindo a mim.
Abri um sorriso sem graça. E Thomas apenas avaliou sua irmã naquele vestido dourado cintilante.
— Sinto muito por isso.
Amelia enrugou o nariz.
— Oh querida, não precisa se desculpar. — Ela ronronou em um tom preguiçoso e gesticulou para o
acaso. — Posso te dar um abraço?
A irmã de Thomas não esperou minha resposta. Ela apenas avançou um passo e me puxou para um
abraço apertado. E ela tinha força demais naquele corpo franzino. Mas antes de me soltar, ela
cochichou em meu ouvido:
— Me encontre no jardim frontal amanhã pela manhã. Vá sozinha e não diga a Thommy que vai me
encontrar.
Oh céus. O que possivelmente ela poderia querer comigo?
Ela se afastou. E eu arfei, com um tremor gelado reivindicando meu intestino. Amelia apenas sorriu,
balançou a cabeça em um gesto de confirmação e retornou para o seu lugar. Enquanto Thomas apenas
inspecionava suas unhas.
Thomas e eu nos despedimos de seus familiares e nos dirigimos as escadas. Não trocamos nenhuma
palavra durante o percurso até o quarto, e nem mesmo discutimos sobre dormir na cama ou no sofá.
Meu marido de mentira simplesmente vestiu seu pijama e se deitou na cama. E eu me encaixei
naquele sofá, pensando em como eu precisava tentar manter a sanidade naquela viagem, ganhar uma
grana do idiota do Sawyer e depois ser feliz para sempre ao lado do homem que eu amava.
Adormeci pensando nisso.

CAPÍTULO 24

Seria fácil ir me encontrar com Amelia sem precisar inventar uma desculpa para Thomas, porque
aparentemente ele saía todas as manhãs. Conforme eu havia imaginado, mais uma vez acordei sozinha
no quarto. E outra vez na cama. Talvez meu sono fosse mesmo muito pesado.
Conferi meu celular – nenhuma mensagem de Tyler. Eu me espreguicei, tomei um banho e me preparei
para começar o dia. Coloquei o traje que estava separado em cima do sofá – era um vestido verde-
musgo de bolinhas brancas, saia de babado, alcinhas e mangas caídas nos ombros. Calcei uma
sapatilha preta e prendi meus cabelos em um rabo de cavalo bufante.
Mas assim que abri a porta do quarto, me deparei com Thomas. Suado, vermelho e ofegante. Mas
desta vez, ele usava apenas um short cinza pálido, com sua blusa pendurada em seu ombro direito. E
aquele abdômen perfeitamente musculoso e seu peitoral estufado tão perto de mim.... Algo trepidou
entre minhas pernas.
Droga Sawyer. Você ser gostoso não fazia parte do acordo.
— Bom dia Beckett, — ele disse com a respiração entrecortada e enrugou a testa, — está indo a
algum lugar?
Abri a boca para falar, mas nenhuma palavra saiu. Primeiro, porque Amelia tinha me pedido para não
contar para ele. Segundo, era difícil formular alguma resposta com aquele peitoral sólido pulsando
tão perto de mim. O calor que ondulava dali fez minha garganta secar de verdade. E francamente, eu
precisei cruzar meus braços para conter minhas mãos e impedir que meus dedos tocassem seu peito.
— Beckett. — Thomas voltou a falar. — Eu te fiz uma pergunta.
Sacudi minha cabeça. Afastei todos os pensamentos.
— Eu estou indo tomar café da manhã — minha voz soou mais aguda do que o normal.
Thomas inclinou seu corpo para frente.
— Você tem certeza? — Ele estreitou aqueles olhos azuis. E eu não sei porque desejei lamber aquele
estômago musculoso.
— Certeza absoluta. — Falei por cima da sequidão em minha garganta. — Aonde mais eu poderia
estar indo?
Thomas deu um passo para frente e entrou no quarto.
— Você deveria me esperar. Eu estou morrendo de fome.
Assenti com a cabeça.
— Ótimo. — Ele retrucou com um tom preguiçoso e levou a mão direita até meu ombro esquerdo.
Foi a primeira vez que percebi como sua mão era tão grande. — Eu vou tomar um banho.
As palavras me abandonaram outra vez, como traidoras covardes. Mas eu esperei que Thomas se
afastasse e caminhasse até o banheiro. Sai do quarto e fechei a porta atrás de mim. Meu corpo estava
mole. E eu tentei visualizar a imagem de Tyler. Meu Tyler. Mas falhei miseravelmente. Eu só
conseguia visualizar Thomas. Thomas Sawyer tomando banho. E o pau magnífico que ele devia
possuir se aquele volume que eu notara em seu short não fosse nenhum truque.
Fui para meu encontro com Amelia, me obrigando a pensar em feridas abertas e cortes profundos.
Carniças pútridas, tragédias ambientais, crimes hediondos.
Eu precisava focar em outra coisa. Qualquer outra coisa que não fosse Thomas Sawyer.

Amelia estava sentada sozinha em um banco branco no centro do jardim. Olhei para os lados. O
jardim estava deserto, com exceção de alguns seguranças que observavam de longe o perímetro. Eu
nem tinha notado que existiam seguranças naquela propriedade. Eu me aproximei em passos contidos
até ela, sentindo o cheiro cítrico da grama e o perfume daquelas begônias se instalarem em minhas
narinas. Pássaros chilreavam, os raios de sol reluziam em luz dourada, e a natureza farfalhava em
gracejos de primavera.
— Você disse a Thomas que estava vindo falar comigo? — Amelia perguntou no momento em que
parei em frente a ela. Suas mãos estavam repousadas contra a saia do seu vestido amarelo-
escandaloso.
— Não. — Retruquei. — E não foi exatamente fácil o enganar.
Correção: não foi exatamente fácil me concentrar para enganá-lo.
Amelia me ofereceu um sorriso que não chegou até seus olhos. Crianças murmuravam de longe, e as
águas da piscina estavam agitadas.
— Meu irmão é um homem inteligente. Inteligente até demais. — Amelia me mediu com seu olhar. E
eu vi o lobo na pele branca daquela ovelha um segundo antes dela anunciar: — O único erro dele é
achar que pode me enganar.
Meu coração fraquejou. Ela bateu a palma de sua mão no banco, indicando que eu deveria me sentar
ao seu lado. E minhas pernas traidoras apenas obedeceram. Amelia era uma flor delicada, que
olhando mais de perto poderia ser uma leoa também.
Minha cunhada de mentira pegou uma mecha do seu cabelo louro-dourado e a enrolou em seu dedo
indicador. E encarou meus olhos.
— Tomas lhe ofereceu dinheiro para se passar por sua esposa, não é verdade?
Meu sangue parou de correr.
Droga.
Ela já havia me desmascarado? Onde eu havia errado?
— Deixe-me adivinhar, — ela prosseguiu brincando com aquela mesma mecha. As pulseiras de ouro
escorregaram em seu pulso. — Você é uma atriz?
— Não — disparei. E minha voz quase falhou.
— Amiga? — Amelia indagou. E então bufou uma risada para ela mesma. — Não, não... O que estou
dizendo? — Ela largou aquela mecha. — Thomas não tem amigos.
Tudo se esvaiu com o calor do meu corpo. O dinheiro, o acordo, meu futuro. Algo ficou muito
amargo em meu peito.
— Eu sou....
— Espere. — Amelia me interrompeu em um tom cortante. — Eu quero adivinhar. — Ela estreitou os
olhos. — Você é.... empregada dele?
— Não.
— Sócia?
Como ela podia ir de empregada para sócia?
— Também não.
— Está bem... já sei. — Ela estralou os dedos como quem tem uma ideia brilhante. —Você é uma
garota de programa.
— Não. — Rosnei. E cruzei meus braços na altura do peito. — E agora eu estou ofendida.
— Me desculpe por isso. — Ela coçou o queixo. Então pensou por um minuto. Dois. E meu intestino
ficou gelado demais. — Espere um minuto... — Amelia encolheu os ombros. — Se você não é
nenhuma destas alternativas, então só resta mais uma opção. Você é funcionária de uma das nossas
empresas.
Assenti com a cabeça. Ex funcionária na verdade.
— Eu sabia. — Ela bateu palminhas. — Eu sabia que Thommy não tinha se casado. — A irmã que
sabia sobre a farsa, e tratava aquilo como se fosse uma brincadeira qualquer estalou a língua com
desprezo. — Amor à primeira vista uma ova.
Eu inspirei fundo. E tentei ignorar o horror ondulando em minhas veias. Eu não queria ser presa.
Talvez Thomas entendesse que não tinha sido minha culpa. Eu tinha feito tudo certo. Pelo menos eu
tinha tentado.
— Se serve para melhorar minha situação, — falei com a voz trêmula, — eu disse a ele que este
plano não funcionaria.
Aquela noiva ergueu as sobrancelhas louras.
— Está brincando? — Ela arquejou. — É um plano brilhante. Aparecer em meu casamento com uma
esposa. — Amelia balançou a cabeça em um pequeno sinal de não. — A surpresa em vê-lo casado é
maior do que a curiosidade de saber quem é a esposa dele.
Cocei minha cabeça. Algo não estava se encaixando. Por que ela não estava gritando comigo?
— Como você descobriu tão rápido se é um plano tão brilhante assim?
— Eu diria que... — ela estalou a cabeça para o lado. — Eu conheço muito bem o meu irmão.
— Sendo assim — eu me coloquei de pé, mesmo com as pernas quase falhando, — eu deveria ir
avisá-lo.
— Está brincando? — Ela arfou e me puxou pela mão, me obrigando a sentar novamente. E eu fiz
uma nota mental para tentar descobrir como ela podia ser tão pequena e delicada, e ao mesmo tempo
tão forte. Seu olhar encontrou o meu. — Por que faria isso?
E por que eu não faria?
— Tínhamos um acordo bem simples. — Expliquei, engolindo o nó que castigava minha garganta. —
Se alguém descobrisse eu não precisava mais fingir.
Amelia murchou os ombros. E eu reconheci algum desapontamento naqueles olhos tracejados por
ouro.
— Mas você já veio até aqui e meu casamento ainda é no final da semana que vem. — Ela fez um
beicinho como uma criança chorona. — Eu adoraria ver até onde meu irmão irá com esse teatro.
— Espere um minuto... — Enruguei a testa. — Você não está brava?
Seu bico se desfez na mesma velocidade em que havia se formado.
— Brava? — Ela repetiu com ênfase. — Querida... eu estou entediada. — Amelia soltou um suspiro
prolongado. — Sabe como é ser uma noiva nesta família?
— Honestamente? — Rolei os ombros, empurrando uma onda de relaxamento para minha coluna tão
enrijecida. — Eu não faço a menor ideia.
— É horrível. — Ela ronronou. E então reivindicou minha mão para seu colo. Uma brisa suave
soprou nossos cabelos. — Ao menos me deixe ter a diversão de ver meu irmão arrancando seus
cabelos de estresse tentando fingir que está em um relacionamento.
De novo. Por que todos ali agiam como se Thomas nunca fosse se envolver com alguém? Teria a ver
com o matrimônio que Christine tinha mencionado? Ele parecia ter atingido o pico quando eu toquei
naquele assunto também.
— Ele é tão ruim assim com relacionamentos? — Sondei.
Talvez ela me revelasse que ele era amaldiçoado de fato.
— Eu diria que... Ele é um homem complicado. — Foi a vez de um pequeno sorriso triste e vazio se
formar em seus lábios. — Mas não vamos falar dele. — Ela sacudiu a cabeça. — Qual é seu nome?
— Amelia mordeu seu lábio inferior. — Quer dizer, seu verdadeiro nome. Porque você não tem cara
de Katherine.
Finalmente alguém com bom senso.
— Meu nome é Ava. — Confessei. E nunca achei que eu fosse gostar tanto de dizer meu próprio
nome em voz alta. — Ava Beckett.
A irmã de Thomas jogou seus braços ao redor do meu pescoço. E me esmagou em um abraço.
— É um imenso prazer conhece-la de verdade, senhorita Beckett. — Ela afastou sua cabeça apenas
para olhar em meus olhos e segurou meus ombros. — Eu acho que seremos boas amigas.
Alívio liquefeito inundou se infiltrou em meus músculos. Abri um sorriso.
— Por que acha isso?
— Você voou por vinte horas em um jato privado com meu irmão e sobreviveu. — Ela bateu o dedo
indicador contra meu nariz. Foi tão suave como uma carícia. — Eu já gosto de você.
Uma risada sincera me deixou. E então Amelia olhou para algo que estava atrás de mim. E seus olhos
cintilaram.
— Ele já está vindo atrás de você.
Girei meu tronco. Avistei Thomas caminhando rumo à onde estávamos. Ele usava uma camisa verde-
musgo da mesma tonalidade do meu vestido e uma calça cor marfim. E eu me perguntei se ele não
percebia o quanto era ridículo que combinássemos nossas roupas.
— Isso foi rápido. — Falei franzindo a testa. E voltei a encarar Amelia. — Eu achei que ele nem
mesmo sentiria minha falta.
— Oh, querida. — Ela enrugou o nariz. — Você ainda tem muito a aprender sobre meu irmão.
Assenti com a cabeça. Não havia tempo de perguntar mais nada, porque Thomas já estava perto
demais.
— Aí está minha adorável esposa — ele disse em um tom casual. — Eu já estava com saudades.
Amelia me abraçou outra vez. E sussurrou em meu ouvido:
— Eu te imploro. Não tire isso de mim.
Bufei uma risada. E ela se colocou de pé.
— Olá, irmão — ela cantarolou e deu uma batidinha no ombro de Thomas. — Eu já te disse que sua
esposa é adorável?
— É claro que ela é. — Meu marido de mentira abriu seu sorriso esnobe de sempre. — Por isso
estamos casados.
Amelia riu e piscou para mim.
— E eu não poderia estar mais feliz que isso tenha acontecido. — Ela deu um abraço em seu irmão.
— Agora eu preciso ir. Eu tenho coisas de noiva para fazer.
Amelia nos ofereceu um último sorriso e começou a caminhar na direção da casa. A expressão falsa
de Thomas desapareceu no mesmo instante em que sua irmã saiu de vista. E ele chutou meu pé
direito.
— Eu achei que você fosse me esperar para tomarmos café da manhã.
Chutei seu pé de volta. Mas diferente dele, eu fui agressiva.
— Eu cansei de esperar. — Bocejei. — Você demorou muito.
— Sério? — Thomas se sentou ao meu lado. — Eu não acho que demoro em meus banhos. — Ele
colocou um braço no encosto do banco. Pretensiosamente, atrás do meu corpo. — Ao contrário de
você, que leva uma eternidade.
— Eu não demoro em meus banhos. — Grunhi. E aquele braço foi esticado, até que sua mão direita
tocou meu ombro esquerdo. E eu permiti aquilo. Permiti que seus dedos roçassem a pele nua entre
minha clavícula e meu braço, porque alguns convidados cruzavam o jardim do outro lado em que
estávamos.
— Do que estavam falando? — Ele perguntou em um tom inexpressivo.
— Coisas de mulher. — Retruquei. E usei minha mão direita para fazer círculos preguiçosos contra
sua coxa esquerda.
Thomas usou aquele braço ao redor dos meus ombros para me apertar um pouco mais.
— Deveria me preocupar?
— Não. — Contestei. E sorri para Lilian e Charlotte caminhando pelo jardim. — Sua irmã é uma
ótima pessoa.
— Sim. — Thomas suspirou. — Ela é.
Ficamos ali quase aninhados até que suas tias desaparecessem. E ele não fez mais perguntas.

CAPÍTULO 25

Depois do café da manhã, Thomas me convidou – sem me oferecer maiores opções – a ir vê-lo
jogando golfe. Ele me fez prometer que desta vez eu não interferiria e assistiria quieta ao lado das
outras mulheres. Meu lado feminista quase pulou para fora do meu peito e socou a cara dele ao
escutar aquela exigência, mas meu lado que dependia do dinheiro dele para realizar o maior sonho de
minha vida acabou falando mais alto.
Meu marido de mentira me levou para um campo de golfe que ficava a menos de dois quilômetros da
casa. Fomos em um carrinho que comportava apenas duas pessoas, próprio para um tipo curto de
deslocamento.
No campo gramado, todos os primos e tios de Thomas já estavam se preparando, assim como a
arquibancada feminina já estava pronta. Eu senti falta de Amelia em meio a todas aquelas mulheres.
Principalmente depois da nossa última conversa. Mas, como ela não estava lá, acabei decidindo ficar
perto da prima de Thomas que parecia ser a menos insuportável.
Luna.
Ela tinha vinte anos. Estava cursando jornalismo. Seus cabelos eram castanho-dourados e ela possuía
sardas por todo o rosto. Os olhos eram verde-fosco.
— Você está linda com este vestido — ela anunciou em um tom cortês quando me sentei ao lado dela.
Olhei para mim mesma. Eu já não aguentava mais usar vestidos. Murmúrios baixos e educados
preenchiam o silêncio, e os homens usando aqueles uniformes esportivos desfilavam pelo campo
gramado segurando tacos de golfe.
— Obrigada. — Falei por fim, e ofereci um sorriso a ela. — Você também está muito bonita com
essa roupa.
E ela estava. Ela usava uma blusa florida e uma jardineira jeans.
— Obrigada. — Ela devolveu com a voz baixa. — Mas às vezes eu gostaria de me vestir assim como
você.
Enruguei o cenho.
— E por que não se veste?
— Você está brincando? — Ela se encolheu. — Meu corpo não combina com roupas assim.
— Como assim seu corpo não combina com roupas assim?
— Você sabe... — Luna abriu um sorriso triste. — Simplesmente não combina.
— E quem te disse isso?
— Todo mundo. — Ela abaixou a cabeça. Algo queimou naquelas bochechas rechonchudas. — Mas
está tudo bem, eu já estou acostumada.
— Luna — ergui sua cabeça usando meu dedo indicador. E usei minha mão livre para afastar uma
mecha do cabelo castanho-dourado do seu rosto. — Você é linda e pode usar qualquer roupa que
quiser.
— Oh, não. — Ela murmurou de volta. E reclinou o rosto se desvencilhando do meu toque. — Eu não
tenho classe como você e as outras mulheres da família.
Acredite em mim, eu não tenho um pingo de classe. E aqui estou eu, certo?
— Quer saber de uma coisa? — Observei minhas redondezas. Todas aquelas madames pomposas
com suas belezas repetitivas. E eu desejei arrancar aquele vestido e colocar um moletom. Mas
encarei os olhos verde-fosco de Luna e acrescentei: — Ter classe é nos sentir confortáveis dentro
das roupas que usamos.
— Assim como ela? — Luna empinou o queixo apontado para uma direção no campo de golfe.
Olhei para onde ela apontara e nunca senti tanta vergonha alheia por alguém. Heather estava usando
uma mini saia branca plissada e uma mini blusa também branca que cobria apenas seus seios. Ela
carregava dois pompons e desfilava balançando aqueles quadris na frente dos homens, conquistando
alguns assovios. E eu imaginei que meus olhos estavam brincando comigo quando a enxerguei
parando na frente de Thomas. Ela virou seu bumbum para ele e se inclinou para frente fingindo
amarrar o cadarço do seu tênis, de forma desnecessariamente indecente. E como se não bastasse, ela
ainda me lançou um olhar debochado, quase como se estivesse se certificando de que eu estava
olhando.
Ridícula.
Era queria me fazer ciúmes? Porque não estava funcionando. Por mim ela poderia trepar com Sawyer
ali mesmo que não faria diferença.
— Não se preocupe com ela — Luna aconselhou em um tom gentil segurando em minha mão em seu
colo. — Todo mundo sabe que Thomas só tem olhos para você.
Todo mundo está tremendamente engando. Embora Thomas não tivesse olhado para aquele traseiro
quase exposto diante dele.
— Oh, eu não estou preocupada. — Ronronei. — Eu confio em meu marido.
Exceto que por confiança eu quero dizer que eu não me importo com ele.
Luna arfou.
— Então você sabe?
Voltei a encará-la. Suas sobrancelhas estavam erguidas e seus olhos estavam levemente arregalados.
— Sobre o quê?
Ela desviou seu olhar.
— Anh. — Luna começou a balbuciar. — Eu não sei se devo te contar.
Puxei seu rosto para minha direção e fiz um beicinho. Assim como Amelia tinha feito.
— Eu achei que fôssemos amigas.
Luna coçou a testa como se estivesse refletindo. E insisti naquele beicinho, até que ela disse por fim:
— Está bem. — Ela suspirou. — Mas você precisa me prometer que não vai brigar com Thommy por
causa disso.
Oh, bobinha, acredite em mim. Até mesmo um pedaço de chocolate renderia um motivo excelente
para que brigássemos. Mas, eu realmente não me importo com nada sobre a vida particular de
Thomas. Eu apenas quero saber sobre seus segredos para ter algo que eu possa usar contra ele
caso eu venha a precisar.
— Eu prometo.
Luna relaxou os ombros.
— Nossas famílias sempre foram muito próximas. E eu acho que Heather sempre foi perdidamente
apaixonada por ele.
Coitada. Deveria ser necessário muita falta de amor próprio para se apaixonar por um idiota como
Thomas Sawyer.
— Acho que a paixão dela cresceu ainda mais quando Heather tinha 17 anos e eles ficaram juntos
por alguns meses. — As bochechas de Luna ficaram rosadas. — Thomas foi o primeiro dela.
Talvez ele tivesse um pau mágico. Ao menos isso justificaria o volume sempre presente em suas
roupas inferiores.
— Entendo. — Voltei meu olhar para o campo de golfe, onde Thomas estava de braços cruzados e
com uma expressão entediada enquanto Heather conversava sobre algum assunto passando a mão no
peito dele. — Eu realmente entendo.
Era até cômico de ver o jeito que ela parecia estar dando em cima dele sem se importar com o resto
de todas as pessoas que estavam ali. Sem se importar com a esposa dele presenciando a cena. E
Heather apenas saiu da frente de Thomas quando seis crianças entraram no campo – todos meninos.
Eles usavam uniformes brancos e boné combinando com as roupas. Só então Luna me explicou que na
verdade a competição seria para eles, e os adultos apenas supervisionariam.
Naquela manhã notei algo diferente em Thomas. Era algo na forma em que ele lidava com os garotos.
A expressão leve, e como parecia existir um imenso carinho na forma em que ele cuidadosamente
instruía as crianças e as ensinava como jogar aquele jogo. O jeito em que ele apontava para os
buracos no chão, como se estivesse lhes explicando qual era o objetivo do jogo. Como ajudou cada
um deles a conduzir o taco de golfe, certificando-se de segurar as mãos dos garotos e os oferecer o
equilíbrio e suporte necessário.
E quando o primeiro menino acertou a bola em um buraco, Thomas vibrou como se fosse uma final
de campeonato mundial. E ele pegou o menino em seu colo e o jogou para cima, arrancando
gargalhadas escandalosas da criança. Uma fila grande cresceu diante dele, e Thomas não pareceu se
importar em repetir a brincadeira com cada um dos outros garotos. E eu vi em seu rosto um sorriso
tão belo quanto o do seu pai no outro dia. Eu não precisava conhece-lo bem para afirmar que ele
estava feliz. Estar com aquelas crianças o fazia feliz.
E aquilo me fez pensar em Sophie. Em como ela estaria correndo por aquele campo e revirando
todos os tacos enfileirados. Em como ela enlouqueceria ao ver o tamanho da piscina. Em breve
seriam três meses longe da minha irmãzinha. Longe daquelas bochechas gordas, daqueles olhos cor
de amêndoa iguais aos meus, daquela vozinha aguda que costumava chamar meu nome pela manhã. E
meu peito doeu. Doeu tanto que meus olhos ficaram molhados.
— Está tudo bem, Katherine? — A voz de Luna atravessou meus pensamentos.
— O quê? — Retruquei por cima do nó em minha garganta. Aqueles olhos verdes foscos encontraram
os meus.
— Você parece triste. — Ela observou juntando as sobrancelhas. — Isto é por causa de Heather?
— Não. — Neguei. E levei minha mão até meu peito para tentar afastar aquele aperto. — É só que...
toda essa claridade não está fazendo bem para meus olhos.
— Você tem certeza que é só isso?
É claro que não, Luna. Mas eu não posso te contar a verdade. E eu não posso mais ficar aqui com
você me perguntando. Eu preciso de um minuto.
— Com licença, Luna — eu disse com a voz abafada e me levantei. — Eu vou procurar um banheiro.
Não esperei por sua resposta. E segui para a direção oposta daquele campo de golfe.

Alcancei um pequeno bosque flanqueado por cerejeiras e parei atrás de um galho gordo. O aperto em
meu coração acabou explodindo em lágrimas no meu rosto. Não era local nem hora de começar a
chorar, mas como era possível me controlar quando eu sentia tanta falta da minha família, mas estava
do outro lado do globo terrestre? E, como era possível engolir tudo aquilo porque eu precisava fingir
que estava feliz o tempo todo e que eu tinha a melhor vida do mundo?
E por Deus, por qual motivo quanto mais eu tentava me convencer de que eu não podia chorar, maior
era a vontade de sucumbir ao pranto?
Droga.
Lá estava eu, no meu terceiro dia como Katherine Sawyer, escondida atrás de uma árvore e quase me
engasgando com meu próprio choro. Ou pelo menos, eu achei que estivesse escondida.
— Você está bem?
Aquela voz.
Merda.
Funguei tentando engolir todo o meu choro e limpei as lágrimas do meu rosto.
— Sim, Thomas. — Minha voz não passou de um sussurro embargado. — Eu estou bem.
— Engraçado. — Seus passos esmagaram a grama. — Você não parece bem.
Funguei outra vez.
— E desde quando se importa se eu estou bem?
— Oh, eu não me importo. — Seus passos cessaram. — Eu só vim até aqui porque queria um pouco
de privacidade.
Algo chiou e um suspiro muito próximo veio dele. Inclinei meu corpo para o lado, apenas para poder
espiá-lo. Ele tinha se sentado na grama do lado oposto ao que eu estava, de costas para o tronco da
mesma árvore na qual eu estava me escondendo.
— Privacidade? — Eu me sentei na grama assim como ele, deixando que minhas costas se apoiassem
no largo tronco da árvore que nos separava. Em minha frente estavam apenas algumas árvores, a
grama e a vegetação do pequeno bosque. — Privacidade para o quê?
O barulho de um isqueiro sendo aceso manchou o silêncio.
— Para o que estou prestes a fazer.
Encostei minha cabeça no tronco e no momento em que inspirei o ar, senti um cheiro que eu já não
sentia há um certo tempo. Um cheiro que eu definitivamente não esperava sentir ali. O cheiro da
fumaça de cigarro.
— Você está fumando? — Perguntei baixinho.
— Culpado. — Ele respondeu em um tom abafado. — Aceita um?
Aquele cheiro e aquela pergunta me traziam lembranças tão fortes do meu pai.
— Não, obrigada. — Minha voz começou a ficar trêmula. Fechei meus olhos para evitar as lágrimas.
— Eu não quero um cigarro.
— Qual é o problema Beckett? — Seu tom de voz era um pouco menos amargo que o comum. — Por
que você está chorando?
— Eu não estou chorando. — Murmurei. — É só... — funguei outra vez, — uma alergia.
Ele se remexeu daquele outro lado do tronco.
— Não me parece uma alergia Beckett.
— Mas é — insisti apertando os olhos. Mas lágrimas silenciosas escorriam em minhas bochechas.
— É apenas alergia a poeira.
Sawyer não insistiu mais. Ele se manteve em silêncio, emitindo somente os sons das tragadas em seu
cigarro. Só então abri meus olhos e olhei para o alto, me concentrando no verde fosco das folhas das
árvores e no azul escancarado do céu. Não havia nuvens ou nada que atrapalhasse a beleza daquele
dia. Apenas uma brisa fresca, burburinhos de pássaros e o cheiro da fumaça do cigarro que Thomas
fumava. E minuto após minuto, o aperto em meu peito começou a se afrouxar. Quase como se o
frescor da natureza misturado com o cheiro de cigarro tivesse um efeito calmante para o sufoco que
havia em minha alma.
— Thomas? — Fui a primeira a romper nossa ausência de palavras. Estávamos calados há tantos
minutos.
— Sim, Beckett. — Ele respondeu um segundo depois da minha pergunta.
— Por que você veio fumar?
Um arquejo pesado veio dele.
— Eu precisava de um minuto a sós.
Deixei que meus dedos escorregassem pela grama sob mim e arranquei alguns fiapos enquanto eu
encarava o vazio.
— Se precisava de um minuto a sós, por que veio até mim?
— Porque eu não confio em meus pensamentos, Beckett. — Ele disse em um tom baixo, e então fez
uma pausa. — E toda vez que estou com você eu não consigo ouvi-los.
Arremessei os fiapos de grama para longe. Sua resposta ondulou em mim. E fiquei tanto tempo
calada de novo, que ele devolveu:
— Por que estava chorando?
Foi minha vez de suspirar.
— Porque eu estou com saudades de casa.
— Se as coisas continuarem se saindo como o planejado, você só precisa aguentar por mais dez dias
e estará de volta em Nova York.
Balancei minha cabeça fazendo um sinal de não apenas para mim.
— Não. Eu me refiro à minha casa. Minha verdadeira casa.

CAPÍTULO 26

Ficamos ali por mais alguns minutos, deixando que o chilrear dos pássaros e o sibilar das árvores
preenchesse o silêncio outra vez. Até que, tragada por tragada, Thomas terminou aquele cigarro e se
remexeu. E eu só percebi que ele tinha se levantado quando aqueles tênis brancos sujos de poeira
surgiram em meu campo de visão. Ergui as vistas e me deparei com sua mão direita estendida para
mim e uma expressão complacente em seu rosto.
— Venha. — Ele disse com alguma gentileza. — Vamos retornar para a mansão.
Eu segurei aquela mão estendida e deixei que ele me ajudasse a levantar. Passei as mãos pelo meu
vestido, afastando a sujeira, e Thomas ergueu o cotovelo esquerdo no ar. Entrelacei meu braço
direito ali, e deixei que ele conduzisse a direção. Mas aquela foi a primeira vez que ambos
estávamos com os antebraços nus. Pele tocando pele. E sua pele era morna e suave.
Avançamos alguns passos naquela grama fofa, e o campo de golfe ainda se estendia a muitos metros
de distância. Percebi que que eu tinha caminhado mais do que imaginei. Campos forrados por um
verde limão nos circundava, e a única propriedade que parecia existir em quilômetros era aquela
mansão branca de gesso. Mas, eu avistei um lago de cristal que se desabrochava do lado leste da
casa, lindo e extenso. Havia um píer de madeira ali, e o horizonte se estendia ao longo dele em
montanhas preguiçosas. Aquele era o lugar mais bonito que eu já tinha estado.
— Então, — eu falei em um tom despretensioso, — você e Heather...?
Thomas soltou uma gargalhada rouca. A brisa fresca empurrava aquele cheiro de cigarro.
— É claro que eventualmente você descobriria. — Ele retrucou. — Mas não se preocupe. Foi há um
longo tempo atrás.
— Oh, eu não estou preocupada. — Ronronei. E empurrei aquele rabo de cavalo gordo por cima do
ombro. — Francamente, eu até sinto admiração por ela agora.
— Sério?
— Sim. — Usei meu quadril para dar um leve empurrão nele. — Por ter te suportado você.
Thomas riu. Um riso honesto e sincero.
— Neste caso eu quem mereceria admiração. — Thomas inclinou seu rosto para minha direção. —
Você não faz a menor ideia de como ela era.
Virei meu rosto para sua direção também, encontrando suas pupilas levemente dilatadas.
— Eu aposto que você vai dizer que ela era louca.
Sawyer parou de caminhar fazendo com que eu parasse também. Nossos braços se desentrelaçaram e
nossos olhares se encontraram. Estávamos a quarenta centímetros de distância um do outro, com
todas aquelas cerejeiras ficando para trás.
— Eu jamais chamaria uma mulher de louca. — Ele disse em um tom baixo, e seu olhar percorreu a
distância entre nós. — A menos que ela realmente possuísse algum tipo de insanidade.
Cruzei os braços na altura do peito.
— Hmmm. — Murmurei. — E qual era o problema com Heather então?
— O problema é que não era recíproco. — Ele deu um passo curto em meu rumo. E inclinou sua
cabeça para mais perto do meu rosto. Seus cabelos preto-azulados foram soprados por um vento
levado. Aqueles olhos azuis tracejados por safiras rodaram nas órbitas. — E ela sabia.
Empinei meu queixo, e agora nossos rostos estavam separados por 15 centímetros.
— Tem certeza que deixou isso claro para ela?
Thomas inclinou seu rosto um pouco mais. E nossos hálitos se cruzaram.
— Certeza absoluta, Beckett.
Os olhos dele cintilaram. E meu coração tropeçou em meu peito quando ele encarou meus lábios por
tempo demais. Thomas era lindo. E talvez fosse o cenário, mas eu realmente cogitei que pudéssemos
nos beijar ali. E eu tive a impressão de que ele estava ponderando o mesmo. Mas não podíamos nos
beijar. Eu tinha Tyler e Tyler era tudo para mim. Ele era dono do único beijo que minha boca queria
sentir. Além disso, eu odiava Sawyer. Ele era um idiota, egocêntrico e arrogante, que tinha me
deixado trancada dentro de um quarto no dia anterior. E ainda assim, eu não recuei. Eu continuei ali,
inerte, presa em seu olhar, incapaz de decidir se avançava ou recuava. Como se eu estivesse
petrificada, pronta para aceitar qualquer coisa que viesse a seguir. Mas Sawyer não fez nada. Ele
apenas engoliu em seco, pigarreou e se afastou. E eu sacudi minha cabeça afastando aqueles
pensamentos.
E então, ele não disse nenhuma palavra quando retomou seus passos não parecendo se importar se eu
o acompanharia ou não. E eu esperei que ele ganhasse alguns metros de distância e comecei a segui-
lo.
Que diabos havia sido aquilo?
Talvez eu estivesse começando a enlouquecer por passar tanto tempo com aquela gente metida. Era a
explicação mais lógica e razoável por eu ter me envolvido em um quase beijo com Thomas Sawyer.
Tudo que eu precisava fazer era chegar na mansão, ir direto para o quarto e conversar com Tyler. E
assim eu pararia de pensar em que gosto teria aquela boca cor de mousse de morango.

Não havia nenhuma notificação de Tyler. O que me fez soltar um arquejo muito frustrado. Thomas e
eu não tínhamos trocado nenhuma palavra durante o retorno para a mansão, e eu praticamente pulei
daquele carrinho no momento em que alcançamos os jardins da propriedade. E agora, encarando
aquela tela fria do meu celular, parecia um desperdício ter recusado todos os convites para ficar na
piscina.
E eu nunca tinha sido insistente em toda a minha vida. Eu costumava a respeitar o espaço das
pessoas, e não mendigava atenção de ninguém. Mas bem ali, naquela cama acolchoada demais,
sozinha naquele quarto porque Thomas estava.... Eu não sei o que ele estava fazendo. Mas meus
dedos formigaram.
[Ava 11h18] Tyler, aconteceu alguma coisa?
[Ava 11h18] Eu fiz algo que te deixou chateado?
[Ava 11h19] Por favor, fale comigo. Eu estou começando a enlouquecer no meio dessas pessoas.
Oh, eu odiei enviar aquelas mensagens. Eu parecia desesperada e carente. Mas era justamente como
eu estava me sentindo. Desesperada por quase ter beijado Thomas, e carente pela presença de Tyler.
Droga. Quando foi que eu comecei a permitir que homens mexessem com minha cabeça?
Só havia uma explicação: Austrália. Sim, tinha que ser isso. Estar em outro continente. Talvez meu
corpo estivesse sentindo os efeitos do Jet Lag um pouco tardiamente.
Sim. Era isso. Apenas a doença do fuso horário me causando danos psíquicos.

CAPÍTULO 27

Eu realmente queria evitar Thomas Sawyer pelo resto do dia, mas era um pouco difícil quando eu
não podia sair da personagem de esposa feliz e companheira. Aquilo era uma droga. Almoçamos
juntos, participamos de uma competição boba de jogos de mesa – e eu descobri que meu marido de
mentira em um gênio no xadrez – fizemos uma longa caminhada ao lado dos seus pais, na qual
Thomas e Michael discutiram sobre política e Christine me contou algumas histórias sobre a infância
do seu Thommy. O doce e adorável primogênito, que tinha fascínio por cavalos. E eu descobri que
aquele quadro que eu vira em sua sala tinha sido justamente um presente dela para ele. Ilustrava o
primeiro cavalo que Thomas teve na infância.
As luzes do poente inundaram os campos com aquelas luzes vermelho-douradas, e o sol era uma bola
de fogo sendo engolida pelas colinas quando retornamos para o quarto e começamos a nos arrumar
para o jantar daquela noite. Meu vestido era de uma seda fina e leve, cor de ébano, de comprimento
longo, com alças finas, decote em v e sem tecido algum para cobrir as costas. Meu sapato era um
salto agulha de uns quinze centímetros. Usei algumas presilhas encrustadas por diamantes para fazer
um penteado em meu cabelo, deixando que as mechas da frente ficassem soltas e a metade da parte de
trás presa em um rabo de cavalo. Coloquei um par de brincos que combinava com o colar de
esmeraldas que meu pescoço recebeu.
Thomas estava usando um terno preto-nanquim com uma gravata da mesma tonalidade do meu
vestido, sapatos pretos de couro, um penteado que não deixava nem mesmo um fio daquelas
mortalhas de ônix fora do lugar, e aquele cheiro ludibriante de chocolate aveludado. Ele estava
sensual como sempre. Ops. Insuportável como sempre.
Antes de sairmos do quarto e descermos para o jantar, Thomas se sentou na cama e bateu três vezes a
palma da sua mão contra o colchão, como se estivesse me convidando para que eu me sentasse. E eu
o fiz. Mas naquela cadeira acolchoada da mesa, do outro lado da cama. Ele fez uma careta.
— Precisamos conversar sobre o que aconteceu hoje. — Thomas disse com uma calma fria. Meu
estômago tremulou.
— Não podemos simplesmente continuar fingindo que nada aconteceu? — Murmurei. E eu não
conseguia o encarar diretamente.
— Não. — Ele grunhiu. — As coisas não são simples assim.
— Por que não, Sawyer? — Encarei aquele anel em minha mão. O mesmo azul dos olhos de Thomas
bem ali no meu dedo. — Porque precisamos ter uma conversa que nenhum de nós dois quer ter sobre
algo que nenhum de nós queria que acontecesse?
Thomas bufou uma risada. E eu me obriguei a encara-lo.
— Queria o quê, Beckett?
— Você sabe. — Retruquei com a voz mole. E algo queimou de verdade em minhas bochechas.
Acrescentei baixinho: — Ou você queria?
Aquelas sobrancelhas levemente arqueadas foram erguidas.
— Eu acho que não estamos falando sobre a mesma coisa.
Franzi a testa.
— Espere, — arquejei — estamos falando sobre o que aconteceu depois da conversa na árvore... não
é?
Sawyer piscou. E aquele divertimento frio cresceu em sua expressão.
— O que aconteceu depois da conversa na árvore, Beckett?
Pigarreei. E me dei um minuto para dizer aquilo em voz alta.
— Quando nós dois quase nos beijamos.
Thomas bufou outra risada. E aquele azul em seus olhos disparou. A noite ondulou adiante daquelas
janelas de vidro com as cortinas beges abertas.
— Isso não aconteceu, Beckett.
Estreitei meus olhos.
— Eu tenho certeza que aconteceu.
Ele estalou a cabeça de leve para o lado, e girou a aliança gorda em seu dedo anelar esquerdo.
— Definitivamente não, Beckett.
Ok, Sawyer. Você quer fingir que nada aconteceu? Ótimo. Melhor assim.
Soltei um grunhido frustrado. Alto demais.
— Sobre o que era esta conversa então?
— Esta manhã, — Thomas tracejou seu queixo com o polegar direito, — você estava chorando por
sentir saudades de casa. — Ah. Este assunto. — Hoje ainda é o terceiro dia em que estamos aqui,
— ele prosseguiu em um tom inexpressivo, — e eu me pergunto se seus problemas emocionais não
irão interferir em seu comportamento como Katherine Sawyer.
Claro. O teatro precisava continuar acima de tudo. Engoli o nó em minha garganta. E pisquei.
— Pode ficar tranquilo. — Meu peito subiu e desceu com calma, embora uma dorzinha aguda
estivesse se instalando em meu coração. — Já passou.
Nossos olhares se encontraram de novo.
— Tem certeza?
Assenti com a cabeça. E pisquei. De novo. E de novo.
— Eu só estava um pouco emotiva essa manhã. — Minha voz soou mais abafada do que eu gostaria.
— Mas não irá acontecer novamente.
— Ótimo. — Ele afastou uma poeira invisível do seu ombro esquerdo. Mas um sorriso felino se
curvou em seus lábios quando ele emendou: — Eu detestaria ter que colocar um fim neste nosso
acordo antes do prazo estipulado.
Sim. Porque o pobre Thomas Sawyer precisa do seu troféu particular para ficar exibindo de um
lado para o outro.
E então nos dirigimos ao jantar da noite. Mas, um minuto antes de sair do quarto, eu decidi levar meu
celular. Eu tinha algum pressentimento de que Tyler me responderia, e eu queria estar com meu
celular quando ocorresse. Thomas reclamou sobre aquilo, mas eu o convenci dizendo que o aparelho
ficaria naquela bolsa caríssima o tempo todo.
E por fim ele aceitou.

Mal tínhamos alcançado o salão que se perdia em mesas douradas, pessoas elegantes conversando e
sorriso, música suave ressonando de violinos, e um grito agudo cruzou o salão bradando pelo nome
de Thomas. Giramos nossos troncos quase sincronizadamente e avistamos Heather naquela mesa de
quatro lugares, ocupada apenas por ela e outra dama de honra. Heather. Se eu me destacava ali por
ser uma rosa preta, ela se destacava por ser uma rosa vermelha.
Seguimos até a mesa dela. Eu sabia que ela queria apenas Thomas, mas aquilo não era uma opção. E
eu seria a última mulher na face da terra a competir por um homem. Então quando ela insistiu que
Thomas se sentasse ao lado dela, eu apenas contornei a mesa e me sentei ao lado de Maya. Heather
começou a conversar com Thomas como se os dois estivessem sozinhos na mesa. Citando assuntos
internos, passando os dedos brancos pelo antebraço musculoso dele, rindo e se inclinando na direção
do meu marido, tentando atrair a atenção dele para aqueles seios fartos quase pulando para fora do
decote que existia no seu vestido preto. E eu não sabia decidir se eu sentia pena pelo comportamento
dela, ou pela forma que em que Thomas insistia com seu olhar para que eu intervisse. E eu iria. Eu
iria provoca-la com palavras muito afiadas, mas a bolsa vibrou em meu colo. Uma vez. Duas vezes.
Três vezes. Eu peguei meu celular e conferi a tela por debaixo do forro de seda da mesa que recaia
até quase meu colo, e lá estavam. As notificações de Tyler que eu tanto precisava.
Empurrei minha cadeira para trás e me coloquei de pé.
— Com licença por um minuto, — falei para ninguém em específico, — eu vou tomar um ar fresco.
Heather abriu um sorriso de víbora.
— Está tudo bem, querida?
Talvez ela achasse que aquilo era por causa dela. Que estava me sentindo ameaçada. Quase estalei a
língua com desprezo. Mas indiferença era melhor.
— Está tudo ótimo, querida — devolvi em um tom venenoso.
Faça bom proveito de Thomas Sawyer. Tem um Tyler Griffin querendo minha atenção.
Não esperei resposta ou intervenção de Thomas. Virei meu tronco e me dirigi a área externa da
mansão, o mais rápido que eu podia sem que meus passos se transformassem em uma corrida. Eu
apenas assentia com a cabeça para todos os convidados que me ofereciam cumprimentos, e alcançar
um terreno desolado foi quase difícil. Aquelas madames pareciam brotar do chão procurando por
conversa fiada. Mas eu alcancei este pequeno jardim, flanqueado por arbustos densos, quase como se
fosse uma pequena clareira. O céu era um grande veludo escuro, e a lua era uma disco dourado
gordo. Sem estrelas naquela noite. A brisa fresca me envolveu quando eu parei ali. Retirei meu
celular da bolsa.
[Tyler 20h13] Olá meu bombonzinho.
[Tyler 20h14] Me perdoe pelo sumiço. Estou resolvendo algumas coisas.
[Tyler 20h14] Esse Sawyer realmente parece um tapado.
[Tyler 20h15] Vou comprar seu vinho favorito e daremos boas risadas da cara dele.
[Tyler 20h15] E em seguida, vou te foder do jeito que você gosta em cima do dinheiro dele.
[Tyler 20h16] Prometo que estes dias parecerão apenas um pesadelo quando você voltar para mim.
Voltar para ele.
Voltar para meu Tyler Griffin.
Eu derreti com aquilo. E só consegui me concentrar na parte em que ele dizia que foderia comigo.
Ah, como eu queria trepar com ele. Sentir seu corpo quente, seu suor, me afogar em seus batimentos
acelerados. Voltar a ser completamente dele.
[Ava 20h19] Mal posso esperar para que isso aconteça.
Suspirei. E enquanto eu aguardava pela resposta, três vozes masculina se aproximaram.
Especificamente, três primos de Thomas.

CAPÍTULO 28

Enterrei meu celular no fundo daquela bolsa, e me preparei para disparar dali. Mas, depois de uma
batida do meu coração, os arbustos sacolejaram, trazendo Javier, James e Dylan.
— Ora, ora. — Dylan cantarolou exibindo aquele sorriso sarcástico. — Se não é nossa querida
jogadora de Tênis.
Ele parou em minha frente.
Revirei meus olhos. Eu não podia ter um segundo de paz?
— Sim, é justamente ela. — Javier emendou. Em um tom tão debochado que meu sangue ferveu. —
Katherine.
Ele parou a minha esquerda.
— Eu me pergunto, — James refletiu com escárnio, — o que ela está fazendo aqui fora sozinha?
Ele parou a minha direita.
Ergui as mãos no ar na altura da minha cabeça, com as palmas viradas para frente. A bolsa prata
cintilante estava pendurada em meu ombro direito.
— Vocês me pegaram. — Ronronei encarando o advogado babaca. Dylan. — Sou eu, Katherine.
Dylan soltou uma gargalhada de corvo quando avançou mais um passo. Vinte centímetros nos
separavam agora.
— Você é sempre tão engraçadinha assim? — Ele perguntou.
Javier e James avançaram também, fechando um semicírculo assim como naquela manhã na piscina.
A diferença, é que não estávamos na água sob a luz do dia em um terreno aberto. Estávamos em um
jardim escuro, tão afastado da casa que se eu gritasse, talvez ninguém escutaria. Não com aquela
música no salão e todas aquelas conversas abafadas. Meu coração disparou. Eu não tinha medo
deles. Mas ainda assim eram três homens grandes e fortes.
— Não. — Retruquei por fim. E medi Dylan com meu olhar. — Apenas quando estou falando com
palhaços.
Eu era tola por falar daquele jeito quando aquele macho parecia disposto a me agredir fisicamente.
Mas eu não conseguia evitar. E Dylan cerrou a expressão de um jeito que fez um suor gélido se
empoçar em minhas mãos.
Ele avançou mais um passo, e quase colou seu corpo em mim. E eu tentei recuar, mas Javier e James
já estavam ali como duas montanhas de aço garantindo que eu não fosse a lugar nenhum.
— Já entendi. — Eu falei em um tom mais agudo do que eu pretendia. Mas não deixei de encarar os
olhos daquele falcão em minha frente para acrescentar: — Você não consegue fazer nada sozinho.
Você precisa das suas duas cadelinhas.
Dylan bufou uma risada irônica demais.
— Você é corajosa, não é mesmo? — Ele indagou. E aquele olhar porco percorreu meu corpo. —
Vamos ver se ainda será corajosa assim com meu pau em sua boca.
Explodi na forma de uma cuspida naquela cara machista. Javier e James arquejaram.
Dylan rosnou. Rosnou de verdade. E usou seu cotovelo para limpar sua bochecha direita.
— Você vai se arrepender disso, sua vadia. — Ele anunciou em um tom afiado, um segundo antes de
levar uma de suas mãos até minha nuca, puxando meu pescoço para frente e forçando um beijo.
Idiota.
Meu joelho direito alcançou o centro de suas pernas com toda a força que eu tinha. E ele caiu no chão
gemendo de dor.
— Vagabunda. — Ele murmurou cerrando os dentes. — Eu vou te matar.
E aquelas mãos pesadas dos outros dois machos que me encurralaram seguraram meus braços com
força.
— Me larguem. — Bufei. E meu peito começou a subir e descer depressa. — Me deixem em paz!
— Cale a boca, sua vadia. — Javier exigiu.
Perto demais.
Os dois homens estavam perto demais. Minha respiração começou a arder em meus pulmões. Eu me
debati, mas eles me prensaram com mais força. Suas mãos eram faixas de aço segurando meus
antebraços. Enquanto isso Dylan ainda se contorcia e gemia, tentando se levantar do chão. E seria
aquilo. Eu tinha certeza que aqueles três nojentos iriam me violentar de alguma forma. Fisicamente
ou sexualmente. Puro horror ondulou em meu intestino quando concluí que talvez seriam as duas
opções. Eu estremeci pensando na ideia. E em um reflexo do nojo que senti, eu usei aquele salto fino
demais para pisotear o pé de Javier, que parecia ser mais forte do que James. Aquilo funcionou para
que ele afrouxasse sua mão em resposta a dor, e xingasse um nome muito sujo. E eu tentei me soltar
de novo. Eu me debati e praguejei, ameaçando até a última geração daqueles três porcos. Mas não
foram minhas ameaças que fizeram os dois machos paralisarem. Foi um grito denso. O rugido de um
lobo feroz que perguntou o que estava acontecendo ali. E Javier e James apenas me empurraram para
longe em resposta, e eu quase tropecei por causa daquela grama se enroscando em meu salto alto.
Os passos de Thomas se aproximando eram tão pesados que reverberaram em mim. Fizeram até
mesmo as fundações daquele jardim estremecerem. Ele parou ao meu lado e segurou meu rosto com
as duas mãos, com um carinho de partir o coração. E olhou para mim. Quase como se se importasse
de verdade comigo, e não apenas estivesse mantendo um personagem. O marido que aparecera para
defender a honra de sua esposa.
— Você está bem? — Ele perguntou em um tom denso. Seus olhos ardiam em fúria azul. — Eles te
machucaram?
— Só estávamos nos divertindo, Thommy. — Javier disparou antes que eu respondesse.
— Eu não estou falando com você. — Thomas retrucou e soltou meu rosto. Meus olhos ficaram
molhados, e aquele lobo girou seu tronco para a direção dos três primos reunidos. Eu nem tinha
notado que Dylan já estava em pé outra vez. Thomas emendou com uma ira gélida: — Eu disse para
ficarem longe dela.
— Calma, Tom. — Dylan contrapôs com aquele escárnio hediondo. E ele olhou para mim. — Desde
quando você é tão egoísta com seus brinquedos?
Trinquei os dentes.
— Eu não sou um brinquedo.
— Eu cuido disso. — Thomas falou, estendendo uma mão no ar em minha frente para que eu não me
aproximasse dos seus primos.
— Você cuida disso, pequeno Thomas? — Javier gargalhou com deboche. — É mais fácil sua
putinha resolver para você.
Eu odiei escutar aquilo. Odiei com cada pedaço que me constituía. Mas talvez Thomas estivesse
envolvido demais naquele teatro, porque de alguma forma, ele pareceu odiar ainda mais. Em um
segundo ele estava do meu lado. No outro, a fera selvagem que ele escondia sob aquele homem
calmo rugiu ali. Ele avançou até Javier e o empurrou pelos ombros. Javier revidou tentando dar um
soco em Thomas, mas meu marido de mentira aparou a mão do seu primo no ar, e a empurrou para o
lado com uma mão, usando sua mão livre para dar uma sequência de dois socos no rosto de Javier.
Rápido. E com violência o suficiente para derrubá-lo.
James então interviu, segurando os braços de Thomas por trás enquanto Dylan se aproximou pela
frente, mas Thomas foi mais rápido e usou suas pernas para chutar e se defender de Dylan, acertando
seu estômago e o fazendo cair no chão outra vez. Então, ele se curvou para frente levantando James
do chão, e o arremessou por cima do seu corpo, o levando a bater bruscamente de costas contra o
chão. E Thomas finalizou aquilo com uma sequência de chutes contra o abdômen de James, e só
parou para seguir até Javier e fazer o mesmo com ele. E por último, aquele lobo caminhou até Dylan,
e se inclinou para puxá-lo pelo colarinho.
— Este é meu último aviso, Dylan — Thomas disse com a mandíbula cerrada, e deu mais um murro
no rosto daquele advogado nojento, arrancando sangue do nariz dele. — Fique longe da minha
esposa.
E então Sawyer o largou no chão, se ergueu e girou seu tronco para mim, ajustando seu terno agora
um pouco amassado. Ele retirou um lenço de seda do seu paletó e limpou os nós dos seus dedos, e
depois arremessou o tecido sujo contra seu primo.
Meu queixo tinha despencado. De verdade. No início daquela briga, eu achei que Sawyer levaria
uma bela surra dos seus primos até que alguém aparecesse e intervisse. E, de alguma forma, foi
justamente o contrário. E honestamente? Foi bom ter sido defendida por Thomas Sawyer. Eu nunca
me vi como uma princesa indefesa à espera de um príncipe para resgatá-la, mas, eu gostei que ele
tivesse sido meu protetor particular. Assistir aquela cena brutal, aquele estado feroz que Thomas
alcançou por minha causa, fez meu coração ficar quentinho. E eu avancei até ele. E parei perto. Tão
perto que seu calor me cumprimentou. Sua respiração estava curta.
— Não tem ninguém aqui perto. — Murmurei baixinho. — Você não precisava ter feito isso.
— Bem, — ele ronronou com aquela calma fria, — eu preciso cuidar da minha esposa, não é
verdade?
— É claro, — retruquei com a voz mole ignorando os grunhidos dos seus primos agonizando de dor
no chão. Levei minhas duas mãos até seu pescoço e ajeitei sua gravata. Mas também, usei a mesma
gravata para forçar sua cabeça para baixo. Eu me inclinei e sussurrei em seu ouvido: — Mas eu não
sou sua esposa, se lembra?
— Sim, eu me lembro. — Thomas contrapôs em um tom tão baixo que eu me arrepiei toda. E suas
mãos fortes envolveram minha cintura no mesmo instante em que sua boca alcançou minha orelha
direta. — Ainda assim eu lhe devia um favor pelo jogo. — Ele devolveu o sussurro. — E pela
maneira que falou de mim para os meus tios.
Seu corpo era tão grande e forte.
— Oh, aquilo? — Indaguei com deboche e o empurrei para longe, obrigando suas mãos a se
desprenderem da minha cintura. Então ajeitei minha própria bolsa recostando em meu quadril e virei
as costas para ele. E eu já sabia que ele iria me seguir quando comecei a caminhar para longe
daquele jardim e falei: — Eu não fiz por você.
Não demorou para que seus passos me alcançassem.
— Sério?
— Sim. — Afirmei com a voz firme. — Eu não queria que achassem que sou casada com um pateta.
Thomas deixou escapar uma risada rouca. A mansão estava a uns cinquenta metros de distância, e
todos aqueles jardins forrados pelo clarão do luar se estendiam pelas nossas laterais.
— Faz sentido. — Thomas comentou.
E deixamos que o sibilar dos grilos preenchesse o silêncio.

CAPÍTULO 29

— Por que você parece enfurecer quando alguém te chama daquilo? — Eu perguntei quando tínhamos
parado de caminhar em frente aquela piscina. — Pequeno Thomas?
— Eu não quero falar sobre isso — ele resmungou.
— É uma pena. — Eu cantarolei e fiz menção de voltar a caminhar. — Da próxima vez terei que
mencionar que você não é tão bom assim de cama.
Thomas se colocou em minha frente bloqueando minha passagem.
— Primeiramente, você não tem a menor ideia de como eu sou na cama. — Ele disse, e os cantos de
sua boca se curvaram em um sorriso presunçoso. Ele estudou meu corpo com escrutínio. Seu olhar
brilhou em lascívia quando nossos olhos se encontraram. — Eu te asseguro que sou muito bom.
Rolei os ombros fingindo desdém.
— Bom para você, pequeno Thomas.
Meu marido de mentira estreitou os olhos.
— Não me chame assim.
Cruzei meus braços sobre o peito, e mordi meu lábio inferior.
— Se você me contar o porquê, eu prometo que não chamo.
Thomas inspirou com calma. E expirou. As luzes esbranquiçadas dos postes perto da piscina
lambiam sua pele como se estivessem apaixonadas por ele.
— Está bem. — Ele grunhiu por fim. — Eu te conto. Mas você precisa prometer que nunca falará
disso com ninguém.
Estendi minha mão para ele. Seu olhar nunca me deixou.
— Você tem minha palavra.
Thomas apertou minha mão parada no ar. O toque era firme, porém, gentil. Sua mão não possuía nem
sequer um calo.
— Minha família costumava se reunir com muita frequência. — Ele começou a contar em um tom
inexpressivo, e nossas mãos se soltaram. — Três, quatro, cinco vezes por semana. Eu sou o mais
novo dos meus primos, considerando apenas os homens. E quando criança eu era um menino muito
magrelo e franzino. Daí vem a parte do pequeno Thomas.
— É isso? — Bufei uma risada. — Você não gosta que te chamem de pequeno Thomas por que te
deram esse apelido na infância?
— Não, é claro que não. — Thomas soltou um suspiro pesado, e contraiu um músculo em sua
mandíbula. E seu olhar se perdeu naquela piscina, assim como o meu se perdeu no reflexo em seus
olhos. — Meus primos sempre queriam tudo que era meu, desde minha sobremesa até meus
brinquedos, e eles sempre conseguiam. Quando eu contava a seus pais, eles diziam, “pequeno
Thomas, você precisa aprender a dividir”. E é engraçado, por que essa história de compartilhar só
funcionava quando eram minhas coisas. Se eu quisesse brincar com as coisas que pertenciam a eles,
eu sempre era castigado. Eles me trancavam em armários, roubavam a maquiagem de suas mães e
passavam a força em mim, e às vezes, quando faltava criatividade, eles me batiam. E no final eles se
amontoavam sobre mim e ficavam repetindo, “oh, pequeno Thomas, vai chorar? ”
Um nó se fechou em minha garganta. E meu peito doeu de verdade. Por que crianças são tão
malvadas às vezes?
— E até mesmo na escola, — Thomas prosseguiu em um tom vazio, — porque eu tive o infortúnio de
frequentar o mesmo colégio particular que eles, eles fizeram da minha vida um inferno.
Especialmente Dylan, James e Javier. Se eles vissem uma garota falando comigo, algo acontecia, e
impressionantemente no outro dia a mesma garota aparecia com um deles e nunca mais falava
comigo. E eles sempre diziam, “obrigada por compartilhar, pequeno Thomas”.
Que bando de bastardos.
— Por que você nunca contou para seus pais ou alguém? — Perguntei em um tom baixo. — Essas
coisas que eles faziam com você.... — Engoli em seco. — Eles jamais deveriam ter se saído
impunes.
— Bem, é simples. — Sawyer abaixou a cabeça, enfiou as mãos em seus bolsos da calça e chutou
uma pedra invisível no chão. — Eu tinha medo. Eu sempre achei que se eu contasse a alguém, as
coisas piorariam.
Eu não sei como minha mão alcançou seu ombro.
— Oh, Thommy. — Sussurrei. E então pigarreei quase no mesmo segundo por ter usado aquele
apelido. — Quer dizer, — pigarreei outra vez. — Thomas. Eu sinto muito por isso.
— Não sinta. — Thomas usou sua mão direita para sobrepor a minha em seu ombro, e ergueu sua
cabeça. Aqueles olhos azuis salpicados pelo mesmo diamante azul em meu dedo anelar fitaram os
meus. — Eu pude me vingar deles esta noite, graças a você.
E então Thomas encarou meu penteado e levou suas duas mãos até as presilhas de diamantes em meus
cabelos. Retirei minha mão do seu ombro e ele estava tão perto, que se eu inclinasse um pouco meu
corpo nossos torsos se tocariam.
— O que está fazendo? — Perguntei quando ele desprendeu uma presilha, deixando que uma mecha
do meu penteado escorregasse para fora. Eu não conseguia parar de olhar para seu rosto.
— Eu estou ajeitando seu penteado. — Ele explicou sem desviar a atenção dos meus cabelos, e sua
voz era mais macia do que a seda do meu vestido.
Claro. O que aconteceu naquele jardim deve ter me deixado descabelada. Outra presilha foi solta, e
outra mecha escorregou. E enquanto seus dedos percorriam meu couro cabeludo com tanta suavidade,
soltando mecha por mecha, eu quase ronronei. As mesmas mãos que tinham sido tão brutas
anteriormente, e agora eram tão delicadas desfazendo meu penteado. O silêncio suave da noite nos
envolvia, e aquela brisa gélida soprou meus cabelos quando por fim foram totalmente soltos. E por
uma batida do meu coração eu pensei que talvez pudéssemos nos tornar amigos. Mas na batida
seguinte, eu decidi que eu não queria mesmo Thomas Sawyer em minha vida depois que aquela
viagem acabasse.
— Pronto. — Thomas disse por fim, com todas aquelas presilhas reunidas em suas mãos. Nossos
olhares se encontraram de novo, e ele adicionou baixinho: — Eu gosto mais do seu cabelo quando
ele está solto de qualquer forma.
Ignorei o arrepio gelado em minha espinha e fui a primeira a desviar o olhar. Abri minha bolsa e ele
depositou as presilhas ali dentro.
— Não deveríamos entrar? — Indaguei. Manter o tom suave não foi um esforço. — Não deve estar
na hora do brinde ou algo do tipo?
— Na verdade, — Thomas olhou na direção da entrada da mansão, — acredito que já perdemos o
brinde. Mas eu tenho certeza que ainda podemos comer alguma coisa.
— Eu adoraria algo para comer. — Respondi, e abri um sorriso. Um sorriso sincero. — Grande
Thomas.
Ele soltou uma risada espontânea.
— Muito grande.
— Você é um idiota. — Declarei.
Enrosquei meu braço no dele e retornamos para a mansão.

Depois que o jantar foi servido, o noivo de Amelia se levantou e a convidou para dançar. Uma
música romântica começou a ressoar daqueles violinos, atraindo vários casais para uma pista
improvisada de dança. Os pais de Thomas foram os que mais chamaram minha atenção. O jeito que a
senhora Sawyer mantinha sua cabeça apoiada no peito do seu marido, era como se ela estivesse no
local mais seguro do mundo. Eles flutuavam ao som da música, tão apaixonados que era como se
estivessem no próprio mundo deles. E o resto, simplesmente não importava.
Coloquei meus cotovelos sobre a mesa e apoiei meu queixo em minhas mãos, assistindo aquele casal
dançando. E eu pensei em quando Tyler e eu dançamos no baile do colégio, depois de sermos
coroados como rei e rainha. E aquela foi uma das noites mais mágicas de toda a minha vida. Não se
tratava de estar nos holofotes, ou das luzes baixas recaindo sobre nós. Mas eu estava dançando uma
música lenta o garoto que eu amava. Aquele que tinha sido meu primeiro. E eu estava tão perdida
naquelas memórias, lembrando do cheiro e do corpo de Tyler, que a voz de Thomas pareceu soar
longe demais quando ele perguntou:
— Gostaria de dançar, Beckett?
— O que você disse? — Retruquei em um tom baixo, ainda observando seus pais rodeados por todos
aqueles casais.
— Eu perguntei se você gostaria de dançar. — Thomas repetiu em um tom firme.
E eu me obriguei a desviar meu olhar da pista de dança e passei a encará-lo. Nossa mesa já estava
vazia, com apenas aquelas taças de champanhe entre nós.
— Thomas Sawyer, — murmurei fitando a safira em seus olhos, — você está me convidando para
dançar?
— Não. — Ele disse com calma e abriu um sorriso sensual. — Mas seria estranho se fôssemos o
único casal que não dançasse esta noite.
Suspirei. Claro, claro. O teatro.
Estendi minha mão esquerda para ele. A mesma que agora parecia tão pesada depois que eu descobri
o valor daquele anel em medo anelar. Eu tinha pesquisado sobre ele em algum momento no dia
anterior quando eu estava trancada no quarto. E descobri que o Oppenheimer era um diamante azul
que fora comprado em um leilão pelo mesmo preço que Thomas me dissera: 56 milhões de dólares.
E eu não conseguia entender como uma joia podia ser tão cara.
— Você tem razão — eu disse quando ele segurou aquela mão. — Mas eu deveria te dizer, eu não sei
se você será capaz de me acompanhar.
Bem, eu tinha sido líder de torcida. E eu era uma excelente bailarina na infância. Mas ainda assim,
Thomas soltou uma pequena risada.
— Eu não me preocuparia com isso.
Nos levantamos. E eu deixei que ele me conduzisse pelo salão quase como se não nos detestássemos.
Thomas parou em minha frente e colocou a mão direita em minha cintura. Sua mão esquerda segurou
minha mão direita, enquanto minha mão esquerda se apoiava em seu peito. Começamos a nos
movimentar, basicamente nos mexendo de um lado para o outro seguindo o ritmo da música, sem
desviar o olhar. Porque estávamos sendo observados, e manter nossos olhares fixos ressaltava a
ideia de que éramos perdidamente apaixonados um pelo outro. Eu estalei a língua com desprezo
quando Thomas me disse aquilo antes de começarmos a dança. Menos de trinta segundos depois, a
música foi substituída por uma versão muito lenta de Can you feel the love tonight. Todos os casais
que nos circundavam passaram a dançar quase abraçados, de forma íntima e sincronizada.
— Não precisamos dançar assim — eu falei baixinho.
— Não, nós não precisamos. — Thomas me girou e me puxou para mais perto de si, deixando nossos
corpos colados. Precisei inclinar a cabeça para trás para continuar enxergando seu rosto. — Mas a
questão é.... — Ele fitou meus olhos. — Eu quero dançar assim com você.
Eu quase me desconcentrei e pisei em seu pé. E ele provavelmente devia ter enfiado alguma coisa em
sua cueca, porque não era possível que toda aquela massa que eu estava sentindo tão enrijecida em
suas calças pertencesse naturalmente a ele. Thomas abaixou a cabeça, e sua boca alcançou meu
ouvido direito.
— Você não dança tão mal quanto imaginei — ele sussurrou.
E eu não gostei do jeito que aquilo fez os pelos em minha nuca ficarem eriçados.
— Digo o mesmo de você. — Retruquei.
Thomas me apertou com mais força contra seu corpo, e sua mão que estava em minhas costas desceu
um pouco mais, parando em minha lombar. E eu quase desejei que a mesma mão escorregasse
aqueles centímetros e tocasse meu bumbum. Quase.
— Vá em frente, — ele encorajou com aquele tom tão suave, — pode colocar a cabeça em meu peito.
— Eu não irei fazer isso. — Resmunguei.
Seus olhos azuis brilhavam tanto. E aquela música tão romântica estava começando a perfurar meus
ossos.
— Por que não? — Ele indagou em um tom preguiçoso. — É só uma dança.
Não, não era só uma dança. Era uma dança com o homem mais arrogante e egocêntrico que eu
conhecia. O desgraçado que no dia anterior tinha despertado em mim a raiva mais ardente que eu já
sentira em toda minha vida. O cretino arrogante que me chantageara para que eu me passasse por sua
esposa.
E mesmo assim, sem nenhum motivo racional, coloquei minha cabeça em seu peito.
E eu fiquei um pouco surpresa quando escutei seus batimentos cardíacos e descobri que de fato ele
tinha um coração. Deixei que minhas mãos ficassem repousadas em seu peitoral, e os braços fortes
de Thomas me embalaram por completo. E ele apoiou o queixo em minha cabeça. E balançamos,
quase sem nos mover. Mas o mais estranho foi que aquela dança não foi como quando eu dancei com
Tyler no baile de formatura. De algum jeito, foi melhor.
— Ei, Sawyer, — sussurrei baixinho, ainda com a cabeça repousada em seu peito, — eu odeio você.
Ele me apertou com mais força. Quase como se quisesse que eu não fosse a lugar nenhum. O lobo
selvagem que me protegera dos primos, e agora era um felino carinhoso cuidando daquilo que o
pertencia.
— Tome cuidado Beckett — Thomas sussurrou de volta. — Existe uma linha muito tênue entre amar e
odiar alguém.
Não respondi. Não quando eu queria dizer que seria mais fácil que os sete oceanos se
transformassem em desertos do que amá-lo. Especialmente porque meu coração pertencia
exclusivamente a outro homem, e o nome dele era Tyler Griffin.

CAPÍTULO 30

Já era o quarto dia que eu amanhecia como Katherine Sawyer, e de novo, eu tinha ido dormir no sofá
e estava despertando na cama. E, assim como nas outras manhãs, o quarto estava vazio. Eu me
espreguicei e rolei para lado, tateando aqueles travesseiros macios até encontrar meu celular
enquanto meus olhos reclamavam dos raios escandalosos de sol serpenteando pelas janelas. Liguei
para minha mãe. Inventei que eu tinha alguns minutos livres, e que eu estava com saudade de escutar
a voz dela. Não era mentira. Eu queria falar com Sophie também, mas minha irmã estava na escola.
Eu acho que eu tinha me esquecido momentaneamente que para o resto do mundo, aquela uma terça-
feira comum. Encerrei a chamada e conferi se havia alguma notificação de Tyler. Nada. Mas aquela
última mensagem da noite anterior me arrancou mais um sorriso bobo.
“Prometo que estes dias parecerão apenas um pesadelo quando você voltar para mim.”
Mas então, eu percebi algo diferente na tela azul-pálido do meu celular. Uma mensagem de alguém
que só estava em minha lista de contatos por conveniência.
[Ian 01h52] Tyler é um mentiroso. Você não deveria acreditar em nada do que ele diz.
E existia uma foto junto com a mensagem. A foto de Tyler deitado no sofá daquele apartamento em
Nova York, usando apenas uma bermuda. Mas ele não estava sozinho. Uma mulher estava enroscada
em seu peito, usando uma das camisetas dele, com as coxas nuas. Uma mulher loura, que eu odiei
reconhecer. Os dois estavam dormindo, e havia muitas garrafas de bebidas caras e cigarros
espalhados pela mesa de centro da sala.
O celular caiu da minha mão.
Por isso ele estava sumindo tanto? Estes eram os assuntos que ele precisava ficar constantemente
resolvendo? Ele estava se relacionando com Claire?
Tyler não faria aquilo comigo. Tyler era decente. A foto podia ser antiga. Tinha que ser.
[Ava 10h33] De quando é essa foto?
Eu estremeci. E o esmalte em minhas unhas começou a ficar estragado quando eu comecei a roê-las.
Meu celular vibrou.
[Ian 10h35] Desta madrugada. Tyler está estourando todos os cartões de crédito dele esperando o
dinheiro que você vai receber.
Algo desabou em meu peito. Não.
Meus joelhos tremeram. Minhas mãos ficaram frias, e não sei quando eu comecei a caminhar de um
lado para o outro dentro do quarto, apertando meu couro cabeludo e procurando uma resposta para
todas aquelas perguntas.
Enquanto eu estava na Austrália impedindo que todos nós fossemos acusados por roubo, Tyler estava
com Claire? E se estivesse, o que aquilo significava para nós? Era meu Tyler.... Não tínhamos
reatado nosso namoro oficialmente, mas tudo parecia estar caminhando para que aquilo acontecesse.
E talvez eu o amasse tanto, ou talvez eu desejava tanto que aquilo não fosse verdade, que eu queria
dar a ele o benefício da dúvida. Ele merecia uma chance de se explicar. Sim. Existia uma
justificativa plausível para aquilo.
A porta do quarto se abriu. Era Thomas. Ele não estava suado e vermelho como nas outras manhãs,
muito menos usando roupas esportivas. Seu traje era uma blusa branca, um paletó escuro e calças
pretas. A porta foi fechada.
— Achei que fosse dormir o dia inteiro. — Ele anunciou com deboche. E parou de caminhar a um
metro de distância.
— Agora não Sawyer, — rosnei. E esfreguei meu peito tentando afastar aquele ardor em meu
coração. — Eu realmente não estou com paciência para você hoje.
Thomas me mediu com seu olhar.
— É uma pena. — Thomas disse por fim, e avançou até tocar minha mão. — Porque iremos fazer um
passeio.
Retraí minha mão com alguma brutalidade enterrada no fundo da minha alma.
— Eu não quero ir passear com você. — Grunhi. Azeda demais.
Aqueles olhos azuis foram estreitados.
— Eu não te perguntei se você quer ir passear, Beckett. — Ele revidou mais azedo ainda. — Eu disse
que iremos passear.
— Ah é? — Bufei. E cruzei os braços na altura do peito. O pijama de seda azul foi repuxado para
cima, e uma tira da minha barriga ficou a mostra. — Eu digo que não iremos.
Thomas estalou a língua com desprezo.
— E eu digo que iremos.
Idiota. Ele achava que mandava em mim?
— E o que vai fazer, Sawyer? — Arfei. — Me amarrar e me obrigar a ir?
— Não. — Ele ronronou com aquela calma gélida. — Eu não preciso te obrigar a nada. — Thomas
enfiou a mão no bolso frontal de sua calça e pegou seu celular. Ele usava tão pouco aquele aparelho
naquela viagem, que às vezes eu me esquecia que ele tinha um. — Mas ou você vem comigo ou eu
denuncio seu namorado.
Oh, não Sawyer. Agora não. Por favor.
— Você não pode me chantagear assim. — Rebati trincando os dentes. — Estou cumprindo minha
parte do acordo e ...
— O acordo Beckett, — ele me interrompeu trincando sua mandíbula, — é você se comportar como
minha esposa. — Thomas fez uma pausa apenas para que seu peito subisse e descesse com calma. —
E eu quero ir para um passeio com minha esposa.
— Vá se foder Sawyer. — Eu xinguei, e o ofereci o dedo do meio. — Eu não irei para um passeio
com você.
Thomas não disse nada. Ele apenas piscou com aquele divertimento frio, e discou algum número em
seu celular. E não desviou seu olhar do meu quando colocou no Viva Voz. A ligação chamou uma vez.
Duas. Foi atendida.
— Departamento de polícia, como posso ajudar? — Uma voz feminina perguntou.
— Eu gostaria de denunciar um crime. — Sawyer respondeu mantendo aquele olhar felino para mim.
— Eu sofri uma tentativa de roubo por parte de Tyler....
Aaaaaargh. Crime vai ser o que eu vou cometer agora quando eu arrancar essa sua cabeça.
Disparei até ele e arranquei aquele celular de suas mãos, e desliguei a chamada antes que tivesse
tempo de dizer o sobrenome de Tyler. E praguejei em meus pensamentos contra Adam.
— Está bem. — Eu o fuzilei com meu olhar. — Eu vou para o seu passeio idiota.
Meu marido de mentira gesticulou para que eu o devolvesse seu aparelho. E eu coloquei aquele
celular em sua mão de uma forma nada gentil. Ele soltou uma gargalhada rouca e caminhou até a
porta, ajeitando as lapelas do seu paletó. Minha respiração entrecortada preencheu o silêncio por um
momento.
— Eu estarei te esperando no salão principal. — Ele disse em um tom esnobe quando abriu a porta.
Então me encarou por cima do ombro e abriu um sorriso muito debochado para acrescentar: — Você
fica deliciosa quando está com raivinha.
Peguei a primeira coisa que encontrei – uma almofada na borda da cama – e arremessei contra ele.
Só consegui uma risada em resposta.

Depois de sapatear batendo os pés contra o chão, e gritar contra um travesseiro por alguns longos
minutos, eu me afundei naquela banheira. E me demorei em um banho. Eu não me importava em fazer
aquele desgraçado arrogante esperar.
Coloquei um vestido azul índigo de alças finas e um leve decote. O vestido era justo na cintura, com
saia frouxa e comprimento até os joelhos. O clima não estava tão quente para usar um vestido como
aquele, mas era um dos poucos modelos casuais que havia no closet. Calcei uma sapatilha preta de
camurça e deixei meus cabelos soltos. Não porque Thomas tinha dito que preferia daquele jeito. E
sim porque eu não estava com criatividade para fazer algum penteado. E a única maquiagem que usei
foi um rímel e um batom quase da mesma cor dos meus lábios.
Deixei o quarto, atravessei o corredor vazio e me dirigi a escadaria principal. O silêncio retumbava
ali, como se todos os convidados estivessem em alguma atividade muito distante da mansão. O
grande salão principal era ocupado apenas por Thomas, parado em pé conversando com Amelia bem
ali no centro. Sua massa de cabelos louro dourados estava presa em um coque, e ela usava um
vestido rosa salmão comprido. Os olhos dela brilhavam e seu rosto estava iluminado, como se ela
estivesse descrevendo uma de suas coisas preferidas para seu irmão. Parei no terceiro degrau da
escada, observando os dois conversando tão alheios a minha presença. E a forma que eles sorriam e
se tocavam... Amelia parecia possuir um enorme apego por Thomas. E ele, por sua vez, parecia estar
orgulhoso do que sua irmã o dizia. Ou talvez, apenas satisfeito por estar na companhia dela.
Amelia desviou o olhar e acabou me avistando. Retomei meus passos e caminhei até aonde eles
estavam. Amelia deu um forte abraço em Thomas quando me aproximei, e me ofereceu um abraço
também. Então desejou um bom dia e se afastou.

Thomas não disse nada enquanto me conduzia até uma mesa posicionada no canto esquerdo do salão,
quase sob a luz de uma enorme janela de vidro. Os jardins ali se estendiam em campos de margaridas
e azaleias, e eu percebi que eu ainda não conhecia aquela área da mansão. Não havia ninguém no
salão com exceção de nós dois e de alguns empregados quando ele pediu para que eu me sentasse e
se sentou em uma cadeira ao meu lado. Eu me reclinei contra o assento acolchoado, e deixei que
minhas mãos repousassem meu colo. Meu marido chamou um dos empregados e o ordenou que ele
me trouxesse o café da manhã.
E eu mal pude acreditar em meus olhos quando o mesmo empregado retornou com uma bandeja
prateada contendo morangos, uma pilha de panquecas e diversos potinhos que pareciam com jarras
em miniatura. O que era muito diferente do café da manhã que tinha sido servido nos outros dias –
torradas, sucos, frutas, queijos, bolos, tortas e chá.
Um sorriso cresceu nos lábios de Thomas quando o garçom depositou a bandeja na mesa e se retirou.
— Acredito que eu te devia uma refeição. — Ele ronronou encarando meus olhos.
— O quê? — Murmurei. O azul no diamante em meu dedo anelar ofuscou a aliança de ouro por causa
do brilho do sol.
Thomas empurrou a bandeja para mais perto de mim.
— Por ter consumido toda a comida do jato.
Balancei minha cabeça em um pequeno sinal de não. E puxei um dos morangos para mim. A fruta se
desmanchou em suculência em minha boca.
— Você foi um completo idiota naquele dia. — Falei. Em um tom suave. Acho que eu tinha me
esquecido do que ele tinha feito há cerca de uma hora atrás.
— Eu sei. — Ele retrucou em um tom preguiçoso, e girou seu tronco para meu rumo naquela cadeira.
Eu girei o meu corpo em resposta. Nossos joelhos quase se tocaram. Ele emendou: — Mas espero
que esta refeição a compense.
Comi outro morango. Meu estômago agarrou a fruta e pediu por mais. Olhei para as panquecas
empilhadas. Tão douradas. E as minis jarras de porcelana próximas as panquecas.
— Como sabia que eu gosto de panquecas?
— Você é minha esposa, se lembra? — Ele indagou mantendo sua voz baixa e destampou uma das
minis jarras, revelando uma calda de chocolate. — Como um bom marido, eu preciso conhecer seus
gostos.
Peguei a mini jarra que ele tinha destampado e derramei a calda de chocolate por cima da pilha de
panquecas. Ergui um garfo prateado no ar, com rosas entalhadas no cabo.
— E desde quando você é um bom marido, Sawyer? — Provoquei.
Thomas inclinou seu torso apenas para puxar o mesmo garfo de minha mão. E então cortou um
pedaço da panqueca, deixando que o metal tilintasse contra a louça. E ele voltou a encarar meus
olhos para dizer enquanto posicionava aquele garfo na frente da minha boca:
— Você ainda não viu nada.
Bati os cílios com pressa.
— O que está fazendo Sawyer?
— Shhhhh — ele chiou. Aquele azul girou nas órbitas. — Apenas coma.
Franzi a testa. Mas empinei meu queixo e abocanhei o pedaço de panqueca que estava no garfo. A
panqueca era tão cremosa e amanteigada. Areada. E aquela calda de chocolate parecia ter sido feita
por anjos.
Mastiguei aquele primeiro pedaço, e Thomas abriu outra das minis jarras.
— Você gosta de mel? — Ele perguntou em um tom tão suave quanto a massa da panqueca.
E eu apenas assenti com a cabeça. Engoli. E Thomas cortou outro pedaço de panqueca e colocou mel
sobre ele. E mais uma vez, levou o garfo com aquele mesmo pedaço espetado até minha boca. E seus
olhos brilhavam tanto como o Oppenheimer em meu dedo anelar. Quase como se ele estivesse
gostando de colocar comida em minha boca.
Thomas abriu a terceira mini jarra. E seus olhos encontraram os meus outra vez.
— Quer provar a calda de frutas vermelhas?
— Por que está fazendo isso? — Questionei.
— Apenas responda à pergunta, Katherine.
Katherine?
Olhei ao redor para conferir se alguém estava por perto. Não. Ainda estávamos sozinhos. Eu pisquei.
E me perguntei se ele estava começando a enlouquecer e acreditar que tinha mesmo uma esposa.
— Sim, por favor. — Respondi por fim. E minha voz não passou de um sussurro.
Sawyer usou o mesmo garfo para tirar mais um pedaço da pilha de panquecas, despejou calda de
frutas vermelhas no pedaço cortado e o levou a minha boca. Comi o terceiro pedaço. E então, ele
começou a revezar entre morangos e porções de panqueca, sempre me perguntando qual calda eu
queria antes de cortar um pedaço da pilha e o levar até minha boca. E quando a pilha de panquecas
chegou ao fim, meu marido de mentira completou uma taça com champanhe e a colocou em minha
frente. Era estranho estar começando a me enjoar daquela bebida? Eu bebi apenas dois goles e o
avisei que eu estava satisfeita.
Depois daquilo, Thomas me conduziu para a área externa da mansão, e eu realmente não sabia de
onde aqueles dois cavalos selados tinham surgido. Um deles era amarelo-pálido e o outro era preto.
Majestosos. Lindos. Cruzamos aqueles poucos metros que nos separavam dos equinos, e eu percebi
que alguns convidados tomavam sol na beira da piscina, lendo ou bebendo coquetéis. Enquanto
outros estavam distantes, perdidos em caminhadas pelos jardins banhadas pela luz amanteigada do
dia. Crianças corriam e gargalhavam com risadas agudas.
Sawyer parou de caminhar ao lado do cavalo amarelo e colocou as mãos contra seus quadris. E
olhou para mim.
— Você saber cavalgar, Katherine?
Oh, não.
— Beckett. — Sussurrei. — Meu nome é Ava Beckett, se lembra?
Thomas contraiu um músculo em sua mandíbula. E algo nublou aquela expressão tão arrogante.
— Eu me lembro. — Ele respondeu baixinho, piscando com calma. O cavalo preto bateu a pata
contra a grama. — Mas você poderia ser Katherine apenas por hoje?
Algo ficou apertado em meu peito. E abri a boca para dizer que não. Que eu só manteria meu
personagem se as pessoas estivessem nos observando. Mas talvez ele estivesse precisando daquilo,
tanto quanto eu precisava ocupar meus pensamentos com qualquer coisa para não cogitar que naquele
exato momento Tyler poderia estar trepando com Claire. Assenti.
— Então, Katherine, — ele disse aquele nome com muita ênfase, — você sabe cavalgar?
— Eu nunca montei um cavalo — confessei em um tom cortês. Ava Beckett o ofereceria uma
provocação, e argumentaria que se um idiota como ele sabia cavalgar, então qualquer um poderia
conseguir também. Mas eu tinha concordado em ser Katherine. E ela era refinada e sensual. Deixei
que a lascívia escorregasse em meu sorriso e emendei: — Por que não vem aqui me ajudar?
Thomas lambeu seu lábio inferior. E deu quatro passos rompendo a pequena distância entre nós.
Então, se posicionou atrás de mim e colocou suas mãos em minha cintura, de forma muito presunçosa.
E mais presunçosa ainda, foi a forma que ele inclinou sua cabeça e murmurou em meu ouvido:
— Encaixe seu pé no pedaleiro.
Ignorei o arrepio em minhas costelas. O pedaleiro. Aquele apoio esquisito na lateral da sela.
Encaixei o pé esquerdo ali, e Thomas deixou que seu tronco prensasse o meu um segundo antes de
impulsionar meu corpo para cima. Cruzei a perna direita sobre a sela, e eu estava por fim montada.
Segurei as rédeas. Eu não fazia a menor ideia do que fazer, mas se o animal tinha ficado quieto para
que eu o montasse, talvez fosse treinado o suficiente para que eu precisasse apenas imitar a Thomas.
Os flancos do cavalo amarelo sob mim eram tão quentes. E, em menos de trinta segundos depois,
Thomas já estava montado sobre o cavalo de pelagem de negra. Ele sacudiu as rédeas em um
pequeno gesto e depois que eu o imitei, os dois cavalos começaram a marchar. Em passos lentos e
compassados, lado a lado.
— Está com medo? — Thomas perguntou em um tom amigável.
— Não. — Respondi encarando a estrada de grama que se estendia para nós dois. E eu fui sincera.
— É melhor do que eu imaginei.
Thomas esboçou um pequeno sorriso. Vazio.
— Há quanto tempo Ava Beckett e Tyler Griffin se conhecem?
A pergunta foi tão esquisita quanto a insistência silenciosa para que eu falasse sobre mim na terceira
pessoa.
— Tyler e Ava se conheceram no primeiro ano do ensino médio. — Contei. — Ele era capitão do
time de futebol e ela era líder de torcida. — A mansão começou a ficar para trás. — Os dois se
apaixonaram perdidamente e viveram juntos os três melhores anos da vida de Ava.
— O que fez com que eles se separassem?
A brisa fresca sacudiu meus cachos pesados.
— Tyler foi fazer em faculdade em Nova York, e Ava... — eu suspirei. — Ela ficou em Norshingan.
Por longos minutos, o silêncio foi preenchido apenas pelo farfalhar de pássaros, pelo balanço das
cerejeiras que surgiam pelo caminho, e pelos passos abafados dos cavalos.
— E Ava Beckett ainda ama Tyler Griffin? — A pergunta veio em um tom inexpressivo.
— Sim. — Respondi sem hesitar. — Ele é o amor da vida dela.
E eu estava falando a verdade. É claro que eu amava Tyler. Mesmo começando a acreditar que ele
estivesse envolvido com outra mulher, ele ainda era meu Tyler. E eu não podia simplesmente
começar a proclamar que eu já não o amava, por dois motivos óbvios. Primeiro porque eu não tinha
certeza absoluta se ele estava ou não com outra mulher. E segundo, o amor é algo que infelizmente
não some de um segundo para outro.

CAPÍTULO 31

Thomas não fez mais perguntas, pelo menos não durante o percurso que estávamos seguindo. Acho
que nem ele sabia aonde estávamos indo, mas acabamos alcançando uma praia deserta. O sol tinha
sido engolido por nuvens cinzentas e pesadas, e um vento frio soprava ali. O mar rugia em ondas
rebeldes se chocando contra paredes de rochas escuras, e a areia que delimitava aquele gigante
enfurecido era tão alva que era quase branca. O caos contido pela paz. A pintura dançou em meus
pensamentos.
Assim como no início da cavalgada, eu imitei Thomas para que meu cavalo parasse de caminhar. Ele
desceu do seu cavalo, e depois de me ajudar a descer também, amarrou os dois equinos em uma
palmeira comprida demais. E então, ele reivindicou minha mão esquerda e começamos a caminhar
pela areia lisa e fria.
— O que estamos fazendo aqui? — Questionei. Estávamos calados desde quando ele me perguntou
se eu ainda amava Tyler. E ali, sozinhos naquela praia, caminhando de mãos dadas, o silêncio entre
nós dois era esquisito.
— Estamos respirando um pouco. — Ele explicou em um tom baixo, e seus dedos macios apertaram
os meus. — Eu sei que minha família pode ser estressante às vezes.
— Às vezes? — Repeti com ênfase. A areia estalava sob nossos pés descalços. Tínhamos
abandonado nossos sapatos antes de primeiro passo. Eu acrescentei: — Eu não sei como você
suporta seus primos e seus tios.
O mar se contorcia em ondas grandes e pesadas. O chiado da água castigando as rochas era alto.
— Eu não suporto. — Ele confessou depois de soltar uma risada vazia. — Eu os evito sempre que
possível.
Depois disso, eu só verei meus parentes na próxima década. Thomas dissera quando eu o perguntei
sobre o futuro do nosso falso matrimônio. E bem ali naquela praia eu soube que era verdade.
— Mas seus pais são boas pessoas. — Eu admiti. — E sua irmã também. — Apertei seus dedos. —
Não sei como você deu tão errado.
Sawyer parou de caminhar. Nossas mãos se soltaram, e aquele azul dos seus olhos se perdeu no
extenso mar diante de nós. E eu parei ao seu lado e o observei. O vento soprava seus cabelos preto
azulados, e aquela pele cor de creme parecia mais bronzeada desde a primeira vez que tínhamos nos
falado.
— Você realmente me odeia, não é verdade? — Thomas indagou. O tom foi triste, vazio.
Eu inspirei.
— Você não é minha pessoa favorita no mundo. — Minha voz saiu um pouco mais abafada do que eu
planejava.
— Quer saber de uma coisa? — Ele retrucou virando seu rosto para minha direção. Nossos olhares
se conectaram. — Você também não é minha pessoa favorita no mundo.
Parecia existir tanta inverdade na sua última frase quanto na minha.

Eu não sei por que chegamos naquela aposta. Estávamos falando sobre como nos destetávamos, e
então, eu me vi desafiando aquele homem para uma corrida. Se eu vencesse, ele precisava me levar
para ver o quadro que Travis Mattison tinha deixado na mansão sob a encomenda de Oliver. A
pintura que supostamente só deveria ser revelada depois da celebração do casamento. E em
contrapartida, se eu perdesse, eu precisava ficar sem mexer em meu celular pelo resto da viagem. Eu
praguejei quando insisti que Thomas escolhesse qualquer outra coisa, mas ele disse que se eu não
ficasse tanto tempo com meu celular, as coisas que ele queria viriam naturalmente. Eu ignorei aquilo.
E acabei aceitando porque não existia a menor possibilidade de que ele ganhasse. Não com aquelas
roupas que ele estava usando. E é verdade que eu estava usando um vestido que nem de longe era a
melhor roupa do mundo para correr, mas ao menos me permitiria abrir as pernas e me movimentar
livremente, diferentemente da calça que parecia ser justa demais em Thomas.
Seria moleza.
Já estávamos posicionados. Ele tinha retirado seu paletó e o colocado na areia, e já tínhamos nos
alongado. Respirei fundo. Ele deixou que eu fizesse a contagem.
— 1.... 2 ..... — Fiz uma longa pausa encarando os duzentos metros que eu precisava percorrer. — 3!
Eu disparei. Rápida como um tiro cruzando o horizonte. O vento rasgou minha pele, e tudo era um
borrão cinzento. Eu podia ganhar aquela corrida. Eu sabia que sim. Mas por um breve segundo eu
tive a impressão de que Thomas nem tinha saído do seu lugar. E girei meu pescoço apenas para
conferir se eu estava certa. Uma batida depois do meu coração disparado, e eu tropecei. Meu corpo
caiu no chão com tanto impacto que se não fosse pela areia, eu teria fraturado uma costela. E a queda
nem foi o pior. O pior, foi que enquanto eu caía, eu vi uma mancha passando por mim em uma
velocidade perigosa.
E a mancha era Thomas Sawyer, vencendo a corrida.
Eu me recusei a me levantar. Assim como me recusei a ter perdido apara ele.
— O que foi mesmo que você apostou? — Ele gritou de longe. Em um tom convencido e debochado
demais.
Aaaaaargh.
Eu não queria ficar sem meu telefone.
Eu me sentei sobre meus joelhos com a respiração ainda curta, a areia raspando minhas canelas e
meus pés, e o assisti caminhar em passos largos até mim. Mas eu tinha um plano. Assim que ele se
aproximasse, eu o empurraria e sairia correndo, venceria, e declararia um empate. Que argumentos
ele teria? E quando ele parou em minha frente, fiz exatamente o que eu pretendia. O empurrei e saí
correndo na mesma direção da qual ele tinha vindo. Mas, eu não esperava que ele fosse me
surpreender não apenas me alcançando, como também me agarrando pela cintura e levando nossos
dois corpos a caírem no chão e rolarem pela areia. Eu parei por cima dele, quase sentada sobre sua
barriga.
Quando foi que aquele bastardo ficou tão veloz?
— Você é uma trapaceira. — Ele anunciou por cima de uma risada rouca.
— Eu precisei ser. — Revidei com a voz ofegante. — Você não foi nem um pouco cavalheiro ao me
deixar largada no chão.
— Oh, sério? — Ele retrucou com algum divertimento em sua expressão, e ergueu seu corpo usando
seus cotovelos apoiados na areia. O mar era um constante quebrar de ondas violentos, e o vento era
quase cortante. — E você teria parado para me ajudar se fosse o contrário?
Jamais.
Eu me recusei a responder aquela pergunta. O que eu fiz foi tentar correr mais uma vez, para ter como
argumento a vitória de pelo menos uma corrida. Mas novamente, meus planos não saíram conforme o
planejado. Thomas me alcançou outra vez e me agarrou pela cintura. E no exato instante em que ele
me soltou, insisti em outra corrida.
De novo e de novo. Até que em algum momento não parecia uma corrida, e sim uma brincadeira de
pega-pega. E eu nem mesmo sei quando foi que nos aproximamos do mar, mas mesmo que estivesse
frio e nublado, corremos dentro das ondas mais rasas que explodiam contra a areia. Chutávamos a
água um contra o outro, e gargalhávamos daquilo. Tanto, que acho que minha barriga não foi a única a
queimar. Como se não fôssemos dois adultos com um belo histórico de brigas, e sim duas crianças se
divertindo apenas por estarem na companhia um do outro, correndo de um lado para o outro e
brincando com a água gelada e salgada. Foi leve, natural e espontâneo. E também, diferente de tudo
que eu já tinha feito.
Diferente de um jeito que fez meu coração sorrir.

Quando nos cansamos daquilo, encontramos um lugar seco na areia e deixamos que nossos corpos se
sentassem, um do lado do outro, de forma que ambos encarássemos a imensidão do mar. E ficamos
em silêncio por alguns minutos, esperando que nossas respirações se regularizassem e nosso fôlego
parasse de arder.
— Por que Ava Beckett decidiu roubar Thomas Sawyer? — Ele perguntou em um tom inexpressivo.
— Quer saber a verdade? — Murmurei.
Com o canto dos olhos, notei que ele começou a fazer um desenho na areia entre nós dois.
— Eu adoraria.
Estiquei minhas pernas, deixando que meus pés se alongassem. E girei aqueles dois anéis em meu
dedo anelar esquerdo.
— Foi uma ideia muito estúpida, que por um momento não pareceu ser tão estúpida — confessei com
a voz baixa. — Eu acho que eu queria tanto algo, que acabei me tornando cega. — Suspirei. — E seu
dinheiro parecia ser uma brilhante luz no fim do túnel.
Seu desenho começou a tomar forma de um quadrado.
— Entendo. — Foi sua vez de soltar um suspiro pesado. — Quando descobri sobre o roubo, eu
fiquei bem surpreso ao te reconhecer da nossa pequena conversa na cobertura da empresa.
Balancei a cabeça em um pequeno sinal de não. Foi mais para mim do que para ele. Virei minha
cabeça em seu rumo.
— Como é possível que você não tenha se esquecido sobre aquilo?
Thomas virou sua cabeça para meu rumo também. E quando nossos olhares se encontraram, sua
garganta oscilou.
— Como eu poderia esquecer, Beckett? — Ele piscou com calma. — Se eu não consigo parar de
pensar em você desde então?
Minha boca secou.
— Beckett? — Eu sussurrei. — Eu achei que queria que eu fosse Katherine.
Ele levou sua mão direita até minha bochecha, e afastou algumas mechas do meu cabelo. E então
deixou que sua mão permanecesse em meu rosto.
— Eu quero a mulher que estava correndo comigo quase agora. — Ele disse sem desviar o olhar, e
inclinou mais um pouco o rosto. Meu intestino ficou gelado. — A mulher que hesitou em me roubar.
Que venceu aquele torneio de Tênis. Que pintou meus olhos naquele lobo branco. — Seu hálito
cruzou o meu, e meu coração disparou. Eu não sabia que ele tinha visto os desenhos. Ele emendou,
quase em um sussurro: — Eu quero você.
Seus dedos escorregaram para minha nuca. E eu tentei me convencer de que aquelas palavras tinham
que significar qualquer outra coisa, mas meu corpo me traiu, e eu gostei de ouvir aquilo. Eu gostei de
saber que ele pensava em mim. Que ele me queria. Meu coração virou uma borboleta presa, e três
centímetros separavam nossas bocas. Mas eu não podia. Não quando eu não sabia o que estava
acontecendo com Tyler. Abaixei a cabeça, fugindo do seu rosto, e expulsei sua mão da minha nuca.
Porque não importava o quanto a barreira entre Sawyer e eu parecia estar sendo destruída, eu ainda
precisava me lembrar de que nada daquilo era real. De que aquela estúpida viagem acabaria, e nós
dois seríamos devolvidos para nossas vidas muito, muito diferentes.
Eu me coloquei de pé, afastando a areia do meu vestido e das minhas pernas.
— Deveríamos voltar. — Eu falei sem olhar para ele. — Está começando a esfriar.
E estava mesmo. Em poucas horas a noite cairia. Thomas se levantou também, e não disse nenhuma
palavra quando pegou seu paletó e o colocou sobre meus ombros. Eu agradeci, e caminhamos em
silêncio até os cavalos. Porém, havia algo faltando. E com algo, me refiro a um animal. Somente o
cavalo negro estava amarrado naquela palmeira. Não havia o menor sinal do amarelo.
— Então, — fui a primeira a falar alguma coisa, — onde está o outro cavalo?
Sawyer estudou as redondezas com seu olhar. De novo e de novo. Mas só havia campos minados por
palmeiras e rochas.
— Eu não sei. — Ele disse ainda observando alguma direção distante. E contraiu um músculo em sua
mandíbula para emendar: — Deve ter fugido.
Oh, sério? Eu não tinha reparado.
— E o que fazemos agora?
— Temos duas opções. — Thomas respondeu em um tom baixo, e seu olhar alcançou o meu. —
Podemos ir caminhando e levar o cavalo conosco, ou — ele hesitou por um momento, — podemos
montar o mesmo cavalo.
E dividir a mesma sela com ele depois que ele quase me beijou? Não.
— Eu prefiro a primeira opção. — Avisei, e fiz menção de começar a caminhar. Mas sua mão se
fechou contra meu cotovelo direito. Era aquele toque firme.
Eu o olhei por cima do ombro.
— Estamos muito distantes da casa para caminhar.
— Então por que sugeriu? — Resmunguei trincando os dentes.
O cavalo negro bufou pelas narinas, e sacudiu sua cabeça. Talvez até o animal tivesse estranhado
meu tom azedo. Mas Thomas apenas me ofereceu um sorriso crapuloso, e aquele divertimento frio
brilhou na safira dos seus olhos.
— Para que assim não pensasse que eu estou te influenciando a tomar alguma decisão.
O macho arrogante desamarrou o cavalo e subiu na sela. E seu tom era puro deboche quando ele
estendeu a mão para mim, e disse:
— Como você mesma disse, está ficando frio.
Grunhi frustrada. Eu não queria ir no mesmo cavalo que ele, mas eu não duvidava que Thomas
cavalgasse para longe e me largasse ali sozinha. Aceitei sua mão estendida. Encaixei meu pé
esquerdo no pedaleiro, e deixei que ele me puxasse. Com sua ajuda, eu estava montada também. Seus
braços se estenderam pelas laterais do meu corpo de maneira que ele segurasse as rédeas e tivesse o
controle do animal. Mas aquela sela não era feita para duas pessoas. Eu não estava sentada sobre ela,
eu estava sentada no colo de Thomas. Usando um vestido que contribuía muito para que eu sentisse
toda aquela massa dura dentro de suas calças entre minhas pernas. E ficou pior à medida que o
animal começou a andar.
Ou eu deveria dizer, ficou melhor?
Meu marido deixou que apenas uma mão permanecesse segurando as rédeas, e usou o braço livre
para envolver minha cintura. A respiração quente de Thomas se acentuou em meu ouvido esquerdo.
— Está confortável, Beckett? — Ele sussurrou. Com tanta malícia, que meus ossos estremeceram.
Em resposta, eu arqueei a coluna para frente e empinei meu bumbum. E talvez, Thomas tenha gostado
daquilo. Porque o volume em suas calças deu uma contraída.
— Sim. — Eu falei por fim.
Confortável até demais, Sawyer.
— Ótimo. — Ele retrucou, e pressionou de leve seus lábios tão macios contra meu lóbulo esquerdo.
— Não está nada mal para mim também.
Eu me arrepiei em muitos lugares. E não consegui conter o sorriso em meus lábios. E mesmo que eu
estivesse de costas para Thomas, eu soube que ele estava sorrindo também.

CAPÍTULO 32

Passamos o restante daquela tarde sem conflitos. Fizemos uma refeição rápida antes que eu fosse
convidada para participar de um chá das cinco reservado apenas a mulheres, envolvendo uma
competição para testar os conhecimentos a respeito da noiva. Eu não sabia muito sobre Amelia, e
decidi ficar apenas observando. Descobri que seu filme favorito era Cinderela, que ela amava torta
de framboesa, que tocava piano e adorava a cor turquesa. Depois daquilo, não vi Thomas por um
tempo. E estava tudo bem. Porque parecia que estávamos nos aproximando, e eu não sabia se eu
queria aquilo.
Quando peguei meu telefone no final daquele dia, não havia nenhuma mensagem de Tyler ou de Ian. E
eu achei que fosse melhor assim. Um lado meu gritava para receber uma justificativa decente, mas
meu outro lado não queria respostas ou explicações. Queria apenas acreditar que aquela viagem
acabaria em breve, e Tyler e eu ficaríamos bem.
Eu adormeci em algum momento. E tive um sonho estranho. Eu estava na mesma praia que Thomas e
eu tínhamos visitado, porém eu estava sozinha. Eu usava uma calça jeans e uma blusa amarelo-pálido
simples de mangas compridas. E havia outra Ava, usando um vestido de gala vermelho-vinho. Ela
estava em pé observando fixamente o mar. Mas quando minha versão mais simples se aproximou
dela, ela se transformou em poeira e desapareceu no ar. Acordei em um pulo. O quarto estava escuro,
mas eu consegui ver a silhueta de Thomas sentado no sofá.
— Não quis te acordar. — Ele falou com a voz rouca.
Eu me sentei na cama e acendi o abajur mais próximo de mim.
— Você não me acordou. — Murmurei baixinho.
Eu estava letárgica. Pisquei algumas vezes afastando o sono, e percebi que o relógio pendurado na
parede acusava 19h44. Tateei as almofadas e encontrei meu celular. Ainda sem novas notificações.
— Beckett. — Thomas chamou em um tom inexpressivo, e involuntariamente eu virei meu rosto para
ele. — Você perdeu a aposta, se lembra?
Fingi pensar por um momento.
— Que aposta?
— Não se faça de boba. — Ele ronronou e se levantou do sofá. E então enterrou os dedos em seu
cabelo, empurrando os fios para trás. — Você apostou que se perdesse a corrida na praia ficaria sem
seu celular.
— Eu só apostei isso porque jamais imaginei que você iria ganhar. — Confessei. O celular estava
tão gelado em minhas mãos. — Eu não posso ficar sem meu celular.
Thomas estalou a língua com desprezo. Depois acendeu o lustre do quarto, e desapareceu no closet
por alguns minutos. Ele retornou de lá portando um vestido dourado cintilante em suas mãos. Era um
dos mais bonitos que eu já tinha visto até aquela noite. Ele colocou o vestido no sofá, pegou seu
roupão e se dirigiu até o banheiro.
— Eu irei tomar banho. — Thomas disse quando alcançou a porta. — Este é o tempo que tem para
usar seu celular pela última vez.
Eu não gostava daquela versão arrogante. Eu preferia o cara que tinha brincado comigo na praia. Mas
sem tentar me beijar.
A porta foi fechada. E eu revirei os olhos. É claro que eu não o obedeceria. Eu não aguentaria ficar o
restante da viagem sem meu celular. E eu podia continuar o usando sem que ele soubesse.

Eu me demorei naquele banho quente. Tanto, que quando saí do banheiro, uma nuvem de vapor me
acompanhou. Thomas não estava no quarto. Mas seu perfume estava. E eu percebi que estava
começando a gostar mais do que eu deveria daquele cheiro pós banho.
O vestido ficou ainda mais lindo em meu corpo. Suas mangas eram translúcidas e o busto era coberto
por pequenas pedrinhas reluzentes. Poderiam ser diamantes. A saia era comprida e esvoaçante.
Calcei um salto alto preto, me maquiei e fiz um rabo de cavalo bufante em meu cabelo. Enfiei todas
aquelas pulseiras de outro em meus pulsos, e brincos pesados de ametistas em minhas orelhas. E eu
estava borrifando perfume em minha nuca quando Sawyer abriu a porta do quarto. Ele usava um terno
marfim pálido.
— Está pronta? — Ele perguntou em um tom sério.
Assenti com a cabeça.
— Não para a festa Beckett. — Thomas se escorou na esquadria da porta, enfiou as mãos nos bolsos
da frente da calça e cruzou as pernas. — Está pronta para deixar de usar seu celular?
Revirei meus olhos.
— Beckett? — Ele insistiu pesando o tom. — Prometa para mim que vai cumprir sua parte da aposta.
Respirei fundo. E fitei aqueles olhos azuis demais.
— Eu prometo.
Mentira.
— Ótimo. — Sawyer ronronou. Então desencostou da porta e ajeitou sua postura. — Agora venha.
Eu quero te levar a um lugar.
Franzi o cenho, deixando que meus dedos corressem pelo meu vestido. As pulseiras estralaram.
— Mais um dos seus passeios, Sawyer?
— Não é exatamente um passeio. — Ele contrapôs. Seu olhar percorreu a distância que nos
separava, percorreu meu corpo, e então ele abriu um sorriso casual. — E eu tenho certeza que irá
gostar.
Empurrei aquela cadeira me afastando da penteadeira e me coloquei de pé. Caminhei até ele em
passos curtos, com o vestido ondulando diante de mim.
— E por acaso eu tenho escolha? — Indaguei quando me aproximei.
Sawyer estendeu sua mão direita para mim.
— É claro que não.
Idiota.
Thomas segurou minha mão e me conduziu pelo corredor no sentido oposto ao que levava até
escadaria principal. Ele olhava de um lado para o outro o tempo todo, como se estivéssemos indo até
um local proibido. Concluí que ele não planejava algo permitido quando vozes surgiram da direção
em que estávamos indo, e Thomas me puxou, fazendo com que nos escondêssemos atrás de um pilar
em um canto escuro.
Ele não desviou seu olhar do meu nem por um segundo, e eu não deixei de encarar seus olhos azuis
também. Passos abafados ressoaram se aproximando, chegando mais perto e mais perto, e Sawyer
levou uma de suas mãos até meu rosto, usando seu polegar sobre meus lábios para que eu me
mantivesse em silêncio. E estávamos tão perto um do outro, que eu achei que ele pudesse sentir meu
coração batendo mais rápido do que deveria contra seu corpo.
Os passos cresceram, cresceram, atingiram o ápice da proximidade deixando Thomas e eu muito
tensos, e depois se distanciaram. Ecoando para longe, cada vez mais longe, até que sumiram. E eu
não resisti. Empurrei seu polegar para longe dos meus lábios.
— Aonde estamos indo? — Cochichei para ele.
— Já estamos quase lá. — El cochichou de volta e inclinou sua cabeça para fora do pilar, espiando.
— Se eu te contar agora perderá a graça. — Sawyer deu um passo para fora do canto escuro e me
puxou pela mão, com uma delicadeza ainda desconhecida para mim. — Você confia em mim?
O corredor estava tão silencioso, que o mundo parecia não existir. Eu fitei aqueles olhos tão lindos e
sussurrei:
— Sim.
Ele assentiu apenas uma vez e voltou a me conduzir pelo corredor escuro, até que paramos em frente
a uma porta grande de madeira fosca. Thomas conferiu o corredor atrás de nós uma última vez, e
então girou a maçaneta.
— Vá em frente. — Ele disse com aquela confiança majestosa. — Pode entrar.
Eu não sabia o que estava me esperando naquela sala, mas fiz exatamente o que ele tinha dito.
Apertei o pequeno interruptor que existia ao lado do arco de entrada, e o gigantesco lustre se acendeu
no meio do teto, forrando todo o ambiente com uma luz dourada cintilante. Cobri minha boca com as
duas mãos quando avistei um cavalete dourado coberto por um pano branco no centro do cômodo. Eu
já sabia o que era.
Inspirei fundo, e com as mãos tremendo tanto como se o quadro fosse meu, afastei o pano. Nem nos
meus melhores sonhos eu poderia imaginar que um dia eu seria uma das primeiras pessoas a verem
uma obra original de Travis Mattison. A pintura ilustrava Amelia usando um vestido branco de renda,
dançando com seu noivo com o pôr-do-sol ao fundo. Os traços eram tão perfeitos e tão reais, que
poderia ser uma fotografia. O brilho das luzes alaranjadas que emanavam do sol juntamente com uma
tonalidade vermelho-dourada, suficientes para ser notado, mas não tão forte para ofuscar a imagem
principal de Amelia e seu noivo. O branco do vestido, em um tom reluzente, mas não exagerado,
assim como o perfeito contraste que foi usado nas cores do restante do cenário, era tão maravilhoso
que meu coração transbordou.
Pintar era tudo que eu mais queria fazer da minha vida. Eu não conseguia me enxergar fazendo
absolutamente nenhuma outra coisa. Se eu não pudesse em meu trabalho entregar para alguém tanta
comoção quanto aquele quadro estava causando em mim, eu não queria fazer mais nada. E pensar que
aquilo talvez nunca aconteceria, doía. Doía amargamente dentro de mim.
— Ei. — Uma voz masculina grave ecoou em meus pensamentos. — Você não pode ficar aqui.
Eu me virei para a direção da voz. Era um dos seguranças da mansão.
— Está tudo bem. — A voz de Thomas surgiu de muito perto de mim. — Ela está comigo.
Ele estava ao meu lado todo aquele tempo? Porque eu tinha perdido a noção do tempo e do espaço
desde que entrei naquela sala.
— Mas senhor, — o empregado insistiu, — temos ordens claras para que ninguém entre aqui.
— Ela é minha esposa. — Thomas contrapôs em um tom duro. Era o lobo glorioso impondo seu
território. — E ela pode fazer o que ela quiser.
O segurança engoliu em seco. Uma vez. Duas vezes. E abriu a boca para dizer mais alguma coisa,
mas Thomas soltou um arquejo tenso. E o empregado apenas assentiu e se retirou. E eu sacudi minhas
mãos, retomando a consciência do meu próprio corpo.
— Você está bem? — Sawyer perguntou como se ele se importasse.
— Sim. — Retruquei. Com a voz embargada demais. — Eu estou bem.
— Eu não sei. — Thomas ergueu os ombros. — Parece que você está chateada com alguma coisa.
Desde quando ele prestava atenção em minhas emoções?
Pisquei tentando afastar a queimação.
— Por que você acha isso? — Questionei.
Os olhos azuis salpicados por estrelas de safiras encontram os meus.
— Para início de conversa, — ele murmurou, — você está calada desde que entrou na sala.
Abri um sorriso vazio. Que macho insuportável. Apontei com o queixo para o quadro e soltei um
suspiro prolongado antes de dizer:
— É este quadro.
— Você acha que ficou tão ruim assim? — Ele indagou arqueando as sobrancelhas. — Você acha que
Amelia irá odiar?
— Não é isso — contestei. E pisquei de novo. — Pelo contrário, é maravilhoso. — Meu peito ficou
pequeno. — Honestamente... ficou perfeito.
— Eu não entendo. Se o quadro ficou bom, por que a deixou chateada?
Abaixei a cabeça. Um nó estreito demais tomou conta de minha garganta. Demorei alguns segundos
pensando se eu o contava ou não. Não éramos amigos. Acho que nem sequer gostávamos um do outro.
Mas, quando uma pequena lágrima pesada caiu do meu rosto, sua mão tocou a minha como se ele
realmente quisesse me confortar. Quase como se ele estivesse ali preocupado comigo. Soltei minha
mão da dele e limpei meu rosto.
— Você já teve um sonho, Sawyer? — Perguntei baixinho, ainda de cabeça baixa.
— Francamente? — Ele pigarreou. — Eu tenho vários todas as noites. E ultimamente você aparece
em todos eles.
Ignorei aquilo.
— Não este tipo de sonho. — Meus olhos ficaram tão molhados. E minha garganta doeu de verdade
quando completei: — Um desejo... algo que ocupa seu coração.
O silêncio ecoou por um minuto.
— Não. — Ele respondeu por fim, em um tom pesado. — Eu já tenho tudo que preciso.
É claro.
— Bem... — voltei a falar, atravessando nossa pequena barreira de inimigos. — Eu tenho. — Tentei
engolir o nó. Falar daquilo era mais difícil do que eu pensava. — Eu quero ser uma artista. Uma
pintora, para ser mais específica.
A mão de Thomas encontrou meu queixo, empurrando meu rosto para cima. As lágrimas rolaram em
minhas bochechas.
— Sério? — Ele retrucou, quase com um sussurro.
— Sim. — Confessei encarando seus olhos. — Toda a minha vida, eu nunca me vi fazendo outra
coisa.
Um pequeno sorriso surgiu em meu rosto enquanto eu me lembrava dos meus quadros. Mas meus
lábios tremeram. Era o pranto que eu estava quase falhando em conter.
— Eu não sabia disso. — Thomas disse, e sua voz foi tão suave. Sua outra mão tocou meu rosto,
varrendo aquelas lágrimas. E ele inclinou o rosto mais para baixo para dizer: — Você é de fato uma
mulher surpreendente, Beckett.
— Eu sei. — Confessei. E soltei uma risada tão triste. — Mas desde que me mudei para Nova York,
eu não faço mais isso.
— Então... — Thomas segurou meu rosto com as duas mãos agora. E minhas mãos traidoras se
apoiaram em seus quadris. — O quadro do Travis te deixou triste por que você sente falta de pintar?
— Não. — Minha voz tremulou. — O quadro me deixou triste porque eu nunca serei boa como
Travis. — Pisquei com pressa. — Porque eu sou um fracasso.
E foi isso. Dizer aquilo em voz alta foi meu ponto de ruptura. Eu implodi em um choro ácido. E
Thomas apenas me puxou contra seu peito, me tomando em um abraço forte e acolhedor.
— Você não é um fracasso, — ele murmurou baixinho, — você não é um fracasso.
Eu colapsei. Ali mesmo, aninhada em seu colo. E mesmo que eu estivesse emporcalhando seu traje
impecável com toda aquela maquiagem que se desafazia em lágrimas, Thomas permaneceu comigo.
Permaneceu de uma forma que me fez entender que ele permaneceria a noite inteira se fosse preciso.

Eventualmente eu consegui parar de chorar. E quando isso aconteceu, Thomas me perguntou se eu


queria ir comer alguma coisa, e eu disse que eu estava sem apetite. Então ele apenas disse que
poderíamos pular aquela parte, e me conduziu de volta para o quarto. Soltei meus cabelos e me
afundei na cama, ainda usando aquele magnífico vestido que não seria visto por ninguém. E eu me
encolhi, abraçando meus joelhos e tentando afastar aquele aperto que estava consumindo minhas
entranhas. E eu só queria ficar ali, quietinha. Mas o que eu não sabia, é que eu não precisaria passar
por aquilo sozinha.
Sawyer se sentou na ponta da cama e retirou meus sapatos. Um por vez, com um cuidado que doía. E
ainda sem dizer nada, pegou um cobertor e me cobriu. E depois apagou as luzes daquele lindo lustre
de cristais no centro do teto do quarto, assim como as lâmpadas dos abajures. E então o colchão
afundou do meu lado com seu corpo se empoleirando junto ao meu. Thomas colocou um de seus
braços em volta da minha cintura, e enfiou seu outro braço embaixo do meu travesseiro nos
colocando em uma posição de conchinha.
— Sinto muito Beckett. — Ele disse em um tom baixo, me apertando de uma forma gentil. — Eu
achei que ficaria feliz ao ver o quadro.
— Eu fiquei. — Retruquei baixinho. — Muito feliz.
Thomas soltou um suspiro. E aquela mão que estava sob o travesseiro de alguma forma alcançou meu
couro cabeludo e começou a acariciar meus cabelos. Eu gemi baixinho. E pensei em como ele não
precisava fazer nada daquilo. Ele não precisava ter me levado para ver o quadro, porque eu tinha
perdido a aposta. Ele não precisava ficar ali comigo enquanto eu enfrentava mais uma de minhas
crises de frustração profissional. E ele certamente não precisava perder o maravilhoso jantar que
deveria estar sendo servido por minha causa.
— O que está fazendo, Thomas? — Murmurei. E contraí meu corpo. Seus dedos contra meus cabelos
eram uma carícia que eu não sentia há muito tempo. A luz prateada do luar mantinha a escuridão
suave.
— Estou cuidando da minha esposa. — Ele ronronou. — Tem algum problema?
— Você não precisa fazer isso. — Retruquei com a voz embargada. — Eu não sou sua esposa.
Thomas inclinou seu corpo, apenas para afastar algumas mechas de cabelo do meu rosto e beijar
minha bochecha. E então ele se recolheu contra meu corpo outra vez, e sussurrou:
— Hoje você é.
Droga, Thomas Sawyer. Você não pode me dizer coisas deste tipo. Porque eu estou começando a
gostar.
Adormeci embalada nos braços quentes de Thomas. E uma parte de mim desejou que eu acordasse do
mesmo jeito.

CAPÍTULO 33

Eu acordei me sentindo vazia. Talvez fosse o fato de ter dormido com Thomas e ter gostado. Ou
talvez fosse a sensação de ter desejado, mesmo que minimamente, acordar ao lado dele e não ter
acontecido. Abri meus olhos e me espreguicei na cama apenas para confirmar o que eu já havia
pressentido – ele não estava ali.
Respirei fundo.
Saí da cama e fui até o banheiro. Eu me afundei naquela banheira, deixando que as bolhas de lavanda
relaxassem minha pele. E pensei sobre as coisas que vinham acontecendo. Estávamos chegando ao
final da primeira semana – aquele era o sexto dia em que eu deveria me passar pela esposa de
Thomas, e as coisas estavam indo... bem. A começar pela convivência com o próprio Thomas, que
estava consideravelmente menos insuportável.
Se tratando de Javier, James e Dylan, depois de terem levado uma surra do meu marido de mentira,
eu mal os via. Estavam nos evitando. Heather continuava flertando com Thomas sempre que via
oportunidade, mas o único incômodo que aquilo me causava era quão ridícula ela conseguia ser. Os
pais de Thomas me tratavam tão bem, que eu estava começando a achar que eu sentiria falta de toda a
educação e cortesia de ambos.
Terminei meu banho e meu corpo relutou para abandonar aquela banheira. Mas eu enrolei uma toalha
em meu cabelo molhado, me cobri com o roupão e saí do banheiro. Caminhei até o closet e escolhi
um vestido comprido, com estampa de flores, mangas curtas e sem decote. Calcei uma sapatilha
pálida e me sentei em frente a penteadeira para pentear meu cabelo.
Eu já estava finalizando meus últimos cachos quando a porta do quarto se abriu e Thomas entrou. Ele
estava usando uma calça jeans de cor escura e uma camiseta de cor vinho tão justa, que seus braços
musculosos e seu peitoral definido estavam se destacando sob o tecido. Seus fios de cabelo estavam
ligeiramente bagunçados, quase como se fosse proposital. E ele estava com uma inexpressividade
gélida naqueles olhos azuis. O segui através do espelho e o vi cruzar o quarto, caminhar até a última
janela e afastar a cortina. Ele apoiou suas mãos no vidro da mesma janela, abaixou a cabeça e
suspirou por um longo momento.
— Pare de me encarar, Beckett. — Ele pediu com a voz rouca. — Posso sentir você me secando
daqui.
Coloquei o pente em cima da penteadeira.
— Eu não estou te encarando, Sawyer. — Respondi. Mas eu ainda o observava pelo reflexo do
espelho. Aqueles músculos contraídos sob sua camiseta vinho eram gloriosos. — E eu
definitivamente não estou te secando.
É, talvez eu estivesse. Fazer o quê? Thomas era um desgraçado. Mas era um desgraçado gostoso.
Ele retirou as mãos da janela e virou a cabeça em minha direção. Um pequeno sorriso escorregou em
seus lábios no momento em que nossos olhares se encontraram no reflexo.
— Está sim.
Eu me reclinei contra a cadeira estofada e cruzei simultaneamente as pernas e os braços.
— Não estou.
Thomas me ofereceu uma pequena risada espontânea e balançou a cabeça fazendo um sinal contido
de não. E então voltou a olhar para o vidro da janela. Os traços do seu breve riso e do seu sorriso
desapareceram lentamente a medida em que ele observava a vista.
— Está se sentindo melhor, Beckett? — Ele perguntou encarando o que quer que estivesse além
daquela janela de vidro. — Você parecia abalada na noite passada.
Ah, noite passada. Quando eu chorei como um bebê, você me tratou bem, e logo em seguida eu
quebrei o acordo que fiz comigo mesma sobre não dormir na mesma cama que você.
— Estou bem. — Murmurei. — Obrigada pela companhia.
— Não tem de quê. — Ele soltou um arquejo pesado. Não era para mim, eu percebi. Era para o que
ele estivesse assistindo. — Era o mínimo que eu podia fazer.
Sorri internamente. Eu gostei de ouvir aquilo. E Thomas continuava fitando aquela janela com tanta
concentração, que eu decidi caminhar até a outra janela e descobrir do que se tratava. Empurrei
aquelas mortalhas úmidas e cacheadas para trás dos meus ombros, e me coloquei de pé. A cadeira
rangeu. Caminhei em passos silenciosos e parei em frente a primeira janela. E naquele jardim que se
estendia em azaleias e uma grama de cetim cor de limão, eu avistei seus tios, seus primos e os
padrinhos do noivo de Amelia segurando espingardas. E alvos posicionados à cerca de vinte metros
de onde eles estavam.
— Deixe-me adivinhar — eu disse observando a cena. — É uma competição de tiro ao alvo.
— Sim. — Thomas confirmou um segundo depois. O sol explodia em um brilho açafrão. — Mas não
teve início ainda.
Alguns homens estavam conversando, alguns riam e outros mexiam nas armas como se estivessem as
preparando.
— E por que você não participa? — Indaguei.
— Porque sou melhor que todos eles. — Thomas afirmou com aquela convicção esplêndida. — Seria
injusto.
Eu me afastei da janela e olhei para a direção dele.
— E certamente você também é muito humilde — comentei com escárnio.
Thomas virou sua cabeça para meu rumo.
— Qual o problema em reconhecer que somos bons em algo Beckett?
— Problema nenhum — retruquei. — Mas honestamente eu não acredito em você. — Coloquei
minhas mãos para trás. — Você é muito egocêntrico, Sawyer. Se fosse tão bom assim, faria questão
de se exibir para eles.
Sinceridade. Eu não tinha o menor problema em usá-la com ele.
Thomas girou todo o seu corpo para a minha direção e deu dois passos, parando a cerca de um metro
e meio de distância de mim. Seu olhar era altivo e seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso
debochado.
— Você acha que eu não sei usar armas, Beckett?
Avancei um passo.
— Eu não disse que você não sabe, Sawyer. — Contestei, de um jeito esnobe demais. — Eu só acho
que você não é tão bom quanto diz ser.
Thomas deu outro passo, nos deixando a menos de um metro de distância. O azul em seus olhos
vibrava em arrogância.
— E por que você acha isso?
Ergui meus ombros com desdém.
— Eu não sei. — Apertei meus lábios. — Eu só acho.
Meu marido de mentira lambeu seu lábio inferior. E percorreu a distância entre nós com seu olhar.
— Quer que eu lhe mostre, Beckett?
Avancei mais um passo. E tirei minhas mãos das costas apenas para cruzar meus braços sobre o
peito.
— Mostrar o quê, Sawyer?
Thomas deu o passo final que nos deixou a centímetros um do outro. Ele colocou seu dedo indicador
direito em meu queixo e ergueu meu rosto. Então, inclinou sua cabeça deixando sua boca a um palmo
de distância da minha.
— O quanto eu sou bom nisso.
Pisquei.
— E o que eu ganho com isso?
— Acredite em mim Beckett — ele ronronou, e seu hálito fresco roçou meus lábios. — Seria
inesquecível para você.
Seus olhos azuis cintilaram em pura lascívia. E eu mordi meu lábio inferior, atraindo aquele olhar.
Algo tremulou em meu estômago.
— Eu continuo achando que você não é tão bom assim — provoquei.
— Eu garanto a você Beckett — Thomas levou sua mão livre até o meio de minhas costas, em um
gesto pretensioso demais. — Se você fizer uma vez comigo, vai desejar fazer todos os dias.
Bufei uma risada.
Oh céus. Eu estava flertando com Thomas Sawyer?
— Ainda estamos falando sobre atirar, Sawyer?
Ele desceu a mão que estava em meu rosto para minha nuca, e puxou suavemente meu cabelo me
levando a inclinar minha cabeça para a direita. E enquanto sua outra mão escorregou até minha
lombar, Thomas levou seu nariz quente até a área entre minha orelha esquerda e meu ombro, e
cheirou, arrancando um arrepio gostoso de mim. Seus lábios encontraram minha pele. E aquela mão
grande em minha lombar escorregou um pouco mais. Um centímetro, e ele tocaria meu bumbum.
— E sobre o que mais poderia ser, Beckett? — Thomas murmurou contra meu pescoço.
O puxão gelado em meu estômago foi forte demais. Eu engoli em seco. Thomas subiu seu rosto
lentamente até que nossos lábios ficaram a milímetros de distância, permitindo que nossas
respirações se cruzassem. Levei minhas mãos até seu peito, pretendendo afastar seu corpo do meu.
Mas, eu hesitei quando senti aquele peitoral rígido. Minhas mãos apenas queriam ficar ali. E tudo
aquilo, toda aquela proximidade, sua boca tão perto da minha, seus olhos ardendo em desejo... Eu
quase permiti que ele me beijasse. Mas quando eu fechei meus olhos, eu enxerguei Tyler. Seu cabelo
castanho-dourado perfeitamente cacheado, seus olhos verde esmeralda e seu sorriso. Seu sorriso que
me desmantelava.
Eu não podia. Eu não podia beijar Thomas Sawyer. Meu coração pertencia a Tyler, e mesmo que eu
não soubesse o que estava de fato acontecendo em Nova York, eu não podia fazer nada para estragar
nosso relacionamento. Enquanto houvesse uma chance, mesmo que mínima de que Tyler e eu
ficássemos bem, eu não podia me envolver com Thomas ou com nenhum outro homem. Ainda mais
naquela mansão, onde tudo parecia ocorrer com mais intensidade. Empurrei o corpo de Thomas e
virei as costas. Ele grunhiu.
— Você está certo. — Minha voz soou mais aguda que o normal. Pigarreei. — Não poderia ser sobre
mais nada.
Mas aquele lobo ainda não tinha terminado seu jogo. Suas mãos quentes repousaram em meu quadril,
de forma que seus dedos pressionassem com sutileza a pele sob meu vestido. E sua boca soprou uma
respiração abaixo do meu ouvido direito.
— Então, — ele sussurrou, — você gostaria de ir atirar comigo?
Minha garganta travou.
O que estava acontecendo comigo?
Eu estava perdidamente dividida entre resistir ou ceder ao seu flerte descarado.
Dei um largo passo para frente, me afastando outra vez dele. Eu me virei e agora o azul em seus
olhos era felino demais. O predador feroz que existia ali. Meus joelhos tremeram.
— Eu adoraria — arfei. E minhas mãos suaram.
Um sorriso diabólico apareceu em seu rosto.
— Ótimo.
Thomas caminhou em passos lentos até a porta do quarto, causando em mim uma pequena onda de
tremores quando passou ao meu lado. Inspirei, me obrigando a me recompor. Caminhei ao seu lado
até alcançarmos a escadaria principal, e quando avistamos seus pais no salão, não demorou um
segundo para nossas mãos se encontrarem. Entrar no personagem havia se tornado tão automático
para mim quanto aparentemente para ele.
Só faltava descobrir o que estava acontecendo entre nós quando estávamos a sós sendo apenas Ava
Beckett e Thomas Sawyer.

Trocamos duas ou três palavras com o senhor e a senhora Sawyer, e então nos dirigimos até a
cozinha da mansão. Thomas pediu uma cesta de maçãs e só levaram alguns minutos para que seu
pedido fosse atendido. E então, nos dirigimos até o campo onde eu iria atirar com meu marido de
mentira.
Dylan, Javier e James quase se encolheram quando passamos por eles. Seus respectivos pais apenas
assentiram com a cabeça, oferecendo cumprimentos silenciosos para Thomas e eu. Thomas devolveu
os cumprimentos silenciosos enquanto pegava uma das espingardas, e eu apenas inspecionei minhas
unhas com descaso. E continuamos cruzando aquele jardim forrado por azaleias roxo-azuladas até
que nos afastamos por completo do grupo de homens.
— Espere aqui. — Thomas pediu ao parar de caminhar. Tínhamos alcançado um jardim circundado
por macieiras e arbustos gordos. — Eu irei posicionar o alvo.
Obedeci ao seu pedido e o assisti deixando a arma no chão e caminhando até o outro lado do jardim.
Após uma distância de aproximadamente 40 metros, Sawyer começou a colocar as maçãs da cesta em
vários locais diferentes, intercalando as em altura e distância. Com a cesta vazia, ele retornou para
onde eu estava e parou ao meu lado.
— Escolha uma, Beckett. — Ele falou em um tom inexpressivo ao pegar a arma do chão. — Qualquer
uma que quiser.
Avaliei o cenário ao meu redor, procurando cuidadosamente pelo alvo mais difícil. Cheguei à
conclusão de que todos os frutos exigiriam muito esforço, porque Thomas havia colocado cada um
deles tão longe que mal era possível enxerga-los. Acabei escolhendo a maçã que eu julgava ser
menor – estava presa em um galho de uma macieira magricela, quase escondida atrás das folhas.
— Aquela ali. — Apontei com o dedo indicador esquerdo. O diamante azul em meu dedo anelar
cintilou cumprimentando a luz do sol.
Thomas abriu um pequeno sorriso. E seus olhos provocativos encontraram os meus.
— Tem certeza Beckett?
Rolei os ombros com desdém.
— Sim.
— Ótimo. — Ele balançou a cabeça em um gesto de confirmação. O silêncio foi manchado pelo
chilrear desesperado dos pássaros quando os tiros abafados daquele torneio masculino tiveram
início. — Porque não sou eu quem vai atirar.
Franzi a testa. E estudei Thomas com meus olhos. O macho de pele cor de creme, com aquela
camiseta vinho tão justa, cabelos preto-azulados e boca cor de mousse de morango. Aquela
espingarda de cabo marrom sépia e cano cinza tempestade repousando em sua mão direita. E a
aliança gorda refletindo em luz dourada na sua mão esquerda.
— Você não acha que eu irei atirar, certo?
— Oh, eu não acho. — Ele ronronou. — Eu tenho certeza.
Deixei uma gargalhada espontânea escapar. Ele estava ficando completamente louco se achava que
eu usaria uma arma de fogo em um local com crianças.
— Você está louco? — Perguntei. Ele negou com a cabeça. Eu acrescentei: — Eu não sei atirar.
Sawyer estendeu a mão me oferecendo a arma. Que parecia tão pesada, embora seu braço nem tenha
tremulado.
— Você vai aprender. — Ele afirmou com um divertimento frio. — Não é difícil.
Balancei a cabeça velozmente fazendo um sinal de não.
— Eu não irei fazer isso. — Contestei. — Alguém pode se machucar, e ...
— Beckett. — Thomas me interrompeu depois de estalar a língua com desprezo. — Olhe ao redor.
Ninguém irá se machucar, porque não tem ninguém aqui.
Mais tiros abafados.
— Eu não poso usar uma arma, Sawyer.
— É claro que pode. — Ele insistiu, balançando aquela arma para que eu a aceitasse. — Basta olhar
na mira, se concentrar e puxar o gatilho.
Com ele falando daquele jeito parecia ser ridiculamente simples. E foi justamente o que me fez
avaliar outra vez minhas redondezas enquanto eu cogitava fazer aquilo. Ele estava certo. Com
exceção do grupo de homens, que estava muito longe de nós, e do lado oposto dos alvos de Thomas,
realmente não havia mais ninguém no jardim. Ninguém além de nós e aquelas maçãs vibrando em
vermelho nas cerejeiras e nos arbustos. Alguém precisaria de fato brotar da terra para ser
acidentalmente acertado por um tiro meu.
Além disso, não seria tão ruim aprender a atirar. Eu esperava que nunca precisasse usar uma arma de
fogo, mas, se eu tinha a oportunidade de aprender, por que não estar preparada em caso de uma
inesperada situação onde eu precisasse usar uma? Quer dizer, eu jamais tinha imaginado que viajaria
para Austrália, e ainda por cima, me passando por outra pessoa e recebendo uma bela grana por isso.
E lá estava eu, me surpreendendo com o quão surpreendente a vida podia ser.
— Está bem. — Concordei por fim. — Mas se algo acontecer, a culpa é sua.
Thomas soltou uma risada abafada. E então se posicionou atrás de mim, deixando seu tronco colado
no meu. E eu ignorei aquele volume em suas calças. Ou pelo menos, fingi que ignorei. Ele usou seu
braço esquerdo para me ajudar a sustentar a arma, enquanto o direito conduzia minha mão até o
gatilho. E assim como na noite anterior, agora todo o meu corpo estava envolvido pelo dele. Thomas
apoiou de leve seu queixo em meu ombro direito. Sua respiração era lenta e controlada, oposta à
minha que estava acelerada e irregular.
— Relaxe Beckett. — Ele falou baixinho, com toda aquela calma. — Você está tensa.
— Estou segurando uma arma de fogo, Sawyer — arfei. — É claro que estou tensa.
Mas não era apenas a espingarda em minha mão que estava deixando meu corpo rígido. Era aquele
calor dele, seus braços fortes me circundando, suas mãos grandes sobrepondo as minhas, e sua voz
grave tão perto do meu ouvido.
— Está tudo bem. — Thomas disse quase em um sussurro. — Eu não irei deixar nada acontecer.
Mas eu ainda tremia. Tanto, que a arma balançava, mesmo com Sawyer fazendo força para mantê-la
estável.
— Eu não consigo fazer isso, Sawyer — informei. E soltei um arquejo pesado. — Eu não consigo
relaxar.
— Consegue sim. — Ele contrapôs quase por cima da minha voz. — Você só precisa respirar, Ava.
O fôlego fugiu de mim.
Ava. Não Beckett. Ava. Meu nome.
— O que você disse? — Questionei, e minha voz quase falhou. — Você me chamou de Ava?
Seu corpo envolveu o meu com um pouco mais de firmeza. Mas tiros violaram o silêncio, e uma brisa
fresca passou por ali.
— Sim, Ava. — Thomas repetiu. E falou meu nome como se saboreasse cada letra. Como se gostasse
da forma que ele soava. — Agora, inspire para mim.
Naquele jato, ele disse que não tínhamos intimidade o suficiente para que ele me chamasse pelo meu
primeiro nome. E talvez por causa disso, eu tenha gostado tanto da forma que ele disse meu nome. Do
momento que ele escolheu para fazer aquilo pela primeira vez. Justo quando eu estava tão tensa,
tentando ficar calma para atirar. Inspire para mim. Eu me obriguei a puxar o ar. A deixar que meu
peito se inflasse. Ele esperou dez segundos para dizer:
— Agora expire.
E de novo, eu apenas obedeci. Deixei que o ar escapulisse dos meus pulmões com calma.
— Olhe na mira, Ava. — Thomas voltou a dizer. E sua voz foi a única coisa que eu decidi escutar. —
Posicione a arma de maneira que o alvo esteja no centro da mira. Quando conseguir, empurre isso. —
Ele me mostrou uma pequena espécie de botão com seu dedo indicador, sem tirar sua mão da minha.
— É a trava da arma. Só depois de empurrá-la você irá conseguir atirar.
Inspirei e expirei outra vez, e fiz conforme ele estava me orientando. Olhei através da lente buscando
mirar na maçã, e movi devagar a arma até que ela se ajustasse e ficasse na posição que eu desejava –
com a maçã encaixada no centro da interseção daqueles dois traços pretos que formavam a mira. E
quando eu consegui o que eu queria, respirei fundo uma última vez.
Eu nunca me esquecerei daquele momento. O silêncio, a brisa fresca, o aroma cítrico do campo.
Aqueles poucos instantes em que nossas respirações pareciam estar sincronizadas, assim como nosso
batimento cardíaco. Eu nunca achei que minha alma ficaria tão leve justamente quando eu estava
segurando uma arma. Quase como um quadro vivo. Mas o que era mais irônico de tudo, é que eu
sabia que era Sawyer. Ele era a obra prima daquela exposição.
Justamente Thomas Sawyer.
Destravei a arma empurrando o botão que ele tinha me mostrado e puxei o gatilho usando meu dedo
indicador direito. Uma batida do meu coração depois, a maçã explodiu em pedaços brancos no ar. E
o mérito era de Sawyer por ter me instruído e mantido a arma imóvel para que ela não oscilasse no
momento em que eu atirei, prejudicando assim a precisão da mira. Mas ainda assim, eu sorri. Sorri
de verdade.
— Não acredito que consegui. — Confessei com a voz mole. E me dei um minuto para apreciar
aquilo. — Foi incrível.
— Não Beckett, foi apenas um tiro. — Thomas reagiu. — A única coisa incrível aqui é você.
O sorriso em meus lábios cresceu. Cresceu de verdade. Aquele homem estava começando a
despertar algo em mim. Inclinei minha cabeça para o lado, empinando o queixo para que eu pudesse
olhar para seu rosto.
— Obrigada Thomas.
Ele virou seu rosto para a direção do meu. Estávamos tão perto um do outro, e tão envolvidos que eu
me esqueci do peso daquela arma. Eu me esqueci de Katherine. Eu me esqueci de que nada daquilo
era real.
— Pelo quê, Beckett?
Meus olhos rodaram nas órbitas.
— Por me mostrar como você é bom.
Thomas olhou para meus lábios, e depois para meus olhos outra vez.
— Sorria de novo. — Ele disse baixinho. — Sorria para mim.
E eu ofereci aquele sorriso sincero outra vez para ele. E ele sorriu de volta.
— Você é linda, Ava. — Ele sussurrou. E eu quase derreti.
Demoraram alguns minutos para que eu decidisse qual era o próximo alvo que eu queria, mas no
instante em que escolhi o segundo fruto, Thomas me ajudou novamente. E fizemos aquilo de novo e
de novo, até que não restassem maçãs. Mas o problema daquela manhã não foi acertar cada um
daqueles alvos com Thomas Sawyer. O problema foi desejar que permanecêssemos ali, imersos
naquela atividade sem nenhuma interferência de outras pessoas. E eu desejei tanto que aquilo não
acabasse, que uma sombra recaiu sobre meu peito.

CAPÍTULO 34

Eu só percebi que eu não tinha conferido meu celular nenhuma vez naquele dia quando retornei
sozinha para o quarto no recair do poente. Passar a manhã atirando com meu marido, almoçar com
seus pais e assisti-lo vencendo um torneio de esgrima me mantiveram tão distraída, que eu apenas me
esqueci do aparelho. Então, quando eu terminei aquele banho tão demorado, eu me enrolei em uma
toalha branca felpuda e me empoleirei na cama. Thomas estava tendo seu ego alimentado por Heather
e as outras duas damas de honra, e provavelmente demoraria para retornar ao quarto. Peguei meu
celular dentro da primeira gaveta daquela pequena cômoda ao lado da cama. Havia uma notificação.
[Tyler 14h28] Eu te devolvo sua calcinha se jantar comigo essa noite. A reserva no La’Pier já está
feita.
O celular virou chumbo em minha mão.
O que era aquilo? Uma mensagem que ele queria enviar para alguma vadia qualquer e acabou
enviando para mim por engano?
La’Pier. Pelo que eu sabia, era um dos restaurantes mais caros de Nova York.
Lá estava. A verdade que eu tinha decidido não ver.
As lágrimas pesaram tanto em meus olhos, e o rasgo em meu coração doeu de verdade. Eu sabia que
não estávamos definitivamente reatados, mas não era justo. Não era justo que ele tivesse me dito
todas aquelas coisas quando eu estava em Nova York se ele já tinha outra pessoa. Não era justo que
ele tivesse me feito acreditar que eu era única quando claramente eu não era. E acima de tudo, não
era nem um pouco justo que ele não fosse honesto comigo sabendo que eu o amava.
Se ele queria outra pessoa, por que não me disse? Por que ele não me disse a verdade? Eu preferiria
tanto a verdade. Que ele tivesse me dito que não estava se relacionando apenas comigo, apesar de se
comportar como se estivesse.
E como ele pôde ter feito aquilo comigo?
Eu aceitei participar de um roubo idiota por ele, e ele nem mesmo foi capaz de ser sincero comigo.
Eu estava na maldita Austrália para nos livrar da prisão, e ele estava passando suas noites em
jantares caríssimos com outra? Jantares que de acordo com Ian, ele estava esperando pagar as minhas
custas? Por quê? Por que ele partiria meu coração daquela forma? Como ele podia ser capaz de me
destruir daquela maneira?
Foi como se todos os meus órgãos tivessem sido arrancados de dentro de mim, e agora só existia um
buraco. Um buraco grande demais para que eu conseguisse continuar existindo. Aquilo foi mais
doloroso do que quando terminamos. Porque antes ele era meu Tyler, no qual eu podia confiar
cegamente. Agora ele era a pessoa que mais tinha me machucado no mundo inteiro. E como naquela
maldita mansão, tudo tinha um jeito mais intenso de acontecer, eu vivi todas aquelas cinco etapas do
término em menos de dois dias.
O primeiro momento foi uma reação imediata. A negação. Eu peguei meu celular caído na cama e reli
a mesma mensagem mil vezes. Comecei a caminhar pelo quarto de um lado para o outro, perdida em
mim mesma, repetindo que não, aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser verdade. Tinha
que ser um erro. Ele não faria aquilo comigo. Não, não, não.
Talvez Ian estivesse tentando fazer uma brincadeira de mal gosto, ou qualquer outra coisa que
justificasse aquilo. Qualquer coisa. Mas este estágio não durou muito tempo. Por mais que eu não
quisesse aceitar, existiam mais evidências que provavam o contrário. E então a porta do quarto se
abriu. E trouxe um Thomas Sawyer usando aquela mesma camiseta vinho justa demais, e aquelas
calças escuras. E ele foi meu próximo estágio. A raiva.
— Que diabos Sawyer! — Eu bradei no instante em que ele pontou no arco de entrada do quarto. —
Você não devia entrar sem bater.
— Você tem razão — ele ronronou com aquela calma fria fechando a porta atrás de si. — Entrar em
meu próprio quarto sem bater é um crime, ainda mais quando eu faço isso toda hora.
Bufei pelas narinas.
— Estou falando sério. — Avisei trincando os dentes. Ele ergueu as sobrancelhas. Eu emendei: —
Eu poderia estar nua.
Thomas lambeu seu lábio inferior. E estudou meu corpo sob aquela toalha com escrutínio.
— Calma, querida — ele cantarolou com deboche. Seus olhos cintilaram. — Eu não tenho o menor
interesse em vê-la nua.
Grunhi. E cerrei meus punhos pelas laterais do meu corpo.
— O que você quis dizer com isso?
— Exatamente o que ouviu. — Thomas retrucou com um divertimento lascivo. E enterrou suas mãos
nos bolsos de sua calça um instante antes de adicionar: — Eu não estava, em momento algum devo
frisar, interessado em ver seu corpo nu.
Ah, é mesmo?
Porque eu tinha certeza de que meu corpo não era tão ruim assim. Pelo contrário. E se ele achava que
eu poderia ser a mulher mais bonita de qualquer local usando roupas e joias adequadas, é porque
ainda não tinha me visto sem usar absolutamente nada. E ele não tinha o menor direito de me fazer me
sentir mal. Não quando eu tinha acabado de descobrir que Tyler tinha outra pessoa.
Pausei a raiva por um tempo.
— Interessante. — Eu provoquei em um tom baixo e sensual. E não desviei meu olhar do dele
enquanto levava minhas duas mãos até o encaixe na altura dos meus seios que mantinha a toalha presa
em meu corpo. E desfiz aquele encaixe. A toalha deslizou por minha pele e caiu no chão. — É
realmente muito interessante.
Seu olhar percorreu meu corpo nu. Por um longo tempo. Meus seios firmes, minha cintura fina, minha
barriga reta, meus quadris largos, a região entre minhas pernas, minhas coxas redondas, meus
joelhos, meus pés. E quando seus olhos encontraram os meus outra vez, lá estava. O lobo em seu
estado predador. Eu caminhei até ele e parei a meros dez centímetros de distância.
— Então não se importa que eu faça isso, certo? — Perguntei mantendo aquele mesmo tom baixo. —
Se nunca esteve interessado em ver meu corpo descoberto, presumo que não o incomodarei se eu
permanecer assim.
Thomas ainda mantinha aquelas mãos enterradas em seus bolsos frontais. Ele apenas inclinou sua
cabeça, até alcançar meu ouvido direito. O calor dele ondulou em mim.
— De maneira alguma, Beckett. — Ele disse retribuindo tom. — Incômodo não seria a palavra que
eu usaria para descrever o que a senhorita está causando em mim.
Thomas desinclinou pretensiosamente sua cabeça, quase deixando nossos rostos se encostarem. Meu
coração esfriou. E a diferença daquele momento para as outras vezes em que nossos lábios quase se
tocaram, é que as coisas tinham mudado em relação a Tyler. Agora eu já não tinha motivos para
evitar contato algum com Thomas, uma vez que meu ex-namorado não estava evitando contato com
outras mulheres. E, estando tão perto daqueles lábios rosa mousse de morango, eu percebi uma coisa.
Eu poderia me vingar de Tyler trepando com Thomas. Sim. Porque Thomas era rico e poderoso, e
essa seria a vingança perfeita. E esta foi a fase da barganha. Acreditar que eu me sentiria melhor ao
permitir que ele enfiasse sua língua em minha boca. Que eu preencheria o vazio em mim com todo
aquele volume sob suas calças. Se é que tudo aquilo pertencia naturalmente a ele. E também, eu o
odiava. E a ideia de trepar com ódio parecia ser algo selvagem. Eu gostava de coisas selvagens.
Levei uma de minhas mãos até seu peito e a outra até sua nuca. Ele devolveu meu gesto colocando
suas mãos em minha cintura. Minha pele nua gostou de sentir aquele toque. Tanto, que a região entre
minhas pernas começou a ficar mais úmida. E eu me perguntei como seriam as carícias daquele
macho. Não aquelas falsas, que ele me oferecia quando alguém estava olhando para nós. Mas as
carícias íntimas que ele oferecia a uma mulher quando estava sozinho com ela.
E estávamos ali. Com nossas bocas tão próximas uma da outra, que eu podia sentir seu hálito fresco e
sua respiração lenta. Estávamos a postos, prontos e prestes a nos beijar. Entretanto, nosso beijo ficou
apenas no quase.
Quase.
Essa irritante palavra que significa que algo era iminente. Iminente a ponto de chegarmos tão perto,
tão perto. Mas este é o problema. Chegar perto não é a mesma coisa de concluir.
Uma batida imprópria e infeliz na porta o fez recuar em um reflexo, quase como se ele tivesse se
assustado. E então Thomas pigarreou, repreendendo a si mesmo, repreendendo o que estávamos
quase fazendo.
— Vá se vestir. — Thomas disse sem me encarar diretamente. E engoliu em seco antes de concluir:
— Eu vou atender a porta.
Murmurei que estava tudo bem. Mesmo quando não estava.
Coloquei a roupa que estava separada para mim. Era um vestido rosa-salmão modelo sereia, com um
decote comportado e a parte do busto preenchido por pérolas. As mangas eram de pura renda e a saia
que era levemente plissada, quase arrastava no chão. O sapato que escolhi era um delicado salto
agulha, quase da mesma cor do vestido. Deixei meus cabelos quase soltos naquela noite, com
exceção de dois pentes de diamantes que usei para prender as mechas da frente, permitindo que meus
cachos escorregassem como cachoeiras de umbra sobre minhas costas. Minha maquiagem foi feita
com tons de dourado, e eu escolhi usar um batom rosa nude. Borrifei o perfume que eu jugava ser o
mais delicioso e saí do quarto. Desfilei por aqueles corredores desertos indo em direção ao salão de
festas.
Alcancei a escadaria. Os violinistas já estavam posicionados, oferecendo aquela melodia suave. Os
convidados usavam seus trajes elegantes e ocupavam seus assentos naquelas mesas douradas,
bebericando de suas taças de cristal e mantendo aquelas conversas baixas. E então eu avistei
Thomas. Eu não sabia quando ele tinha se trocado, mas ele estava estupidamente bonito, usando um
terno Azul Royal, perdido em uma conversa casual com seu pai. Michael apontou para minha direção
com o queixo, e meu marido virou seu torso para meu rumo. Sua majestosa rainha no topo da
escadaria, começando a descer aqueles degraus forrados por um carpete vinho. E o azul que brilhou
em seus olhos foi puramente contemplativo, desde o momento em que nossos olhares se encontraram,
até o momento em que eu atingi o último degrau. Parei. E esperei que Thomas se despedisse do seu
pai e viesse me receber.
Ele se aproximou de mim em passos alinhados, e estendeu sua mão direita com uma elegância que fez
meu intestino tremular.
— Katherine — Thomas ronronou quando minha mão esquerda tocou a dele. Ainda nos encarávamos,
e eu sabia que agora éramos o assunto principal para todos aqueles convidados. — Eu estava
esperando por você.
Pisquei com calma. E sorri com volúpia.
— É claro que estava.
Ele abriu um sorriso sensual, e eu deixei que ele me conduzisse até nossa mesa. Ambos com as
cabeças erguidas, oferecendo um desprezo quase gélido para o julgamento dos parentes dele. Mas
não era apenas isso. Naquela noite eu estava decidida a seduzir Thomas Sawyer. E aquele macho não
era do tipo que se intimidava pela confiança de uma mulher e recuava quando percebia que não tinha
o domínio da situação. Ele era do tipo que se sentia atraído por aquilo, que desejava ser provocado.
E eu teria feito isso. Eu teria provocado Thomas a noite inteira se no momento em que chegamos
naquela mesa ele não tivesse puxado a cadeira para mim, e um segundo depois que eu estava sentada,
ele não estivesse com aquele talher prateado em uma mão e uma taça de cristal na outra. Um tilintar
agudo. Silêncio no salão. E eu percebi que ele era o responsável pelo brinde da noite. Inspirei,
mantendo minha postura. Thomas usou um tom sutil para falar, deixando que seus olhos percorressem
o salão:
— Quando éramos crianças, Amelia tinha um urso de pelúcia que ela carregava para todos os
lugares. Ela não largava aquele brinquedo nem mesmo para tomar banho. — Ele fez uma pausa, e
alguns convidados soltaram risadas abafadas. — Quando as pessoas perguntavam porque ela gostava
tanto daquele urso, Amme não respondia. Ela apenas dizia que era seu brinquedo favorito. E um dia,
eu caí do meu cavalo em uma prática de equitação, e quebrei o braço esquerdo. Eu fiquei com medo,
muito medo, porque quando eu era um garoto muitas coisas me assustavam. E o hospital era uma
delas. — Thomas fez outra pausa, e mais convidados soltaram risadas contidas. Ele virou seu torso
para a direção em que Amelia estava sentada, com o braço do seu noivo entrelaçado em seus
ombros. Ela estava usando um vestido púrpura cintilante. Seu irmão prosseguiu: — Mas alguns
minutos antes da cirurgia, Amme entrou em meu quarto e me entregou aquele mesmo urso. E ela disse
que o motivo pelo qual gostava tanto do urso, era porque ele o protegia das situações ruins. E que eu
ficaria bem se estivesse com aquele urso durante a cirurgia. Amelia tinha apenas quatro anos, e já
tinha o coração mais doce desse mundo. — Thomas ergueu sua taça, e os olhos de sua irmã ficaram
marejados. — Então esta noite eu quero brindar a você, Amelia Sawyer. A mulher incrível que você
se tornou. E dizer que eu te amo.
Os convidados soltaram suspiros doces, e ergueram suas taças fazendo o brinde. E eu arfei, porque
eu tinha me perdido no discurso de Thomas. Na forma meiga que ele falara. Eu tentei afastar aquilo, e
esperei que Thomas se sentasse. Mas ele permaneceu em pé. Permaneceu no centro das atenções. E
quando ele direcionou seu olhar azul-perfurante para mim, meu coração subiu até minha garganta.
Especialmente porque os convidados ainda mantinham seu silêncio, como se já soubessem que
aquele homem não tinha terminado.
— Mas existe outra coisa que eu gostaria de fazer, — ele falou em voz alta sem desviar o olhar do
meu, — eu gostaria de oferecer uma música a minha esposa, Katherine Sawyer.
O calor fugiu do meu corpo.
Oh não. O que aquele idiota iria fazer desta vez?
Forcei um sorriso ao notar que agora todos os olhares pesavam sobre mim. E engoli em seco. Meus
joelhos oscilaram de verdade quando ele estendeu aquela mão para mim, me convidando
silenciosamente a ficar de pé. Ah, eu estava tão fria. E decidi que eu o assassinaria naquela mesma
noite. O silêncio beirou o estridente quando me levantei. Nossas mãos se encontraram, e Thomas me
guiou até aquele piano branco majestoso a direita da escadaria principal. Eu acho que eu tinha
começado a imaginar que o instrumento era apenas um objeto de decoração, já que todas as noites a
melodia era oferecida apenas por violinistas. Mas naquela noite, enquanto nossos passos ecoavam
pelo salão, e enquanto todos os convidados mantinham suas atenções em nós, eu percebi que o piano
não era apenas um enfeite extravagante. Era o instrumento que Thomas tocaria para mim.
Paramos diante do piano, e Thomas se posicionou em minha frente. Nossas mãos ainda estavam
entrelaçadas.
— Katherine, você é uma mulher adorável. — Ele disse em um tom suave, fitando meus olhos. —
Você é inteligente, divertida, e incrivelmente determinada. Você é como a lua, linda e brilhante,
iluminando o escuro céu que é a minha vida. — Thomas fez uma pausa apenas para levar sua mão
livre ao meu rosto. — Eu estava vivendo um inferno antes de te conhecer. E agora... — aquele azul
em seus olhos oscilou. — Agora você é meu paraíso.
De novo, os convidados ronronaram e soltaram suspiros doces. E eu estava apenas inerte. Se Thomas
queria concluir seu teatro para provar que éramos de fato um casal, ele tinha conseguido com êxito.
Na verdade, ele foi tão bom dizendo aquelas mentiras, que por um momento eu acreditei que pudesse
ser verdade.
Meu marido gesticulou para que eu me sentasse no banco de couro branco do piano, e se sentou ao
meu lado. Então, posicionou seus dedos sobre as teclas do instrumento e olhou para mim. E sorriu.
Um sorriso tão iluminado que minha boca secou. E ele continuou olhando para mim, quase como se
estivesse tentando alcançar minha alma quando seus dedos começaram a empurrar as teclas e a
melodia tomou forma. E eu achei que estivesse sonhando ao reconhecer justamente a música tema de
Titanic, My heart will go on. O mesmo filme que eu tinha mencionado ser o meu favorito.
Deus do céu. O que era aquilo?
Como era possível que um homem tão estúpido, arrogante e egocêntrico como ele fosse capaz de
tocar tão graciosamente? Quase como se ele e a música fossem apenas um. Como se aquelas teclas
fossem extensões dos seus dedos, se desfazendo em puro ritmo e melodia. E por um momento eu me
esqueci de quem ele era, de quanto dinheiro, prestígio ou fama estavam envolvidos em seu nome. E
eu me esqueci sobre mim também. Sobre a percepção do meu próprio corpo. Estávamos em uma
bolha, e só existia a pureza com a qual ele tocava e o encanto que ele despertava em mim com sua
música. E eu jamais imaginei que uma versão de uma canção, que eu já tinha escutado centenas de
vezes, pudesse fazer meu coração se sentir tão seguro. Eu fui para longe, longe demais de mim, e
flutuei com cada uma daquelas notas. Como se o azul dos seus olhos fosse meu mundo. Como se tudo
que eu era, cada um dos meus pensamentos estivesse ali, na harmonia daquela canção. E eu só
percebi as lágrimas em meu rosto quando a música teve fim, e ele me estendeu um lenço de seda azul
meia-noite. Assim como eu só me lembrei daqueles convidados ao nosso redor quando uma salva de
palmas ressoou ali, e meus outros sentidos retornaram para mim. Sacudi de leve a cabeça, ainda
escutando algumas palmas abafadas, e tentei afastar tudo aquilo.
— Você não quer estragar sua maquiagem — ele disse baixinho, ainda me oferecendo aquele lenço.
Eu pisquei. Meu coração doeu de verdade. Peguei o lenço de sua mão e limpei minhas bochechas. A
seda acariciou minha pele como um beijo de inverno.
— Obrigada. — Sussurrei. E achei que seus olhos eram mais preciosos do que o diamante azul em
meu dedo anelar esquerdo.
As palmas cessaram. Alguns murmúrios baixos que eu decidi não escutar preencheram o silêncio,
assim como rangidos de cadeira e louças sendo raspadas. Thomas se colocou de pé, e me estendeu a
mão direita para me direcionar de volta até nossa mesa. Deixei que ele me conduzisse, e então me
sentei. E ele se sentou ao meu lado, com seu torso virado para mim. Eu ainda estava perdida demais
naquela música.
— Você me agradeceu pelo lenço ou pela música?
— Pelos dois. — Murmurei com a voz quase embargada. Eu não conseguia parar de olhar para seus
olhos, para seus traços perfeitos, para seu cabelo sedoso preto azulado. E eu abri e fechei a boca
mais de uma vez antes de conseguir completar: — Foi a coisa mais bonita que eu já vi.
E eu não estava mentindo. Thomas contraiu um músculo em sua mandíbula, e inclinou seu corpo em
minha direção. E sua mão encontrou a saia do meu vestido por debaixo do forro da mesa.
— Fico feliz que tenha gostado — ele falou em um tom aveludado, encarando meus olhos. — Eu
toquei para você. — Eu sorri. Sorri com meu coração. E Thomas levou sua mão livre até meu queixo,
deixando que seu polegar explorasse minha pele. E seus olhos brilharam tanto quando ele emendou:
— Apenas para ver esse sorriso, Ava.

CAPÍTULO 35

O jantar foi servido. Uma massa italiana deliciosa, com alguns toques cítricos e um molho de um
queijo muito caro. Thomas e eu trocamos aqueles olhares bobos durante toda a refeição, e eu tentei
me lembrar de que eu deveria seduzi-lo para que eu pudesse me vingar de Tyler. Mas um minuto
antes de finalizarmos aquele champanhe, alguém surgiu em nossa mesa. Era uma mulher com pele cor
de pêssego, cabelo louro-mel, olhos castanhos outono, usando um vestido bordô justo que revelava
cada curva que um homem como Thomas Sawyer deveria gostar. Ela era linda. E colocou aquela mão
forrada por joias no ombro direito do meu marido, e sem dizer uma palavra, reivindicou a atenção
dele para si. O rosto de Thomas se iluminou como se estivesse diante de um anjo, e ele apenas
empurrou sua cadeira para trás e se colocou de pé. Ofereceu um abraço apertado para aquela
estranha, me pediu licença e desapareceu com ela. Sem nem mesmo nos apresentar. Sem nem mesmo
esperar por minha reação. E então, alguma coisa desabou em meu interior.
Talvez eu ainda estivesse sob o efeito da música, ou das palavras doces que ele me disse antes dela.
Talvez aquela mensagem que Tyler enviou por engano tivesse mexido mais do que eu imaginava
comigo.
Talvez os dois. Porque eu pensei no que Thomas poderia estar fazendo com aquela mulher, aonde
quer que eles tivessem ido, e meu peito queimou. Eu nem mesmo sabia quem ela era, mas eu já a
detestava. Heather nunca foi uma ameaça. Mas talvez aquela mulher com traços tão delicados, que
tirou Thomas de mim sem precisar dizer uma palavra... talvez ela fosse.
Entornei o último gole do meu champanhe. E depois entornei o champanhe da taça que Thomas
abandonara também. E tive a impressão de que todos aqueles murmúrios eram sobre mim. A esposa
patética que Thomas abandonou por sua amante mais atraente. Aquelas risadas abafadas.... Eles
estavam rindo de mim. Até mesmo a música que os violinistas tinham voltado a tocar há mais de
quarenta minutos agora parecia estar zombando de mim. Estremeci. E me coloquei de pé. Marchei até
a cozinha da mansão, sem me preocupar em estar batendo os pés ou me desvencilhando de forma não
muito educada de qualquer um que tentasse falar comigo. E assim como naquele dia na empresa
quando avistei aquela placa que dizia área restrita, eu não me importei em empurrar as portas duplas
brancas da cozinha, mesmo sabendo que a entrada só era permitida para os empregados.
A cozinha. Gigantesca. Com enormes armários forrando todas as paredes, um fogão com bocas
largas, balcões compridos de aço inox, uma pia quase do tamanho de uma banheira, uma geladeira
que poderia ser um guarda-roupa, um freezer adjacente, e todas aquelas louças brancas empilhadas.
Taças de cristal, panelas grandes, talheres luminosos. Bandejas e mais bandejas entupidas com a
sobremesa da noite – um gelatto de framboesa. Era como a cozinha de um restaurante muito chique.
Os cozinheiros franziram o cenho para mim, os garçons murmuraram entre eles, as empregadas que
lavavam a louça suja piscaram confusas. A música chegava em um tom mais baixo ali, e o burburinho
do salão era quase inaudível. Só havia os sons metálicos e rangidos das colheres raspando as
panelas. O vapor quente, salgado e engordurado me atingiu.
— Boa noite madame — um dos garçons disse por fim. — Posso ajuda-la?
— Eu sou esposa de Thomas Sawyer. — Eu falei em voz alta, e esperei todos os arquejos. — E
queremos receber uma garrafa de Whisky e uma garrafa de champanhe em nosso quarto.
Então saí da cozinha sem esperar uma resposta, fechei a porta e me dirigi ao quarto. De novo, sem
me preocupar em afastar qualquer um que tentasse falar comigo. Subi aqueles malditos degraus,
cruzei aquele maldito corredor e cheguei no quarto. Bati a porta com força. Dois minutos depois as
bebidas chegaram. Eu me afundei na cama, posicionando o balde metálico entupido com gelo em um
dos travesseiros ao meu lado, e encarei aquelas duas garrafas. Não era o que eu queria. Eu queria
uma cerveja ou um vinho barato. Mas não existia nada barato naquela maldita mansão. Encontrei meu
celular. E com meu celular em uma mão, e uma garrafa aberta na outra, as coisas não tenderiam a dar
certo. Especialmente com um coração partido.
[Ava 21h38] Eu odeio você.
[Ava 21h42] você é um idiota, e eu queria que nunca tivéssemos nos conhecido.
[Ava 21h45] eu odeio tudo que fizemos juntos.
[Ava 21h94] eu queria arrancar sua cabeça e colocar em uma estaca.
[Ava 21h52] você é o maior babaca de todos os tempos.
[Ava 21h54] e se acha que vai usar meu dinheiro para bancar todas essas vadias, está muito
enganado.
Machos. Todos eram cretinos desgraçados. Traidores que não se contentavam com uma só mulher.
Prometiam mil coisas e nem sequer cumpriam o básico princípio da fidelidade. Ou tocavam uma
música bonita nos fazendo acreditar que éramos especiais, e logo em seguida desapareciam com o
primeiro rabo de saia que encontravam. Eu queria que todos eles explodissem.
Gole por gole, as duas garrafas acabaram vazias em minhas mãos.

Tudo estava girando quando Thomas entrou no quarto. Aquele bastardo que tinha me tirado de Tyler
para me levar para o outro lado do mundo. Eu o odiava. Eu o odiava tanto que meu corpo se perdeu
em um tremor. Ele era um estúpido, hipócrita, arrogante e canalha. Um canalha que tinha me iludido
com uma música idiota para depois me largar sozinha no meio de um jantar idiota.
Eu mal notei quando foi que meu sapato parou em minha mão. E em um segundo depois, estava
cruzando o ar como um tiro e se chocando contra a cabeça de Thomas Sawyer.
— O que foi agora? — Thomas arquejou.
— Eu odeio você. — Disparei. Eu estava de pé perto daquela estante de livros, sem saber muito bem
como eu tinha chegado ali. — Você é um idiota.
— O que eu te fiz agora? — Ele perguntou com aquele maldito divertimento frio. Desgraçado. — Eu
achei que você tinha gostado da música.
Inclinei meu corpo. Tirei meu outro sapato. Arremessei contra ele. Mas ele se desviou, e o sapato
encontrou a parede.
— Pare com isso.
— Por que? — Bufei uma risada. O quarto girou. — Por que todo mundo precisa fazer as coisas que
você manda?
Thomas estalou a língua com desprezo. E em resposta, eu peguei o primeiro livro que encontrei
naquela estante e lancei contra ele. E outro. E outro. E uma batida do meu coração, ele estava diante
de mim. Segurando meus pulsos.
— Pare com isso. — Ele repetiu. O lobo querendo impor seu território.
Mas o que ele não sabia, é que eu era uma leoa. Trinquei os dentes.
— Me. Largue.
— Qual é o seu problema? — Ele indagou juntando as sobrancelhas. Seu tom pesou. — Eu não
consigo entender você.
Grunhi.
— Você é um idiota — eu falei com a respiração entrecortada. Seus olhos encontraram os meus. —
Eu odeio você.
Ele me puxou com força, e me colocou em seus ombros como se eu fosse um saco de batatas. Tudo
girou tão rápido. Eu sacudi minhas pernas e bati meus punhos cerrados contra ele, e praguejei e
xinguei alguns nomes muito feios. Mas Thomas apenas caminhou até aquele banheiro, ligou o
chuveiro e me colocou no chão me empurrando para debaixo da água. Fria demais. E eu me debati e
tentei sair dali, mas aquele desgraçado era forte demais. A água começou a nos encharcar. Eu me
contorci e esperneei.
— Me deixe em paz! — Vociferei. A água era tão gélida que minha pele se rendeu a um arrepio
denso.
Thomas me segurou com mais firmeza.
— Você está bêbada. — Ele devolveu. A água escorria sobre sua pele como gotas de cristal.
Minha respiração ardia. Ardia de verdade.
— Desde quando você se preocupa comigo? — Sibilei. E retorci meu corpo outra vez tentando me
soltar.
Meu marido então me empurrou contra aquela parede atrás do chuveiro. Estávamos tão perto, que a
água jorrava dele para mim.
— Desde que você decidiu se comportar como uma criança mimada. — Ele arfou. Aquela fúria
gélida brilhou em seus olhos azuis. — O que há de errado com você?
Meu peito subia e descia rápido demais. Seu corpo parecia ser uma muralha encharcada naquele
terno azul-royal rangendo com seus movimentos, e meu vestido estava tão pesado. Meus pés
descalços, sentindo o piso de mármore castigar minha pele.
— Você é meu problema. — Eu respondi sem desviar o olhar. — Você não pode tocar uma maldita
música para mim e depois sair com uma vadia qualquer.
Droga.
Thomas inclinou seu rosto. Suas mãos ainda apertavam meus pulsos pelas laterais do meu corpo. E
ele piscou com calma.
— Você está com ciúmes de mim?
Explodi em uma gargalhada histérica. Ciúmes. De Thomas Sawyer. Eu não estava com ciúmes.
Estava?
— Eu não estou com ciúmes de você. — Murmurei. A respiração ardia em meus pulmões, e água
estalava contra nós dois. E Thomas não parava de me encarar. — Eu só não quero te ver com outras
mulheres.
A garganta de Thomas oscilou. Seus dedos se afrouxaram em meus pulsos, devagar, até que meus
braços estavam livres. E ele colocou as mãos em minha cintura, e deu um passo para frente, me
prensando de forma sutil contra aquela parede tão gelada. Eu joguei minha cabeça para trás.
— Está bem. — Ele disse baixinho, e aqueles olhos delineados por safiras brilharam demais. —
Você não me verá com nenhuma outra mulher.
Assenti. E Thomas inclinou a cabeça, aproximando seus lábios dos meus. Iríamos nos beijar, eu tenho
certeza que iríamos. E seria um beijo gelado e molhado. Se eu não tivesse o empurrado e vomitado
contra seu belíssimo e luxuoso terno.
Pelo menos já estávamos debaixo do chuveiro.

CAPÍTULO 36

Oh, abrir os olhos foi uma tortura. Os raios amanteigados de sol ricochetearam minha visão, e eu
amaldiçoei toda aquela claridade. E em resposta, uma dor aguda latejou no fundo da minha cabeça.
Eu contraí meu corpo. E então percebi que eu estava naquele ninho suave, afundada em colchas
macias e usando o pijama de seda azul gelado. E eu realmente não me lembrava do que tinha
acontecido depois que eu vomitara em Thomas Sawyer. Pisquei. De novo e de novo. E percebi que
havia um copo com água em cima do criado mudo e alguns comprimidos ao lado do copo de vidro. E
também, um pequeno pedaço de papel debaixo do abajur, com alguma coisa escrita nele. Estiquei a
mão direita. Meu corpo reclamou por eu estar me movimentando.
Olá, minha querida esposa. Deixei algumas aspirinas caso acorde com dor de cabeça.
Oh, céus.
Quem deixa recados escritos à mão quando existe uma coisa chamada mensagem de texto? Ou
simplesmente, quem deixa recados quando se pode claramente dizer o que se quer pessoalmente?
Tateei a superfície do criado mudo e peguei uma das aspirinas. Puxei o copo, e o vidro raspou contra
a madeira. Coloquei o comprimido em minha língua. Minha boca estava seca demais, e eu realmente
agradeci por aquela água. Eu me dei alguns minutos. Fome apertou meu estômago, e ao mesmo tempo,
pensar em comida era repugnante. E bebida. Como em todas as vezes que a ressaca me atingia em
cheio, eu prometi a mim mesma que eu ficaria longe de qualquer bebida alcoólica por muito tempo.
Bocejei. Deixei que minha mão corresse sob os travesseiros em busca do meu celular. Eu me
lembrava de algumas mensagens muito amargas entre o whisky e o champanhe. Não encontrei o
aparelho. Rolei pela cama, tateando cada um dos muitos travesseiros que havia ali. Nada. Sentei.
Vasculhei o quarto com meus olhos, tentando me lembrar se eu tinha o guardado antes de começar a
arremessar objetos contra Thomas.
Eu saí da cama, a dor de cabeça reclamando a cada passo. Olhei perto da estante, no meio dos livros,
dentro das gavetas dos criados mudos, no sofá e embaixo de suas almofadas, no banheiro, atrás das
cortinas, e até mesmo em cada uma das minhas bolsas e dentro do closet. Eu fiquei longos minutos
naquele quarto, procurando em cada cantinho, até chegar à conclusão de que meu celular não estava
ali.
Merda.
Meu celular não podia ter desaparecido. Não quando qualquer notificação de Tyler poderia ser vista
em minha tela. Mas eu não podia sucumbir ao desespero. Coloquei o primeiro vestido que encontrei
no closet e calcei uma sapatilha. Prendi meu cabelo em um rabo de cabelo muito mal feito, lavei meu
rosto e escovei meus dentes. Sem maquiagem ou acessórios. Eu não estava com nenhum pingo de
ânimo para ser Katherine-sempre-bem-vestida-e-penteada-Sawyer aquela manhã. Pelo contrário. Eu
era Ava-de-ressaca-procurando-pelo-seu-celular-Beckett.
Olhei em cada canto dos corredores. Nada. Alcancei a escadaria principal. Thomas estava sentado
em uma mesa de quatro lugares, em uma conversa muito casual e tranquila com sua mãe. Talvez ele
soubesse do meu aparelho. Talvez ele tivesse o escondido para me forçar a cumprir minha parte da
aposta que eu perdera na praia. Sim. Ele sabia onde estava o meu celular. Ele tinha que saber. Desci
os degraus e me aproximei em passos curtos e silenciosos.
Ali, banhados pelas luzes douradas da manhã, Christine segurava as mãos do seu filho como se ele
fosse seu maior tesouro. Ela olhava para ele com tamanha ternura que eu até tive receio de os
interromper. Mas eu realmente precisava falar com Thomas. Porque se por alguma desventura ele não
soubesse do meu aparelho, quanto mais tempo meu celular ficasse desaparecido, maior eram as
chances de que algum desastre ocorresse. E só faltavam mais seis dias para que tudo aquilo
acabasse. Eu não podia estragar tudo por causa de um simples deslize com meu celular. Parei diante
da mesa.
— Meu amor — eu disse sorrindo e usando o tom de voz mais meigo que eu podia. Christine me
ofereceu aquele sorriso tão iluminado que eu mal podia encarar seus olhos amarelo-dourados. — Eu
posso falar com você por um momento?
— Aconteceu algo, querida? — Thomas perguntou, retribuindo o mesmo sorriso falso. Ele usava uma
camiseta branca, com as mangas enroladas até os cotovelos. Eu evitei pensar em seus antebraços
musculosos. Em como seu cabelo preto-azulado estava bonito naquele penteado úmido, ou em como
seus olhos estavam claros.
Mas, por que ele conversava tão alto?
— Não. — Retruquei, passando as mãos pela saia do meu vestido amarelo. — Não aconteceu nada.
— Pisquei. — Eu só gostaria de te pedir uma opinião.
Christine se inclinou na direção do filho, deixando que as pulseiras de ouro em seus pulsos
tilintassem, e beijou o rosto dele. E eu pensei em como eu sentia falta daquilo. Como eu sentia falta
de um beijo da minha mãe. Troquei de pé.
— Vá com sua esposa, meu filho — ela sugeriu em um tom angelical, encarando os olhos dele. —
Podemos terminar nossa conversa depois.
Eu forcei mais um sorriso para ela. Thomas puxou as mãos da sua mãe para si, e as beijou
respeitosamente. Então, empurrou sua cadeira para trás, e até mesmo a madeira rangendo soou alto
demais. Eu apertei meus olhos por um momento. Meu estômago estava se contorcendo em uma ânsia,
e aquela dor aguda reivindicava cada parte da minha cabeça. Nossas mãos se tocaram, e alcançamos
um corredor vazio da mansão. Com paredes forradas por papeis aveludados e o piso encoberto por
um carpete vinho. Paramos em um canto iluminado demais. Esfreguei minhas têmporas. Thomas me
mediu com seu olhar, e abriu um sorriso debochado para dizer:
— Parece que alguém está de ressaca.
— Número um, — falei baixinho, com um latejo áspero em minha fronte, — você pode falar mais
baixo?
Ele enfiou suas mãos nos bolsos de sua calça.
— Eu não estou conversando alto.
Rolei os olhos. Até mesmo o azul em seus olhos parecia estar incomodando os meus.
— Você sabe onde está o meu celular?
Thomas enrugou o cenho. Passos abafados ressoaram em algum lugar distante.
— Por que eu saberia?
O calor abandonou meu corpo. Inspirei. E expirei. E fiquei tanto tempo em silêncio, que Thomas
indagou:
— Por que está me perguntando se eu sei onde está seu celular?
Eu me recusei a olhar diretamente para ele. Não quando eu sabia que ele implicaria por eu não ter
cumprido minha parte da aposta. Encarei aquela aliança gorda em meu dedo anelar esquerdo, quase
ofuscada pelo diamante azul escandaloso.
— Porque eu não sei onde está — murmurei baixinho. Tão baixinho, que eu não achei que ele tivesse
escutado.
Mas ele soltou um arquejo tão tenso, que eu encolhi os ombros.
— Já procurou embaixo da cama, em sua bolsa, no banheiro?
— Não está no quarto.
Thomas estalou a língua com desprezo.
— Alguns dias sem o seu celular não irão te matar.
Oh, ele não estava entendendo. Ele não estava entendendo porque ele não sabia que existiam todas
aquelas mensagens que eu tinha trocado com Tyler. Procurei uma linha naquele vestido para puxar,
mas não encontrei nada. Suspirei.
— Precisamos encontrar meu telefone. — Engoli em seco. — Porque as coisas podem ficar
complicadas se alguém ler minhas mensagens.
O macho cheiroso demais deu um passo em minha direção. E desenterrou suas mãos do bolso para
segurar meu rosto e me forçar a encará-lo. Meu coração parou de bater quando seus olhos
encontraram os meus.
— Quais mensagens?
Balancei a cabeça em um leve sinal de não. A dor de cabeça resmungou.
— Mensagens que nenhuma esposa deveria trocar com outro homem.
Thomas trincou a mandíbula. Suas mãos estavam tão quentes em minhas bochechas. Um silêncio
pesado ecoou naquele corredor. Ele apertou os olhos e soltou um suspiro muito denso antes de dizer:
— Eu posso ligar para seu número. Assim podemos rastrear o aparelho.
Levei minhas mãos até as dele. Apenas para que eu me certificasse de que ele não arrancaria minha
cabeça.
— Você não pode me ligar. — Sussurrei.
— Me deixe adivinhar — ele cerrou os dentes. — Você não salvou meu número conforme eu te pedi.
— Teria sido melhor. — Confessei em um tom um pouco agudo. — Seu número está salvo. O
problema é o nome que usei.
Thomas Idiota Egocêntrico Arrogante Sawyer.
Ele soltou meu rosto. E esfregou seus olhos com as duas mãos. Eu ignorei seu calor, ignorei todos
aqueles músculos quase roçando em mim.
— Faremos o seguinte. — Ele disse com alguma impaciência vibrando em sua voz. —Você procura
por volta da casa e eu irei tentar ver se alguém o encontrou.
Assenti de leve. Viramos nossos troncos para seguirmos em direções opostas. Mas, antes que ambos
fôssemos engolidos pelas extremidades do corredor, eu girei meu corpo para seu rumo e chamei seu
nome. Ele parou e virou para mim. Quatro longos metros nos separavam.
— Obrigada pelas aspirinas.
E eu podia jurar que seu rosto se iluminou quando ele retrucou:
— Não foi nada. Eu só estava cuidando da minha mulher.

Segui meu rumo para tentar encontrar meu celular. Tentando ser discreta, procurei pelo salão
principal, debaixo das cadeiras e da gigantesca mesa da sala, perto do piano, perto das cortinas,
atrás e até mesmo dentro dos vasos de plantas. Nada. Eu atingi o arco de entrada da casa. Procurei
pelas áreas que rodeavam a mansão, sob a varanda do nosso quarto, nos arredores da piscina e em
alguns dos jardins. Nada ainda. Não fazia o menor sentido. Eu não costumava o levar para fora do
quarto, justamente para que algo do tipo não ocorresse. Fiz menção de dar meia volta e retornar para
o quarto, mas alguém me cutucou pelo ombro. Virei. Era Amelia. Com aqueles cabelos louro-
dourados ondulando sobre seus ombros, um sorriso escandaloso e um vestido verde-musgo.
— Então.... — Amelia ronronou, — o que está acontecendo entre você e Thommy?
Eu a repreendi com meu olhar. Parte da repreensão era pela pergunta, e a outra parte por aquela voz
aguda que parecia um meteoro bombardeando minhas náuseas. O sol brilhava tanto. Não havia uma
nuvem naquele tapete azul no céu. As flores explodiam em cor e perfume, e a brisa era fresca. Se eu
não estivesse de ressaca e tão preocupada com meu celular, eu poderia passar o dia inteiro na
piscina.
— Não existe nada entre seu irmão e eu, Amelia. — Respondi por fim.
Amelia grunhiu com desprezo. E eu percebi que ela fazia aquilo exatamente como seu irmão.
— Escute, Ava — ela ciciou, e bateu levemente seu dedo indicador direito no meu nariz. — Não
minta para mim. Eu conheço meu irmão o suficiente para saber que existe alguma coisa acontecendo
entre vocês dois.
Crianças gargalhavam de longe.
— Acredite em mim, Amelia — cantarolei encarando os mesmos olhos de Christine, — a única coisa
que existe entre Thomas e eu é ódio.
Ela revirou os olhos antes de erguer aquelas mãos pequenas e brancas para apertar meus ombros nus.
E então ela fez um beicinho.
— Você não pode mentir para a noiva.
Foi minha vez de revirar os olhos. Afastei suas mãos dos meus ombros e ajeitei a saia do meu
vestido. Minhas canelas expostas gostaram do frescor daquele dia.
— Eu não estou mentindo. — Contestei em um tom baixo. — Thomas e eu nos detestamos.
Amelia riu com escárnio.
— Se isso é verdade, por que ele tocou para você ontem como não tocava há mais de dez anos?
Eu toquei para você. Para ver esse sorriso.
Minha garganta se fechou em um nó tão estreito, que por um momento eu me esqueci daquela dor.
— Ele tocou para alguém que não existe. — Falei, e minha voz tremulou um pouco. — Para alimentar
a mentira que temos exibido para seus convidados.
A irmã de Thomas soltou um suspiro pesado. A grama farfalhou ao nosso redor, e ela mudou o peso
do corpo para a outra perna.
— Claro, — Amelia concordou com sarcasmo, — e toda aquela tensão sexual entre vocês dois é uma
mentira também?
Bufei uma risada.
— Não existe tensão sexual entre nós.
— É claro que existe. E é tão forte que é a única razão pela qual ninguém descobriu a verdade.
Cruzei meus braços sobre o peito. E abri a boca para dizer que aquilo era ridículo, mas Amelia falou
primeiro:
— Todo mundo percebe que vocês sentem uma gigantesca atração um pelo outro. — Seus olhos
amarelo-dourados cintilaram. — E por isso todo mundo acredita que vocês se casaram depois de
apenas um mês.
Isso não é verdade. Eles só acreditam nisso porque são um bando de tapados.
— Falando sobre casamento, — pigarreei, apertando meus braços, — você pode me explicar que
história é essa de que ele já foi casado?
Uma sombra recaiu sobre o rosto de Amelia. E ela engoliu em seco antes de perguntar:
— Ele não te contou?
Balancei minha cabeça em um sinal de não.
— O nome dela era Hayden. — Amelia disse em um tom vazio, encarando as macieiras ao leste do
jardim. — Eles se apaixonaram muito jovens. Se casaram quando Thommy completou dezoito anos.
E eles eram felizes, até que um dia ele chegou em casa e encontrou a casa revirada. — Amelia fez
uma longa pausa. E sua voz ficou embargada quando ela emendou por fim: — O corpo de Hayden
estava caído no chão da cozinha. Era tarde demais.
Uma tonelada esmagou meu coração.
— Eu não fazia a menor ideia.
— É, Thomas não fala sobre isso. — Amelia levou a mão direita até seu rosto, disfarçando uma
lágrima. — Ele nunca mais foi o mesmo.
Aquilo foi ... familiar. Christine já havia me alertado que Thomas não falava sobre seu primeiro
matrimônio, e demonstrou a mesma tristeza quando mencionou o assunto. Talvez porque era
realmente horrível. Eu nem conseguia imaginar.
— Como ele era?
— Ele era... doce. — Ela abriu um sorriso triste e uma lágrima silenciosa rolou em sua bochecha. O
silêncio pesou por um minuto. — Ele estava sempre sorrindo e por incrível que pareça, ninguém
nunca o via de mal humor.
— Sério? — Questionei em um reflexo quando por um segundo desenhei aquela imagem de Thomas
em minha cabeça.
— Sim. — Amelia deixou escapar uma risada vazia e limpou sua bochecha. — Mas agora... tudo que
ele faz é viver para os negócios.
— É uma pena.
— Sim, é — Amelia retrucou. — Mas não vamos mais falar sobre isso, — ela sacudiu a cabeça e
colocou um pequeno sorriso nos lábios. — Vamos voltar a falar sobre vocês dois.
Grunhi uma risada.
— Não existe “nós dois”. — Contestei. — Isso aqui... — gesticulei mostrando as redondezas. Os
jardins, as colinas no horizonte, a mansão de gesso branco, a piscina agora ocupada por alguns
convidados se banhando. Balancei minha cabeça em um sinal de não, mais para mim do que para ela.
— Nada disso é real.
— É bem real para mim. — Amelia ergueu os ombros. A brisa fresca balançou nossos vestidos. —
Por que não pode ser real para você também?
— Por quê? — Repeti com ênfase. E aquele aperto em minha garganta ficou mais estreito. — Porque
eu pertenço a outro mundo, Amelia. O que quer que esteja acontecendo aqui entre nós, é apenas um
reflexo por estarmos passando tanto tempo juntos longe de nossas vidas reais. Quando voltarmos
para Nova York, nada disso irá retornar conosco. — Engoli um soluço. — E está tudo bem.
— Querida... — Amelia segurou minhas mãos, e seus olhos giraram nas órbitas. — Se isso é
verdade, por que você parece tão triste?
Pisquei com pressa tentando afastar a queimação em meus olhos.
— Eu só estou um pouco cansada.
Amelia franziu as sobrancelhas, apertando minhas mãos com uma firmeza gentil. Pássaros chilreavam
um cântico doce.
— Eu amo meu irmão. E tudo que eu quero, é que ele seja feliz. — Seus olhos permaneceram fixos
nos meus. — E, o jeito em que os olhos dele brilham quando ele olha para você... — ela estalou a
cabeça para o lado. — É qualquer coisa, menos fingimento.
CAPÍTULO 37

O luto foi o estágio que me atingiu depois da conversa com Amelia. Meu coração estava nebuloso,
pesado. E aquele vazio amargo. Eu sabia que tinha a ver com Tyler. E eu estava tão emocionalmente
carente, que eu cheguei a sentir ciúmes de Thomas na noite passada. Duas horas de busca correram, e
eu não tive o menor sucesso. Eu não consegui almoçar, porque meu estômago ainda parecia sujo e
pesado. Mas esbarrei com Thomas na entrada do quarto. Era quase como se eu estivesse prestes a
entrar, e ele estivesse saindo.
— Então, — falei no momento em que nossos olhares se encontraram, — teve sorte?
Ele negou com a cabeça.
— Perguntei a todos os empregados que tiveram acesso ao quarto, mas nenhum deles o encontrou.
Apertei meus lábios com força. Aquilo era ruim, muito ruim. Esfreguei meu peito lutando contra o
aperto.
— Merda. — Falei por fim. Katherine Sawyer era refinada e elegante, e não xingava. Mas Ava
Beckett xingava. Especialmente quando seu celular que poderia estragar tudo aquilo estava
desaparecido.
Thomas recostou na parede ao lado da porta do nosso quarto.
— Não teria acontecido se você fosse capaz de cumprir suas promessas.
— Acredite em mim Thomas — eu me encostei na mesma parede que ele, a vinte centímetros de
distância. — Se arrependimento fosse capaz de mudar qualquer coisa, nada disso estaria
acontecendo.
Thomas abaixou a cabeça.
— Você não está falando sobre seu telefone, está? — Ele murmurou baixinho.
Uma lufada de ar me deixou. O corredor estava mergulhado em silêncio como sempre.
— Não.
Thomas se desencostou da parede e passou as mãos pelos seus cabelos preto-azulados. E eu tive a
impressão de reconhecer alguma tristeza naqueles olhos azuis nublados pela pouca luz quando ele
disse:
— Tire o resto do dia para você.
Ele não esperou por minha resposta. Apenas abriu um sorriso triste demais, vazio demais, e
caminhou rumo ao final do corredor. Eu queria segui-lo, queria perguntar se estava tudo bem. Mas eu
apenas girei meu corpo e entrei no quarto. E me afundei naquela cama. Pela primeira vez eu pensei
em como as coisas estariam diferentes quando eu reencontrasse Tyler. Em como eu nunca mais o
enxergaria como aquele garoto doce e carinhoso que eu conhecia. Ah, eu não queria fazer
absolutamente nada. Eu só queria ficar ali naquela cama, mergulhada no próximo estágio. A
aceitação. Não foi algo feliz ou edificante, pelo contrário. Eu não tinha superado, e estava muito
longe disso. Mas, eu aceitava o que aquilo significava a partir daquele momento. Eu aceitava que eu
precisava juntar os pedacinhos do meu coração partido e seguir em frente com minha vida.

Quando o relógio marcou 16h, uma batida abafada ressoou no quarto. Eu ignorei a primeira vez. A
batida se repetiu. Grunhi frustrada e me coloquei de pé. Caminhei até a porta, ajeitando o tecido
amassado do meu vestido amarelo vibrante. Estiquei a mão e girei a maçaneta. Havia um empregado
rechonchudo segurando uma bandeja prateada com uma cloche metálica.
— Boa tarde madame — ele disse com em um tom cortês. — Seu marido avisou que a senhora não
está se sentindo bem e pediu para que seu almoço fosse servido no quarto.
Bati os cílios com pressa.
— O que?
— A senhorita é a esposa do senhor Thomas Sawyer, não é verdade?
Assenti.
— Então esta refeição é para a senhora. — Ele abriu um sorriso que não chegou até seus olhos. —
Tenho sua permissão para levar até a mesa?
— Não é necessário. — Retruquei em um tom gentil, e estendi as mãos para que ele me entregasse a
bandeja. Era pesada. Acrescentei: — Tem certeza que este foi um pedido de Thomas?
— Sim. — O empregado ajeitou as lapelas do seu uniforme branco. — O próprio senhor Sawyer em
pessoa foi até a cozinha fazer este pedido. O que não é nem um pouco comum.
Pisquei com calma quando o empregado me pediu licença e se retirou. Fechei a porta usando meu pé
e caminhei até a mesa. Coloquei a bandeja sobre ela e destampei a cloche. E meu queixo caiu quando
eu vi que havia um hambúrguer com batatas fritas e uma lata de refrigerante. Eu não estava com fome,
mas minha boca salivou. Em algum momento durante a refeição da noite passada, eu mencionei para
Thomas que a primeira coisa que eu faria quando retornasse para Nova York seria comer um
hambúrguer muito engordurado. E ali estava. O pão marrom dourado, as tiras de bacon quase
escorregando para fora, a carne gorda brilhando, o queijo amarelo derretendo, uma fatia de tomate e
dois picles. Inclinei minha cabeça para frente, e o cheiro retumbou em minhas narinas. Eu me sentei.
Segurei o hambúrguer quentinho e dei uma mordida. Minha existência se perdeu naquela mordida. E
eu nunca achei que eu fosse gostar tanto de poder comer usando as mãos, poder lamber meus dedos,
não precisar me preocupar com minha boca suja ou com qual era o talher adequado. Comi as batatas.
Tão crocantes por fora e macias por dentro. Ah, depois de tantos tipos de purês, assados ou
saltitados, eu ainda preferia a batata frita. E o refrigerante. Eu gemi de verdade quando bebi algo que
não fosse champanhe.
E quando terminei aquela refeição e me empoleirei na cama, eu adormeci ponderando sobre aquela
atitude de Thomas. E eu ponderei tanto, que sonhei que estávamos naquela praia de novo. Mas desta
vez, quando Thomas inclinou seu corpo para me beijar, eu não recuei.

CAPÍTULO 38

Um trovão estridente me fez sobressaltar na cama. O barulho da chuva contra o telhado da casa era
quase ensurdecedor, e um vento gelado demais fazia com que as cortinas castigassem as paredes.
Demorei para perceber que era apenas a noite engolida por uma tempestade serpenteando do lado de
fora daquelas janelas de vidro. Saí da cama e ajeitei meu vestido. Eu ainda estava letárgica, e
assustada por causa daquela chuva tão forte, mas algo apertou meu peito. Algo que eu tinha a
impressão de que só iria se afrouxar se eu falasse com Thomas. Eu não me troquei. Apenas calcei
uma sapatilha de camurça e saí do quarto. Me dirigi ao salão principal. As luzes douradas já
brilhavam ali, e algumas mesas começavam a ser montadas. Garçons caminhavam de um lado para o
outro, e muitos convidados estavam espalhados, usando trajes casuais. Talvez alguns deles já
estivessem em seus quartos se vestindo para o evento da noite.
Avistei Amelia sentada em uma poltrona marfim acolchoada, no colo do seu noivo. Eles estavam
abraçados trocando carícias, e ela usava o mesmo vestido verde-musgo de quando eu falara com ela
pela manhã.
— Amelia — eu chamei baixinho ao me aproximar, girando aquela aliança gelada em meu dedo
anelar. Os murmúrios e passos se misturavam com a chuva estridente se chocando contra as paredes
e as janelas da casa. — Você viu Thomas?
Ela trocou um olhar com seu noivo.
— A última vez que o vi foi pela manhã. — Amelia disse quando voltou a me encarar. — Aconteceu
algo?
Balancei a cabeça em um sinal de não.
— Eu só queria falar com ele por um momento.
O noivo de Amelia se remexeu na poltrona, aninhando sua noiva em seu colo.
— Eu me deparei com Thomas hoje por volta das 16h. — Oliver informou. Seus olhos castanhos
chocolate eram serenos. — Ele parecia um pouco aflito.
Aflito?
Engoli em seco. E aquele aperto em meu peito ficou pesado. Agradeci ambos pela atenção, e
comecei a perguntar convidado por convidado, empregado por empregado se alguém tinha visto
Thomas. E o aperto se tornava mais denso com cada não que eu recebia. E eu nem mesmo sei como
eu decidi procurar por ele fora da casa. A tempestade rugia ali de forma assustadora, e em meio a
escuridão da noite, o vento cortante podia derrubar todas as árvores que havia pelas redondezas. E
eu senti a chuva perfurar meus ossos quando saí da mansão. As gotas eram tão geladas, que talvez eu
nunca mais conseguisse me aquecer. Gritei pelo nome dele, atravessando os jardins, a área da
piscina, aquela quadra de Tênis no fundo da mansão. Nada. Eu gritava pelo seu nome, mas somente a
chuva me respondia.
Quem sairia no meio de um temporal daqueles? Só mesmo um homem tão peculiar como Thomas
Sawyer.
Eu continuei procurando. E talvez eu tenha me perdido em minha própria busca, mas eu alcancei
aquele cais de madeira do lado leste da propriedade. Eu estava com tanto frio, que até mesmo minha
alma reclamava. O rio abaixo do deque convulsionava-se em ondas e mais ondas, que chicoteavam e
retumbavam contra os pilares do cais, e a chuva castigava minha pele. Estava tão escuro. E tão
gelado. E ainda assim, no instante em que olhei para o final da ponte, avistei um corpo caindo contra
a água. E eu conhecia bem demais aquela silhueta para não saber de quem se tratava. Thomas.
Eu não sei como eu corri tão depressa até aquela extremidade da ponte, mas meu coração estava
latejando em cada parte do meu corpo quando freei. A chuva agora podia ser uma criatura cruel me
açoitando. Eu gritei pelo nome dele, mas o barulho da tempestade estridente tornava minha voz quase
inaudível. O vento chiava. Eu gritei, de novo e de novo, mas somente a massa de ondas se chocando
umas contra as outras e a densa tempestade chacoalhando as águas cinzentas revidavam.
Eu me obriguei a respirar. E tentei pensar com calma. Mas e se ele não conseguisse retornar a
superfície? E se ele estivesse se afogando em algum lugar daquelas águas perturbadas?
Eu só precisava encontra-lo. Eu tinha que encontrá-lo.
Mesmo que isso significasse lutar contra a rebeldia do rio.
E então, ignorando todas as regras de segurança que me foram ensinadas, e toda a lógica do mundo,
sem calcular ou considerar as consequências, eu pulei da ponte.

A água era tão congelante que minha pele doeu. Tudo se perdeu em um borrão escuro e gelado, e
antes que eu conseguisse me centrar, uma onda me fez afundar, e me obrigou a engolir um pouco de
água. Eu nadei de volta para a superfície, mas outra onda ainda maior surgiu do nada e me empurrou
de novo, e mais água encontrou meu estômago. E desta vez, a superfície parecia estar mais longe. Era
como se uma mão invisível me puxasse para baixo. Eu sacudi meu corpo, bati meus braços e minhas
pernas, nadei para cima de novo. Mas cada vez que eu retornava para a superfície, era como se uma
onda ainda mais forte estivesse determinada a me empurrar para o fundo do rio. E eu tinha cada vez
menos forças para continuar nadando para cima. Até que a mão invisível foi mais forte que eu. Eu
estava exausta, enquanto ela parecia estar mais forte que nunca. Não consegui retornar para a
superfície. Havia aquela forte pressão contra meu corpo, me fazendo sufocar lentamente. O ar
começou a se esgotar em meus pulmões, e eu me engasguei em meu próprio medo. Eu não conseguia
mais respirar. E o silêncio era tão denso como a escuridão no fundo daquele rio. Fundo. Cada vez
mais fundo. Eu morreria ali, eu sabia que sim.
Meus sentidos me abandonaram um por um.
E então, minha consciência se foi.

Nós temos este estranho hábito de achar que certas coisas jamais acontecerão conosco. Acidentes
de carro, incêndios, câncer, afogamentos. Como se fôssemos imunes a estas tragédias. E talvez
esta seja a maior burrice que podemos cometer. Viver nossa vida como se nada fosse nos
acontecer. Sempre confiar no depois. Sempre confiar no amanhã. Mas será que teremos um
amanhã?
O perdão que postergamos, o abraço que recusamos, o eu te amo que não dissemos... por que
sempre temos tanta certeza que teremos uma nova chance para estas coisas?
Por que temos este estúpido hábito de vivermos nossa vida como se ela nos pertencesse, quando
na verdade, nós é que pertencemos a ela? Não temos o controle, não temos o domínio, não somos
absolutamente nada. Somos menores que um grão de areia existindo na imensidão do universo, até
que a vida decida que ela não quer mais existir em nós.
E então, como um estalar de dedos, tudo acaba. Nossos sonhos, nossos medos, nossa esperança e
nossa fé. De um segundo para o outro, nada mais existe.

CAPÍTULO 39

— Respire Ava, respire.


Havia uma voz repetindo isso. E com a voz, um engasgamento. Meu corpo se perdeu em alguns
espasmos, tentando expulsar a água que parecia estar presa em meus pulmões.
— Isso mesmo, respire. — Era uma voz masculina. Grave. Familiar. — Está tudo bem agora Ava.
Está tudo bem agora.
Vomitei algumas vezes. Apenas aquela água gelada. Até que eu senti o ar retornando para meus
pulmões e me devolvendo o fôlego.
Ah, respirar.
Como foi bom respirar novamente.
Sentir o ar entrando e saindo através do meu sistema respiratório. Uma das coisas mais simples,
naturais e involuntárias que existem, e que talvez por isso, eu nunca tenha valorizado. Eu agradeci
tanto naquele momento. Por apenas poder inspirar e expirar. Porque foi um inferno não conseguir.
Abri os olhos, e a primeira coisa que vi foi o rosto de Thomas, tão perto do meu. A pele pálida, os
lábios enroxados, olhos arregalados e narinas dilatadas, como se ele estivesse em pânico. Demorei
para perceber que eu estava deitada na areia e ele estava quase debruçado sobre mim. Suas mãos
frias seguravam com firmeza meu rosto, e sua respiração estava curta e irregular.
— Ava. — Ele arquejou. — Você pode me ouvir?
Espere. Ele estava bem? Eu achei que ele estivesse se afogando.
Pisquei. Uma, duas, três, quatro vezes.
E por Deus do céu, eu estava com tanto frio que me senti a própria Rosy à deriva no mar
congelante.
— O que aconteceu? — Sibilei um sussurro trêmulo, encarando aqueles olhos condensados em um
azul frio.
— Você se afogou. — Thomas explicou com a respiração entrecortada. Então engoliu em seco um
segundo antes de suas mãos descerem até meus braços. Ele ergueu meu tronco e me abraçou com
força, com foça de verdade, como se importasse comigo. Então afastou meu corpo do seu apenas
para olhar em meus olhos e acrescentar: — O que você estava fazendo na água?
A chuva era gélida demais, cortante demais.
— Eu vi você — hesitei ainda tentando me acostumar com minha própria respiração. — Eu vi você
na água, e....e eu pulei.
Thomas apertou sua mandíbula e eu tive a impressão de que seus olhos escondiam algumas lágrimas.
Suas mãos geladas e grandes ainda seguravam meus braços, mantendo meu tronco firme.
— Você não pode pular em um rio no meio de uma tempestade.
Acredite em mim Sawyer, eu sei disso.
— Eu... — arfei. Balancei a cabeça em um sinal de não, sem nem saber o que eu estava negando. —
Eu achei que você estivesse se afogando.
Eu estava tão caótica.
Thomas se inclinou para trás. E cada músculo em sua mandíbula cerrada demais estremeceu.
— Você entrou na água, — ele falou com uma fúria gelada, — por minha causa?
Eu me apoiei em meus cotovelos e ergui meu tronco. A areia raspou contra meus braços e minhas
pernas nuas.
— S-Sim. — Retruquei.
— Então você é mais tola do que eu imaginei. — Seus olhos eram tão frios quanto seu tom de voz. —
Que diabos você estava pensando?
Eu tinha entrado no maldito lago por ele em uma droga de tempestade e ele estava me chamando
de tola?
Eu estremeci. Eu estremeci de verdade. E tudo ficou vermelho por um momento.
— Eu estava pensando que você precisava de ajuda. — Rosnei.
— Você poderia ter morrido lá! — Ele rosnou de volta, alterando a voz.
Desgraçado. Desgraçado arrogante e ingrato. Bufei pelas narinas.
— Você deveria me agradecer!
— Te agradecer por exatamente pelo quê, Beckett? — Thomas soltou um grunhido frustrado. — Por
ter se afogado?
Mas que filho da puta!
Puro ódio correu por minhas veias.
— Vá para o inferno Sawyer.
Fiz menção de me erguer, mas Thomas levou suas duas mãos até meu rosto e segurou com força. E me
puxou para perto demais do seu corpo.
— Nunca mais arrisque sua vida por mim. — Ele disse pesando tom, quase encostando sua testa na
minha. — Está entendendo?
Imbecil.
— Não será um problema. — Rebati em um tom amargo e o empurrei para longe. E então me
coloquei de pé.
Se antes eu já o detestava, naquele momento eu atingi o clímax do meu ódio por ele. Como ele
ousava ser tão... tão... tão estúpido?
Marchei batendo os pés rumo à mansão, sem me importar se ele ficaria à beira do rio tomando chuva.
Eu não estava com paciência para trocar mais nenhuma palavra com ele. Idiota. Eu jamais deveria
ter me preocupado com ele caindo dentro da água. Certamente o mundo ficaria melhor sem ele.
Apesar de que tudo indicava que ele não tinha se afogado e talvez eu tivesse me precipitado ao
pular no rio.
Mas de todas as formas, era mais uma prova de que Thomas Sawyer não merecia absolutamente nada
vindo de mim.
Cretino. Ordinário. Canalha.

Os passos abafados daquele macho me alcançaram um segundo depois que eu abri a porta de entrada
da mansão. Eu estava tremendo, batendo queixo, e meus mamilos estavam tão enrijecidos que doíam.
A luz dourada atingiu meus olhos, e aqueles dedos fortes e gelados se fecharam em meu cotovelo. Eu
girei meu tronco. Os olhos azuis tracejados por safira me fitando como se eu fosse a errada da
história. Aquela pele linda, com gotas reluzentes escorrendo dos cabelos preto azulados. Quase
permiti que minha mão esquerda atingisse aquela bochecha molhada com força total. Mas um arquejo
alto demais me impediu. Thomas olhou para quem estava atrás de mim. E piscou com pressa.
— Meu Deus. — Christine arfou. — Vocês estavam lá fora, neste temporal?
Pior. Estávamos no rio.
Estávamos encharcados. Tremendo. E ainda assim, o macho me puxou com força, e me girou pela
cintura, me obrigando a ficar colada em seu corpo, e me abraçou por trás. Eu encontrei aquele olhar
doce de Christine, e ao lado dela, uma Amelia apertando os lábios e franzindo a testa.
— Estávamos dançando na chuva. — Thomas falou por fim, usando um tom inexpressivo, apertando
seus braços em minha cintura como se eu fosse fugir. — Minha esposa adora estas coisas românticas.
Pelo amor de Deus, Sawyer. Até onde você consegue alimentar suas mentiras?
Eu me obriguei a relaxar minha mandíbula para que eu pudesse forçar um sorriso. Christine levou a
mão direita até seu peito. O vestido longo e prateado de gala, a maquiagem feita, todas aquelas
esmeraldas em seu pescoço e seus braços.
— Oh, queridos. — Ela ronronou. — Vocês podem pegar um resfriado.
Não se preocupe com isso. Seu filho possui gelo glacial no lugar de uma alma. Ele deve ser imune
a resfriados.
Amelia estreitou os olhos. A outra loba da família, que se escondia na pele daquele cordeiro sempre
tão delicado. Vermelho rubi era a cor dela naquela noite. Desde o vestido até todas as joias
adornando seus pulsos, suas orelhas e sua garganta. Amelia olhou para mim com escrutino, e depois
para aquela muralha gelada atrás de mim. E o que quer que ela viu em Thomas, a fez dizer:
— Sabe como as coisas são mamãe, — ela mordeu o lábio inferior, — às vezes o amor nos leva a
fazer coisas estúpidas.
Não bufar pelas narinas foi um exercício de paciência. Por um segundo, eu desejei colocar fogo
naqueles dois irmãos idiotas demais.
— Sim. — Eu murmurei batendo o queixo. Thomas estava enrijecido demais atrás de mim. —
Realmente fazemos coisas muito estupidas às vezes.
Christine soltou uma risada abafada. Gentil, acreditando em cada uma daquelas mentiras. Ela
inspirou e expirou com calma.
— É melhor vocês irem tomar um banho quente — a mãe de Thomas sugeriu girando algumas
pulseiras em seu pulso direito. — Quanto antes se aquecerem, melhor será para vocês.
Senti Thomas assentindo atrás de mim. Amelia pediu para que não demorássemos, dizendo que o
jantar seria servido em menos de uma hora. E fazia sentido, considerando todas as mesas já
arrumadas, e alguns convidados já empoleirados no salão bebericando seus champanhes e
arregalando os olhos quando viam o estado em que Thomas e eu nos encontrávamos. Meu vestido
estava colado em meu corpo, minha pele arrepiada demais. E Thomas ainda insistia em segurar
minha mão esquerda, como se fossemos um casal feliz. A água pingava atrás de nós, e eu tinha uma
impressão de que um empregado já estava nos seguindo para enxugar o rastro molhado que
deixávamos no salão impecável.
— Eu te odeio. — Declarei baixinho enquanto subíamos os degraus. — Eu realmente te odeio.
Alguns convidados usando roupas muito elegantes de seda e perfumes cheirosos demais cruzaram
conosco naquela escada. Thomas ofereceu cumprimentos silenciosos com a cabeça para eles.
— Ah, por favor — ele retrucou quando alcançamos o último degrau, e apertou minha mão. — Não
comece agora.
E eu desejei de verdade empurrá-lo daquela escada e fingir que tinha sido um acidente.

Minha pele estava dura de verdade enquanto eu retirava o tecido colado no meu corpo. Eu tinha
entrado no quarto batendo os pés, e disparado para o banheiro antes que Thomas pudesse dizer
qualquer coisa. E acho que a forma que eu bati a porta daquele cômodo, fez com que ele entendesse
que eu realmente não queria estar no mesmo espaço que ele.
Larguei aquele vestido ensopado no piso frio do banheiro, e liguei o chuveiro na temperatura mais
alta o possível. Eu entrei ali e me abracei enquanto a água quente expulsava o frio que castigava meu
corpo. Estava quieto. O chiado da água era a única coisa ali. E eu chorei. Eu chorei baixinho, sem
conseguir me soltar do meu próprio abraço. Eu chorei porque eu quase morri naquele rio. Eu chorei
porque a saudade da minha família atingiu o cume. Eu chorei porque a sensação de ter sufocado
embaixo d’água foi excruciante, aquela asfixia foi aterrorizante, mas ainda pior, foi abrir os olhos e
me deparar com aquele homem me segurando em seu corpo gelado, com a pele sem cor alguma e
lábios quase roxos, gritando comigo por eu ter arriscado minha vida ao pensar que a dele estava em
perigo. Eu deslizei contra a parede, escorregando até atingir o chão. E então envolvi meus joelhos
com meus braços e tombei a cabeça para frente. E deixei que tudo aquilo me engolisse.

CAPÍTULO 40

Eu não sei quanto tempo eu fiquei naquele banho quente demais, mas o banheiro era um cômodo
devorado por vapor quando retornei para o quarto. Sem vestígios do perfume de Thomas. Sem
vestido separado para mim. Talvez ele tivesse se esquecido daquilo. Talvez ele tivesse ido se banhar
em algum outro banheiro. Não fazia diferença. Não importava. Nada importava.
Perdida dentro daquele closet, perdida dentro de mim mesma, eu escolhi um vestido preto longo, sem
alças. Não possuía decote ou nenhum detalhe que chamasse atenção. Talvez estivesse ali por engano,
mas era perfeito para meu ânimo naquela noite.
Deixei meus cabelos soltos, ainda molhados, e passei uma maquiagem simples, apenas algo que
disfarçasse minha cara de choro. Um rímel forte, um leve blush e um batom vermelho. Ao menos
assim meus lábios chamariam mais atenção que meus olhos inchados. Calcei um salto prateado,
empurrei algumas joias em meus pulsos e borrifei o primeiro perfume que encontrei e saí do quarto.
Não encontrei Thomas pelo corredor. E quando atingi a escadaria principal, eu tentei de verdade usar
uma postura confiante e sensual, esboçar a Katherine que eu precisava ser. A mulher do centro das
atenções. Mas dois degraus depois eu percebi que ninguém estava olhando para mim. Talvez eu
estivesse apagada demais naquele vestido. Talvez só prestassem atenção naquela rainha quando seu
rei estivesse ao seu lado. Talvez os dois. Eu deixei que meus olhos percorressem o salão a procura
do meu marido. Nada. E forcei um sorrio ou dois quando eu acidentalmente encarava alguém
tentando encontrar uma mesa vazia. Eu não queria conversar com ninguém. De verdade.
Mas um grito muito, muito agudo clamou pelo meu nome fictício. Virei para a direção. Heather.
Dividindo uma mesa com Gina e Luna. Elas acenaram para mim fazendo aqueles gestos convidativos
para que eu me juntasse a elas. Eu nunca odiei tanto ver uma cadeira vazia sendo empurrada.
Caminhei. Implorando em meus pensamentos que Deus enviasse qualquer interseção para que eu não
precisasse me sentar ali. Não naquela noite. Mas nada veio. E eu mal tinha me acentuado naquela
cadeira, quando Heather inclinou seu corpo em minha direção e puxou minha mão esquerda para si. A
mão do diamante que tinha a mesma cor dos olhos daquele macho. O macho por quem eu tinha pulado
em um maldito rio.
— Onde está Thommy? — Ela perguntou com aquele interesse nítido demais. Os olhos de um verde
perfurante. O cabelo vermelho como os rubis que Amelia usava. A rosa vermelha que queria meu
lobo.
O lobo que tinha me despedaçado.
Um lobo branco encharcado, com uma rosa preta se despetalando em sua boca. A pintura veio.
— Eu não sei — murmurei por fim.
Heather soltou minha mão. Todas as taças estavam impecáveis, as louças organizadas e os
guardanapos de seda dobrados em formato de gansos de tecido. Os violinistas tocavam aquela
melodia linda e suave que meus ouvidos já não aguentavam mais ouvir.
— Mas vocês pareciam tão inseparáveis. — Apontou Gina. A prima de Thomas que eu não decidira
se era um coelho indefeso ou uma corça perdida.
— O que aconteceu, querida? — Heather insistiu, fazendo um beicinho. — Vocês brigaram?
Você está torcendo por isso, não é verdade?
— Não. — Eu falei em um tom baixo. Desviei meu olhar do dela, e encarei a taça de cristal diante de
mim. — Ele apenas saiu do quarto antes de mim.
Luna apoiou os cotovelos sobre a mesa. A garota rechonchuda e linda, que não tinha muita confiança
a respeito do próprio corpo. E com uma família tão superficial quanto aquela, eu entendia de
verdade.
— Tem certeza que está tudo bem? — Ela perguntou em um tom doce.
Talvez fosse a única ali que realmente se preocupava comigo. Com meu bem-estar. Mesmo que eu
fosse apenas uma personagem.
— Eu só estou cansada. — Retruquei ainda encarando aquela taça.
A música atingiu meu estômago. E eu percebi que eu não estava com nenhum apetite.
— Querida, não precisa ter receio de nos contar — Gina ronronou. — Qualquer coisa que estiver
acontecendo, pode nos dizer.
Oh, eu realmente não posso.
— Exatamente. — Heather emendou, abrindo aquele sorriso de víbora. — Estamos aqui por você.
Você está feliz com Thomas?
Sério? Você está realmente me perguntando isso? Thomas é maravilhoso. Não estão vendo a
felicidade radiante estampada em minha cara?
— Honestamente? — Eu indaguei antes de inspirar com calma. Encarei a víbora disfarçada de rosa
vermelha e respondi: — Eu não tenho palavras para descrever como ele me faz sentir.
E eu não estava mentindo. Eu não sabia o que eu sentia por ele. Eu o odiava de verdade, mas eu acho
que não é exatamente o ódio que faz alguém pular em um rio agitado durante uma tempestade infernal
por outra pessoa.
— Se você está feliz, — Heather disse deixando que alguma coisa venenosa brilhasse em seus olhos,
— nós estamos felizes.

A conversa acabou tomando outro rumo. Algo sobre roupas e sapatos. E quando isso aconteceu, eu
me desliguei por completo. Eu via todas aquelas pessoas rindo e conversando, os violinistas tocando
seus instrumentos, os garçons atravessando o salão, mas era como se a situação estivesse no mudo.
Minha mente ficava revivendo o exato momento em que meus olhos se abriram em meio a tempestade
e enxergaram Thomas Sawyer. A breve impressão que tive de que ele estava aliviado ao me ver antes
de que ele começasse a gritar comigo. Seria possível? Que Thomas Sawyer por algum instante
tivesse se preocupado comigo? Mas não comigo, sua esposa fictícia, e sim comigo, Ava Beckett?
Aqueles pequenos momentos que aconteceram entre nós, quando não tinha ninguém olhando, como na
praia ou quando atiramos juntos, aquilo tinha sido real? Eu estava enlouquecendo em começar a
achar que Amelia pudesse ter razão ao dizer que existia algo entre nós?
E onde ele estava? Porque eu estava cansada de ficar naquela mesa com aquelas mulheres. Eu não
queria mais fazer aquilo. Eu estava cansada de fingir que estava tudo bem, como se nada tivesse
acontecido, quando muitas coisas tinham acontecido. Como se há menos de duas horas atrás, eu não
tivesse pulado em um maldito rio absurdamente gelado por causa dele. E como se isso quase não
tivesse custado minha vida. Eu realmente não queria mais interpretar a doce e educada Katherine.
Foda-se Katherine.
Eu me levantei da mesa e saí sem dar nenhuma explicação. Subi as escadas ignorando cada pessoa
que cruzou meu caminho, e entrei em nosso quarto, indo direto para a varanda. Eu precisava ficar
sozinha e ali parecia ser um esconderijo perfeito.
Apoiei as mãos no parapeito. As grades de gesso branco, geladas e úmidas, entalhadas com detalhes
abstratos. Não havia nenhuma nuvem ou estrela naquele céu de obsidiana que se estendia pela noite,
porque nada se atreveria a competir com o brilho da lua de prata que tinha espantado a chuva.
Gigantesca e majestosa, como uma verdadeira rainha. E se eu tivesse morrido afogada naquele rio,
eu nunca mais a veria. Meus olhos ficaram molhados quando pensei no que teria acontecido se minha
vida tivesse acabado naquela noite. Eu não teria me despedido das pessoas que amo. Eu nunca
conheceria um sorriso causado por um quadro meu. Eu nunca saberia se os olhos de alguém
brilharam ao ver uma de minhas pinturas. Eu não teria deixado nenhum legado. Meu peito ficou tão
apertado, que doeu. Não sei quantos minutos correram até que aquele homem entrou no quarto
chamando por Katherine.
— Você está aqui? — A pergunta veio em um tom baixo, logo após aquele nome.
— Não — murmurei em um reflexo.
E eu não estava mentindo. A Katherine que ele queria não estava ali. Passos abafados se
aproximaram, e eu limpei meu rosto, deixando que a brisa fresca soprasse minha pele. Thomas parou
ao meu lado naquela varanda. Usando preto da cabeça até os pés. A diferença é que o traje dele
provavelmente não tinha sido escolhido para combinar com o humor. Ou talvez tivesse, já que o terno
era tão elegante.
— O que está fazendo aqui? — Ele perguntou, e só então eu percebi como ele estava perto. Os
jardins que se debruçavam abaixo da janela, forrados por uma escuridão rala. Ele emendou: — Está
quase na hora do brinde da noite.
Eu deixei que o silêncio vibrasse por um instante.
— Eu sei — suspirei por fim. — Eu só precisava de um minuto.
Girei meu tronco para retornar ao salão, mas de novo, sua mão alcançou meu cotovelo. O toque agora
era quente. Eu o encarei por cima do ombro, e encontrei um olhar tão distante, tão vazio. Ele engoliu
em seco antes de dizer:
— Me perdoe por ter gritado com você.
Um pedido de desculpas não apagava o quanto ele tinha sido estúpido, mas ao menos era um começo.
Thomas Sawyer não parecia ser o tipo de homem que se desculpava com muita frequência. E aqueles
olhos tão... tristes. Eu acreditei que ele realmente sentia muito.
— Está bem. — Eu falei com uma certa indiferença. — Mas na próxima vez que você...
— Não haverá uma próxima vez — ele me interrompeu mantendo o tom baixo. E então me puxou
para que eu ficasse de frente para ele.
Nossos olhares não se deixaram. E seus olhos brilhavam tanto, que talvez todas as estrelas tivessem
ido morar naquele azul.
— Você nem sabe o que eu ia dizer — sussurrei.
— Isso não importa. — Thomas sussurrou de volta. E segurou meu rosto com as duas mãos, em um
toque tão gentil. Não havia nada daquele macho arrogante, ou do homem que gritara comigo depois
que eu me afoguei. Só havia um Thomas Sawyer carinhoso demais. — Tudo que importa é que você
está bem.
— Você quem? — Perguntei baixinho. — Katherine ou Ava?
Thomas sorriu para mim de um jeito que fez todo aquele aperto em meu peito se afrouxar. Ele
inclinou sua cabeça e descansou a testa na minha.
— Você, — ele disse com uma voz aveludada, — Ava Beckett.
Eu deixei que minhas mãos se apoiassem em seu quadril, e então, nossos lábios se tocaram.
Trocamos nosso primeiro beijo ali, iluminados pela lua de prata. E talvez se todos os outros quase
beijos não tivessem dado tão errado, aquele não teria dado tão certo. Porque por um momento, eu me
esqueci de tudo. Toda a raiva que senti dele, toda a agitação da noite, e até mesmo nosso falso
matrimônio... tudo apenas se diluiu em calma quando nossas línguas se encontraram. Foi tão doce e
sutil, com sua boca fazendo e refazendo a curva da minha. O beijo de dois amantes se cortejando sem
pressa.
Depois que terminamos de nos beijar naquela varanda, quando olhei mais uma vez para o azul dos
seus olhos, tive a sensação de estar voltando para casa. Tudo estava tão diferente. Era como se eu
tivesse sentido falta dele a minha vida inteira. Como se ele fosse a obra de arte mais linda que eu
chegaria a conhecer. E foi quando eu percebi uma coisa. Eu não queria leva-lo para cama para me
vingar de Tyler, tão pouco porque eu o odiava. Eu queria porque eu estava me apaixonando por ele.

Retornamos para o salão. Eu não sabia se fingiríamos que aquele beijo não tinha acontecido, ou se
voltaríamos a nos beijar. A única coisa que Thomas disse depois do beijo foi que deveria estar na
hora do brinde, e eu apenas concordei com a cabeça. E bem ali, quando estávamos com nossas taças
cheias, nos preparando para o brinde de Amelia, eu pensei que não éramos um casal interpretando
um falso matrimônio. Éramos apenas Thomas e eu.
— Queridos... — Amelia disse iniciando seu brinde, posicionada no centro do salão. Os olhos dela
brilhavam contra aquela luz dourada. — Estes dias têm sido maravilhosos. Eu quero agradecer a
todos vocês, que estão tornando este momento tão único ainda mais especial. Porque esta é nossa
verdadeira riqueza. — Amelia girou seu tronco para nosso rumo, e encarou Thomas para concluir: —
Nossos amigos e nossa família.
Thomas abriu um sorriso triste para sua irmã. E eu me lembrei do que Amelia dissera a seu respeito,
de como ele era antes da tragédia envolvendo Hayden. Sua primeira e verdadeira esposa. Todos os
convidados ergueram suas taças e brindaram. E então, instantes depois do tilintar de cristais, Thomas
se posicionou atrás de mim e envolveu seus braços em minha cintura, de forma firme, porém
aconchegante. Involuntariamente abracei seus braços de volta. Um abraço, dentro de outro abraço.
Ele repousou seu queixo em minha cabeça e soltou um longo suspiro. Não foi preciso trocarmos
nenhuma palavra para entendermos que aquilo era o que nós dois queríamos.
O armistício.

CAPÍTULO 41

Abri os olhos. A primeira coisa que vi foi aquele homem em pé, parado em minha frente, imóvel
como uma estátua. Peito inflado, braços para trás e expressão solidificada. Os raios de sol da manhã
fazendo sua pele clara de lobo cintilar. Pisquei. Uma, duas, três vezes. Ele ainda estava ali. A cama
era um mar de almofadas e colchas suaves, que não tínhamos disputado na noite passada porque ele
tinha ido direto para o sofá. Ele parecia distante, e eu não quis insistir.
— Bom dia, Thomas. — Eu falei em um tom muito preguiçoso esfregando meus olhos. — Desde
quando fica aí me assistindo dormir?
Oh, e por que ele parecia mais gostoso do que nunca com aquela camiseta branca e aqueles
cabelos desgrenhados? Teria algo a ver com minha recente descoberta sobre estar me
apaixonando por ele?
— Bom dia, Beckett. — Ele respondeu com um tom de voz sisudo, quase como se não tivéssemos
nenhuma intimidade. — Observar diretamente alguém dormindo faz essa pessoa despertar mais
rápido.
Aquela expressão cerrada. Aquele azul penetrante.
— E por que você queria que eu acordasse mais rápido? — Murmurei.
— Precisamos conversar sobre ontem — ele explicou desviando seu olhar para o fundo do quarto. A
postura permanecia estática demais, rígida demais.
Eu me remexi sob as colchas. Os dedos dos meus pés se enrolaram.
— O que tem ontem?
Thomas pigarreou.
— O que aconteceu antes do brinde.
Qual parte? Quando me afoguei por sua culpa ou quando você me beijou?
— Você vai precisar ser um pouco mais especifico que isso — avisei me sentando na cama. Deixei
que minhas pernas esticassem, que meu corpo letárgico recobrasse cada sentido. A sensação suave
do pijama gélido contra minha pele, o peso daquele anel em meu dedo anelar, meus cachos recaindo
em minhas costas. — Aconteceram muitas coisas ontem antes do brinde.
Thomas inspirou fundo. Ele estava.... Constrangido?
— O que aconteceu na varanda. Especificamente, quando nos beijamos.
Bufei uma risada. Seu olhar se mantinha fixo na parede no fundo do quarto. Alguns grunhidos
ressoavam além das janelas de vidros, e pássaros cantavam.
— Você me beijou. — Acusei.
E eu realmente gostei. Inclusive, você deveria fazer mais vezes.
— Não importa quem beijou quem, — ele prosseguiu, ainda mantendo aquela seriedade em sua voz.
— O que é relevante, é que não deve se repetir.
Ah, estava tão cedo para ele usar aquele linguajar. Enruguei a testa e minhas mãos correram pelo
pijama liso em meu corpo.
— E por que mesmo que não pode se repetir?
Porque irá, Thomas Sawyer. Iremos nos beijar de novo. Porque eu quero.
— Porque você me fez prometer que não nos beijaríamos. — Seu olhar voltou a me encarar. E toda
aquela expressão dura, aquele azul frígido.... Desde quando eu gostava de caras malvados? — E
minha palavra é algo que levo muito a sério.
— Então você não vai me beijar novamente?
— Não.
Mordi meu lábio inferior. Cada músculo em seu corpo parecia rígido demais.
— Mas você quer me beijar novamente?
Thomas balançou a cabeça em um pequeno sinal de não.
— Irrelevante.
— Nem mesmo se fizermos sexo?
Um rubor atingiu seu rosto, e seu lábio inferior tremeu.
— Não iremos fazer sexo.
Levei meu polegar direito até minha boca.
— Mas você quer fazer sexo comigo? — Perguntei, mordiscando a almofada do dedo.
— Isso também é irrelevante.
Não era irrelevante. Não quando ele estava uma delícia com aquela camiseta branca e calças
escuras. E aquela postura que mantinha seu peitoral tão inflado, os ombros alinhados.... Algo pulsou
entre minhas pernas. Sem desviar meu olhar do dele, afastei todas aquelas colchas macias e me
coloquei de pé, me equilibrando no colchão macio demais.
— Então você está dizendo, — ronronei com uma graça provocativa, e comecei a abrir botão por
botão da parte superior do meu pijama, — que você não está interessado nisso?
Thomas engoliu em seco quando empurrei aquela roupa de seda azul para fora do meu corpo. A renda
vermelha que cobria meus seios, cortesia das roupas íntimas que ele mesmo escolhera para sua
esposa. E o gosto daquele homem era um pouco sensual demais.
— Não — ele disse por fim, e eu sabia que estava tentando impedir que seus olhos encarassem meus
seios.
Mantive meu olhar. Se apenas o sutiã de renda vermelho o fez engolir em seco... seria interessante
descobrir o que o conjunto completo faria com ele. Abaixei o cós da calça, empurrando o elástico
contra meu bumbum, deixando que o tecido escorregasse por minhas pernas. A brisa quente
cumprimentou meu corpo quase nu, e eu dei um passo para frente na cama, me esforçando para não
me desequilibrar no colchão mole demais. E então desci. Parei a 30 centímetros de distância dele. A
renda que cobria minhas partes íntimas era pequena demais, delicada demais, transparente demais.
Eu não falei nada. E uma gota de suor se formou na testa daquele macho durante o minuto de puro
silêncio que correu. Até que por fim ele cedeu. Seu olhar desceu para minha boca, para meus seios
empinados, para a região quase a mostra entre minhas pernas. E ele contraiu um músculo em sua
mandíbula apertada um segundo antes de dar um passo para frente. Eu me mantive imóvel. Sua mão
direita encontrou minha nuca, e sua mão esquerda repousou no meio de minhas costas. Longe demais
do meu bumbum. A mão que estava em minha nuca subiu, entrelaçou meus cabelos e puxou minha
cabeça para trás. Thomas inclinou sua cabeça para frente, e sussurrou em meu ouvido:
— Vá tomar um banho, Beckett.
Não tocar seu corpo, não avançar contra sua boca, ignorar seu cheiro... tudo foi um esforço.
— Por que não se junta a mim? — Sussurrei de volta. E o empurrei pelo peitoral para caminhar até o
banheiro.
Deixei a porta aberta. Retirei aquele conjunto de renda. Liguei o chuveiro.
Mas terminei aquele banho tão sozinha quanto eu tinha começado.

Encontrei o quarto vazio quando saí do banho. Eu não estava feliz pela recusa de Thomas, mas
aquele lobo cederia a mim. Eu queria trepar com ele, e eu faria que ele quisesse trepar comigo.
Mesmo que eu precisasse usar cada minuto dos próximos quatro dias para isso. E quatro dias era
tempo de sobra para conseguir levar um homem para cama. Eu já tinha conseguido aquilo em quatro
minutos.
Eu me vesti para passar o dia. Um vestido florido com tons de laranja-fosco, um perfume cítrico e
sapatilhas neutras. O dia que se estendia além das janelas era lindo e ensolarado, sem vestígios da
tempestade horrorosa da noite anterior. Embora houvessem alguns estragos nos jardins, que estavam
tomados por jardineiros focados em restaurar o cenário. Canteiros de flores reviradas, alguns blocos
de lama, e tapetes de grama artificial. Tudo para que no dia seguinte a paisagem estivesse impecável.
Talvez por eu ter saído do quarto antes das 10h naquela manhã, eu encontrei o salão ainda montado
para o café da manhã. Mesas forradas por queijos, tortas, tranças de roscas e frutas. Os convidados
usando trajes casuais, conversando e degustando da refeição em questão. Eu percebi que a mansão
não parecia sempre tão vazia porque os convidados desapareciam em atividades. Eu é que passava
tempo demais dormindo e me desencontrava com eles. E em uma das mesas quase no centro do salão,
avistei meu marido conversando com sua irmã. Caminhei. Desta vez sorrindo para cada um que
olhava para mim. Os primos esnobes de Thomas. Heather. As damas de honra. Os tios e as tias.
Convidados que eu mal sabia quem eram. O senhor e a senhora Sawyer.
Thomas e Amelia.
Puxei a cadeira vazia ao lado de Thomas e me sentei. A irmã de Thomas me ofereceu um
cumprimento educado, e o homem ao meu lado evitou olhar diretamente para mim. Talvez se
perguntando qual renda eu estava usando agora.
— Sabe, — Amelia falou em um tom suave quando o silêncio tinha reinado ali, — eu estava
justamente falando com Thommy que vocês deveriam ir nos visitar em Ottawa.
Peguei uma torrada e raspei contra a geleia de morango que havia ali. Amelia colocou seus cotovelos
sobre a mesa, afastando o prato de louça com algumas migalhas de queijo branco. As taças sujas de
suco de laranja, alguns vestígios de ovos no prato diante de Thomas. Ele já tinha terminado sua
refeição. E a verdade é que os parentes de Thomas estavam espalhados por tantos lugares do mundo,
que eu nem me lembrava que Amelia morava no Canadá.
— Isso seria ótimo — falei por fim. — Eu nunca fui ao Canadá.
Mordisquei a torrada. Tão crocante, e a geleia de morango tão doce. Mas enquanto uma mão minha
estava ocupada com a torrada, a outra alcançou o joelho direito de Thomas. Ele balançou a perna,
tentando afastar minha mão. Mas eu deixei que meus dedos roçassem o tecido sob o forro amarelo-
pálido da mesa, subindo devagar.
— Agora você tem uma ótima oportunidade para ir, não é mesmo Thommy? — Amelia retrucou,
alheia a minha provocação contra seu irmão.
Thomas piscou com calma, e balançou a perna outra vez. Mas meus dedos continuaram subindo,
subindo...até que ele se remexeu em seu assento e segurou minha mão sobre sua coxa, poucos
centímetros antes que eu atingisse seu membro masculino. E ele puxou aquela mesma mão, a mão do
diamante azul, e colocou sobre a mesa. Eu segurei uma risada.
— Podemos conversar sobre isso depois — ele falou encarando sua irmã.
— Não — Amelia contestou fazendo aquele beicinho. — Eu quero falar sobre isso agora.
— Teremos tempo de sobra para falar sobre isso, Amelia — Thomas contrapôs. O tom era sutilmente
educado. — Ninguém está indo a lugar nenhum.
Comi aquela torrada. E me servi com fatias de manga e ovos.
— Sim, eu sei — ela retrucou. — Mas por que não podemos falar sobre isso agora?
Meu marido inspirou e expirou devagar. Talvez conviver com Amelia tivesse o ensinado a manter
aquela calma fria e linda. A dominar o lobo feroz que existia sob aquela pele cor de creme.
— Está bem Amelia. — Thomas falou com inexpressividade. — Me dê uma data.
Comi um punhado dos ovos. Tão macios e amanteigados. E enquanto eu mastigava, observei Amelia
mantendo aquele sorriso leve, e depois Thomas oferecendo um olhar gelado para sua irmã. Era
engraçado assisti-la o convencendo a fazer aquilo, quando nós duas sabíamos que ele não estava
sendo sincero, e que ele não fazia a menor ideia de que ela tinha descoberto sobre nossa farsa.
Amelia estreitou os olhos, e fingiu pensar por um momento. Então disse, com divertimento em sua
voz:
— Eu escolho o natal.
Thomas virou seu rosto para mim. Minhas duas mãos pendiam sobre a mesa, e meu torso estava
relaxado naquele assento acolchoado. E por um momento, apenas por um momento, eu tive a
impressão de que ele realmente disse a verdade quando seus olhos encontraram os meus e ele
respondeu:
— Estaremos lá.

CAPÍTULO 42

Eu não queria entrar naquela canoa.


Não quando eu tinha me afogado no mesmo rio na noite anterior.
Mas Thomas insistiu tanto, dizendo que era um passeio que já estava planejado há dias, e que o único
jeito de superar um trauma era o enfrentando, que eu acabei cedendo. Talvez porque o lago de cristal
se perdia em um reflexo do céu azul sobre nós. As nuvens de algodão se amotinavam ali, quase como
se realmente estivessem forrando a canoa. O sol era um grande disco dourado, e a brisa era tão
fresca, e todo aquele cheiro cítrico e úmido... Era lindo. Eu não queria ir embora.
Thomas me ajudou a entrar no barco posicionado na margem do rio, e se aninhou logo em seguida.
Ele começou a remar, e eu detestei no início. O balanço me causou a impressão de que eu iria
afundar, e as lembranças do fundo daquele rio, tão gelado e tão escuro, me atingiram com força.
Apertei meus dedos contra a madeira do meu assento, e os nós dos meus dedos ficaram brancos. Mas
pouco a pouco, o mesmo balanço se tornou algo tranquilizador. Talvez fosse aquele homem com o
semblante tão iluminado, sentado a um metro de distância, repetindo que estava tudo bem. A safira
em seus olhos, que agora era tão familiar para mim. E afastei o pensamento quando me lembrei que a
viagem estava quase chegando ao fim.
Tínhamos alcançado o centro do rio quando Thomas parou de remar e guardou os remos em um
compartimento interno adjacente as laterais da canoa. Meu marido afastou uma poeira invisível do
seu ombro direito e olhou para mim.
— Eu tenho um jogo para você. — Ele disse com um divertimento frio.
Toda a extensão do rio refletia o azul escancarado do céu, as gaivotas brancas que sobrevoavam a
área, algumas palmeiras pelas margens da água. E o silêncio manso e leve, manchado apenas pelo
farfalhar da natureza. Brinquei com o Oppenheimer em meu dedo anelar.
— Qual jogo?
— É um jogo que batizei de.... — Ele lambeu seu lábio inferior, — quem é Ava Beckett?
Bufei uma risada.
— Você já sabe quem eu sou.
— Não — ele balançou a cabeça em um pequeno sinal de não. Aquela blusa branca de mangas
compridas e botões pelo torso ficava tão bonita nele. — Eu sei o que todo mundo sabe.
Enruguei o cenho. O barco estava quase parado, ali à deriva no rio.
— Está bem. — Eu falei por fim. — Mas apenas se eu puder saber sobre você também.
Thomas fingiu pensar por um momento. Seus olhos percorreram a distância entre nós, e então ele
assentiu.
— Qual é sua comida favorita?
Cocei a parte de trás da minha cabeça. Era uma pergunta tão difícil, quando eu gostava de tantas
comidas.
— Coisas fritas e empanadas com queijo.
Sawyer estalou a língua no céu da boca.
— Isso nem sequer é comida.
— É claro que é. — Eu cantarolei, e me mexi fazendo o barco se mexer também. Thomas quase
grunhiu uma risada. Era incrível como eu não estava com medo de cair no rio. — E a sua?
— É fácil — ele ronronou, e os cantos de sua boca curvaram-se. — Existe essa sopa que comi uma
vez em um pequeno restaurante na França. O gosto é uma explosão de sabores. É doce, picante e
amanteigado. Mas também, cítrico e levemente ácido.
A luz do dia fez o diamante azul em meu dedo brilhar demais. Assim como os olhos de Thomas
descrevendo aquela comida.
— Eu não estava esperando por uma resposta tão detalhada assim.
Thomas sorriu, me oferecendo uma piscadela. Meu estômago se contorceu em um nó gelado.
— Se você pudesse ser um animal, qual animal você seria?
— Eu não sei. — Respondi erguendo os ombros. E era verdade. — Nunca pensei nisso.
— Você tem tempo para pensar agora — ele rebateu.
Respirei fundo. Aquela manhã, aquele lago...
— Acho que eu seria um pássaro. — Confessei quando a resposta apenas surgiu em minha mente.
A ideia de voar, de toda aquela liberdade, de poder visitar locais como aquele todos os dias. Thomas
se remexeu em seu assento de madeira, que nada mais era do que uma tábua reta.
— Eu seria um leão.
Leões são grandes, fortes e majestosos, e combinariam com aquele macho. Mas eu ainda o definiria
como um lobo. A beleza fria, o predador discreto. Os olhos azuis tão intensos.
— Do que você tem medo? — Thomas perguntou quando eu fiquei tempo demais em silêncio.
Curvei meu corpo em sua direção.
— Qualquer animal peçonhento. — Eu revelei, e estremeci com a ideia. Era verdade. Cobras,
escorpiões, aranhas... eu preferia bem longe de mim.
Ele piscou com calma.
— Eu não estou falando destes medos, Beckett.
Oh. Meu marido queria levar para o lado pessoal.
— Eu tenho muitos grandes medos. Não me tornar uma pintora, ter uma vida resumida em fracasso....
Por aí vai. — Hesitei por um momento. Falar sobre aquilo fazia meu coração doer. — Mas acho que
meu maior medo é de que algo aconteça com meus pais ou minha irmã.
Um pouco de cor fugiu do rosto de Thomas. E um segundo depois eu me lembrei de sua esposa.
Hayden.
— Eu espero que você nunca passe por isso — ele falou em um tom baixo, e desviou o olhar.
Empurrei alguns fios do meu cabelo para detrás dos meus ombros.
— E você? — Perguntei baixinho.
— Eu não sei. — Thomas murmurou encarando o horizonte. Aquelas colinas que desabrochavam tão
longe. — Eu não tenho medo de muitas coisas.
— Qual é Sawyer — ronronei, e joguei um punhado de água nele fazendo com que ele se contorcesse
e balançasse o barco. E ele riu. Eu acrescentei: — Eu sei que deve existir alguma coisa que te
assusta.
— Se você realmente quer saber, — Thomas voltou a olhar para mim, os olhos cintilando como
safiras acesas, — poucas foram as vezes em minha vida que tive tanto medo quanto ontem.
— Ontem? — Indaguei em um reflexo. Eu realmente não tinha entendido.
— Quando eu te tirei desse mesmo rio, Ava Beckett.
Oh.
Eu fiquei tão perdida em meu próprio pico de emoções, que não pensei em como a experiência
poderia ter sido para ele. E mesmo que não fosse seguro, eu me coloquei de pé e avancei em sua
direção. Thomas se ergueu um segundo depois. O barco balançou.
— O que está fazendo? — Sawyer grunhiu. — Você vai fazer o barco virar.
— Eu não me importo Thomas. — Retruquei, encarando aqueles olhos tão azuis e me apoiando em
seus antebraços agora tão perto de mim. — Desde que eu esteja com você, sei que ficarei bem.
Então eu me coloquei na ponta dos pés e o beijei. Thomas era alto demais quando eu não estava
usando um par de salto alto. E apesar de toda aquela história de que não podíamos nos beijar outra
vez e que ele era um homem de palavra, Sawyer repousou as mãos em minha cintura e correspondeu
meu beijo. Um beijo profundo e prolongado, comigo fazendo e refazendo a curva dos seus lábios, que
só teve fim porque um vento forte fez o barco balançar com mais força.
Thomas se desequilibrou um pouco e se sentou, me levando junto com ele. Ele me manteve em seu
colo e enrolou os braços em minha cintura, apertando com força. E eu não me importei com o
balanço do barco, porque eu sabia que ele me protegeria.

Mesmo quando o barco parou de balançar, eu permaneci aninhada em seu colo, com meu torso virado
para ele. Estávamos apenas encarando um ao outro, quase como se nossas almas estivessem se
comunicando. E eu poderia ficar ali, sentindo a brisa fresca em meu rosto e admirando o azul
daqueles olhos pelo resto da vida. Thomas era tão bonito. E não era sobre sua beleza física, que
qualquer um podia ver ao olhar para ele. Eram todas as coisas que ele tinha feito, que me levaram a
enxerga-lo melhor. E vendo de perto, tão de perto, ele era fascinante.
Não consegui resistir. Segurei seu rosto e o beijei outra vez.
— Espere, — ele murmurou entre o beijo, — se me recordo, não deveríamos estar fazendo isso.
Afastei meu rosto apenas para soltar um suspiro frustrado.
— Você está arruinando o momento.
— Eu? — Thomas ergueu as sobrancelhas. — Foi você quem disse que eu não deveria te beijar, e ...
— As coisas mudam, Sawyer. — Disparei antes que ele completasse aquela frase. Seus cabelos tão
sedosos tinham cheiro de baunilha. — Eu quero beijar você, e eu acho que você quer me beijar
também.
Thomas inclinou seu rosto e me beijou.
— Eu definitivamente quero beijar você, Ava Beckett.
— Ótimo — ronronei, e exibi um sorriso bobo. Desci minhas mãos para sua nuca. — Então
adicionaremos este item ao nosso acordo agora. — Fiz uma pausa para o beijar outra vez. Aquela
boca rosa mousse de morango era deliciosa. — Beijos.
— Está bem. — Ele me devolveu outro beijo, seus braços ainda envolvendo minha cintura. — Mas
paramos por aí.
— O quê? — Foi minha vez de beija-lo. — Do que você está falando?
Eu estava gostando daquilo. E pelo sorriso espontâneo alcançando seus olhos, ele estava gostando
também.
— Suas provocações. — Ele me deu mais um beijo. — Você tem que parar com elas.
Subi uma mão até seu queixo e virei seu rosto para a direita. Então inclinei minha cabeça e
mordisquei a ponta inferior da sua orelha macia.
— Quais provocações? — Sussurrei bem acima do seu lóbulo.
Thomas contraiu o corpo.
— Exatamente o que está fazendo agora.
Mas eu mantive minha cabeça enterrada em seu pescoço. E deixei que minhas mãos deslizassem pelo
seu torso tão forte.
— E o que você vai fazer, Sawyer? — Murmurei contra sua pele quente. — Porque eu já te fiz mudar
de ideia a respeito dos beijos.
Uma batida do meu coração, eu estava em seu colo com minha língua roçando a área entre seu lóbulo
e seu pescoço, enquanto minhas mãos avançavam para seu abdômen. Na outra batida, eu estava
deitada no barco de barriga para cima, com o quadril de Thomas encaixado entre minhas coxas e
suas mãos segurando meus pulsos acima da minha cabeça. A saia do vestido escorregara para baixo,
e minhas pernas ficaram nuas. Mas mesmo que eu estivesse imobilizada por aquele macho, não
estava nem um pouco desconfortável ficar embaixo de Thomas Sawyer, sentindo seu órgão masculino
crescendo sob meu órgão feminino, separados apenas por uma barreira de tecidos. Desejei que
nossas roupas sumissem. O encaixe seria perfeito com o barco balançando tão sutilmente. Eu me
perguntei se ele era capaz de trepar com força o suficiente para fazer o barco virar.
Provavelmente sim.
— Ava Beckett. — Ele sussurrou em meu ouvido. — Eu não irei fazer sexo com você.
— Engraçado — sussurrei de volta. Todo o calor dele ondulava em mim. — Porque algo em suas
calças diz o contrário.
— Oh, você não viu nada. — Thomas retrucou em um tom baixo, e beijou meu pescoço. Eu me
arrepiei toda. — Ele ainda nem está totalmente acordado.
Não era possível. Se algo ali crescesse mais, seu zíper explodiria.
— Eu não acredito. — Tentei me contorcer, mas ele era forte. O barco balançou outra vez. Então
apertei minhas coxas contra seu quadril. — Por que não me mostra?
— Eu não irei cair em seu joguinho, Beckett. — Ele deu um beijo em meu ombro direito. — E eu te
dou um último aviso. — Um beijo acima do meu decote, um beijo em minha garganta, um beijo em
meu ombro esquerdo, um beijo final abaixo da minha orelha esquerda. — Eu não irei fazer sexo com
você.
Filho da mãe. Eu estava úmida demais agora.
— Por que não, Thomas? — Perguntei. — Eu sou tão ruim assim?
Sawyer ergueu seu corpo e se sentou, me puxando para que eu me sentasse também. Mas desta vez,
ele abriu as pernas e me encaixou de costas para ele, com meu corpo repousando em seu peito.
Thomas me envolveu com seus braços e descansou sua cabeça sobre a minha, de modo que
encarássemos a mesma direção. O lindo horizonte, marcado pelas águas serenas do rio, o céu azul
inundado de nuvens, os campos longos e desertos e as montanhas distantes que pareciam desenhar a
borda do mundo.
— Você não é nem um pouco ruim, Beckett — ele disse com a voz embargada. — Eu é que sou.
Remexi meu corpo dentro do seu abraço e afastei minha cabeça do seu peito para que eu pudesse
encarar seus olhos.
— Você não é ruim Thomas. — Eu disse, e seus olhos rodaram nas órbitas. — Você é maravilhoso.
Aquele azul-safira recuou. Quase como se fosse um mecanismo automático de defesa por eu estar
chegando perto demais, como se eu estivesse prestes a descobrir todas as suas inseguranças e seus
segredos. O que realmente existia no interior de Thomas Sawyer. Ele arqueou seu pescoço e me
beijou outra vez. Um beijo acentuado que parecia dizer, “eu não estou pronto ainda”. E eu devolvi
o beijo. Um beijo que dizia “está tudo bem. Eu esperarei até quando estiver”.
Eu percebi que estar me apaixonando por Thomas era como estar criando um novo quadro. Encarar
aquele novo desconhecido era algo bonito, intenso, gostoso de sentir. Mas ao mesmo tempo, não
havia a menor garantia de que o resultado seria bom. Podia resultar em algo maravilhoso, assim
como podia ser um gigantesco desastre. Mas havia uma diferença. Quando eu estava pintando, eu
tinha o controle. Eu podia parar a qualquer momento que eu notasse algum problema. Ao contrário de
me apaixonar por Thomas. Eu não tinha o menor domínio sobre meus sentimentos em relação a ele, e
isso, isso era terrível. Nossa viagem estava quase chegando ao fim, mas meu coração gritava cada
vez mais por ele. E alguma coisa em mim dizia que muito em breve este grito teria que ser
silenciado.
E eu realmente não sabia se eu seria capaz de fazer isso.

CAPÍTULO 43

Aquele passeio de canoa acabou por volta das 11h30. Retornamos para a mansão de mãos dadas,
conversando sobre Amelia. Thomas me contou que eles dois sempre foram muito ligados e que ela
possuía o mesmo cargo que ele – diretora executiva chefe – na filial de Ottawa. O assunto acabou
estendendo-se aos negócios da família Sawyer, que eram muito mais vastos do que eu jamais poderia
imaginar. Eu não estava muito interessada, mas Thomas falava de maneira tão graciosa que era até
suportável de se ouvir.
De volta a mansão, eu notei que diversos trabalhadores já estavam montando o local onde Amelia se
casaria de fato com Oliver Scott. Cadeiras brancas estavam sendo posicionadas em duas divisões,
separadas por um corredor largo e comprido. Havia coroas de rosas brancas sendo colocados em
toda a área onde a cerimônia aconteceria, assim como um gigantesco arranjo de flores marcando o
arco do altar.
A arrumação ainda estava no início, mas eu já sabia que ficaria lindo. E eu pensei em Tyler e em
como cheguei a acreditar que eu passaria por aquilo com ele um dia. Mas naquele momento, a ideia
era apenas um punhado de cinzas. Eu fechava meus olhos para tentar enxerga-lo, mas tudo que vinha
a minha cabeça era Thomas Sawyer.
No final daquele mesmo dia, ocorreu o ensaio do casamento. Foi um evento longo demais – durou
quase três horas. Se resumiu em vários convidados importantes, como os pais dos noivos, os
padrinhos e as madrinhas fazendo seus brindes e oferecendo homenagens ao casal. E no final ensaio,
foi servido um jantar de gala como sempre.
Por voltas da 23h, Thomas e eu retornamos para nosso quarto. E durante aquele banho que eu estava
tomando antes de ir dormir, eu pensei em como eu tinha me distraído dos meus planos de seduzir
aquele macho durante o decorrer do dia. Depois daquele momento tão tranquilo no barco, eu apenas
me entreguei a personagem de esposa companheira e prestativa. Mas a sós com ele naquele quarto,
eu era Ava Beckett.
Fiz um coque pretensiosamente desfiado em meu cabelo e saí do banheiro usando apenas o roupão.
Thomas estava deitado na cama vendo alguma coisa em seu celular. Aquilo era raro. Ele ainda usava
o traje do ensaio – um terno vinho. Com o canto dos olhos, enquanto eu cruzava o quarto, percebi que
sua concentração não estava tão voltada assim para o aparelho. Fui até o closet e peguei uma loção
hidratante. Caminhei até o sofá e apoiei a ponta do meu pé direito sobre a mobília, deixando que o
roupão exibisse o comprimento da minha panturrilha até minha coxa.
Espalhei um pouco da loção em minhas mãos e comecei a passa-la em minha perna, de forma
propositalmente lenta. Troquei o pé que estava apoiado no sofá para repetir o processo com a perna
esquerda, e dei uma pequena espiada na direção de Sawyer. E ele abaixou a cabeça rápido demais
fingindo que não estava olhando para mim.
Patético.
Com as duas pernas devidamente hidratadas, peguei o frasco de loção do sofá e caminhei até a borda
da cama.
— O que está fazendo? — Perguntei em um tom baixo demais.
— Lendo algumas notícias. — Sawyer respondeu sem erguer os olhos do celular. — Alguns de nós
usam a internet para coisas úteis.
Inspirei. Eu não cederia a ele. Pelo contrário, ele é que precisava ceder a mim.
— Bom para você. — Empurrei as mangas do roupão para baixo, deixando meus ombros expostos.
— É sempre bom nos mantermos atualizados.
— Exatamente — Thomas murmurou.
Derramei um pouco mais de loção em minhas mãos e fechei meus olhos. Levei a mão direita até meu
ombro esquerdo e comecei a massagear suavemente minha clavícula e a lateral esquerda do meu
pescoço. Ainda de olhos fechados e sem fazer a menor ideia se Thomas estava me olhando, desci a
mão direita pelo meu colo, espalhando a loção um pouco acima dos meus seios. Levei a mesma mão
ao meu ombro direito e dessa vez girando lentamente o pescoço, massageei aquela parte do meu
corpo. E soltei um ou dois gemidos.
— Não está com calor esta noite, Sawyer? — Indaguei, ainda de olhos fechados. — Porque eu estou
ardendo.
Thomas pigarreou.
— Está um pouco quente esta noite.
Sorri internamente. Pelo tom quase abafado de sua voz, eu tinha certeza que ele tinha assistido minha
pequena encenação.
— Você deveria ir tomar um banho Thomas. — Sugeri. Abri meus olhos e o olhei de uma forma
atrevida demais. Seu celular nem estava mais em suas mãos. — É uma ótima maneira de fazer o calor
cessar.
Thomas me devolveu o olhar. O lobo avaliando sua presa. Então, depois de quinze segundos ele se
levantou da cama e a contornou. Sawyer parou a meros 20 centímetros, pegou o frasco de loção que
eu havia largado no colchão e se posicionou atrás de mim. Ele abaixou um pouco mais a parte detrás
do meu roupão, deixando minhas costas nuas. Mantive meus braços sobre meu busto, para que o
roupão não descobrisse meus seios também. Clique. O barulho da tampa do frasco sendo aberta, a
loção sendo espremida e espalhada em suas mãos.
— Eu conheço outras formas de fazer o calor cessar, Beckett. — Ele falou baixinho, e suas mãos
macias começaram a tocar meus ombros. — Ótimas maneiras, se você quer saber.
Ignorei todos os tremores em meu corpo. Mantive minha atenção naquele abajur dourado ao lado da
cama.
— Quais maneiras?
Thomas não respondeu. Ele apenas soltou um grunhido malicioso enquanto suas mãos começaram a
exercer um pouco mais de pressão em meus ombros ao mesmo tempo que seus polegares faziam
semicírculos nas proximidades da minha nuca.
— Não vai me dizer? — Insisti. Com a voz melosa demais.
Suas mãos desceram por minhas costas até alcançarem minha cintura.
— Acho que cometi um equívoco. — Ele sussurrou, e deu um passo pare frente. Engoli em seco com
aquela muralha tão quente e sólida quase grudada mim. Thomas emendou: — Na verdade, as coisas
que conheço te fariam arder ainda mais.
Oh céus.
Ele desfez o nó do cinto de tecido felpudo que prendia meu roupão e delicadamente movimentou
meus braços para baixo. Eu não relutei. As mangas que antes estavam seguras em meus cotovelos,
acabaram deslizando e levando o roupão.
E agora eu estava completamente nua e de costas para ele.
As mãos de Thomas, ainda um pouco úmidas por causa da loção, voltaram a me percorrer
começando por minhas coxas. Elas subiram sem pressa, passando pelos meus quadris, até
repousarem em meu ventre e pressionarem meu corpo contra o dele, me permitindo sentir aquele
volume rígido e massivo que havia em suas calças. Uma mão se manteve ali, garantindo que eu não
me afastaria, enquanto a outra voltou a subir cruzando todo o meu tronco, passou entre meus seios, e
só parou quando alcançou minha garganta. Eu estava queimando. Eu queria que aquela mão em meu
ventre escorregasse e reivindicasse a umidade entre minhas pernas.
— Você é uma bela mulher Beckett. — Thomas confessou com a voz sensual, sua respiração quente
roçando minha nuca. — E eu estaria mentindo se eu dissesse que exatamente agora, eu não quero
trepar com você.
Meus mamilos ficaram enrijecidos. Empinei meu bumbum e tombei a cabeça para trás, entregando
meu pescoço, meu corpo a aquele predador. Eu queria sua boca em minha pele, eu queria toda aquela
massa rígida em suas calças dentro de mim.
— Mas isso não vai acontecer. — Ele adicionou em um tom convicto demais, e suas mãos se
afastaram do meu corpo.
Eu rosnei.
Fiquei parada na mesma posição, com meu corpo palpitando em necessidade, enquanto ele
caminhava até o banheiro. E eu desistiria. Eu realmente desistiria de trepar com aquele macho. Mas,
um segundo antes de entrar no banheiro, Thomas chamou pelo nome. Meus olhos traidores
encontraram seu olhar rápido demais, assim como um sorriso felino em seus lábios.
— Por favor esteja vestida quando eu sair do banheiro. — Ele pediu com a voz grave e quase rouca
agora. — É muito difícil manter minha palavra quando eu te vejo nua.
E foi assim que eu soube. Thomas Sawyer estava me provocando assim como eu o estava
provocando. Ele me queria, tanto quanto eu o queria.
Tudo aquilo fazia parte de um jogo.
O problema, é que eu sempre fui competitiva demais.

CAPÍTULO 44

O décimo primeiro dia em que acordei como falsa esposa de Thomas, era o dia que tinha sido o
principal motivo daquela viagem. O dia do casamento. Rolei na cama que eu ocupara sozinha, porque
aquele lobo tinha dormido outra vez no sofá. Talvez ele tivesse receio de que eu trepasse com ele a
força durante a noite. Eu me espreguicei, deixando que meu corpo afastasse a letargia do sono, e um
minuto depois, meus olhos encontraram a mesa do quarto posta. E em uma das cadeiras, meu marido.
Talvez ele fosse mais uma das opções do café da manhã.
Thomas estava enrolado em seu roupão branco felpudo, empurrando uma xícara de porcelana contra
seus lábios rosados. Com a mão livre, ele segurava um livro de capa azul índigo. Seus olhos se
movimentavam seguindo as linhas da página, e os raios de sol que escorregavam pela janela faziam
sua pele clara cintilar. E eu decidi que eu queria pinta-lo. Exatamente naquela postura, tão distraído
com seu livro e sua xícara branca. Mal percebi o sorriso bobo que meus lábios formaram enquanto
eu o assistia. E meus olhos não se moveram do seu rumo quando ele virou seu rosto para mim, e me
cumprimentou com um sorriso que fez meu intestino tremular de verdade.
— Por que não se junta a mim? — Ele ronronou. Sua voz era tão suave quanto os pássaros
farfalhando lá fora. — Eu pedi um café da manhã especial para você.
Afastei todas aquelas colchas tão macias. Meu corpo preguiçoso reclamou por abandonar o ninho,
mas aqueles bules, torradas, queijos, frutas e uma cloche prateada, e o aroma amanteigado
serpenteando dali reivindicaram a atenção do meu estômago. Caminhei até a mesa, e concluí que meu
sono era mesmo muito pesado se eu nem tinha notado tudo aquilo sendo organizado a meros dois
metros de onde eu dormia. Puxei a cadeira livre e me sentei.
— E o que você pediu? — Murmurei me ajeitando contra o assento. Sacudi meus cabelos no ar, e
passei as mãos por minhas coxas. — Porque eu estou faminta.
Thomas deixou uma risada espontânea escapar.
— E quando é que você não está?
Era uma pergunta justa. Eu murmurei alguma coisa que o fez rir outra vez, e pensei que vê-lo sorrindo
tinha se tornado algo que eu gostava demais.
— Respondendo sua pergunta, — Thomas disse ao fechar seu livro, — eu pedi algo que gosto muito,
e tenho certeza que irá te agradar também.
Peguei uma das xícaras e me servi com o cappuccino de baunilha que existia em um dos bules. Meus
olhos percorreram a mesa, passando pelos queijos, pelas fatias de melão, pelas torradas crocantes,
até que eu fitei aqueles olhos azuis demais.
— E o que seria?
Ele destampou a cloche prateada, revelando alguns biscoitinhos marrom-dourados.
— Croissant.
Croissant. Eu já tinha comido croissant muitas vezes, e ele realmente não estava nem um pouco
enganado em supor que me agradaria. Estendi minha mão e peguei um. A farinha de leite com
manteiga cremosa se derreteu em minha boca, e o exterior dourado e crocante me fez comer outro. E
outro. E outro. Thomas apenas me observou.
— Obrigada por isso. — Eu falei e bebi um gole do cappuccino aveludado. Perfeitamente morno. —
Me agradou bastante.
Ele sorriu quando colocou o livro em cima da mesa. O título em letras douradas dizia “Moby Dick”.
Eu não sabia que aquele macho gostava de ler romances. Talvez ele fosse mais sensível do que
aparentava.
— Hoje será um dia estressante. — Thomas comentou em um tom inexpressivo. E então ajeitou o nó
do seu roupão. — É importante que se mantenha de bom humor.
Assenti.
— Compreendo. — Retruquei antes de beber mais um gole do meu cappuccino. — Chegamos longe
demais para que eu estrague tudo, não é verdade?
Sawyer balançou sua cabeça fazendo um sinal de não.
— Na verdade, — ele engoliu em seco e se reclinou em sua cadeira, as mãos correndo pelos braços
do assento, — estou falando de mim.
Juntei as sobrancelhas.
— Você?
— Sim, Beckett — Thomas engoliu em seco outra vez. — Apenas se certifique de ficar comigo o dia
todo, e tudo acabará bem.
Mordi meu lábio inferior.
— Não será um problema.

Meu marido estava com uma camiseta bordô justa de mangas compridas e botões pelo torso, que
delineava cada um dos seus gloriosos músculos, combinando majestosamente com uma calça escura.
E eu estava com um vestido azul com listras pretas, de mangas que acabavam nos cotovelos e
comprimento até o joelho. Uma sapatilha simples, cabelos soltos e sem maquiagem. A cerimônia
estava marcada para ter início as 16h, e tudo naquele dia ocorreria em função disso.
Saímos do quarto por voltas das 11h e fomos direto para os aposentos de Amelia, onde ela já se
preparava para o casamento. O cômodo era grande, um estúdio com mobília branca reservado apenas
para os preparativos da noiva. Havia uma mesa com garrafas de champanhe e frutas da estação, uma
penteadeira grande, dois sofás compridos de couro branco, janelas largas permitindo que a luz do sol
inundasse o ambiente. Amelia estava usando um roupão de seda branco, seus cabelos estavam
envoltos em uma toalha, e ela caminhava de um lado para o outro, roendo as unhas.
— Eu não posso fazer isso — ela repetia baixinho. — Eu não posso me casar.
— Se acalme Amelia. — Thomas falou em um tom sutil. Estávamos a dois passos da curvatura de
entrada do cômodo. — Todo mundo se sente assim na véspera do casamento.
A irmã de Thomas parou de caminhar em frente ao espelho e o encarou através do reflexo. A loba
delicada da família.
— Oh, sério Thommy? — Ela perguntou com escárnio. — É engraçado justo você dizer isso. Você
não é nem de longe a melhor pessoa para falar sobre casamentos.
Thomas pigarreou, encarando sua irmã de volta. A beleza fria e majestosa da família Sawyer se
confrontando.
— Katherine, — Thomas murmurou sem olhar para mim, — você poderia nos deixar a sós por um
momento?
— Claro. — Respondi.
Eu girei meu tronco para sair do quarto, mas Amelia exclamou que eu esperasse. Virei. Amelia ainda
encarava seu irmão, e deixou que suas mãos corressem pelo roupão de seda branco. As unhas curtas
pintadas com um esmalte claro.
— Eu gostaria que você é que nos deixasse a sós, Thomas.
Ele franziu a testa.
— Você quer ficar a sós com minha esposa?
— Sim — Amelia confirmou sem hesitar. — Eu amo você, Thommy, mas eu não preciso de nenhum
homem agora. — Ela inspirou fundo. E depois expirou com calma. — Eu preciso de apoio feminino.
O farfalhar dos pássaros era tão suave quanto a brisa que escorregou pela janela. Eu inspecionei
minhas unhas.
— Não é justamente esta a função das suas damas de honra?
— Sim. — Amelia disparou. Então girou seu tronco e avançou até seu irmão em passos curtos. —
Mas neste momento, eu preciso da sua esposa. — Ela levou uma mão até o ombro dele. — Está bem?
Thomas abriu a boca para dizer alguma coisa, mas nenhuma palavra saiu. Ele virou seu pescoço para
mim, e seu olhar foi quase como se ele quisesse saber do que se tratava. Eu ergui os ombros, fazendo
o melhor para explicar silenciosamente que eu não fazia a menor ideia.
E era verdade.
— Está bem. — Ele disse por fim, e inclinou sua cabeça para dar um beijo na testa de sua irmã. —
Mas não demorem muito — ele olhou outra vez para mim. Agora o azul dos seus olhos brilhava um
pouco menos. — Eu realmente preciso da minha esposa ao meu lado hoje.
Eu reconheci alguma tristeza no tom que Thomas usara, e um peso se formou em meu estômago.
Talvez aquele dia o trouxesse muitas recordações sobre sua Hayden. Amelia abriu um pequeno
sorriso para seu irmão e assentiu com a cabeça. Thomas caminhou até mim apenas para dar um beijo
demorado em minha bochecha e logo em seguida saiu do quarto. A porta foi fechada.
A noiva, que agora sacudia as mãos pelas laterais do seu corpo, se sentou em um dos sofás.
— Eu não sei se posso fazer isso. — Ela confessou em um tom agudo demais. — Eu acho que não
estou pronta para me casar.
Amelia, você teve duas longas semanas para refletir infinitamente sobre isso.
— Por que você acha isso? — Questionei. E me dirigi ao mesmo sofá, reivindicando um lugar ao
lado dela. Encarei aqueles olhos cor de âmbar. — Você parecia estar radiante até ontem.
— Mas eu não estou. — Lágrimas começaram a brilhar em seus olhos. — Eu estou pirando.
Soltei um suspiro, e puxei suas mãos pequenas para meu colo. O roupão de Amelia parecia tão suave
quanto meu pijama de seda azul.
— Você quer falar sobre isso?
— Não. — Ela respondeu com a voz embargada, e seu lábio inferior tremeu. — Quer dizer, eu não
sei.... Eu não sei o que está acontecendo comigo.
Apertei suas mãos em meu colo, abrigando seus dedos delicados em uma concha.
— Escute Amelia — pedi em um tom calmo. — Eu não preciso mentir para você, eu não faço a
menor ideia de qual seja a pressão de um casamento. Mas o que eu sei, — inclinei meu corpo em sua
direção, — é que você e Oliver se amam. Eu vi isso na maneira em que dançam, em que conversam,
em que se beijam, e principalmente na forma em que se abraçam. É como se estivessem dentro do
local mais seguro e confortável do mundo.
— Eu realmente o amo — ela fungou enquanto mais lágrimas lavavam seu rosto. — Tudo está tão
perfeito agora... — Seus olhos molhados rodaram nas órbitas. — Eu só não quero que as coisas
mudem entre nós, entende?
Ah, eu entendia. Eu realmente e verdadeiramente entendia. Foi exatamente como me senti em relação
a Tyler antes daquela viagem. Eu desejei tanto que continuássemos absolutamente do mesmo jeito,
sem mudar nenhum detalhe.... Mas dez dias depois, lá estava eu, me apaixonando por outro homem, e
mal conseguindo me lembrar do meu ex.
— Eu entendo. — Falei baixinho. — Mas você não pode se apegar a isso Amelia, sabe porquê?
Ela balançou a cabeça em um pequeno sinal de não.
— Porque as coisas irão mudar, e isso é inevitável. — Prossegui, e minha voz tremulou. — Mas a
mudança nem sempre é algo ruim, pelo contrário. — Um sorriso leve escorregou em meus lábios
quando pensei naqueles olhos azuis. — A mudança às vezes é algo tão lindo, que você nem sequer
vai se lembrar do que tinha antes.
Um segundo, Amelia estava com aquela expressão triste e chorosa.
No outro segundo, sua boca se curvou em um sorriso escandaloso e seus olhos se iluminaram.
— Eu sabia. — Ela cantarolou com divertimento. — Você está apaixonada pelo meu irmão.
Pisquei com pressa. E larguei suas mãos, reclinando meu corpo contra o acolchoado quente do sofá.
— O quê? — Balbuciei.
— É exatamente o que eu disse. — Amelia insistiu, levando as mãos até suas bochechas para limpar
aquelas lágrimas. — Você está apaixonada por Thomas.
Abri e fechei a boca muitas vezes antes de conseguir perguntar:
— O que aconteceu com seu choro e.... e seu receio?
— Eu estava fingindo, bobinha. — Ela ronronou com calma demais. Seu rosto já estava limpo, como
se ela nunca tivesse chorado. — Era o único jeito de Thomas me deixar a sós com você.
Bufei uma risada.
— Você é inacreditável, sabia? — Eu me levantei abruptamente. — Sério, eu não consigo acreditar
em você.
— Qual é Ava — ela retrucou fazendo um beicinho. Então deixou que seu corpo recaísse contra o
sofá, posicionando seus braços no encosto. — Você não pode brigar com a noiva.
— E a noiva não deveria ficar manipulando pessoas. — Rosnei.
— Eu não estava te manipulando — ela murmurou. — Eu apenas estava tentando te conduzir a me dar
uma informação.
Bati minhas mãos contra meus quadris e fuzilei aquela loba com meu olhar.
— Manipular é exatamente isso.
Amelia estalou a língua com desprezo. Do mesmo jeito que seu irmão fazia.
— O que mais eu poderia fazer? — Ela mordeu o lábio inferior. — Eu não via você há uma
eternidade.
Apertei meus olhos.
— Você me viu ontem.
E ela tinha mesmo me visto durante o ensaio. Eu tinha certeza absoluta daquilo, porque estávamos em
uma mesa muito perto da dela. E, é claro que a cumprimentamos quando chegamos e quando
deixamos o salão.
— Sim. — Ela confirmou com tanta calma que meu peito ardeu. — Mas eu não conversei com você.
Balancei minha cabeça em um sinal de reprovação.
— Meu Deus.
— Enfim.... — Ela voltou a falar, percorrendo o quarto com os olhos. Seu olhar parou no cabide
grande e dourado com seu vestido embrulhado. — Você está apaixonada por Thomas. Isso não é
maravilhoso?
— Eu não estou apaixonada por ele — grunhi.
— É claro que está. — Ela rebateu rápido demais. — O que é perfeito, porque ele está apaixonado
por você também.
Meu sangue congelou em minhas veias. E por um segundo, eu perdi a noção de todos os meus
sentidos. Thomas Sawyer não estava apaixonado por mim. Ele gostava de flertar, e eu sabia que
estava interessado em trepar comigo. Mas isso não significava que estava apaixonado por mim.
— Agora tenho certeza que você está vivenciando a loucura de saber que seu matrimônio é daqui a
pouco — acusei. Minha voz soou aguda demais.
— Chame do que quiser, Ava. — Ela lançou uma piscadinha debochada para mim. — Mas você sabe
que tenho razão.
Balancei a saia daquele vestido azul que eu usava, e o diamante pesou tanto em minha mão.
— Quer saber? — Perguntei retoricamente. — Eu vou te deixar sozinha. Pelo visto você está mais do
que bem.
— Eu estou ótima — ela disse com um divertimento odiável. — Eu me casarei daqui a pouco com o
amor da minha vida, e ainda ganhei de presente a certeza de que meu irmão também encontrou um
amor.
— Você tem muita sorte de ser a noiva, caso contrário eu juro que te daria uns tapas, sabia?
Amelia gargalhou.
— Eu estou muito feliz por vocês dois.
Murmurei algum xingamento, e deixei aquele cômodo repetindo em meus pensamentos que Amelia
estava louca. Embora, grande parte de mim desejou avidamente que ela não estivesse.
CAPÍTULO 45

Encontrei Thomas na área exterior da mansão, em pé de frente a piscina. A água dormente cintilava
contra os raios amanteigados de sol, e meu marido estava fumando um cigarro encarando fixamente o
jardim, agora com a decoração finalizada para a cerimônia. Rosas brancas e lírios forravam a área
onde o casamento aconteceria, quase como um tapete de flores. As cadeiras pareciam flutuar em
meio ás pétalas que escondiam por completo o chão do jardim, enquanto rosas vermelhas
caracterizavam o carpete por onde os noivos e os padrinhos entrariam. Em frente as cadeiras estava
o altar, circundado por arranjos delicados de íris e begônias e detalhes envoltos por pérolas. Lindo.
O cenário era lindo.
Parei a cerca de dois metros de Thomas e me perdi admirando a vista. Existiam tantas tonalidades
naturais de branco, que era como se tivessem sido extraídos de um sonho. Salvei mentalmente cada
um dos detalhes, e decidi pintar um quadro no futuro usando aquele local como inspiração. Na
verdade, eu voltaria para casa com tantas, tantas ideias depois daquela viagem.
— Amelia está mais calma? — Thomas foi o primeiro a falar.
Inspirei. E não mencionar que tudo tinha sido uma farsa foi um esforço.
— Sim. — Respondi por fim, girando meu corpo para a direção dele. — Ela está bem melhor agora.
Thomas fechou os olhos e empinou o queixo no ar, soprando aquela fumaça cinzenta. O cigarro
repousava entre o polegar e o dedo indicador da mão direita.
— Eu não sabia que você era boa em acalmar noivas — ele disse ainda com a cabeça tombada para
trás. — Você é realmente mais útil do que imaginei.
Cruzei meus braços sobre meu peito e avancei um passo em sua direção.
— Sério?
Meu marido levou o cigarro até sua boca e deu mais uma tragada. Então, abriu seus olhos e virou sua
cabeça para meu rumo. Aqueles olhos azuis demais encontraram os meus.
— Eu podia jurar que você estragaria tudo no primeiro ou no segundo dia. Mas aqui estamos nós, —
ele jogou a bituca no chão e a esfregou com seu pé, — três dias restantes para o fim da viagem e
ninguém desconfiou de nada.
Abri um pequeno sorriso pensando em Amelia.
— É verdade. — Dei outro passo em sua direção. — Acho que formamos um casal convincente.
Thomas continuou parado em seu lugar, mas gesticulou para que eu me aproximasse. Caminhei quatro
passos e parei em sua frente. Ele pegou minha mão esquerda, onde o Oppenheimer e a aliança do
nosso falso casamento ocupavam a primeira falange do meu dedo anelar, e a colocou em seu peito, de
modo que eu pudesse sentir seu batimento cardíaco. E quando sua mão pressionou a minha contra
aquela mesma área, eu notei que seu coração estava acelerado demais.
— Você é boa em acalmar o irmão da noiva também? — Ele perguntou segurando meu olhar.
— Eu não sei. — Retruquei baixinho, e levei minha mão livre até seu maxilar. — Mas eu posso
tentar.
Eu me ergui na ponta dos pés e o beijei suavemente, tentando ignorar o gosto das cinzas. E minha
mão que ainda estava em seu peito, sentiu seu batimento acelerar ainda mais. Recuei a cabeça um
pouco, afastando nossas bocas para tentar entender porque meu beijo fez seu coração bater mais
forte, mas Thomas levou sua mão livre até minha nuca, empurrando minha boca de volta para a dele.
Sua língua golpeou a minha, de uma forma feroz e quase desesperada, enquanto ele mantinha sua mão
em meu pescoço para impedir que eu escapasse daquilo. E a forma que sua língua alcançava cada
cantinho da minha boca... eu desejei aquela língua fazendo o mesmo em outros lugares do meu corpo.
Em meus mamilos. Em meu ventre. Entre minhas coxas.
Mas, ainda que aquele beijo não tivesse nada de sutil, eu senti o batimento de Thomas desacelerando,
mais e mais, até que retomasse um ritmo tranquilo. Totalmente oposto ao meu.
Ele afastou sua boca da minha, e deixou que minha mão escorregasse do seu peito. Suas mãos
envolveram minha cintura, e as minhas envolveram o pescoço dele em resposta. Era a primeira vez
que estávamos nos beijando tão ao ar livre. Tão à mostra para os convidados que cruzavam os
jardins.
— O que foi isso Thomas? — Arfei. Eu estava sem fôlego de verdade.
— Um beijo — ele disse com aquela arrogância gélida. — Um beijo decente.
— Você é realmente convencido, não é mesmo?
Um canto muito úmido de sua boca elevou-se.
— Existe uma grande diferença entre ser convencido e estar ciente da verdade.
Desci uma das minhas mãos e bati com o punho cerrado contra seu peito. Thomas soltou uma risada
abafada, e aquele golpe inofensivo acabou doendo muito mais em mim. Por causa do aperto que se
formou em meu peito ao pensar em como eu sentiria falta daquilo.
Sawyer me girou pela cintura, me prendendo em um abraço onde eu fiquei de costas para ele. Deixei
que minhas mãos envolvessem seus antebraços, e meu marido de mentira repousou seu queixo em
meu ombro esquerdo, permitindo que nossas bochechas ficassem quase coladas. O silêncio recaiu
sobre nós. Suave, leve.
— Thomas? — Falei por cima do nó em minha garganta. — Posso te fazer uma pergunta?
Ele murmurou que eu podia, e meu coração bateu tão rápido como se estivesse apostando uma
corrida consigo mesmo. Eu queria perguntar o que era aquilo entre nós. Se ele sentia alguma coisa
por mim. Se iríamos continuar nos vendo quando a viagem acabasse. Mas eu não consegui, porque
minha voz parecia estar presa em algum lugar dentro de mim. Thomas me apertou, insistindo
silenciosamente para que eu fizesse a tal pergunta. Mas nada veio, e eu sabia que era porque eu
estava com medo de sua resposta. Medo de que Amelia estivesse totalmente enganada, medo de que
eu estivesse confundindo as coisas. Medo de ouvir da própria boca de Thomas Sawyer que ele não
sentia absolutamente nada por mim.
E agradeci de verdade quando a súbita aproximação de algumas crianças que brincavam de pega-
pega acabou nos desviando do assunto. Um dos meninos correu tão depressa que acabou tropeçando
e caindo no chão. Ele começou a berrar, expondo um machucado em seu joelho. Segundos depois,
Thomas e eu estávamos ajoelhados ao lado da criança. A grama quente acariciou minhas canelas
nuas.
— Ei, campeão. — Thomas ronronou. — Está tudo bem.
O jeito que Thomas falou e olhou para o menino de cabelos castanho escuros, olhos azuis e pele cor
de creme, era quase como se fosse seu próprio filho. Mas mesmo com Thomas ali, o garoto continuou
chorando. E eu pensei em Sophie, e em como ela costumava fazer exatamente a mesma coisa quando
caía e se feria. Mesmo que o machucado não passasse de um simples arranhão, ela chorava e gritava
como se estivesse sofrendo uma amputação.
Puxei a mão do garoto e a coloquei sobre seu joelho ralado. Ele me encarou com aqueles olhinhos
molhados.
— Se você fizer isso, não irá mais doer. — Eu falei, usando minha mão direita para ensiná-lo a
pressionar o machucado. — Viu? — Sorri. — A dor já está passando, não é verdade?
Thomas ergueu as sobrancelhas quando a criança fungou engolindo o choro.
— Isso mesmo — emendei. — Já vai sarar e você vai poder voltar a brincar com seus amigos.
— A senhora tem razão — o garoto concordou soluçando, com aquela vozinha doce. Deveria ter seis
ou sete anos. Meu coração doeu tanto. Eu queria minha irmã. O garoto acrescentou: — Não está mais
doendo.
Segurei o rostinho dele com minhas duas mãos e beijei sua testa.
— Ótimo — retruquei em um tom gentil. — Você é um garoto muito corajoso. Como se chama?
— Philip — Thomas disparou antes que o garoto pudesse responder. — O nome dele é Phillip.
Lancei um olhar de repreensão para Thomas por ele ter se intrometido em nossa pequena interação.
— Pois bem Phillip — voltei a falar, encarando aqueles olhinhos azuis. — Tome um pouco mais de
cuidado da próxima vez, ok? Não corra tão depressa.
O garoto assentiu, se levantou em um salto e saiu correndo.
Ah, crianças.
— Eu não sabia que você era boa com crianças, Beckett — Thomas observou. Ele se colocou de pé e
estendeu a mão me oferecendo ajuda. — Devo dizer, estou bem impressionado.
— É claro que sou boa com crianças. — Respondi, aceitando sua ajuda. Sua mão tão suave e quente.
Eu já estava em pé diante dele quando emendei: — Eu sou boa com muitas coisas.
Thomas mordeu seu lábio inferior, e enterrou suas mãos nos bolsos de sua calça.
— Como você sabia que aquilo o tranquilizaria tão depressa?
— Eu tenho uma irmã mais nova, se lembra? — Expliquei. Passei as mãos pelo meu vestido
afastando a poeira. — E crianças possuem comportamentos parecidos. Você só precisa mostrar a elas
que não é o fim do mundo e que a dor é somente um susto.
— É verdade — Thomas assentiu. — Você também tem uma irmã mais nova.
— Sim, eu tenho. — Suspirei. O azul dos seus olhos alcançou o castanho amêndoa dos meus. — A
única diferença é que eu troquei as fraldas da minha irmã, enquanto você provavelmente não sabe
nem quando a sua deu o primeiro beijo.
Thomas grunhiu uma risada esnobe.
— 14 Anos de idade, no porão de nossa casa. — Ele estalou a cabeça para o lado. — Ela estava
brincando de verdade ou consequência e acabou trocando um beijo com um dos participantes.
— É impressionante — retorqui. — Mas se a conhecesse tão bem, saberia com qual participante foi.
— Ethan Sinclair. — Thomas revidou um segundo depois, e seus olhos brilharam. O lobo
convencido. — Nossas pais possuíam uma sociedade na época e Amelia tinha uma quedinha por ele.
— E você? — Mordi meu lábio inferior. A brisa soprou meus cabelos. — Com quem foi seu
primeiro beijo?
— Foi com Lucy Mullins. — Ele revelou. — Eu tinha 15 anos de idade, e fazíamos aulas de piano
juntos. Um dia nossa professora se atrasou, e uma coisa levou a outra. — Ele fez uma pequena pausa.
— E você?
Refleti por um momento tentando me lembrar. Eu beijei tantas bocas antes de conhecer Tyler, que foi
preciso algum tempo para me recordar qual tinha sido a primeira.
— Meu primeiro beijo foi com Garret Evans. — Falei um pouco alto demais quando consegui me
lembrar. — Eu tinha 12 anos de idade.
Sawyer recuou em um grunhido. As gargalhadas das crianças eclodiram perto de um dos jardins nos
fundos.
— 12 Anos? — Ele repetiu em um tom agudo. — Não foi um pouco precoce de sua parte, Beckett?
— Precoce? — Foi minha vez de repetir com o tom agudo. — Foi apenas um beijo Sawyer, não sexo.
— Não acha que 12 anos é um pouco cedo para beijar?
Cruzei meus braços sobre o peito, e meus seios ficaram mais expostos naquele decote em v do
vestido.
— Eu não sabia que você era tão antiquado — zombei. — Você é do tipo de pessoa que só faz sexo
depois de casar?
Thomas estalou a língua, e retirou as mãos dos seus bolsos para passar os dedos pelos seus cabelos
preto-azulados.
— Não, Beckett — ele contrapôs por fim. — Eu não sou esse tipo de pessoa.
Mordi meu lábio inferior e curvei meu corpo na direção dele. Seu olhar encontrou meus seios, assim
como eu queria que acontecesse. Estávamos a trinta centímetros de distância.
— Então, qual tipo de pessoa você é?
O olhar de Thomas subiu dos meus seios para meus olhos. Alguma lascívia brilhava ali.
— O tipo de pessoa que cumpre a palavra — ele disse com aquela calma fria. — E você me fez
prometer que eu não faria isso.
Soltei uma risada viperina.
— Eu não mencionei esse assunto.
Um músculo ficou apertado em sua mandíbula quando ele deu um passo para frente. Os dez
centímetros que nos separavam agora fizeram seu calor percorrer meu corpo, e minha pele se
arrepiou em resposta.
— Mas você estava pensando sobre isso.
Avaliei sua boca cor de mousse de morango. E seu peitoral tão sólido sob aquela camiseta bordô.
— O que te faz achar que eu estava pensando sobre isso?
Meu marido inclinou sua cabeça apenas para sussurrar em meu ouvido:
— Você gemeu meu nome essa noite enquanto dormia.
Minhas bochechas queimaram. Eu me lembrava de ter sonhado com ele, mas eu não sabia que eu
tinha deixado escapar algum som. E pensei em uma resposta muito suja para oferecê-lo, mas Thomas
falou primeiro, em um tom sensual demais:
— Mas está tudo bem. Porque eu não dormi a noite inteira pensando em te dar bons motivos para
gemer de verdade.

CAPÍTULO 46

Eu me demorei no banho. Foi difícil aquietar meus pensamentos e me lembrar de que tudo era um
jogo. Thomas estava usando as cartas dele, e eu estava mais do que pronta para continuar usando as
minhas. Começando por minha aparência.
Escolhi um tom dourado para iluminar minhas bochechas e sombrear meus olhos. Completei com
muito rímel e um batom vinho tinto. Prendi meu cabelo em um coque gordo, deixando que apenas
duas mechas da parte da frente recaíssem sobre meu rosto, e coloquei uma tiara com pedras verdes
azuladas para separar o penteado.
A escolha da tiara tinha a ver com o luxuoso traje que me esperava para a celebração do casamento.
Era um vestido modelo sereia, cor turquesa, que deixava as costas completamente nuas. Havia um
zíper que descia verticalmente pelo bumbum, mas que era disfarçado por todas as pedrinhas
reluzentes que encobriam o tecido. Possuía um decote delicado, um pequeno botão para as alças que
se encontravam na parte de trás do pescoço, de forma que os ombros e os braços ficassem
completamente livres.
Calcei uma sandália prateada de salto, que possuía um cordão de diamantes passando pelos dedos e
um fecho no calcanhar. Encaixei brincos de prata em meus lóbulos, e algumas pulseiras finas em
meus pulsos. E quando eu parei para observar meu reflexo, eu pensei que eu poderia de fato ser a
mulher mais bonita daquele local.
Thomas usava um terno cinza claro, com uma gravata listrada da mesma tonalidade do meu vestido.
Cabelo penteado em um topete de lado, sapatos de couro preto com brilho impecável e aquele
perfume com tons de pinho e baunilha. Nossos olhares se encontraram no reflexo. O lobo branco e
sua rainha negra. Ele abriu um sorriso torto.
— Está pronta? — Seu tom era puramente sensual.
— Eu nasci pronta. — Retruquei, devolvendo o mesmo tom.
O relógio acusava 15h30 quando entrelaçamos nossas mãos e deixamos o quarto. Cruzamos a mansão
e encontramos nossos lugares no jardim onde ocorreria a cerimônia. Estávamos à direita, na segunda
fileira de cadeiras, nos assentos mais próximos ao corredor de rosas vermelhas. A brisa era fresca e
suave, e os raios de sol brilhavam em calor e luz dourada.
Os outros convidados já estavam posicionados em seus lugares, assim como os violinistas portando
seus instrumentos, as crianças que participariam da celebração reunidas em um canto, e as de damas
de honra em outro canto pousando para fotografias. Todas elas usavam vestidos rosa-salmão, justos e
compridos. Heather ainda olhava para Thomas sempre que o fotógrafo as pedia que mudassem de
posição, mas de novo, ela não era a ameaça. Era aquela mulher que parecia um anjo sentada do outro
lado do corredor, a mesma que tinha tirado Thomas de mim na noite que ele me dedicou aquela
música. Minha mão alcançou a mão do meu marido no exato momento em que notei os dois trocando
cumprimentos com a cabeça. Meu peito queimou de verdade.
Tentei afastar aquilo, e tentei me lembrar de que eu não tinha muito direito de sentir ciúmes de
Thomas Sawyer. Seus dedos quentes apertaram os meus de volta, e ele usou seu braço livre para me
abraçar pelos ombros, e beijar minha testa. E, de um segundo para o outro, o que era uma queimação
se tornou um puxão gelado. E eu sorri. Com minha cabeça aninhada bem ali, entre o ombro e o
peitoral daquele macho. Tão cheiroso. E lindo.
O padre se posicionou no altar e deu início a cerimônia. Todos os convidados se colocaram de pé, e
depois de algumas palavras, os violinistas tocaram a música “A whole new world”, e Oliver usando
um terno branco, cruzou de braços dados com sua mãe o tapete de rosas vermelhas. Depois, o pai do
noivo e Christine apareceram ali, seguidos pelos padrinhos e madrinhas, pajens e daminhas, até que
finalmente Amelia surgiu na entrada ao lado de seu pai.
Ela usava um vestido clássico de renda branco, com mangas translúcidas e um decote em formato de
coração. Ninguém precisou me dizer que todas as pedrinhas que cintilavam no busto do seu vestido
eram diamantes, assim como aquele véu enorme se estendendo atrás dela era da mais pura seda que
deveria existir. Seu cabelo estava preso em um coque trançado, com presilhas e pentes de safira
circundando o penteado. Ela estava tão linda. Mas nada era mais bonito do que seu sorriso. De
alguma forma, ainda era mais iluminado do que todas as suas joias. Oliver e Christine derramaram
algumas lágrimas de onde aguardavam no altar, e alguns convidados suspiraram e colocaram as mãos
no peito. Michael usava um terno cinza claro, quase da mesma tonalidade que o de Thomas, com os
cabelos negros penteados para trás, e os olhos azuis escandalosos explodindo em brilho.
Eles começaram a caminhar. A saia bufante do vestido de Amelia empurrava as rosas vermelhas,
enquanto a melodia ressonava em meu estômago. E quando Amelia passou ao nosso lado, ela fez uma
breve pausa para dar um abraço em seu irmão. Se eu não estivesse tão próxima a Thomas, jamais
teria percebido que ela sussurrou alguma coisa em seu ouvido. E este rápido sussurro, fez com que os
olhos do meu marido ficassem molhados. Lágrimas que foram disfarçadas no mesmo instante em que
Amelia retomou seus passos rumo ao altar. E bem ali, eu olhei para Thomas. Ele estava tão estático
observando sua irmã sendo entregue a Oliver por seu pai, que eu me perdi nele. Eu me perdi nos
momentos que compartilhamos antes. Naquele abraço quando vencemos o torneio de Tênis. Naquela
brincadeira nas ondas rasas do mar gelado. Na forma em que ele me aninhou quando eu me
desestabilizei depois de ver o quadro de Travis Mattison. No azul dos seus olhos enquanto ele tocava
aquele piano. Em cada um dos beijos que trocamos. Um peso recaiu sobre meu coração. E eu só
consegui me centrar outra vez naquele casamento, quando Thomas girou seu pescoço para mim e
nossos olhares se conectaram. Ele levou suas mãos quentes até minhas bochechas e limpou aquelas
lágrimas que eu nem tinha percebido.
— Eu não sabia que você se emocionava em casamentos. — Thomas sussurrou.
O padre estava dizendo alguma coisa, os convidados estavam em silêncio prestando atenção, e a
natureza farfalhava ao nosso redor.
Afastei suas mãos do meu rosto, e balancei a cabeça em um leve sinal de não.
— Nem eu, Sawyer — sussurrei de volta. — Nem eu.

— Eu vos declaro marido e mulher. — O padre anunciou em um tom firme. — O noivo pode beijar a
noiva.
E ali, sob aquele arco encoberto por um arranjo de tulipas, begônias e jasmins, Oliver inclinou sua
cabeça e beijou Amelia. Todos os convidados se colocaram de pé e aplaudiram, sorrindo e fungando,
desejando felicitações e vibrando. Eu me virei para Thomas apenas para nota-lo disfarçando outra
lágrima.
Após tantas noites de jantares chiquérrimos, eu achei que nada mais poderia me surpreender em
relação a aquele casamento. Mas eu estava tão enganada. O salão agora montado para a festa do
casamento era uma extensão da decoração do jardim. Havia lírios brancos espalhados por todo o
ambiente, assim como rosas e orquídeas brancas. As mesas, todas redondas, estavam cobertas com
forros dourados, entrando em um delicado contraste com os arranjos de rosas vermelhas que havia
sobre elas. Cordões de luzes douradas e cintilantes despencavam do teto, como lindas cascatas
planejadas. E no centro do salão, onde antes ficava o piano branco, havia uma única mesa retangular,
com um bolo que parecia ser de veludo branco, e doces tão graciosos que eu me perguntei se eram
realmente comestíveis.
Mas para mim, o detalhe mais lindo naquele salão já tinha encantado meus olhos anteriormente. Era a
pintura de Travis Mattison. O quadro estava pendurado acima da mesa do bolo, de modo que fosse a
atenção principal de qualquer um que cruzasse o arco de entrada. Os olhos de Amelia explodiram em
brilho quando ela viu o quadro pela primeira vez, e eu pensei que se eu já não tivesse visto aquela
pintura, eu teria me desfeito em lágrimas ali mesmo.

Alguns eventos roubaram minha atenção do quadro. Primeiro, a refeição que foi servida. Ostras,
petiscos de caviar e porções esquisitas de comidas que me fizeram desejar aquele hambúrguer que
Thomas mandara servir no quarto. Depois, quando Amelia pronunciou que jogaria seu buquê,
atraindo um pequeno tumulto de moças que se comportaram quase com um certo desespero para
conseguir se tornar a próxima noiva. Também, a primeira dança oficial do casal, quase como se eles
tivessem saído diretamente de um conto de fadas. Amelia se permitia ser conduzida com tanta
delicadeza e graciosidade por Oliver seguindo a melodia da valsa, que ambos pareciam estar
conectados de uma forma inquebrável. Como se cada passo que ele desse fosse pressentido e
consentido por ela, os levando a se movimentarem em uma perfeita sincronia. Amor verdadeiro. Era
o nome da ligação que eles possuíam.
E por último, depois da valsa dos noivos quando alguns casais se dirigiram a pista de dança, e
Thomas estendeu a mão para mim em um convite. Murmurei que eu não estava muito a fim de dançar,
mas o macho murmurou que não tinha sido uma pergunta. Revirei os olhos, e acabei aceitando.
Nossas mãos se tocaram, e Thomas me puxou para junto de si em um gesto pretensioso demais. Foi
quando eu me lembrei do nosso jogo. Quem conseguia seduzir a quem primeiro. E eu estava tão
vazia, que talvez eu precisasse daquilo. Qualquer coisa que afastasse a sombra esmagando meu peito.
Então, antes que ele me conduzisse até a pista de dança, eu empurrei suas mãos dos meus quadris, e
me virei de costas para ele. O encarei por cima do ombro, fitando aquele azul safira brilhando em
desejo, e abri um sorriso viperino. Sem dizer uma palavra, virei meu pescoço outra vez e caminhei
no rumo de um dos corredores, sem encarar mais do que uma vez cada um dos convidados
empoleirados em suas mesas. Eu já sabia que Thomas me seguiria. A música ecoava no salão, assim
como as conversas e gargalhadas, e o tilintar das louças e taças de cristal.
E vinte segundos depois, o lobo caiu em minha armadilha. Ele surgiu na ponta daquele corredor
vazio, acreditando que tinha encurralado sua presa. Quando na verdade, era o contrário. Mas eu
deixei que ele se aproximasse e que me devorasse em um beijo. Um beijo que jamais deveríamos
trocar em público. Eu deixei que suas mãos escorregassem pelas minhas costas e apertassem meu
bumbum, e devolvi o gesto levando minha mão direita até a região entre suas pernas. Aquele volume
cresceu e cresceu, ficou mais enrijecido sob o tecido da calça. E quando nosso envolvimento se
tornou obsceno demais para continuarmos naquele corredor, eu quebrei o beijo. Lambi meu lábio
inferior, e nossas respirações curtas abafaram os sons da comemoração do outro cômodo.
— Por que não termina isso no quarto, como um homem de verdade? — Eu falei quase em um
sussurro, consciente da provocação cínica em minhas palavras.
E de novo, fui a primeira a dar as costas e caminhar para longe.

CAPÍTULO 47

Eu me sentei na ponta da cama, soltei meus cabelos e cruzei o joelho direito por cima do esquerdo.
Uma coisa era ter feito Thomas me seguir até um corredor, sabendo que alguns amassos o esperavam.
Outra coisa era atraí-lo para o quarto, quando aquilo não apenas significava que ele quebraria sua
palavra como também perderia o jogo. Mas, quando eu vi aquela maçaneta girando, um calafrio tão
gelado subiu por minha espinha que eu pensei que talvez eu não seria a única a vencer. Sawyer entrou
no quarto e trancou a porta, sem dizer nenhuma palavra. E eu engoli em seco de verdade quando o
azul faminto em seus olhos contemplou meu corpo, demorando em cada centímetro. Ele caminhou até
mim em passos curtos. O lobo prestes a devorar sua caça.
Eu mantive minha postura.
Mantive meu olhar.
Thomas se abaixou diante de mim, quase se ajoelhando. E foi um esforço não arquejar quando ele
levou suas duas mãos até meu pé direito. Nossos olhares permaneceram conectados.
— Sabe de uma coisa, Beckett? — Ele indagou em um tom felinamente baixo. — Você me fez
prometer que eu não faria sexo com você. — Thomas começou a desprender o fecho da sandália em
meu pé direito, quase com delicadeza demais. A forma em que seus dedos quentes roçavam minha
pele, fez meu batimento mudar de ritmo. Ele emendou: — E eu adoraria que terminássemos esta
viagem sem quebrar esta promessa.
A sandália caiu do meu pé direito, e as mãos de Thomas se moveram para meu pé esquerdo. De
novo, com toda aquela delicadeza, com aqueles toques sutis, até que a sandália escorregou para fora
do meu pé. Ainda me encarando, meu marido colocou seus dedos em meu calcanhar esquerdo, e
percorreu minha canela e minha panturrilha, parando somente quando chegou atrás do meu joelho.
Um arrepio dançou em minha nuca quando Thomas empurrou meu joelho direito, me forçando
gentilmente a descruzar as pernas.
— Contudo, a senhorita tem insistido em me provocar. — Thomas disse em um tom sensual demais, e
seus dedos macios agora flutuavam por minhas pernas sob a saia do vestido. Aquelas mãos quentes
correram minhas coxas parando em meu quadril, quase nas laterais da minha calcinha. Seu olhar
nunca deixou o meu. — Por quê?
O azul em seus olhos queimava, mas eu tive a leve impressão de que ele não se interessava que eu
respondesse com pressa. Especialmente quando antes que eu pudesse abrir a boca, Thomas cravou
seus dedos em minha calcinha, e começou a puxar a peça íntima. Apoiei minhas mãos nas bordas do
colchão e ergui meu quadril de leve, oferecendo a permissão que ele precisava.
— Por que, Beckett? — Ele insistiu. A calcinha já estava quase chegando em meus joelhos. — Por
que insiste em me provocar?
Uma umidade se formou entre minhas coxas. Mas eu esperei que a pequena renda escorregasse por
minhas canelas e parasse em meus tornozelos.
— É muito simples, Thomas. — Eu falei mantendo o tom baixo, e elevei meus pés para que ele
concluísse por fim o que estava fazendo. — Eu tenho necessidades. E eu não posso trepar com
nenhum outro homem aqui, posso?
Thomas piscou com calma, e abriu um sorriso predador. A peça de renda preta foi arremessada para
longe.
— Então é apenas pelo sexo? — Ele ficou de pé em minha frente. — Isso não tem nada a ver
comigo?
— É um problema para você? — Minha voz soou um pouco mais aguda do que o normal. Talvez pela
massa grande demais, visível demais sob as calças daquele homem.
— De forma alguma, Beckett. — Ele devolveu, retirando seu paletó. Mas o azul em seus olhos
oscilou. — Não existe nenhum problema em fazer sexo apenas pelo prazer.
Aquela podia ser minha resposta. A prova de que Amelia estava enganada. De que eu não deveria ter
me apaixonado por ele. Afastei o pensamento, porque assim como minha calcinha, o paletó foi
arremessado para longe. Thomas começou a desabotoar sua camiseta branca, botão por botão.
Acompanhei seus dedos expondo cada vez mais daquele peitoral lindo e delineado por músculos. E
eu tentei me convencer de que seria apenas uma noite de sexo. Sexo suado e selvagem. Eu podia lidar
com aquilo.
Thomas não disse nada até que chegou no último botão. Pisquei. Ele retirou sua camiseta, ciente de
que eu estava observando cada movimento, ciente de que seu corpo era invejável. Nossos olhares se
encontraram outra vez. A camiseta foi parar em algum lugar perto da cama.
— Mas é uma pena, Beckett. — Thomas falou um segundo antes de me puxar pelas mãos, para que eu
ficasse de pé diante dele, perto demais do seu corpo. Ele levou uma de suas mãos até o zíper atrás do
meu vestido e o empurrou para baixo, com seu rosto a dez centímetros do meu. — Porque eu não
quero fazer isso apenas por prazer.
Engoli em seco. Minhas mãos pendidas pelas laterais do meu corpo suaram.
— E por que quer fazer isso então? — Eu perguntei, e minha voz quase falhou. — Por que veio até
esse quarto?
Thomas afastou meu cabelo do rosto, empurrando a massa de cachos para minhas costas. Ele não
desviou seu olhar do meu para responder:
— Porque eu quero você, Ava. — Um músculo lindo tremeluziu em sua mandíbula. — Eu quero você
desde a primeira vez que te vi.
Meu coração errou as batidas. Eu desejei, desejei de verdade dizer que eu o queria também. Mas
seus lábios tocaram os meus, e minhas palavras se perderam em sua língua golpeando a minha quase
que freneticamente. Thomas não parou de me beijar enquanto suas mãos desprendiam o botão do
vestido em minha nuca, tão pouco enquanto ele expulsava o vestido do meu corpo. E quando todo o
tecido que antes me cobria caiu em meus pés, Thomas se afastou do beijo e me empurrou contra a
cama, de forma que eu estivesse deitada de barriga para cima. Minha boca estava formigando. Ele
então se aproximou, posicionando seu corpo sobre o meu. Thomas arrastou a língua e os dentes por
meu pescoço e minha garganta, enquanto suas mãos seguravam meus seios. Aquela umidade entre
minhas pernas apenas cresceu.
Suas mãos desceram até minha cintura, assim como sua língua desceu para meu colo. Eu arquejei alto
demais quando seus dentes roçaram meus mamilos, com sua boca quente chupando meus seios.
Tombei a cabeça para trás, e abri bem as pernas, deixando que ele encaixasse seu quadril ali,
convidando aquela mesma boca para a região mais sensível em meu corpo. E ele entendeu meu
convite. Mas seu dedo indicador direito chegou primeiro, encontrando o fluido quente que ele
conquistara. Um toque naquele pequeno monte de nervos, e um gemido me deixou. Thomas reclinou
seu corpo, afastando sua boca dos meus seios, e eu quase xinguei de verdade. Ele fez um círculo
cruelmente lento com aquele mesmo dedo.
— Você ficou tão molhada assim por mim? — Thomas perguntou com uma voz quase rouca. Os olhos
cintilando, e a pele cor de creme reluzindo contra a luz dourada do quarto.
Ah, desgraçado.
Eu me apoiei em meus cotovelos.
— Você é mesmo um bastardo egocêntrico — murmurei. Seu dedo escorregou para baixo e para
cima, brincando com aquela umidade, testando meus desejos.
— Responda à pergunta, Ava Beckett. — Ele insistiu. Arqueei minha coluna e amaldiçoei seu nome
quando seu dedo fez outro círculo lento demais ali. — Eu fiz isso com você, ou está pensando em
outro homem?
Aquilo era... ciúmes? Insegurança? Seu jeito esquisito de me provocar?
— É você, Thomas. — Confessei em um sussurro. — Tudo isso é para você.
— Ótimo, Ava. — Ele ronronou. Seu dedo entrou em mim, e eu soltei outro gemido. — Porque essa
noite você é só minha.
Thomas encaixou outro dedo dentro de mim. Eu deixei que meu corpo caísse para trás, me resumindo
a aqueles dois dedos entrando e saindo. Enterrei meus dedos em seus cabelos preto azulados tão
macios, e empurrei sua cabeça para baixo. Sua mão livre apertou meu quadril esquerdo, e ele
mordiscou minhas costelas, meu abdômen, meu ventre, enquanto seus dedos brincavam com aquela
região agora tão lambuzada. Eu estremeci quando por fim sua língua alcançou o centro de minhas
coxas, cada virilha de uma vez, e antes, um segundo antes que ele cumprisse meu desejo, ele
murmurou:
— Mantenha as pernas abertas para mim.
Obedeci. Thomas usou sua mão livre para apertar meu bumbum, enquanto sua língua reivindicava
cada cantinho daquela área entre minhas pernas e seus dedos entravam e saiam, de novo e de novo.
Meu sangue ardeu, e o prazer correu por minhas veias ateando um rastro latejante em minha pele.
Gemi tão alto quando alcancei o clímax, que se não existisse uma festa no salão inferior, talvez todos
os convidados tivessem escutado. Aquele lobo então recuou do meu corpo, me deixando com as
pernas perdidas em um leve tremor. Ele se colocou sobre os joelhos e levou as mãos até o cinto da
sua calça. Sua boca estava tão inchada e molhada quando ele lambeu o lábio inferior. Os olhos eram
selvagens.
— Sempre soube que seu gosto seria delicioso — ele disse abrindo a fivela, enviando pequenos
pulsos de êxtase para meu núcleo.
Eu queria responder, mas Thomas se livrou do seu cinto e eu mal conseguia pensar em qualquer coisa
que não fosse o volume aguardando para ser exibido. O botão da calça foi aberto, o zíper chiou
sendo empurrado para baixo. E um gritinho esganiçado subiu por minha garganta quando ele
finalmente expulsou suas calças e sua cueca do seu corpo, revelando seu glorioso membro masculino.
Eu perdi o fôlego. Eu já tinha trepado com muitos homens. De verdade. Mas chegava a ser injusto
comparar, quando o pau daquele homem diante de mim era tão grande em comprimento e
circunferência, que poderia ser maior do que seu ego. Por um segundo eu me perguntei se caberia
mesmo em mim. Thomas bufou uma risada, talvez porque eu tenha encarado demais. Mas eu não
permiti que ele avançasse. Era minha vez.
Eu me ergui, ignorando a fraqueza em meu corpo, e puxei seu torso para mim. O beijei, e nossos
joelhos se encostaram. Deixei que minhas mãos escorregassem pelo seu peitoral, pelo seu abdômen
musculoso. Thomas segurou meu rosto enquanto eu o beijava, e arfou entre aquele beijo quando
minhas mãos tocaram seu pênis tão enrijecido. Então eu me afastei. Inclinei meu corpo para frente,
me apoiando no colchão tão confortável, e empinei meu bumbum, oferecendo ao macho uma vista
muito privilegiada. Eu segurei sua ereção com minhas duas mãos, e encostei meus lábios em suas
bolas. Tão redondas e lisas. Thomas arfou outra vez, e estremeceu quando minha língua tocou sua
pele, subindo pelo seu pênis grande demais, da base até a cabeça. Ele entrelaçou suas mãos em meus
cabelos, mas eu não permiti que ele controlasse a velocidade ou intensidade. Eu subi e desci do jeito
que eu queria, chupando e lambendo, e consegui arrancar alguns nomes sujos daquela boca rosa
mousse de morango. Thomas era delicioso, e eu ficaria ali me deliciando com seu membro masculino
a noite toda. Mas eu não era a única faminta.
Ele puxou minha cabeça para cima, usando a mesma mão que estava enterrada em meus cabelos. E
me beijou outra vez, com sua mão livre entrelaçando minha cintura. Então, me guiou para baixo, e de
novo, eu estava deitada de barriga para cima. Abri as pernas apenas para que ele se ajustasse, para
que seu quadril se encaixasse entre minhas coxas, e finalmente ele deslizou seu poderoso pau para
dentro. Minhas unhas rasgaram suas costas, e eu ardi em brasas líquidas. Envolvi seu torso com
minhas pernas, o instigando a me penetrar até a base. Nossos gemidos se misturaram, pele clamou
por pele, nos tornamos início, meio e fim. Thomas era um furacão. Com uma mão entrelaçada em
minha cintura, me apertando com força contra seu corpo, empurrando seu membro para dentro de
mim em uma velocidade que desafiava a lógica. Eu apertei minhas coxas contra seu quadril, e
murmuramos alguns nomes sujos juntos. Sim. O sexo com ele era de fato suado e selvagem.
Não sei quanto tempo se passou até que eu o empurrei para que pudéssemos trocar de posição. Eu me
sentei sobre ele, apoiando minhas mãos eu seu peitoral sólido, que subia e descia rápido demais, e
deixei que nossos olhares se encontrassem enquanto seu membro duro como granito entrava no mais
profundo de mim. Thomas posicionou suas mãos em meu quadril, conduzindo meus movimentos, e eu
inclinei meu corpo para o beijar quando aqueles fogos de artifício explodiram em minhas veias,
estilhaçaram minha consciência. Era o segundo clímax chegando, e eu gemi contra sua boca. A
respiração se tornou um fogo ardente em minha garganta, minhas pernas tremeram de verdade, e uma
tontura reverberou em mim. Aquilo nunca tinha acontecido, nem mesmo com Tyler. Que o prazer
fosse intenso a ponto de roubar meus sentidos. Thomas não permitiu que eu me afastasse. Ele me
apertou com força, deixando que minha parte íntima pulsasse contra a dele. Por um minuto eu
repousei minha cabeça entre seu pescoço e seu ombro, com seu cheiro de chocolate encouraçado se
instalando em meu olfato.
O minuto passou, e eu me inclinei outra vez. Thomas abriu um sorriso torto, e se ergueu apoiando
suas mãos na cama. Envolvi seu rosto com as duas mãos e o beijei, ali, ainda encaixada em seu colo,
com meus seios roçando seu peito. Rolei meu quadril de leve, para frente e para trás, sentindo seu
pênis quase dentro do meu útero. Estava fundo demais. Aquele lobo então girou nossos corpos outra
vez, e me colocou de costas para ele, em uma posição de quatro apoios. Ele segurou meu quadril com
força, e eu empinei meu bumbum para ele. Thomas entrou em mim. De novo. Mais duro, mais forte,
quase como se ele fosse um animal faminto que tinha ficado dias sem comer e agora tinha sob seu
domínio uma presa inofensiva. Eu apertei os lençóis com meus dedos, e voltei a gemer alto demais.
Ele era tão intenso que beirava o violento. E quando Thomas usou uma de suas mãos para reunir meu
cabelo quase em um rabo de cavalo, e puxar minha cabeça para trás com tanta força que eu fui
obrigada a reclinar todo meu corpo, ficando sobre meus joelhos, ele sussurrou em meu ouvido
esquerdo:
— Você é minha.
E então, em um ato de posse com intensidade predatória, nós alcançamos o prazer juntos.
Eu estava exausta de verdade. E apenas deixei que meu corpo caísse para frente. Com uma
respiração muito curta, Thomas se deitou ao meu lado, me puxando contra seu torso. Eu mal
conseguia empurrar o ar para meus pulmões, e meu corpo inteiro se resumiu em um formigamento que
não queria cessar. Talvez eu tivesse muita dificuldade em conseguir caminhar pelos próximos dias.
Eu me aninhei contra seu corpo nu, e me entreguei aos seus dedos que agora eram apenas carinhosos
oferecendo círculos ociosos contra meus cabelos suados e emaranhados. Fechei os olhos, e inspirei,
respirando sua pele macia e quente. O silêncio recaiu sobre nós, e meu corpo começou a ceder ao
sono. E eu estava quase inconsciente quando senti um último beijo em minha testa, e tive a impressão
de escutá-lo dizendo baixinho:
— E eu sou seu também.

CAPÍTULO 48

Alguns raios de sol me acariciaram, quentes e luminosos, e eu apertei os olhos. Letárgica, com os
pensamentos ociosos. Demorei para tomar consciência do meu corpo, para me lembrar da noite
anterior, para me lembrar de onde eu estava. E, somente quando me remexi, percebi que eu ainda
estava embalada no abraço de Thomas Sawyer. Minha cabeça estava apoiada em seu peitoral, minha
mão direita repousava na altura do seu coração, e minha coxa direita estava encaixada entre suas
pernas. Eu não ousei me mexer. Não quando seu peito subia e descia tão devagar. Não quando aquilo
poderia ser um sonho. Não quando era a primeira vez em minha vida que eu acordava aninhada a um
homem. Tyler sempre rolava para o outro lado e adormecia depois do sexo. Os outros caras com
quem eu estive... eu era a primeira a rolar. Mas aquele macho me tomara em seus braços, e eu tive a
noite de sono mais gostosa da minha vida.
— Bom dia, Ava Beckett. — Ele murmurou. Baixinho, ainda quase imóvel.
Abri um sorriso e ele afrouxou seu abraço.
— Bom dia, Thomas Sawyer. — Murmurei de volta.
Suas mãos começaram a correr por minhas costas. Estávamos sob todas aquelas colchas tão macias e
confortáveis, afundados naquele mar de molas e plumas. A claridade do sol era cintilante como
cristais dançando pelo quarto. Eu não sabia quantas horas eram, e eu não me importava.
— Teve bons sonhos?
— Eu não sonhei com nada. — Falei. E era verdade. Eu me remexi dentro do seu abraço, até que eu
pudesse me debruçar sobre seu peitoral e encarar seu rosto. Thomas era uma coisinha linda
acordando. Os cabelos bagunçados, os olhos azuis semicerrados, a voz preguiçosa. — E você?
— Eu dormi como uma pedra. — Ele ronronou. — Isso não acontecia há um certo tempo.
Mordi meu lábio inferior. Seus dedos desceram por minhas costelas, quase alcançando minha lombar.
Céus. Eu não queria que aquele momento tivesse fim.
— Sexo? — Perguntei com escárnio.
Thomas bufou uma risada. E seus olhos claros demais encontraram os meus.
— Dormir bem.
— Você tem problemas de insônia?
— Algo do tipo. — Thomas disse por fim. Seu olhar se tornou vazio quando ele suspirou. — Eu já
fui casado uma vez.
Pisquei. O diamante azul em meu dedo pesou quase uma tonelada.
— Amelia me disse. — Retruquei baixinho.
— É claro que ela te disse — ele falou com a voz quase abafada. Suas mãos mantinham aquelas
carícias suaves em minhas costas, e nossas respirações eram quase sincronizadas. — Mas não é a
verdade.
Ergui um pouco meu tronco, para que eu pudesse permanecer debruçada sobre ele, porém com uma
visão melhor do seu rosto. Seu rosto forjado por uma beleza fria. Nossas pernas se desencaixaram.
— Como você pode dizer que não é a verdade, se você nem sabe o que ela me disse?
Ele abriu um sorriso triste. Tão triste, que meu peito doeu. Os pássaros chilreavam lá fora, e alguns
murmúrios baixinhos vinham de muito longe, entrando pelos vidros abertos das janelas. As cortinas
cor de marfim pálido balançavam quase que sem movimento algum.
— Porque sou o único que sabe a verdade.
Engoli em seco. Uma sombra nublou cada um dos seus traços perfeitos. Era aquilo. Seu segredo mais
obscuro. O motivo pelo qual ele precisava pagar para aparecer com uma esposa no casamento de
Amelia. Eu... tinha me esquecido do dinheiro. Depois daqueles momentos... eu já nem conseguia me
lembrar de toda aquela história de tentativa de roubo, chantagem, proposta.
— E qual é a verdade, Thomas?
— Eu amava Hayden. — Hayden. A forma que ele disse aquele nome. Com tanta familiaridade, com
tanto carinho. Com tanto pesar. — Mas eu não fui o suficiente para ela.
Eu fiquei calada. A forma que seu olhar se tornou distante encarando o teto, a forma que seu próprio
coração sob meus seios disparou, que sua pele esfriou. Eu soube em meus ossos que falar daquilo era
difícil para ele.
— Ela era uma boa mulher, mas eu não fui o homem que ela precisava. Eu estava sempre ocupado
demais para oferecer a atenção que ela precisava. Mas mantemos nosso casamento, porque um
divórcio não combinava com o nome Sawyer. — Thomas fez um pequeno sinal de não com a cabeça.
— Ela estava tão infeliz. E eu fui incapaz de deixa-la ir. As coisas ficaram difíceis, e.... eu queria
que eu não tivesse sido tão egoísta. Até que ela engravidou. E aquilo... aquilo foi como nossa luz no
fim do túnel. A salvação para um matrimônio quase destruído. — A garganta de Thomas oscilou. E
sua voz ficou tão embargada quando ele acrescentou: — Mas ela perdeu o bebê. Ela perdeu nosso
filho.
Ele poderia ter se tornado pai. E pela forma que ele agia com crianças... a crueza da sua dor se
infiltrou em meus músculos.
— Eu realmente sinto muito por isso. — Falei por cima do aperto em minha garganta. Foi a única
coisa que eu encontrei para dizer.
Thomas soltou uma de suas mãos das minhas costas para alcançar minha mão direita acariciando seu
peito. E ele apertou com força meus dedos.
— Eu não sabia lidar com aquilo. — Sua voz tremulou. — E ao invés de ajuda-la, eu me afastei
quando ela mais precisou de mim. — Thomas hesitou. Aquela mão em minhas costas parou de se
mover. E ele abriu e fechou a boca algumas vezes antes de conseguir dizer: — Ela cometeu suicídio.
Lágrimas molharam aqueles olhos azuis ainda encarando o teto. E meu coração ficou tão pequeno em
meu peito. As coisas que eu falei depois do jogo de Tênis, quando eu o acusei de não saber o que era
ser um marido. Aquela reação explosiva que ele teve antes de me trancar no quarto... talvez naquele
dia eu realmente tivesse pressionado sua ferida. Bile entupiu minha garganta.
— Eu sinto muito — minha voz foi apenas um sussurro trêmulo. — Tenho certeza que você fez seu
melhor.
— Não, eu não fiz. — Ele sussurrou de volta. E quando seu olhar encontrou o meu outra vez,
lágrimas silenciosas escorreram em suas bochechas. — Eu fui incapaz de ajuda-la. E às vezes isso se
torna muito difícil de suportar.
Eu não conseguia imaginar como deveria ser horrível. Como era possível não deixar que o
arrependimento corroesse suas entranhas. Toda aquela arrogância, aquele deboche, aquela postura
superior... era a máscara que ele usava para esconder o quanto era vazio por dentro.
Meu coração já está partido há muito tempo.
Inclinei minha cabeça até alcançar seu rosto, e comecei a beijar aquelas lágrimas salgadas em suas
bochechas. Nossas peles nuas se acariciaram, meus cabelos soltos recaíram sobre os ombros dele.
— Sabe de uma coisa, — eu falei entre um beijo e outro, — quando concordei em me passar por sua
esposa, eu achei que seria um inferno.
Thomas soltou uma risada. Tão triste e vazia, que o nó em minha garganta doeu de verdade.
— Você realmente fez com que eu me sentisse melhor agora. — Ele retrucou com um esgar triste.
— Mas, — eu enfatizei, segurando seu rosto com as duas mãos, e fitando aqueles olhos tão tristes, —
me passar por sua esposa foi exatamente o oposto.
— Então, — ele se apoiou em seus cotovelos, erguendo seu peito, — você está dizendo que ser
minha esposa é um paraíso?
Idiota.
— Eu não disse isso — repliquei e pressionei um beijo suave contra seus lábios. — É só que.... — O
aperto em minha garganta se estreitou demais. Meus olhos rodaram nas órbitas. — Foi bom. De um
jeito que eu nunca vou me esquecer.
Ele sorriu para mim. Um sorriso que partiu minha alma. Thomas se reclinou outra vez, e eu voltei a
me aninhar em seu peito, deixando que nossos dedos se entrelaçassem e desentrelaçassem, quase
como se nossos espíritos estivessem se comunicando. Aquilo foi diferente. De alguma forma, mais
íntimo e profundo que o sexo.
— Já faz muitos anos que aconteceu. — Ele confessou depois de algum tempo em silêncio, com a voz
tão baixa. — E eu nunca tinha falado sobre isso com ninguém.
Ele não fala sobre isso. Amelia e Christine disseram.
Usei meu pé direito para roçar sua canela direita.
— E por que decidiu me contar?
— Você pulou na água por mim. Você merece saber por que eu estava lá.
Meu coração virou chumbo em meu peito.
— Você estava tentando....
— Não. — Thomas disparou me interrompendo. — Eu só precisava de um pouco de paz.
— E o que te fez achar que pular em um rio no meio de uma tempestade te traria paz? — Eu não
consegui conter a pergunta.
— Eu não sei. — O lobo que agora parecia tão triste suspirou. — É só que... toda essa história de
casamento me traz muitas lembranças. Nosso filho, o jeito que ela se foi. — Ele soltou um arquejo
pesado. — Eu só precisava respirar por um momento.
Ele estava escolhendo péssimas metáforas.
— E você escolheu um lago para fazer isso? — Indaguei. De novo, eu não consegui me conter. —
Porque eu te garanto que debaixo d’água não é um lugar muito fácil de se respirar.
Thomas riu. Um riso vazio, triste e melancólico que doeu em mim. Então ele me empurrou para o
lado e rolou seu corpo, se colocando sobre mim. Seus braços fortes se apoiaram nas laterais dos
meus ombros, seus joelhos empurraram minhas coxas para que ele encaixasse seu quadril entre
minhas pernas. Ele encostou sua testa na minha. E naquele momento, ele era tudo. Tudo que eu podia
ver, sentir, respirar ou querer.
— Eu nunca achei que diria isso, — ele falou baixinho, e seu hálito quente roçou meu nariz, — mas
estou muito feliz que você decidiu me roubar.
Ele me beijou. E fizemos sexo novamente, mas desta vez de um jeito sutil e lento. Cada toque, cada
carícia... era o cuidado de um homem vulnerável, com todas as suas defesas abaixadas, que tinha
acabado de revelar seus segredos para aquela mulher que estava se passando por sua esposa. E
enquanto ele me beijava e me penetrava, com tanto carinho, eu acreditei que eu tivesse algum
significado para ele. Porque o sexo da noite passada tinha sido explosivo e prazeroso. Mas naquela
manhã, eram dois corpos se preenchendo.
Duas metades se encontrando.

CAPÍTULO 49

A família Sawyer estava reunida em apenas uma mesa. Todo mundo estava conversando, rindo e
comentando sobre o casamento de Amelia, enquanto aquele café da manhã tão farto era servido.
Ovos, frutas, queijos, bolos, pãezinhos recheados e tortinhas crocantes. Mas eu mal podia prestar
atenção em qualquer um deles. Não com aquele homem lindo sentado diante de mim, usando uma
camiseta gola polo azul meia-noite, inclinado em minha direção, dividindo fatias de manga comigo e
sorrindo para mim como se apenas nós dois existíssemos. Quase como se estivéssemos em nossa
própria bolha.
— Oh. Meu. Deus. — Amélia falou tão alto, que Thomas e eu nos viramos quase que ao mesmo
tempo para ela. A irmã loba que estava quase na outra ponta da mesa, usando um vestido rosa pálido,
com os olhos iluminados demais. Seu noivo empurrava uma xícara de louça contra a boca dele. —
Vocês fizeram sexo, não fizeram?
Eu me engasguei com a uva que eu tinha acabado de colocar em minha boca.
— Não fizemos. — Grunhi, sentindo todos os olhares recaindo sobre Thomas e eu. Os tios. As tias.
Os pais.
Minhas bochechas queimaram de verdade. Puxei um guardanapo de seda para limpar minha boca.
— É claro que fizemos. — Thomas anunciou em um tom divertido. — Porque é isso que pessoas
casadas fazem.
— Claro. — Bufei uma risada. E procurei seus olhos azuis para me refugiar. — Porque somos
casados.
Thomas piscou com uma calma gélida. Alguém repousou uma xícara contra um pires.
— Amélia. — Christine a repreendeu trincando os dentes. A mãe de Thomas estava sentada de frente
para sua filha, usando um vestido verde água. — Isso é coisa que se diga?
— Me perdoe mamãe. — Amelia retrucou como se estivesse segurando uma risada. Ela mexeu os
ombros, empurrando seus cabelos louro dourados para trás. — É que eu estou muito feliz que eles
estejam fazendo sexo.
— Você parece muito interessada na vida sexual do seu irmão Amelia — Michael murmurou
segurando um bagel com granulados coloridos. — Algum motivo especial?
— Não. — Amelia retorquiu fingindo desdém. — Motivo nenhum.
Apoiei meu cotovelo direito sobre a mesa, e recostei meu queixo em minha mão. E desejei
desaparecer daquela mesa.
— Oh céus, — Lilian ronronou arregalando os olhos, — eu já sei o que está acontecendo.
Thomas e eu trocamos um rápido olhar. Edmund e Jackson se remexeram em seus assentos, e
Christine encarou sua irmã.
— Sabe? — Thomas indagou, encarando sua tia também.
— Sim. — Lilian afirmou com tanta convicção que meu intestino se contorceu em um nó tão gelado.
— Vocês estão tentando ter filhos.
Engasguei novamente. Desta vez, com minha própria respiração. O silêncio pesou por um instante na
mesa. Amelia apertou os lábios, Christine e Michael ergueram as sobrancelhas. Eu contraí os dedos
do meu pé dentro da minha sapatilha.
— Exatamente isso. — Thomas confirmou com algum divertimento. — Estamos tentando ter filhos.
Um falatório se instalou na mesa. E eu fuzilei aqueles olhos azuis.
— Filhos? — Jackson e Edmund grunhiram em uníssono.
— Isso é maravilhoso. — Christine comentou com a voz mole. — Eu irei me tornar avó?
Chutei a canela de Thomas por debaixo da mesa, para que ele não ousasse fazer aquilo. Não com os
olhos âmbar dourados de sua mãe brilhando tanto. Não com Michael sorrindo como se estivesse tão
feliz pelo filho.
— Sim, mamãe. — Thomas respondeu me ignorando por completo. — Talvez em nosso próximo
encontro a família esteja maior.
— Eu nem sequer tenho palavras. — Christine murmurou, colocando a mão direita em seu peito. —
Estou tão feliz por vocês, meu filho.
Os tios de Thomas estalaram a língua com desprezo. E não chutar aquele homem outra vez foi um
esforço. Ele tomou minha mão direita para sim, e abriu um sorriso cínico demais. Não consegui
evitar beliscá-lo.
— Estamos muito felizes também. — Meu marido anunciou. — No entanto, não vamos deixar que
isso se torne o centro das atenções. — Thomas virou sua cabeça para a direção de Amelia. —
Afinal, minha irmãzinha agora é uma mulher casada.
Amelia franziu o nariz e se debruçou no peito do seu noivo, que estava sentado ao seu lado. Eles
trocaram um beijo e graças a Deus, o assunto foi direcionado a eles. A lua de mel seria no Havaí,
com direito a uma hospedagem em uma das suítes mais luxuosas do hotel mais chique de todo o país.
Eu pensei em como deveria ser fascinante ter uma vida daquelas. Não ter preocupações com contas
ou emprego, comprar joias de milhões de dólares, poder viajar para qualquer lugar mundo, comendo,
bebendo e fazendo passeios como se o dinheiro caísse do céu. Era mesmo uma vida de se invejar.

CAPÍTULO 50

Depois do café da manhã, Thomas me convidou para um passeio naquela mesma praia. Algo sobre
como a manhã estava ensolarada, e sobre como poderíamos passar muitas horas brincando na areia
ou dividindo um dia de preguiça longe de todo mundo me fizeram aceitar o convite sem que fosse
preciso muita insistência. Alguns convidados começavam a deixar a mansão, caminhando de um lado
para o outro com suas bagagens grandes demais, e recebendo motoristas na entrada da propriedade.
Enquanto os empregados montavam a cesta que Thomas tinha pedido, nos dirigimos ao quarto para
pegarmos nossos trajes de banho. Meu marido disse que estava aguardando ansiosamente para que
eu vestisse aquele maiô verde-musgo outra vez, mas apenas para ele. E eu ri pensando naqueles
primeiros dias da viagem. Um minuto antes de entrarmos no quarto, Thomas me girou pela cintura e
me beijou. Envolvi meus braços em seu pescoço e ele subiu suas mãos até minha cintura. De testas
coladas, abrimos um sorriso no meio do beijo.
— Por que isso agora? — Perguntei em um tom mole. Seus olhos cintilavam demais.
— Eu senti vontade de te beijar. — Ele ronronou. Alguns convidados cruzaram o corredor,
arrastando suas malas pesadas. — E como sei que posso fazer isso agora, você vai ter que se
acostumar.
— Não será um problema. — Murmurei. Inclinei o queixo e pressionei um beijo suave contra sua
boca. — Eu gosto quando acontece.
Os convidados desapareceram na curva antes da escadaria.
— Ótimo. — Thomas retrucou em um tom preguiçoso, e então me girou mais uma vez, me deixando
de costas para ele e começou a beijar meu pescoço. — É bom saber que concordamos em algo.
Sorri. Quem diria que aquele idiota me faria tão bem.
E ele ainda estava me abraçando pela cintura quando abri a porta. E no momento em que dei um
passo para dentro do quarto, sorrindo e abraçando as mãos de Thomas, avistei Heather sentada em
nossa cama, com as pernas cruzadas. Os cabelos ruivo-sangue soltos, ondulando pelos ombros. Um
sorriso de víbora estampado em seus lábios vermelhos demais.
— Olá Thommy. — Ela disse em um tom viperino, direcionando seu olhar a ele. — Eu estava
esperando por você.
Thomas me soltou do seu abraço e deu um passo para frente, se posicionando ao meu lado. Ele
segurou minha mão esquerda.
— O que está fazendo em meu quarto? — Thomas perguntou. O tom pesado, duro. Não existia nada
do homem carinhoso e meigo que tinha feito amor comigo naquela mesma cama há poucas horas
atrás.
Heather estalou a cabeça para o lado fazendo um beicinho.
— É assim que você me recebe, Thommy? — Ela indagou com tanto escárnio, que meu coração
esfriou. — Não costumava ser assim.
— Heather. — Thomas falou mantendo o tom pesado. — Eu peço que se retire, por gentileza.
— Oh, mas eu acabei de chegar aqui. — Ela retrucou com deboche. Então enrolou uma mecha do seu
cabelo vermelho rubi em seu dedo indicador e apontou com o queixo para mim. — Por que não pede
ela para sair?
— Você quer dizer minha esposa? — Thomas bufou uma risada. — Você quer que eu peça minha
esposa, para sair do nosso quarto?
Heather balançou a cabeça em um sinal feroz de sim. O vestido verde cintilante justo demais em seu
corpo esbelte.
— Assim podemos matar a saudade um do outro — ela respondeu.
Inacreditável.
— Pelo amor de Deus, mulher. — Intervi. — Você não tem nem um pingo de amor próprio?
Aqueles olhos verdes floresta encontraram os meus.
— Amor próprio? — Ela repetiu antes de soltar uma risada debochada demais. — É algo que você
conhece bem, não é.... — Heather fez uma pausa dramática. Um sorriso esnobe cresceu seu rosto e
seus olhos fumegaram quando ela completou: — Ava Beckett.
O chão se desfez em areia sob meus pés.
— O quê? — Balbuciei. A mão de Thomas ficou tão gelada. — O que você disse?
— Ava Beckett. — Heather repetiu devagar. — É seu nome verdadeiro, não é? — Ela descruzou as
pernas lentamente e se colocou de pé. — Assim como na verdade, essa história de casamento é uma
enorme mentira.
Meu coração parou de bater. Literalmente.
— Heather, — Thomas arfou ao meu lado, — eu posso explicar.
— Oh, não Thommy. — Ela ronronou e caminhou até ele. Então o puxou pela mão, e se colocou entre
nós dois. — Você não precisa explicar nada. — Ela disse, tomando o rosto dele com as duas mãos.
— Eu sei que você é uma vítima nessa história.
A porta do quarto entreaberta deixava os sons das malas arranhando o piso inundarem o quarto.
— Eu não sou uma vítima. — Thomas bufou, e expulsou as mãos dela do seu rosto. Quase como se
tivesse levado um choque.
— Sim, você é. — Heather contrapôs espalmando as mãos que Thomas recusara pelo seu vestido. —
E eu estou aqui para te ajudar a se livrar dessa vadia interesseira.
Thomas trincou os dentes. O lobo contido.
— Eu não admito que você fale assim dela.
— Sério Thomas? — Heather questionou fazendo outro beicinho. — Você ainda defende ela?
— Escute. — Thomas pediu, e contraiu um músculo em sua mandíbula. Aqueles olhos azuis
encontraram os meus. — Seja lá o que você pensa que isso é, a senhorita Beckett está apenas me
ajudando.
— Ajudando? — Heather replicou ironicamente. Então balançou a cabeça em um sinal feroz de não e
reivindicou a atenção de Thomas outra vez para si. — Ela está usando você Thommy. Ela tem outro
homem, talvez um amante. E você deveria ver as coisas horríveis que eles dizem sobre você.
Oh não. Ácido quente corroeu minha garganta.
— Do que você está falando? — Thomas indagou em um tom um pouco agudo demais.
— Um dia desses eu confundi seu quarto com o meu. — Heather comentou com deboche. Então
enfiou sua mão em seu decote e retirou de lá um certo aparelho que fez o calor fugir do meu corpo.
— E por acidente, eu acabei pegando este celular. Acontece que eu não sabia a quem pertencia, e
Javier é gerente de tecnologia. — A dama de honra girou para mim. — Ele só precisou de alguns
minutos para conseguir rastrear sua verdadeira identidade, Ava Beckett. Você não deveria manter
todas aquelas fotos e informações em seu Instagram se pretendia dar um golpe assim. E depois,
Javier descobriu sua senha. Acidentalmente eu li algumas mensagens... e uma coisa levou a outra.
O gosto de cinzas sobrepujou em minha boca. Thomas tinha me pedido para deletar minhas redes
sociais, mas eu tinha relutado, adiado, e apenas me esquecido. E naquele momento, eu me senti tão
estúpida. E tive a impressão de estar sendo enterrada viva quando ela estendeu meu celular
desbloqueado para um Thomas pálido demais.
— Vá em frente Thommy, — ela encorajou com aquele tom venenoso. — Você vai adorar saber quem
essazinha é de verdade.
— Heather... — Thomas falou em um sussurro trêmulo quando aceitou meu celular. Eu não conseguia
me mover. — Nós podemos apenas...
Ele não conseguiu concluir a frase. Aquela rosa vermelha, que eu tanto subestimei, avançou outra vez
até o lobo branco agora tão recuado, e o puxou pelo colarinho. Minhas mãos cerraram em punho
quando ela o beijou.
— Não se preocupe Thommy. — Ela disse fitando seus olhos, a boca ainda úmida. — Eu estarei
esperando em meu quarto. E resolveremos tudo isso juntos.
Heather se dirigiu até a porta em passos curtos, deixando o quarto afundado em tensão. Mas um
segundo antes de sair, ela me lançou um olhar porco e declarou:
— Eu sabia que Thomas jamais se casaria com uma mulher como você.
E então ela bateu a porta atrás de si.
E eu parei de respirar ao notar os olhos de Thomas fixados naquela tela azul.

CAPÍTULO 51

Avaliei minhas opções.


Disparar até Thomas e arrancar meu celular de sua mão antes que ele lesse todas as mensagens que
eu troquei com Tyler, ou tentar explicar que eu tinha mudado minha opinião ao seu respeito. Mas
enquanto os olhos de Thomas seguiam pela tela, as mensagens se repetiram em minha mente.
Eu odeio Thomas. Sério.
Ele é um cretino arrogante. Um idiota egocêntrico.
Ele é tão patético que dá pena.
A sorte dele é que ele é rico e pode se esconder atrás do dinheiro da família.
Ele é o homem mais desprezível que eu já conheci.
Apenas prometa que quando eu voltar, vai trepar comigo com tanta força que não me lembrarei
nem mesmo do nome desse imbecil.
Esse Sawyer realmente parece um tapado.
Vou comprar seu vinho favorito e daremos boas risadas da cara dele.
E em seguida, vou te foder do jeito que você gosta em cima do dinheiro dele.
E talvez fossem aquelas palavras amargas o motivo das lágrimas agora brilhando naqueles olhos
azuis. Ele não disse nenhuma palavra. Não disse nenhuma palavra quando apertou seus olhos com
força, e caminhou até a pequena mesa do quarto. Então colocou meu celular ali, com cuidado
excessivo, e se dirigiu até a janela. O silêncio pesou no quarto. Tão estridente, que quando ele
afastou a cortina para observar a vista, o tecido rangeu alto demais. E ele se manteve naquela postura
fria. As mãos fechadas em punho atrás das costas, o peito inflado sob aquela camiseta azul meia-
noite, os ombros alinhados. Cada uma das guardas que ele abaixara para mim, agora estavam todas
erguidas.
— Thomas — fui a primeira a falar alguma coisa. Minha voz soou embargada demais, trêmula
demais. — Me deixe explicar.
— Não há nada para explicar. — Ele rebateu com a voz mais fria que a morte.
Eu me obriguei a caminhar até ele.
— Thomas, por favor — pedi por cima do nó em minha garganta. — Me escute.
— Não — ele disparou sem desviar a atenção daquela janela. — Eu já tive o suficiente.
Aquilo foi como uma lâmina rasgando meu intestino. Lágrimas ácidas pesaram em meus olhos.
— Por favor. — Sussurrei, e levei minha mão direita até seu ombro enrijecido demais. — Eu sinto
muito.
— Não sinta. — Ele repetiu, e expulsou minha mão do seu ombro com a mesma aversão que afastara
Heather. — Você não precisa lamentar nada, senhorita Beckett. — Senhorita Beckett. A forma que
ele disse... um tapa na cara teria doido menos. — Eu cometi o erro de me esquecer que a senhorita só
estava fazendo isso para não ser acusada de roubo. E é claro, — seu olhar frio demais encontrou o
meu, — pelo dinheiro.
Balancei minha cabeça em um sinal de não.
— Thomas...
— Eu quero que você vá embora. — Ele avisou trincando sua mandíbula. — Eu farei uma ligação e o
jato estará aqui em menos de dez minutos.
— Thomas....
— Quando eu retornar a Nova York, entrarei em contato para acertamos os detalhes do pagamento.
— Sawyer retrucou com frieza demais. E seus olhos. O azul agora era uma indiferença pura e cruel.
— Eu sei que eu disse que não deixar que ninguém descobrisse era parte do acordo, mas a senhorita
se esforçou tanto, não é verdade? — Ele grunhiu uma risada cruel. — Você até mesmo me fez
acreditar que estava se apaixonando por mim.
Eu desejei tanto poder dizer que eu estava realmente apaixonada por ele.
— Por favor — murmurei, e foi tudo que saiu da minha boca. Os espinhos em minha garganta eram
sufocantes demais para que eu formulasse alguma frase longa. Aquela distância de trinta centímetros
que nos separava parecia tão grande, e minhas mãos... nunca pareceram tão pesadas.
— Apenas vá. — Thomas rosnou. Rosnou de verdade. — Eu estou cansado de você.
Eu fiquei inerte. Não consegui me mexer ou falar mais nada quando Thomas apenas declarou que eu
deveria sair pelas portas dos fundos, e que nada daquele lugar me pertencia. E então, ele deixou o
quarto e eu sabia muito bem com quem ele iria se encontrar. Heather. Ele iria tentar resolver as
coisas com ela. Usando quaisquer mentiras que fosse preciso, aceitando qualquer negociação que ela
fosse impor.
E eu não suportei pensar sobre aquilo. Não suportei pensar sobre ele se deitando com ela. Lágrimas
silenciosas inundaram meu rosto, mas eu não permiti que meu corpo desmoronasse ali. Eu deveria
saber que aquilo que eu estava vivendo com Thomas, o que quer que fosse aquilo, era como o navio
Titanic. Era fascinante, encantador, lindo. Mas estávamos destinados a naufragar. Havia um enorme
iceberg chamado realidade me esperando, pronto para colidir com aquela ilusão. E assim como o
navio, eu também fui pega de surpresa. Justo quando achei que tudo estava tão bem, um duro choque
me acertou. E não existia nada que eu pudesse fazer para impedir. Apenas aceitar que era a hora de
afundarmos.
Mas não significa que foi fácil.
Eu já estava na área dos fundos da mansão quando o jato começou a pousar a cerca de 300 metros de
distância. A grama se estendia em verde-limão agora farfalhando para receber a aeronave. Todos os
convidados e familiares usavam as áreas da frente para deixar a mansão, então eu me apressei em me
dirigir até o jato branco. Eu não saberia como justificar minha partida, eu não saberia dar um destino
para tudo aquilo. Ninguém podia me ver. Funguei. O percurso fora livre até ali, e eu realmente
acreditei que eu fosse conseguir deixar aquela mansão sem que ninguém me avistasse. Mas quando
faltavam 15 metros para que eu alcançasse o jato, um grito agudo me fez parar. Virei. Era Amelia.
Com aquele mesmo vestido rosa pálido esvoaçante que ela estava usando durante o café da manhã.
— Aonde você está indo? — Ela perguntou ao se aproximar. O jato atrás de mim agora estava com a
escada debruçada para mim.
— Eu estou indo embora — respondi com a voz abafada demais. O sol tão dourado e radiante
banhando o dia que Thomas e eu deveríamos estar passando na praia.
A irmã de Thomas arqueou as sobrancelhas.
— Você não pode ir embora. A festa ainda não acabou.
Aquele lugar. Aquela mansão. Aqueles dias. Eu realmente não sabia como eu apagaria aquilo da
minha mente. Como eu não deixaria que tudo me devorasse.
— Acabou para mim.
— Oh, querida — ela ronronou e me puxou para um abraço apertado. — O que aconteceu?
— Eu preciso voltar para minha vida real. — Murmurei me rendendo ao abraço. O cabelo louro
dourado de Amelia grudou em minhas bochechas molhadas. — E isso é um pouco mais difícil do que
eu achei que seria.
— Então fique.
— Eu não posso. — Funguei, tentando engolir o choro. — Mas foi maravilhoso te conhecer. — Eu
me afastei apenas para encarar aqueles olhos tracejados por ouro. —Obrigada por ter permitido que
eu passasse todos esses dias aqui com vocês.
— Ava, eu é que agradeço. — Ela falou com a voz trêmula. Quase como se gostasse de mim também.
— Sabe por que concordei com toda essa mentira?
Ergui os ombros.
— Por que você estava entediada? — Solucei.
O vento quente soprou nossos cabelos.
— Não — ela deixou escapar uma risada vazia. E lágrimas cintilaram em seus olhos. — Porque eu
amo meu irmão. — Ela apertou minhas mãos. — E tudo que eu quero é vê-lo feliz.
Sacudi minha cabeça tentando afastar o choro.
— Faça um favor para mim, — falei lutando contra o agudo em minha voz, — diga a ele que eu sinto
muito. — O aperto que reivindicara minha garganta me machucou. — Diga a ele que eu sinto muito
de verdade.
Amelia me abraçou outra vez. Ela me desejou boas coisas, e eu me despedi dela pela última vez para
me dirigir até o jato. Eu nunca achei que eu partiria daquele lugar com o coração tão pesado. Pesado
pelo que eu encontraria em Nova York, e ainda mais pesado pelo que eu estava deixando para trás.

CAPÍTULO 52

A viagem de volta para Nova York foi marcada por um breve período de choro e longas horas
dormindo, por causa do calmante que a aeromoça me ofereceu. Algo sobre evitar um segundo ataque
de pânico. Em meu celular, mensagens de um Tyler muito mentiroso se acumulavam aos montes.
Ignorei tudo. Todos os pedidos de desculpas, todas as falsas justificativas. E quando eu finalmente
cheguei em Nova York, havia um táxi me aguardando no exato momento em que desci do jato, no
mesmo local de onde havíamos partido rumo a Austrália.
Meu coração doeu ao me recordar de como naquele mesmo campo gramado, conheci um Thomas
Sawyer tão irritante. Entrei no veículo e informei o destino ao taxista. E quando o carro começou a se
locomover, tudo parecia sem graça demais, cinza demais. As pessoas, os prédios, os
estabelecimentos. Nenhuma cor era tão reluzente a ponto de me chamar atenção, nenhuma cena
merecia ser assistida, nenhum detalhe parecia ser único. Tudo era mórbido e apagado. Exceto por um
detalhe. Aquele anel escandaloso em meu dedo. Eu tinha... me esquecido dele. Por que eu ainda
estava usando aquele maldito anel e aquela estúpida aliança?
Levei minha mão direita até o meu dedo anelar esquerdo para remover aquelas peças que me
tornaram oficialmente Katherine Sawyer. Mas minha mão apenas congelou. Eu queria remover
aquelas joias, mas meu corpo não queria me obedecer. Quase como se eu soubesse que ao fazer
aquilo eu estaria me despedindo de uma vez por todas de toda aquela fantasia. E a verdade é que eu
não queria que aquilo acabasse. Talvez porque eu não estava nem um pouco preparada para encarar a
realidade.
E talvez por este motivo, quando o taxi parou e me deixou no prédio onde Tyler e Ian moravam,
permiti que as joias permanecessem em meu dedo anelar por mais um tempo. Se eu fosse enfrentar
meu ex-namorado que provavelmente tentaria me manipular de todas as formas possíveis, eu
precisava de um lembrete de que ele não era o único homem na face da terra.
Ergui minha cabeça fingindo que eu não estava destruída por dentro, entrei no prédio e subi as
escadas rumo a aquele apartamento que eu considerei meu lar por dois meses.
Parei em frente a porta. Três batidas. O morador ruivo foi quem atendeu.
— Você está horrível. — Ele declarou ao abrir a porta. Até seu deboche agora era... entediante. —
Achei que voltaria de viagem com uma cara um pouco melhor.
Suspirei. Eu nem tinha ânimo para responder ás provocações daquele idiota. E eu estava ali apenas
por um motivo.
— Onde está Tyler? — Perguntei. Com a voz tão baixa. O corredor vazio, quieto como o apartamento
atrás daquela porta.
Ian ergueu os ombros com descaso.
— Por acaso me pareço com o GPS particular dele?
Soltei outro suspiro. E pisquei devagar. O vestido amarrotado que eu ainda usava desde a Austrália.
Austrália. Há um dia atrás eu estava em outro continente. Empurrei Ian e entrei no apartamento
apenas para pegar algumas mudas de roupa. Nada ali me interessava. A sala estava forrada por
embalagens vazias, as louças se acumulavam na pia, roupas estavam espalhadas por todo o canto.
Tudo pareceu tão sujo e feio depois de todo o luxo e organização impecável da mansão. Entrei no
quarto de Tyler. As roupas todas reviradas, garrafas de bebida, caixas de pizza, lençóis amassados.
Ânsias me acertaram de verdade. Abri as gavetas que me foram emprestadas e peguei três blusas,
duas calças jeans e quatro pares de roupa íntima. Saí do quarto. Ian ainda aguardava no mesmo lugar,
ao lado da porta de entrada.
— Se o ver, diga que preciso conversar com ele.
Avisei e virei as costas, pronta para ir embora. Eu não tinha a menor ideia de para onde ir, mas eu
tinha certeza de que aquele apartamento não era uma opção.
— Por que? — A pergunta de Ian ecoou através do corredor. — Por que precisa falar com ele?
Inspirei.
— Não é da sua conta Ian. — Bufei, ainda de costas para ele. — Apenas diga que preciso falar com
ele.
Fiz menção de caminhar, mas um arquejo tão tenso de Ian me impediu.
— Eu achei que minhas mensagens abririam seus olhos. — Ele falou em um tom frio. — Mas eu
talvez eu devesse ter acrescentado que ele te traiu com cada garota da sua cidade enquanto você
acreditava que era exclusiva. Que você não foi a única a perder a virgindade para ele em uma
determinada colina. Que eu encontrei aquele quadro na lixeira do nosso quarto de faculdade, e
guardei porque gostei da pintura. Que ele não ama você. Nunca amou.
Eu me desvinculei do meu próprio corpo.
— Você não sabe nada sobre nós dois. — Grunhi. — Cuide da sua própria vida.
— Ou talvez eu saiba mais do que você imagina — ele retrucou com escárnio.
Meus dedos se fecharam com força contra aquela sacola que continha minhas roupas. Eu me virei
para ele.
— O que você quer dizer com isso?
Ian estava escorado contra a porta do apartamento, com os braços cruzados na altura do peito.
— A mesma coisa que me refiro quando todas as garotas que acreditam nas doces mentiras que ele
conta vêm bater em nossa porta. — Ele disse com uma calma letal. — Tyler só irá se interessar por
você enquanto tiver algo a oferecer para ele.
Balancei minha cabeça em um sinal feroz de não.
— Por que eu deveria acreditar em você?
— Por que não deveria?
Meu coração mergulhou. Ian era uma das pessoas mais detestáveis que eu já tinha conhecido, e ainda
assim, eu sabia que ele estava dizendo a verdade. E ouvir aquelas coisas sobre o homem que eu tanto
amava, o homem que há poucos dias antes eu jurava ser o amor da minha vida, era muito mais do que
eu podia suportar. Era como se existisse uma ancora presa em meu tornozelo, me puxando cada vez
mais para baixo.
— O que você quer de mim? — Questionei, me esforçando para engolir o aperto em minha garganta.
— O que espera conseguir me dizendo estas coisas?
Ian se descorou lentamente da parede e caminhou até parar a 20 centímetros de distância de mim. A
blusa cinza opaca marcando seu corpo tão esquálido, um cheiro de queijo azedo ondulando dele.
— Eu não quero nada de você. — Ele disse me encarando com aqueles olhos castanho alaranjados.
— Você me fez um favor me livrando de ir parar na cadeia, e agora estou te retribuindo ao dizer
quem Tyler Griffin é de verdade.
— Eu não sei o que fazer. — Confessei com a voz quase falhando. — Eu realmente não faço a menor
ideia do que fazer.
— Se está precisando de algum tipo de conselho para sua vida, eu não sou a pessoa correta para
fazer isso — Ian disparou. Seu olhar percorreu meu corpo até alcançar o azul escandaloso daquele
diamante em minha mão esquerda. — Mas se eu fosse você, eu iria embora. Fugiria com o dinheiro
que conquistou e recomeçaria do zero.
Como eu podia explicar que o dinheiro... o dinheiro agora não tinha o menor valor para mim? Ian
virou as costas e retornou ao apartamento, fechando a porta com força atrás de si e me largando
sozinha naquele corredor. E eu comecei a me perguntar como eu tinha chegado ali. O que tinha
acontecido comigo. Como é que absolutamente tudo tinha dado tão errado em minha vida. E nada
parecia fazer tanto sentido quanto justamente o conselho de Ian Monroe. Mas não a parte de
recomeçar do zero e muito menos a parte de fugir com o dinheiro. Apenas a parte de ir embora. Ir
embora para onde eu realmente pertencia. Voltar para minha cidade natal, onde eu poderia ficar ao
lado dos meus pais e de Sophie.
Mas eu precisava fazer uma coisa primeiro.
Falar pela última vez com Thomas Sawyer.

CAPÍTULO 53

Aguardei cinco dias pelo contato de Thomas Sawyer. Cinco dias nublados demais que passei no
apartamento de Adam, agora do outro lado da cidade. Tanta coisa tinha mudado em apenas 12 dias.
Ele agora morava em um prédio bonitinho, e sua residência não era suja e feia como a que eu conheci
anteriormente. Ainda havia muitos gatos, mas tudo era novo, limpo e cheiroso. Conversamos. Ele me
disse que nunca quis concordar com aquele plano, mas que aparentemente Tyler sabia sobre alguns
segredos dele, e o chantageou. Por isso agora ele estava morando em outro lugar. E eu percebi que
meu ex-namorado se distanciava cada vez mais de quem eu achei que ele fosse. Adam foi um bom
amigo. Ele me emprestou roupas confortáveis, deixou que eu chorasse em seu sofá, e até mesmo
passou longas horas em jogos bobos comigo para me distrair da espera.
E eu pensei que se eu não estivesse tão decidida a retornar para Norshingan, poderíamos nos tornar
amigos. Ele me convidou para dividir o apartamento com ele. Fizemos algumas piadas muito tristes a
respeito de quem estava pior na vida, e concluímos que era eu. Eu estava no fundo do poço, submersa
por muitas merdas. Eu telefonei para Tyler. Eu queria fazer aquilo pessoalmente, e por isso eu
dissera para Ian que eu precisava falar com ele. Mas eu estava tão quebrada, que eu apenas disquei
seu número, esperei que ele atendesse e despejei tudo que eu estava sentindo. Eu falei que eu nunca
mais queria vê-lo, e que ele deveria fingir que eu estava morta. Xinguei alguns nomes sujos, e não
oferecei tempo para que ele respondesse. Desliguei a chamada. E oficialmente o excluí da minha
vida.
Fiquei muito bêbada naquele dia. Bêbada a ponto de dormir abraçada com três gatos de Adam. Ele
soltou uma gargalhada muito rouca quando viu a cena, e eu praguejei contra ele. Foi no mesmo dia
que Thomas finalmente entrou em contato. Um e-mail. Curto. Poucas palavras. Apenas o horário e o
local.
E enquanto eu estava naquele elevador, me dirigindo a cobertura de Thomas Sawyer, eu pensei que
talvez eu não conseguiria fazer aquilo. Que minhas pernas trêmulas me trairiam, e eu não conseguiria
me mover quando as portas de aço se abrissem. Que meu coração acelerado não me permitiria
respirar. Que minha voz não atravessaria aquele túnel fechado em minha garganta.
Tique.
O elevador abriu. E o sangue parou de correr em minhas veias quando avistei Thomas. Ele estava em
pé, de costas para minha direção, observando o paredão de vidro que oferecia vista para toda Nova
York. Uma camiseta branca de mangas compridas enroladas até os cotovelos, colete roxo púrpura, e
uma calça escura. Sua mão esquerda estava enterrada no bolso da frente da calça, enquanto sua mão
direita segurava um copo com uma bebida amarelo-dourada. Sua casa. Seu território.
— Olá senhorita Beckett — ele cumprimentou sem desviar seu olhar, no mesmo instante em que eu
saí daquela caixa gigante de aço. O tom era tão pesado, tão frio.
Meu corpo inteiro tremeu. Inspirar era quase como engolir espinhos.
— Olá Thomas. — Respondi por cima do sufoco em meio peito. — É bom te ver de novo.
Sawyer virou apenas sua cabeça para minha direção, exibindo uma mandíbula cerrada demais. A
pouca luminosidade do dia, da cidade que se perdia em cimento além daquela janela grande de
vidro, reluziu contra sua pele cor de creme.
— Seu dinheiro está na mala. — Ele falou mantendo aquele tom cruel. — Pode pegar e se retirar.
Meus olhos percorreram a sala. Eu mal tinha reparado na adega, na estante, nos objetos, nos vasos e
estátuas, no sofá de couro preto. Apenas nele. Em como ele parecia tão rígido. Encontrei uma maleta
de couro marrom, que estava sobre a mesa de centro. Era tão simples. Caminhar até ali, pegar os 50
mil dólares, e retornar para Norshingan. Ainda assim, eu não me movi.
— Eu não estou aqui pelo dinheiro — confessei por fim. Minha voz soou baixa demais.
— Você não está aqui pelo dinheiro? — Ele indagou com escárnio. — É claro que você está aqui
pelo dinheiro. Tínhamos um acordo. Na verdade, você levou sua parte tão a sério que até trepou
comigo. — Thomas bufou uma risada e girou todo seu torso para minha direção. Uma mão ainda
enfiada no bolso, a outra segurando o copo. O azul em seus olhos mais frio que um inverno cortante.
Indiferente. Distante. — Diga-me Beckett, qual é o seu valor?
— O quê? — Murmurei.
Thomas me estudou com o olhar. Aquilo foi... cruel.
— Quanto eu tenho que te pagar se eu quiser te foder de novo? — Ele perguntou com puro deboche.
E eu nunca, nunca me senti tão humilhada em toda a minha vida. Apertei meus olhos.
— Eu não quero seu dinheiro. — Falei. Minha voz foi apenas um sussurro abafado. — E eu também
não quero esses anéis. — Retirei o diamante azul e a aliança gorda de ouro do meu bolso, e coloquei
os dois objetos na estante mais próxima. Encarei aqueles olhos tão letais. — Eu não quero nada que
venha de você.
Thomas ergueu as duas sobrancelhas e deu um passo rumo a mim. Cerca de seis longos metros ainda
nos separavam. O silêncio em sua cobertura era tortuoso.
— O que está fazendo aqui então?
Eu o observei com calma. Os cabelos pretos azulados penteados para trás, os lábios rosa mousse de
morango, a pele cor de creme um pouco mais pálida. O colete roxo púrpura de três botões em seu
torso, os antebraços fortes, a calça escura cobrindo suas coxas grossas. Lindo. Thomas Sawyer era
tão lindo. Mas ainda assim, não era sobre sua beleza fria.
— Eu sei que eu te magoei. — Confessei tentando manter a voz firme. — E eu realmente sinto muito
por isso.
Lágrimas quentes se empoçaram em meus olhos. Um músculo tremeluziu em sua mandíbula, e ele
bebeu um gole antes de perguntar:
— Isso é tudo?
Tão gelado. Tão distante.
— Foi real para mim. — Falei baixinho. Eu não tinha admitido aquilo em voz alta em nenhum
momento. E eu tinha refletido de novo e de novo durante os dias que passei com Adam, e cheguei a
concluir em algum momento que era melhor não dizer. Mas bem ali, observando o estrago que eu
tinha feito depois daquelas mensagens, eu percebi que eu precisava dizer. Então emendei com a voz
excruciantemente trêmula, sem desviar meu olhar: — Eu me apaixonei por você, Thomas Sawyer.
Foi difícil dizer aquilo. Tão difícil, que uma cortina de lágrimas escorreu em meu rosto. Mas a pior
parte, foi que ele não disse nada. Ele apenas soltou um arquejo frustrado, como se minha declaração
tivesse zero impacto em sua vida. Como eu se fosse tão insignificante para ele. Irrelevante. Eu
preferia todo o deboche, todas as ofensas, todas as zombarias. Qualquer coisa. Não aquele silêncio
denso, oco, frígido.
Aquele estúpido ditado? Azar no jogo, sorte no amor?
Não. Eu não tinha sorte em nenhum dos dois. Tyler era um mentiroso que só queria se aproveitar de
mim. E Thomas Sawyer... naquele momento eu me dei conta de que o coração de Thomas Sawyer não
estava aberto para mim. Pelo contrário. Estava fechado de todas as formas possíveis.
Apenas assenti com a cabeça, incapaz de dizer qualquer outra coisa. Virei as costas e pressionei o
botão do elevador, antes que o pranto me consumisse. É verdade que eu estava destruída naquele
momento, mas eu me recusava a permitir que meu sofrimento se tornasse um espetáculo para ele. Um
show ao qual ele assistiria sem o menor interesse, estando ali apenas obrigação.
Não, eu não queria aquilo.
Tudo que eu queria era retornar para Norshingan, o mais depressa possível, e esquecer de tudo
aquilo. Sem carreira de sucesso, sem emprego e sem nenhum amor. De mãos abanando e com meu
coração partido em mil pedacinhos. Porque eu estava desmoronando, e eu precisava de algo que me
mantivesse firme. Algo que me segurasse agora que minhas estruturas estavam se desfazendo. E
minha família seria o perfeito alicerce para mim.
E é isso.
Esta é a história de como eu conheci Thomas Sawyer.

CAPÍTULO 54
Thomas Sawyer

Conheço uma pessoa que uma vez que me disse que meu comportamento é apenas um mecanismo de
defesa. Uma barreira que criei para evitar passar novamente pelo mesmo tipo de dor que precisei
enfrentar um dia.
Perdedor.
Ele não sabe nada sobre mim.
Na verdade, ele sabe.
E já que estou sendo honesto, não é ele. É ela.
Amelia Sawyer. Minha irmã caçula.
Como eu poderia defini-la sem dizer que ela é literalmente um pé no saco?
Ela é curiosa, insistente e ás vezes parece ter ficado presa na infância. Para início de conversa, ela
tem uma obsessão quase doentia pela Disneylândia e todos os seus filmes, músicas e personagens.
E eu estava indo bem, vivendo minha vida totalmente perfeita até que ela inventou de se casar.
Por quê?
Por que se casar e criar um evento no qual eu precisava ser convidado?
Ela não poderia ter simplesmente me enviado uma lista de presentes? Eu teria a comprado toda a
lista. Não que ela precisasse. Ela era tão bem-sucedida quanto eu.
Mas por quê, por qual motivo me convidar para um casamento quando ela sabia que eu não gostava
de casamentos?
Especialmente quando ela não esperava que eu aparecesse sozinho. Há cerca de um ano tínhamos nos
encontrado para almoçar, e ela insistiu que eu conhecesse uma de suas amigas. Mas as amigas de
Amelia eram todas iguais – mulheres desesperadas por um relacionamento. E eu não queria aquilo.
Então quando ela insistiu demais, eu disse que estava saindo com outra mulher. Katherine. O
primeiro nome que veio à mente. Talvez porque era uma cliente chata demais com quem eu tinha me
reunido na última semana. E eu deveria ter parado aí. Mas, alguns meses depois ela me ligou falando
que tinha marcado um encontro para mim. Eu disse que não iria, mas Amelia não aceitava não como
resposta. Então ela insistiu. De novo, de novo e de novo. E eu disse que eu tinha me casado.
Porra.
Eu não devia ter feito aquilo. Porque agora eu não sabia mesmo o que fazer com aquele estúpido
convite em minha gaveta com um espaço vazio me lembrando que eu ainda não tinha confirmando
minha presença. Eu queria simplesmente inventar uma doença ou um imprevisto para não
comparecer. Mas seria imperdoável da minha parte não ir ao casamento da minha única irmã
propositalmente.
E como eu poderia fazer isso? Como eu poderia perder o casamento daquela extrema intrometida,
quando ela era uma das minhas pessoas preferidas do mundo?
Se a ocasião fosse apenas entre ela, nossos pais e seu noivo, eu teria relutado muito menos para
responder aquele convite. Mas, seria um evento que reuniria toda a família Sawyer. E já fazia um
longo tempo em que eu não via minha toda a minha família. Para ser honesto, eu não estava nem um
pouco a fim de revê-los.
Bem, na verdade, eu não sabia se eu estava pronto para revê-los.
E não era apenas sobre eu ter mentido que estava casado.
O motivo também estava relacionado a minha falecida esposa, Hayden Sawyer.
Porque sim, está correto. Eu já tinha sido casado. E talvez por isso eu detestasse casamentos.
Meus pais eram incríveis e felizes. E eu nunca quis deixar que eles soubessem como meus tios e
meus primos eram tóxicos para mim, porque eu nunca quis causar nenhum problema com meus
parentes. Após ter enfrentado um verdadeiro inferno durante toda a minha infância e adolescência, eu
estava pronto para nunca mais os ver. Foi fácil porque recebi cartas de admissão em universidades
espalhadas por todo o mundo, afinal, ter alguém da família Sawyer como estudante era um privilégio
que muitas faculdades estavam concorrendo para ter. E de todas as opções que eu tinha, decidi ir
para a Irlanda. O mais longe possível de todos os meus familiares. Eu tinha apenas 17 anos e já
estava preparado para deixar minha vida para trás. Sem nenhuma dificuldade.
Foi exatamente quando me mudei de país que a conheci. Aquela linda Irlandesa, que trabalhava como
garçonete em um pequeno lugar chamado “Shaw’s”. Era uma cafeteria que ficava aberta até tarde da
noite, e servia excelentes panquecas.
Mesmo indo diariamente no Shaw’s, demorei algumas semanas para notar que Hayden gostava de
mim. Apesar de nossas constantes trocas de olhares seguidas por aquele gesto que ela sempre fazia –
sorria, abaixava a cabeça e colocava uma mecha de cabelo atrás de sua orelha – eu costumava achar
que não era nada demais.
Até que um certo dia, eu estava tão concentrado em meus estudos, que não vi a hora correndo. Só
percebi que o local estava prestes a fechar quando notei uma presença feminina se aproximando
timidamente da mesa em que eu estava. Ergui o olhar e só então eu realmente prestei atenção nela.
Hayden Mellsborie.
A garota pela qual em menos de 2 semanas eu estaria completamente apaixonado. A garota que me
faria enxergar meu valor e decidir assumir uma posição de respeito dentro dos negócios da família
Sawyer. Que me encorajaria a cuidar melhor do meu corpo, atingindo uma forma física que me daria
orgulho. A pessoa que me amaria tanto a ponto de largar toda a sua vida na Irlanda e se mudar
comigo para Chicago. A mulher que me tornaria um homem.
Nos casamos pouco tempo depois de um ano juntos, quando tínhamos 18 anos. Jamais me esquecerei
o susto que minha mãe levou quando a telefonei e a contei que eu iria me casar. Ela insistiu em uma
cerimônia de alto luxo, indo contra o desejo de Hayden. Minha doce e adorada futura esposa queria
uma cerimônia simples, apenas para amigos e familiares. Mas, se tratando da família Sawyer, as
coisas não podiam ser assim. E quando a imprensa começou a divulgar que o primogênito de Michael
Sawyer iria se casar, Hayden odiou tudo aquilo. Toda sua vida foi investigada e exposta pela mídia,
porque o mundo queria saber quem seria a nova felizarda que entraria para a prestigiada família
Sawyer. E ela detestava ter sua privacidade invadida.
Eu nunca compreendi o quanto aquilo realmente a incomodava. Quer dizer, quem não iria querer
fama, prestígio e riqueza da noite para o dia? Ela. Ela não queria nada daquilo. Ela queria uma vida
simples, no interior da Irlanda, de preferência em uma fazenda. E um dos maiores erros da minha
vida foi achar que se eu a convencesse de ir para o centro do mundo, ela mudaria de ideia e se
apaixonaria pela vida agitada.
Mas eu estava tão enganado. Eu estava tão sedento em exibi-la para meus primos que nem percebi
que eu estava a sufocando. Eu permiti que meu ego e vaidade crescessem a ponto de me tornar cego
em relação a Hayden. Eu achava que meu papel como marido se resumia em presenteá-la com joias,
bolsas, vestidos e sapatos de luxo, ao invés de ser presente para ela. Eu lhe dava tudo que o dinheiro
podia comprar, mas nunca oferecia um abraço ou perguntava como tinha sido seu dia.
Eu estava tão obcecado tentando me tornar o homem mais admirável da minha família, que não
consegui ver que dia após dia, eu roubava um pouco mais do brilho de Hayden. Com o passar do
tempo, ela já não sorria mais, e raras eram às vezes em que eu ouvia sua voz. E isto começou a afetar
o que eu chamava de nosso casamento. Os convites para as festas da alta sociedade chegavam para
ela, mas sua resposta era sempre não. Os vestidos, as joias e os sapatos caros começaram a se
empoeirar dentro do seu closet. Semanas se passavam e não trocávamos nem sequer um beijo ou um
abraço. Eu nunca estava em casa para ela, e ela começou a sumir para mim também.
Estávamos desaparecendo. Hayden, na vida que forcei para ela. E eu, dentro da obstinação de me
tornar exímio. Com vinte e um anos, eu estava prestes a atingir o ápice do sucesso – meu nome subia
cada vez mais dentro da hierarquia dos negócios da família Sawyer, e todos os dias eu estampava as
notícias como o jovem talentoso e multimilionário Thomas Sawyer. Por outro lado, meu casamento
atingia o cúmulo do fracasso. Hayden estava tão infeliz, que me pediu o divórcio. Mas eu não aceitei.
Um divórcio não combinaria com a fama que eu estava construindo. Eu a pedi uma nova chance e a
prometi que as coisas mudariam. Que eu seria um marido carinhoso e atencioso. E foi justamente nas
primeiras semanas da minha mudança que ela engravidou.
Havia um bebê em sua barriga. Mas não qualquer bebê. Meu filho. Eu seria pai.
Aquela notícia mudou minha vida. Tudo que eu acreditava ser importante perdeu o significado.
Aquela nova vida que se formava dentro do ventre da minha esposa, seria a vida que herdaria tudo
de mim. Absolutamente tudo que eu fosse e tivesse, seria daquela criança. E Hayden... eu nunca tinha
visto ela tão feliz. Seus olhos brilhavam e ela estava sempre com aquele sorriso iluminado. E eu
percebi que a ver feliz, era muito melhor do que qualquer prestígio no mundo dos negócios. Eu
comprei uma casa no campo para que Hayden pudesse se sentir melhor longe do tumulto da cidade.
Dançávamos sem música, observávamos o pôr do sol todos os dias, passeávamos de mãos dadas
pelos parques, cozinhávamos juntos e planejávamos mil coisas para nosso filho. E naqueles dias,
tudo estava perfeito. Eu não poderia desejar mais nada. Até que um dia, um telefonema me fez largar
uma reunião pela metade e dirigir cortando cada um dos sinais vermelhos até o hospital.
Porque era Hayden. Ela tinha perdido o bebê. Nosso filho.
E mesmo que eu fosse um dos homens mais ricos do mundo, eu não podia pagar aquele preço. Todo o
dinheiro que eu possuía não podia trazer meu filho de volta. Nada podia.
Eu me sentei na cadeira ao lado da maca em que Hayden estava deitada, e segurei sua mão,
procurando palavras para confortá-la. Mas eu não sabia o que dizer. Nenhuma palavra parecia ser
digna o suficiente de amenizar a dor de ter perdido nosso bebê.
Quando chegamos em casa naquele dia, ela foi até o nosso quarto e se deitou. E ela permaneceu ali
por três dias consecutivos. Sem conversar, se alimentar, tomar banho ou se mover. Ela estava
destruída, e precisava de ajuda. Uma ajuda que ia muito além de dar a ela espaço para que ela
pudesse passar pelo luto. Eu achei que o tempo seria o remédio necessário para ela. E foi o que dei a
ela.
Tempo.
Mas eu estava enganado.

CAPÍTULO 55

Era um quinta-feira por volta das 18h30. Chovia incessantemente, e os raios e trovões eram quase
aterrorizantes. Desci do carro que me levou embora e corri até a entrada de nossa casa, tentando
fugir das gotas enfurecidas. Tirei meu paletó e o deixei no armário ao lado da porta de entrada.
— Querida — chamei em voz alta. — Você não vai acreditar no dia que eu tive.
Hayden não respondeu. Imaginei que ela estivesse na cozinha fazendo o jantar, porque ela tinha
passado a fazer aquilo com frequência. Não tive pressa para afrouxar minha gravata, soltar as
abotoadeiras em meus pulsos e respirar um pouco. Naquele dia eu tinha enfrentado quatro longas
reuniões consecutivas, e eu estava exausto. Eu realmente precisava de uma boa bebida e uma bela
dose de sexo com minha esposa. Depois do longo período conturbado após o aborto, as coisas
estavam começando a se acertar entre nós. Como se estivéssemos caminhando rumo ao nosso final
feliz.
— Quer saber, — continuei falando em voz alta, imaginando que ela estava me ouvindo, — vamos
tirar o fim de semana para fazer uma viagem.
Estávamos falando há meses de viajar para a Irlanda, visitar os familiares de Hayden e ter um tempo
só para nós, longe de quaisquer perturbações. Eu planejaria uma surpresa para ela, mas eu não
conseguia manter nada escondido de Hayden. E então, quando eu já estava nos enxergando
caminhando de mãos dadas em um campo forrado por lírios ou passeando em algum castelo
abandonado, avistei a ponta do seu pé no chão da cozinha.
Meu coração disparou. E eu não sei como alcancei tão rápido seu corpo. Tudo que me lembro é que
havia um silêncio perturbador.
Hayden era tão bonita. Tinha cabelos castanhos claros que escorriam como cascatas em seus ombros,
e seus olhos eram da cor do oceano. E ela estava lá, tão frágil. Seus pulsos estavam manchados por
sangue, assim como seu vestido amarelo, uma faca largada próxima a ela e o chão branco. Sua boca
já não estava rosada como antes, estava pálida. E sua pele... estava tão gelada que meu primeiro
impulso foi puxar o forro da mesa e a cobrir, para que ela não sentisse frio. Eu nem mesmo me
importei em derrubar todas as coisas que estavam ali.
— Tudo vai ficar bem meu amor, — foi a primeira coisa que eu disse em voz alta, ao segurar sua
mão, — eu estou aqui agora.
Coloquei seu corpo em meu colo para que ela não ficasse deitada no chão duro. Permaneci ali por
um tempo tentando me convencer de que ela estava apenas dormindo.
Esperei que ela acordasse.
Esperei pacientemente até que coloquei minha cabeça em seu peito, e descobri que não havia som
algum. E só então percebi que por isso tudo estava tão quieto. Seu coração já não batia mais. Ela
estava morta. Minha doce e amada esposa estava morta em meu colo.
E o que eu deveria fazer em seguida? O que eu deveria fazer quando eu estava com minha esposa,
aquela que eu jurei proteger e cuidar, morta em meus braços? O que eu podia fazer quando eu fui
incapaz de ver que ela estava tão infeliz a ponto de tirar a própria vida? Como eu podia continuar
existindo, quando eu não fui capaz de curar a dor da pessoa mais importante em minha vida? Era
possível? Porque se fosse, eu não sabia como.
Eu não sabia como me livrar daquele enorme buraco em meu interior. Eu não sabia como me livrar
do arrependimento de não ter prestado mais atenção nas coisas que a machucavam. Eu não sabia
como parar de desejar que tudo aquilo não fosse apenas um terrível pesadelo. Eu não sabia como
aceitar que não importava quanto dinheiro eu tivesse, não importava qual fosse o maldito nome da
minha família, não havia nada que eu pudesse fazer. Porque a morte é invencível. E mesmo eu
estivesse disposto a mover montanhas ou enfrentar exércitos, eu ainda não podia mudar as coisas.
Porque Hayden estava morta. E ponto final.
Eu sobressaltei sentindo seu sangue quente em minhas pernas. E decidi que se Hayden não iria mais
cozinhar, já não fazia sentido ter tantos pratos, louças e panelas. Eu quebrei tudo. Por que ter aquela
imensa geladeira, cheia de alimentos se ela não estaria mais ali para comê-los? Eu a esvaziei
arremessando cada coisa para fora e a derrubei no chão.
E a sala, por que todos aqueles móveis? Ela já não assistiria mais TV, portanto a peguei com minhas
próprias mãos e a atirei contra a parede. A estante, cheia de enfeites os quais ela gostava tanto... já
não existia mais motivos para continuar ali, então eu também a desmantelei. E eu não parei... não
parei até que absolutamente tudo em nossa casa estivesse destruído. Assim como meu coração.
Mas aquilo não mudou nada. Aquilo não me trouxe Hayden de volta.
Eu liguei para meu advogado e disse a ele que tínhamos sido assaltados. E que Hayden tinha sido
assassinada. E se alguém da família Sawyer diz que o céu é alaranjado, nosso dinheiro fará com que
as pessoas acreditem que o céu é alaranjado.
Após o funeral, decidi ir embora. Embora daquela casa, daquela cidade, daquele país. Eu queria
desaparecer, deixar tudo para trás. Especialmente minha família. Eu não conseguia suportar todos
aqueles olhares de pena. Só aumentavam minha culpa.
Coloquei uma pedra em nossa história e fingi que nada tinha acontecido. Arranjei uma identidade
falsa e me mudei para o Japão, do outro lado do mundo. Passei a morar em uma pocilga, tão suja e
fedorenta como minha alma. Eu passava todos os dias bebendo, me drogando e apostando. Cada uma
de minhas noites era ocupada com sexo sem significado, com mulheres tão vazias e tão perdidas
quanto eu. Eu nunca me permitia ficar sóbrio porque eu não conseguia lidar com a realidade. Atingi
um estado tão precário, que havia dias em que eu acordava dentro do meu próprio vômito, ou com as
roupas sujas de urina e fezes.
Eu nunca falava sobre minha verdadeira identidade com ninguém. E passei 5 anos vivendo aquela
vida. Como um indigente sem nenhum contato com minha família ou qualquer pessoa que me
lembrasse quem eu era de verdade.
Até que um dia, de alguma maneira recebi uma ligação do meu pai. Ele não me disse muitas palavras,
apenas me ofereceu uma proposta de emprego. CEO de uma das corporações Sawyer em Nova York.
O coração do mundo.
Minha primeira reação foi dizer que tinha sido engano e desligar o telefone. Pensei em me mudar
outra vez e arranjar outra identidade, ou talvez simplesmente fingir que havia sido um delírio.
Mas foi aí que algo aconteceu. Eu a vi. Em um canto do minúsculo cômodo em que eu morava, no
meio dos molambos que eu chamava de roupas, das embalagens vazias e das caixas sujas, lá estava
ela.
Hayden. Tão linda e brilhante.
Primeiro, achei que fosse efeito das drogas. Esfreguei meus olhos esperando que ela sumisse. Mas
ela continuou no mesmo lugar.
— Oh, Thommy — ela disse em um tom tão suave. — O que você se tornou?
Ah, como foi bom ouvir sua voz. Sua voz tão doce e meiga... sua voz dizendo meu nome. Eu me
levantei e tentei abraça-la, mas atingi a parede. Girei meu corpo e a avistei do outro lado do cômodo.
— Olhe para você, meu amor — Hayden voltou a falar. — Eu não te reconheço mais.
E então ela desapareceu para dar lugar a um espelho. Um espelho que surgiu do nada, me trazendo o
reflexo de um homem. Um homem que estava um lixo. Sórdido. A boca ressecada, olhos fundos e
bochechas ocas. Seu cabelo preto estava passando dos ombros. Tão sujo e embolado quanto a barba,
que chegava quase no peito. Os fios de ambos embaçados e sujos de restos de comida e bebida. Seu
corpo pálido, magricelo e desnutrido, era o reflexo do quão deteriorado estava seu espírito.
Um choque me acertou.
Aquele era eu.
Olhando para meu reflexo, eu não somente não me reconhecia, como também me senti envergonhado
por ter atingido aquele estado.
E ao lado daquela imagem moribunda, Hayden surgiu mais uma vez.
— Olhe ao redor, Thommy — ela sussurrou. — Olhe este lugar.
E eu olhei. E foi como se pela primeira vez, meu entorpecimento tivesse perdido o efeito, e a
capacidade de enxergar a realidade tivesse sido devolvida a mim. Só então me dei conta do quanto
aquele local fedia. Pela primeira vez me senti enjoado ao ver que o vaso sanitário literalmente
cuspia esgoto. A pia, que servia tanto para o banheiro quanto para a cozinha, estava entupida de ratos
e baratas. O piso engordurado e grudento era nojento, assim como os alimentos infestados de mofo
que estavam espalhados pelo colchão rasgado onde eu dormia. E o barulho. Beirava o infernal.
Buzinas, trens, vozes, risadas, música erótica, gritos.
— Você é melhor do que isso, Thommy — Hayden sussurrou outra vez. — Você é muito melhor do
que isso.
Arfei. O mundo ficou inerte.
— O que eu me tornei? — Arquejei.
Vozes que surgiam de algum lugar começaram a responder aquela pergunta.
— Você é um fracassado — era a voz do meu tio Jackson.
— Você é a desgraça da família — foi a vez de Edmund, meu outro tio disparar.
— Você é uma vergonha — avisaram meus primos em coro.
Enterrei meus dedos em meus cabelos e apertei minha cabeça com força. Fugindo daquelas vozes,
fugindo de tudo. Depois disso, as coisas tomaram um rumo estranho.
Retirei um pequeno pacote contendo um pó branco do meu bolso, e aspirei todo o conteúdo. E em um
minuto o quarto começou a girar rápido demais e tudo ficou embaçado. Eu caí no chão, com meu
corpo perdido em tremor e suor. Hayden surgiu mais uma vez, e acolheu minha cabeça em seu colo.
— Não escute a eles, Thommy — ela aconselhou. — Você é melhor que todos eles.
Tudo ficou preto.

CAPÍTULO 56

Acordei depois de três dias em um hospital, onde permaneci por mais quase 48 horas. Fui avisado de
que eu tinha sofrido uma overdose, e só não morri porque a porta estava aberta e um dos vizinhos me
encontrou convulsionando no chão.
Minhas mãos ossudas com cateteres grudados me fizeram refletir sobre o que eu tinha feito comigo
mesmo. Pensei em como eu precisei ter uma overdose para entender que eu não podia mais continuar
vivendo daquela forma. Fiquei ali estagnado observando o soro pingando até que uma pergunta vinda
do médico responsável por minha admissão foi feita:
— Você sabe quem você é, senhor?
E ao lado do médico, contra o reflexo das luzes da sala do hospital, Hayden me olhava com tanta
ternura. Ela abriu um sorriso iluminado para mim, como se estivesse tentando fazer com que eu
confirmasse o que já estava circundando em minhas reflexões. O sorriso dela fez com que eu
assentisse para o médico.
Sim, doutor. Eu sei quem eu sou. Eu sou Thomas Sawyer. E este não é meu lugar.
Menos de uma semana depois eu já estava em Nova York, pronto para assumir minha posição como
presidente da corporação Sawyer. Eu fiz acordos milionários com a imprensa de todo o mundo para
que retirassem quaisquer notícias que envolvessem meu nome. Havia um longo percurso a ser
percorrido por mim – tanto em termos de prestígio dentro dos negócios da família quanto em termos
de forma física, e evidências do meu passado não ajudariam em nada.
Eu estava determinado a me erguer e alcançar o patamar mais alto já existente relacionado ao nome
Sawyer.
Passei a ver meus pais e minha irmã uma vez por ano, para que eles não se intrometessem muito em
minha vida. Eles sempre insistiam que eu precisava de uma companheira, mas eles estavam
enganados. Eles não entendiam que eu já tinha alguém.
Não existem explicações científicas para isso, mas Hayden estava sempre ao meu lado. Ela me
convenceu de que eu não precisava encarar meus parentes. Ela me encorajava a levar meus treinos
físicos a sério e me alimentar corretamente, sempre me inspirava a ter excelentes ideias em minhas
negociações, me acalmava a noite até que eu dormisse. E o mais importante, ela segurou minha mão
em cada degrau que subi rumo ao topo.
Minha Hayden.
Aos 31 anos, eu estava no auge de minha carreira, morava em uma das coberturas mais luxuosas da
cidade, e saía com as mulheres mais exuberantes que Nova York tinha a oferecer. Hayden não se
importava. Pelo contrário, ela participava de minhas noites, tornando-as melhores ainda.
Mas houve uma mulher, no entanto, que Hayden pediu para que eu mantivesse distância. Talvez
porque ela era a mulher mais bonita que eu já tinha visto em toda minha vida.
Ava Beckett.
A primeira vez que a vi foi justamente na cobertura da empresa na qual eu era o diretor chefe. Em
uma manhã qualquer, ela simplesmente cruzou a porta que dava entrada a um local restrito, o qual
somente eu tinha acesso, e caminhou em passos rápidos até o parapeito. E então, ela congelou ali.
Totalmente absorta com a vista.
Ela nem sequer notou quando me aproximei dela. Foram necessárias três vezes a chamando para que
ela finalmente me ouvisse e se virasse para mim. Sua pele negra e lisa reluzia contra o sol pálido,
seus cabelos pretos como mortalhas de onixes estavam presos em um rabo de cavalo, deixando que
todos aqueles cachos recaíssem por detrás dos seus ombros. Seus olhos eram de um castanho
dourado lindo, se assemelhando a pedras de citrino e combinando perfeitamente com sua boca
carnuda e seu nariz afilado. Ela estava usando aquele uniforme verde-musgo horroroso da equipe de
limpeza, e ainda assim, estava adorável.
Trocamos algumas palavras naquele dia, poucas, mas o suficiente para que eu descobrisse que ela
tinha sofrido assédio. Menos de 30 minutos depois da nossa pequena conversa, o funcionário que
cometeu o crime foi demitido. E naquele mesmo dia, Hayden me deu o primeiro aviso de que não
tinha gostado da minha atitude. Ela disse que eu tinha me precipitado, e que Ava Beckett não merecia
minha atenção. Eu disse a Hayden que ela não precisava se preocupar, porque nunca mais teríamos
contato. Mas Ava voltou a me chamar atenção na festa de aniversário da empresa. Eu não quis saber
o que ela estava fazendo ali, não quando os funcionários da equipe de limpeza não tinham sido
convidados. Talvez ela estivesse acompanhando um dos homens que dividiam a mesa com ela. O
corpo dela naquele vestido vermelho era quase cruelmente sensual. Seios empinados, uma cintura
fina demais, quadril largo e bumbum farto.
Eu só consegui parar de olhar para ela quando Hayden ficou zangada por eu estar prestando atenção
justamente em Ava no meio de tantas outras pessoas. Especialmente quando a imprensa estava
aguardando por mim. E eu estava disposto a simplesmente não pensar nela, porque eu não queria que
nada chateasse Hayden. Mas era como se a vida estivesse disposta a colocar Ava Beckett em meu
caminho.
Ela se envolveu em uma tentativa de golpe contra minha empresa. Ava estava se relacionando com
outro funcionário, Tyler Griffin – quem planejou o roubo. Mas, alguns dias antes da tentativa, Adam
Neil – outro funcionário – me procurou e confessou sobre o roubo. E seria tão fácil acabar com a
vida de todos eles. Crianças, que achavam que conheciam minha própria empresa melhor do que eu.
Patéticos.
Ava entrou em minha sala como se existisse uma arma apontada para sua cabeça. Ela não queria fazer
aquilo, e isso estava claro como água. O senhor Neil tinha me dito que acreditava que ela tinha
concordado somente por pressão do homem que amava. Ou por desespero financeiro. E então ela fez
aquilo de novo. Ela congelou por alguns minutos. E depois desistiu. E naquele exato instante, quando
ela virou as costas para sair da minha sala, o convite de Amelia tilintou em meus pensamentos.
Ava era tão bonita.
Bonita o suficiente para que minha família fosse incapaz de me julgar. Se eu aparecesse no casamento
de Amelia com uma mulher daquelas, sua beleza notória desviaria a atenção de mim, fazendo com
que todos ali focassem apenas no fato de que eu não só tinha arranjado outra pessoa, como esta
pessoa era atraente demais. Com algumas roupas e joias específicas, não existiria nenhum homem
naquele casamento que não teria inveja de mim.
Mas ela não podia aparecer somente como minha acompanhante. Tinha que ser como minha esposa. A
mulher misteriosa que eu escondi todas as vezes que Amelia me fez todas aquelas perguntas. Ava
precisava de dinheiro. E considerando que eu tinha uma chantagem para manter aquilo em sigilo, a
ideia era perfeita.
Eu decidi ali mesmo – eu compareceria ao casamento de Amelia e Ava Beckett se passaria por minha
esposa.
Mesmo que fosse contra a vontade de Hayden de que eu me aproximasse dela.
Eu saí do meu elevador privado, e toda a cor fugiu do rosto dela. Seus lábios ficaram tão pálidos,
que eu precisei me esforçar para não a oferecer um pouco de água. Eu conversei com ela.
Inicialmente, mesmo com minhas ameaças, ela relutou em aceitar. Mas minha proposta era
irrecusável. E uma semana depois, estávamos naquele jato rumo a Austrália.
Ava era uma coisinha fascinante. Corajosa, esperta, sexy. E aquele sotaque dela. Era difícil manter a
concentração cada vez que ela abria a boca. E houve um momento em que ela estava com seu celular,
e sorriu para a tela. Um sorriso que fez sua pele cor de chocolate derretido brilhar, e seus olhos
ficaram tão iluminados. Foi a primeira vez depois de Hayden que o sorriso de uma mulher fez meu
coração esfriar. Por um momento, eu desejei que ela sorrisse daquela forma para mim. E quando ela
teve aquela crise de pânico, da mesma forma que Hayden costumava ter depois de ter perdido nosso
bebê, eu senti algo pesar em meu peito. Eu não queria vê-la sofrendo. Eu saí do meu assento, e tentei
acalmá-la. Quando Ava finalmente olhou em meus olhos, tão de perto, eu percebi três coisas.
Primeiro, seus olhos cor de amêndoa eram delineados pelo mesmo castanho-dourado do crepúsculo.
Segundo, ela tinha cheiro de amora com traços de orquídea. Terceiro, não seria nem um pouco difícil
fingir que eu era apaixonado por ela. Porque eu realmente poderia estar.

CAPÍTULO 57

Enquanto Ava Beckett se trocava no banheiro do jato, minutos antes da nossa aterrissagem, minha
Hayden não estava feliz. Ela olhou para a aliança em meu dedo com tanta tristeza, que meu coração
doeu. Eu tentei convencê-la de que ela não tinha motivos para se preocupar com a senhorita Beckett,
mas no momento em que Ava apareceu usando o vestido azul-pálido que eu comprei, eu me esqueci
do que estávamos conversando. E foi difícil retirar minhas mãos dela depois que coloquei o colar de
prata em seu pescoço, ou quando encaixei a aliança e o Oppenheimer em seu dedo. O diamante azul
que era mais caro do que a propriedade onde seria a recepção do casamento de Amelia. E ainda
assim, Ava parecia encantada com outra coisa.
Nos saímos bem no começo. A senhorita Beckett não só causou uma boa impressão diante dos meus
pais, como também soube se portar elegantemente durante sua apresentação aos meus parentes. E
naquele início, durante as primeiras horas em que ficamos naquela mansão como um casal, cheguei a
cogitar que realmente sairíamos dali sem que absolutamente ninguém descobrisse a verdade. Até que
os dias começaram a correr.
Ava era teimosa demais. Insolente demais. E ela claramente me detestava. Mas eu não conseguia
ocupar meus pensamentos com qualquer coisa que não fosse ela. Começamos a dividir pequenos
momentos que me fizeram esquecer que tudo aquilo era apenas fingimento. A primeira vez que
dançamos juntos. Quando apostamos corrida naquela praia. Quando eu toquei para ela. Quando ela
pareceu sentir ciúmes da irmã de Hayden. Quando eu a ensinei como manusear uma espingarda.
Quando ela ficou tão bêbada e desmaiou no meu colo, e eu precisei dar banho nela e ajudá-la a se
vestir. Cada pedacinho do corpo de Ava era um paraíso. Mas foi a primeira vez que uma mulher
estava nua em meus braços, e meu desejo de cuidar dela ofuscou qualquer outro tipo de desejo. E eu
percebi que eu estava começando a ter sentimentos por ela. Sentimentos que eu achei que estivessem
mortos para mim. De alguma forma, sempre que estávamos juntos eu me esquecia do meu passado.
Toda vez que ela sorria, era como se eu estivesse vivo depois de muitos anos apenas existindo.
Mas por outro lado, quanto mais nos aproximávamos, mais Hayden se esvaecia. Era como se as duas
não pudessem coexistir no mesmo ambiente. Ou como se Ava fosse um escudo para Hayden e eu. Mas
eu não sentia falta da minha esposa quando eu estava com a senhorita Beckett.
E estava tudo bem. Estava tudo bem até que uma tragédia quase aconteceu.
Houve este dia, em que Ava parecia tão infeliz, e eu não conseguia pensar em outro motivo que não
estivesse relacionado e mim. Em como nem sequer possuíamos um relacionamento de verdade e eu
estava sendo tóxico para ela assim como eu tinha sido para Hayden. Eu não suportava ver aquilo se
repetindo.
Existia esse lago com um cais, e eu passei algumas horas ali. Mas, quanto mais eu pensava, mais uma
sombra áspera envolvia meu peito. O vento começou a soprar mais forte. Gotas furiosas e geladas
começaram a cair. O céu estremecia em raios e trovões. O dia foi engolido por trevas. E ainda assim,
eu permaneci ali. E não me dei conta de como o lago estava enfurecido até que Hayden surgiu ao meu
lado. Ali, em pé no final daquela ponte. E ela estava com um olhar tão vazio.
— Você me abandonou, Thommy — Hayden disse em um tom baixo demais. — Por que você me
abandonou?
O vento rugia, as palmeiras se chacoalhavam, o lago se contorcia.
Balancei a cabeça em um sinal de não.
— Eu não te abandonei Hayden. — Falei com a voz embargada. — Eu amo você.
— Você era tudo para mim, Thommy. — Hayden retrucou, e seus olhos cor de oceano encontraram os
meus. Estavam tão apagados. — E agora eu não sou nada para você.
Minha garganta doeu. O vestido amarelo pálido que Hayden usava era o mesmo de quando eu a
encontrei sem vida na cozinha da nossa antiga casa. Ela era tão pequena, tão frágil. Tão delicada.
— Do que você está falando? — Indaguei tentando superar o nó em minha garganta. — Hayden, —
eu peguei suas mãos pequenas, — você sempre será a melhor coisa que já aconteceu em minha vida.
— Então venha comigo — Hayden pediu. Ela poderia estar apertando minhas mãos, mas eu não
podia senti-la. Seus olhos rodaram nas órbitas. — Venha ficar comigo.
Ela deu um passo para frente, e encarou as águas cinzentas e furiosas que se estendiam sob aquela
ponte. A chuva estava tão fria que quase doía.
— O que quer dizer com isso? — Murmurei.
Hayden abriu aquele sorriso tão iluminado. Ela podia ser um anjo. Minha esposa. O amor da minha
vida.
— Não importa, Thommy. — Ela disse. — Mas se ficar comigo, as coisas podem voltar a ser como
eram antes.
Eu dei um passo para frente também. E eu percebi que mais um passo, e cairíamos no lago.
— Do que está falando, Hayden? — Indaguei, e minha voz quase falhou. — As coisas nunca serão
como antes.
Aqueles olhos verdes azulados encontraram os meus outra vez. E ela se aproximou apenas para
colocar sua mão livre em meu rosto. Ela não tinha calor algum.
— Você está enganado Thommy — Hayden rebateu em um tom aveludado. — Venha comigo, e eu te
mostrarei como.
E então, ela soltou sua mão da minha e pulou no lago. Aquele mesmo rio enfurecido. Eu me dei um
minuto para pensar. Eu estava ficando louco? Porque eu confiava naquela projeção de Hayden. Eu
não sabia o que era, mas por anos ela tinha sido minha fiel companheira. Eu procurei por motivos,
mas e se ela tivesse razão? Se existisse uma chance de que as coisas pudessem voltar a ser como
eram antes, não valeria a pena arriscar? Quer dizer, o que eu tinha a perder?
Eu pulei no rio.
Tudo ficou inerte com o frio que retumbou em minha alma.
Havia este silêncio denso, quase um zumbido. Mas Hayden estava ali. Brilhando tanto, que nem
mesmo as águas escuras e agitadas como um chicote podiam me atingir. E eu desejei permanecer ali
com ela para sempre. Onde nada podia nos alcançar. Onde nada importava. Onde nossas mãos se
tocaram, e eu realmente a senti. Minha Hayden.
Mas algo aconteceu. Algo afundando na água, tão perto de mim. Algo leve o suficiente para ser
engolido pelo rio, e ao mesmo tempo, corpulento o suficiente para despertar minha atenção. E eu não
sei como, mas eu vi aquele corpo. Não apenas um corpo. Era o corpo de Ava Beckett. Justo Ava
Beckett, sendo devorada por aquelas águas furiosas.
Eu já não sabia o que era realidade e o que era ilusão da minha mente. Mas eu fiz menção de nadar
em sua direção, porque sua presença dentro daquele rio parecia ser tão real quanto a de Hayden. Mas
minha esposa, a mesma que ainda cintilava em luz dourada, bloqueou minha passagem. Eu tentei
contorna-la, mas ela me bloqueou outra vez. E fizemos isso de novo e de novo. Até que Hayden
colocou as duas mãos em meu rosto, impedindo que eu movimentasse minha cabeça. E então, ela
olhou em meus olhos. E eu apenas soube. Hayden queria que eu permanecesse com ela. Ela desejava
que fôssemos só nós dois, para sempre. E grande parte de mim queria isso também.
Mas, seu olhar também era um pedido. Hayden estava me pedindo que eu escolhesse entre ficar com
ela ou tentar salvar Ava Beckett. E toda escolha tem uma consequência. Naquele caso, o que Hayden
queria me dizer era que se eu escolhesse salvar Ava Beckett, eu nunca mais a veria. Minha doce e
linda Hayden.
Como eu poderia decidir? Nunca mais ver o amor da minha vida em troca de tentar salvar uma
mulher que eu conhecia há menos de um mês? Ou escolher Hayden e carregar eternamente a culpa de
ter permitido que mais uma vida inocente acabasse diante dos meus olhos? Uma vida que eu tinha
arrastado para meu inferno particular?
Hayden era o amor da minha vida. E eu tinha certeza de que nunca amaria outra mulher como a amei.
Ela era tudo. Ela era o sol em cada um dos meus dias cinzentos. Ela era perfeita. Mas, mesmo que eu
quisesse fingir que não, ela estava morta. Meu tempo com ela tinha acabado há mais de 10 anos atrás,
e eu precisava aceitar isso. Eu não sabia explicar como ela costumava aparecer para mim, muito
menos o quanto sua presença parecia ser de fato verídica. E me agarrar a ideia de que ela ainda
estava comigo me fazia tão bem, que eu não me importava em tentar entender o que de fato estava
acontecendo. Mas naquele momento, percebi que era hora de deixa-la ir. Hayden não era real. Mas
Ava Beckett era.
Eu nunca tive a oportunidade de me despedir dela, então fiz o melhor que pude. Ainda submerso
naquelas águas densas e frias, eu retirei suas mãos do meu rosto e lhe dei um último abraço, me
despedindo do que quer que fosse aquilo. Mesmo que fosse inaudível, eu disse adeus. E em um
segundo, ela desapareceu ali mesmo, dentro do meu abraço.
Mas não havia tempo para sentir mais nada. Nadei em direção ao corpo de Ava Beckett. No momento
em que a alcancei, tentei emergir o mais rápido possível, lutando contra a fúria da tempestade e do
rio. As águas rugiam contra mim, mas elas não conheciam a minha impetuosidade. Eu tiraria seu
corpo dali, custasse o que custar. A envolvi com meu braço esquerdo e usei tudo que eu tinha para
nadar apenas com meu braço direito, arrastando nós dois até a margem do rio. Quando finalmente
encontrei o raso e consegui ficar em pé, saí dali com ela em meus braços.
A tempestade era um castigo cortante, e eu mal conseguia respirar quando me ajoelhei no chão e me
debrucei sobre ela, tentando protege-la daquele temporal. Recuei o suficiente apenas para olhar para
seu rosto. Sua pele estava tão gélida. Seus lábios carnudos estavam rígidos e ela estava imóvel. Ela
estava inconsciente, e não estava respirando. Mas eu me obriguei a manter a calma. Sucumbir ao
desespero não me ajudaria. Inspirei. Deitei seu corpo na areia gelada, com as costas para baixo, e
iniciei um processo de respiração boca-a-boca. Apoiei as palmas das minhas mãos em seu peito,
empurrando para baixo com toda pressão possível. Era uma proporção de “30 para 2”. Depois de 30
compressões, duas respirações boca-a-boca. Após as primeiras trinta compressões, inclinei
suavemente sua cabeça para trás. Usei uma das mãos para segurar seu queixo e o levantei, e mantive
sua boca aberta usando meu polegar. Coloquei a outra mão em sua testa e apertei seu nariz com meu
dedo indicador e o polegar. Inspirei, cobri e selei sua boca com a minha, e soprei. Seu peito subiu
visivelmente quando respirei em sua boca e afundou novamente quando me afastei. Era um bom sinal.
Repeti tudo aquilo. Mas ela ainda estava desacordada.
— Acorde Beckett. — Eu pedi com a voz embargada.
Refiz todo o processo. Empurrando seu peito, soprando uma respiração contra sua boca. Nenhuma
reação dela. A chuva cortava. Respirar era difícil com meu peito subindo e descendo tão depressa. E
ela estava tão fria quanto gelo.
— Você não pode morrer, Ava.
Eu tentei outra vez. De novo e de novo. Mas era inútil. Ela não se movia.
Porra.
Por que seus olhos não se abriam? Por que ela não começava a me chamar de idiota, com aquele
sotaque pesado dela? Por que ela ainda permanecia imóvel?
Um choque me atingiu. Existia a possibilidade de que ela não acordasse.
Algo amargo subiu por minha garganta, e puro horror ocupou meu intestino.
Como pude permitir que aquilo pudesse ter acontecido?
Não, ela não podia morrer. Eu não podia perde-la também.
Iniciei outro processo de respiração boca-a-boca.
— Por favor Ava — sussurrei. E quase me debrucei sobre ela, sentindo aquelas lágrimas impostoras
em meu rosto. Encostei minha testa na dela e emendei, quase soprando sua boca: — Eu preciso de
você.
E uma batida do meu coração depois, ela reagiu. Ava começou a tossir vomitando aquela água. E
algo que estava muito apertado em meu peito se desfez quando ela abriu os olhos. Mas então, Ava me
explicou que tinha pulado no rio por causa minha. Porque ela achou que eu corria perigo.
Por que ela faria aquilo? Por que ela arriscaria sua segurança por alguém como eu? Ela não
conseguia perceber, que em hipótese alguma, eu merecia um gesto como aquele?
Ódio correu por minhas veias. Ódio por ter colocado a vida de Ava Beckett em perigo. E eu pensei
que eu deveria ter nascido com um aviso. Uma espécie de bilhete que alertasse o quão prejudicial eu
era na vida de quem se aproximava de mim. Algo que impedisse que pessoas se suicidassem ou se
afogassem depois de terem convivido comigo.
E quando retornamos para a mansão, encharcados e tremendo de frio, quando ela bateu a porta do
banheiro, eu colapsei. Eu não me permiti chorar em momento algum após a morte de Hayden, nem
mesmo em seu funeral ou quando eu recebia todos aqueles cartões de condolências. Reprimir o choro
nunca tinha sido um problema para mim. Não até aquela noite. Não depois de quase ter perdido Ava.
Então, eu encontrei outro cômodo qualquer daquela mansão e chorei. Chorei porque todas as
barreiras que eu tinha erguido quando perdi Hayden estavam desmoronando. Chorei porque todos
aqueles anos Hayden tinha sido minha ferida. E agora eu sabia muito bem quem era capaz de curá-la.
Quando eu a reencontrei naquela noite, sozinha na sacada do nosso quarto com olhos tão vazios, eu
desejei de verdade dizer a ela tudo aquilo. Mas as palavras fugiram de mim. Então eu a beijei. Um
beijo verdadeiro. Completamente diferente do simples encontro entre bocas sem a menor conexão
que eu costumava ter com outras mulheres. Eu beijei Ava Beckett com a intenção de me desculpar,
mas aquele beijo foi muito mais do que isso. Sentir seus lábios macios e doces roçando os meus foi
como apertar um botão que me desvinculou de quem eu era. Naquele momento não havia feridas,
acordos financeiros ou desentendimentos por motivos bobos, havia apenas um homem beijando uma
mulher. E aquele beijo fez com que eu duvidasse de tudo que eu acreditava saber. Fez uma pequena
fagulha de esperança ser acessa dentro de mim. Fez com que pela primeira vez eu não odiasse cada
fragmento de quem eu era. Pelo contrário, eu me senti grato por ser Thomas Sawyer. Porque Thomas
Sawyer estava beijando Ava Beckett.
Era ela.
Ava Beckett era a redenção que eu precisava.
E ela era incrível. Apesar de toda a sua petulância, ela era simplesmente incrível.
Incrível demais para que eu conseguisse manter minha palavra de não fazer sexo com ela.
Eu resisti fielmente, mesmo em todas as vezes que ela me provocou cinicamente. Mas no dia do
casamento de Amelia, ela ultrapassou todos os limites possíveis, começando pela roupa. Quando a vi
usando aquele vestido, eu congelei por um instante. Ela era estonteante. E eu estava perdidamente
rendido por aquela mulher.
E então, mesmo tentando me convencer usando todos os argumentos possíveis de que Ava e eu não
deveríamos fazer sexo, naquele dia foi impossível. Ela era como um imã atraindo cada molécula de
desejo que havia em mim. Eu queria tocá-la, cheirá-la, abraça-la, senti-la... penetrá-la. E quando ela
fez seu típico joguinho, tentando me fazer acreditar que eu tinha algo a prova-la, eu nem sequer me
dei ao trabalho de tentar vencê-la. Se estar com ela significasse perder uma competição, eu me
apossaria do título de perdedor com profunda satisfação.
Quando entrei no quarto e encontrei aquela mulher esperando por mim, eu decidi que eu treparia com
ela até que ela quisesse ser só minha. Mas, no final da noite, quando eu a tomei em meus braços
sentindo seu coração tão acelerado, sua respiração tão curta, sua pele tão quente, eu percebi que eu
já era dela há muito tempo. E acordar no dia seguinte com Ava ainda em meus braços foi como
encontrar meu caminho de volta para casa depois de muito tempo estando perdido. Eu podia ser eu
mesmo novamente. Ela não só despertava minha verdadeira essência, como parecia aceita-la. E isso
era tudo que eu precisava.
Com Ava ali aninhada em meu peito, eu acreditei que encerraríamos aquela viagem tendo conseguido
algo muito melhor do que o acordo inicial. Eu realmente acreditei que eu despertaria em mais manhãs
sentindo o cheiro de ameixa dos cabelos encaracolados ou da pele macia de Ava Beckett. Acreditei
que sua voz seria o primeiro som que eu ouviria no alvorecer, me fazendo questionar se eu ainda
estava sonhando. Pensei que seu sorriso iluminado e seus olhos castanho-amêndoa me desejariam
bom dia por muitos amanheceres.
Mas eu estava tão pateticamente enganado. Eu tinha me esquecido que nada daquilo era real. Eu tinha
me esquecido de que ela estava ali por dois motivos: para não ser acusada de uma tentativa de roubo
e por dinheiro. Mas quando eu li todas aquelas mensagens, eu me lembrei. E não foi fácil. Sua
opinião sobre mim era exatamente a mesma opinião de todas as pessoas que me levaram a alimentar
aquela farsa. Ela achava que eu era um pedaço de merda, para resumir. E talvez, apenas talvez, a pior
parte não foi ler aquelas mensagens em seu celular. Foi ter causado aquela impressão nela. Foi ter
cometido um engano tão gigantesco a ponto de achar que de alguma forma, eu a fizesse bem.
Eu.
Justo eu.
Thomas Sawyer.
Eu não a fazia bem.
E o melhor que eu podia fazer era deixa-la ir.

CAPÍTULO 58

— Foi real para mim. — Ela disse com a voz tão embargada. Os olhos afundados em lágrimas, os
lábios trêmulos, nenhuma maquiagem, os cabelos volumosos presos em um rabo de cavalo. Apenas
uma calça jeans azul e um suéter vermelho de lã. A mão esquerda que agora parecia tão nua sem o
Oppenheimer. Aquela joia que eu comprei por 56 milhões de dólares pouco antes de Hayden perder
nosso filho. O diamante azul porque eu já sabia que seria um menino. Tinha ficado esquecido por
anos em meu inventário particular. O anel perfeito para combinar com a vida fictícia que eu inventara
para comparecer ao casamento da minha irmã. Ava piscou com força, e seus olhos estavam tão tristes
quando ela emendou: — Eu me apaixonei por você, Thomas.
Eu fui para longe, muito longe de mim quando ela disse aquilo. Quando Ava disse o que eu deveria
ter dito primeiro para ela. E eu só percebi que eu não falei nenhuma palavra quando ela virou as
costas e entrou naquele elevador. Minha cobertura nunca pareceu tão grande, tão vazia. O silêncio
nunca foi tão estridente, e a bebida nunca foi tão amarga.
Desejei ir atrás dela. Mas um minuto depois, passos ressoaram nos degraus. O que era estranho,
porque eu estava sozinho em casa, eu tinha certeza que eu estava. Nenhum dos meus criados estavam
trabalhando naquele dia. Virei. E o copo quase caiu da minha mão quando vi Amelia descendo a
escada. Usando um sobretudo marfim e botas cor de pêssego.
— Você pode me explicar o que foi isso? — Ela perguntou quando nossos olhares se encontraram.
— Meu Deus, Amelia. — Bufei. — O que você está fazendo aqui?
Porra.
Eu não queria mesmo conversar com Amelia. Não quando ela deveria estar em sua lua de mel no
maldito Havaí. Não quando eu tinha me reunido com ela e com meus pais em um estúdio naquela
mansão na Austrália e contado toda a verdade sobre o matrimônio falso, e não ter esperado pelos
sermões. Não quando eu tinha deixado a propriedade menos de 30 minutos depois de Ava, em outro
jato particular, e passara 3 dias muito embriagado em algum hotel, ignorando cada telefonema dos
meus pais ou da minha irmã.
Minha irmã alcançou o último degrau e semicerrou os olhos para mim. Ela era tão parecida com
minha mãe. Os mesmos olhos cor de âmbar, os mesmos cabelos louros reluzentes como ouro.
— Eu vim até aqui colocar um pouco de juízo em sua cabeça. — Amelia anunciou estudando a sala
principal da minha cobertura. Os olhos percorreram as estantes, a adega, a maleta marrom sobre a
mesa de centro, o sofá de couro nobre. E então me alcançaram. — E pelo visto, você precisa de
muito mais do que imaginei.
Balancei minha cabeça em um sinal apressado de não.
— Como entrou aqui? — Questionei, e retirei minha mão livre do bolso. Estava ali desde a breve
visita de Ava.
Amelia encarou minha mão esquerda, deixando seu olhar na aliança gorda de ouro que ainda estava
em meu dedo anelar esquerdo. Eu tinha me acostumado com aquela aliança. E agora, parecia errado
retirá-la.
— Isso não importa, Thommy.
— É claro que importa. — Retruquei. — Eu pago um sistema de segurança muito caro para que
ninguém entre aqui sem minha permissão.
Ela estalou a língua no céu da boca e caminhou até o sofá. Os passos soando alto demais por causa
dos saltos em suas botas. O couro rangeu com Amelia reivindicando um lugar e girando seu torso
para encarar a vista.
— E eu sou Amelia Sawyer.
Claro. Eu já deveria saber que nenhum sistema de segurança impediria a filha do dono do prédio.
— Você não precisava vir até aqui. — Eu falei depois de entornar mais um gole da minha bebida.
— Eu não teria vindo se você se desse o trabalho de atender minhas ligações — ela rebateu com
escárnio.
Revirei os olhos caminhando até ela. Eu me sentei na mesa de centro de frente para ela, e nossos
olhares se encontraram outra vez. Empurrei aquela maleta que Ava recusara. 70 mil dólares. Eu tinha
acrescentado um bônus por causa de todas as regras que ela impôs e eu quebrei.
— O que você quer? — Indaguei sem desviar o olhar. — Gritar comigo e dizer que eu enlouqueci?
Amelia se inclinou em minha direção apenas para dar duas batidinhas de leve em minha bochecha
direita.
— Você está confundindo os papéis Thommy. — Ela disse com deboche. — Não sou eu quem grita
nessa família.
Pisquei com calma. Assenti apenas uma vez com a cabeça e bebi mais um gole. O último gole.
— Então o quê? — Ergui os ombros com desdém. — Você veio até minha casa para zombar da minha
vida?
Ela grunhiu uma risada. Fria, vazia.
— Você passa tanto tempo fugindo de nós, que se esqueceu que eu jamais faria isso. — Amelia
inspirou lentamente. — Eu vim até sua casa porque você fugiu como um covarde depois de contar a
verdade. Como você sempre faz.
Meu peito ardeu. Um suspiro áspero separou meus lábios, e Amelia ergueu o dedo indicador direito
pedindo por silêncio. Depositei aquele copo vazio sobre a mesa, obedecendo seu pedido.
— Se você tivesse esperado apenas um momento, apenas um minuto — Amelia enfatizou, — você
teria percebido que não estávamos bravos com você.
— Foi uma gigantesca mentira, Amelia. Eu menti para você e para toda nossa família em seu próprio
casamento.
— Sim, você mentiu — ela confirmou quase com desdém. — Mas e daí? Eu vi você nas últimas
semanas mais do que eu te vi nos últimos anos. Você tem ideia de como isso me fez feliz? — Ela
piscou com pressa. — De como fez nossos pais felizes?
Eu abri e fechei a boca para dizer alguma coisa. Não consegui. Amelia tomou minhas mãos em seu
colo, me fitando com seus olhos que eram tão dourados.
— Eu sinto sua falta, Thommy. — Ela falou com a voz embargada. Apertei suas mãos de volta. Eu
sentia falta dela também. Mas um segundo antes que eu pudesse falar aquilo, Amelia acrescentou: —
E foi tão bom te ver apaixonado de novo.
Rosnei. E retraí minhas mãos do seu colo.
— Eu não estou apaixonado.
Amelia estalou a língua com desprezo outra vez.
— É claro que está.
— É claro que não. — Disparei. E fuzilei seus olhos intrometidos. — Eu não estou apaixonado.
— Por que você não admite?
— Porque não tem nada para admitir. — Bufei. — Eu não estou apaixonado. Especialmente não por
Ava Beckett.
Amelia abriu um sorriso debochado.
— Sério?
— Sim.
— Thomas, olhe ao redor. — Amelia falou com um divertimento calmo e gesticulou mostrando a
sala. Minha sala. — Não tem ninguém aqui.
— Eu sei disso.
Fiz menção de me levantar para encher meu copo. Eu não conseguia ter aquela conversa sóbrio. Mas
Amelia segurou meu antebraço, com força demais.
— Então por que está mentindo para mim?
Estreitei meus olhos para ela. Minha cobertura estava tão quieta que nossas respirações manchavam
o silêncio.
— Eu não estou mentindo — declarei quase cerrando os dentes. — Você não faz a menor ideia de
como ela é teimosa e insolente. Ela é tão.... Irritante. Com aquele sotaque, com aquele
comportamento atrevido, com tudo.
Amelia pigarreou. Porra. Discutir com minha irmã era uma perca de tempo. Ela não pararia de
insistir até que eu dissesse o que ela queria ouvir. Que neste caso, era a verdade. Como na maioria
das vezes. Encarei o sofá de couro negro. Assim como cada detalhe na mobília daquela cobertura,
Hayden havia me ajudado a escolher. A mesma Hayden, que por causa de Ava Beckett já não
aparecia mais para mim.
— Está bem. — Expulsei sua mão do meu antebraço. — Ela não é irritante.
— E...?
Soltei um grunhido frustrado. Amelia ainda me fitava, insistindo silenciosamente para que eu
admitisse. Sacudi a cabeça em um sinal de não. E desejei mesmo estar com uma garrafa de Whisky
em meus dedos para poder culpar a bebida depois. Respondi:
— E eu não consigo parar de pensar nela.
Amelia escancarou um sorriso mostrando seus dentes.
— Eu sabia.
Revirei os olhos.
— Mas isso não importa. — Falei pesando o tom. — Nada disso importa.
— É claro que importa. — Amelia contrapôs devolvendo o tom. Eu encarei aquele sobretudo marfim
pálido que ela usava. O dia lá fora parecia frio. — Você precisa ir atrás dela e dizer como se sente.
Tossi uma risada. Não, eu não podia. Não depois da forma que eu tinha falado com ela. Não quando
eu tinha ficado em silêncio quando ela confessou que estava apaixonada por mim. Inspirei com calma
e me levantei. Amelia se reclinou no sofá para me assistir caminhando até o paredão de vidro. Nova
York se estendia em um dia cinzento e feio.
— Eu não posso. — Falei baixinho. — Não quando ela deixou bem claro o que acha de mim.
— Me deixe adivinhar... — Amelia cantarolou com deboche e se colocou de pé para me seguir. —
Ela disse coisas que você provavelmente mereceu ouvir?
— Uau, — assoviei com ironia, — agora você me magoou.
Minha irmã cruzou os braços sobre o peito e parou ao meu lado. Ambos encarávamos aquela cidade
se debruçando em arranha-céus e rodovias movimentadas que parecia tão apagada depois de todo o
verde vibrante da Austrália.
— Acho que no fundo, — Amelia supôs sem desviar o olhar da janela, — você só está procurando
um motivo para afastá-la porque é mais fácil para você tirá-la da sua vida do que lidar com seus
sentimentos.
Um sufoco reivindicou meu peito. E eu me perguntei se meu pescoço estava ficando mais largo, ou
minha gravata estava encolhendo.
— Amelia, por favor. — Pedi enquanto afrouxava minha gravata e inspirava com calma. A aliança
virou chumbo em minha mão. — Eu não quero falar sobre isso.
— Por que não Thomas? — Ela perguntou com uma paciência fria. — Por que sua esposa morreu?
Eu estremeci. O silêncio pesou por um minuto.
— Amelia, — eu disse por cima do aperto em minha garganta, — não faça isso.
— Não fazer o quê? — Minha irmã caçula rebateu rápido demais. Em um tom afiado demais. — Não
tocar nesse assunto? — Ela girou seu tronco para minha direção. — Por Deus do céu Thomas, já faz
dez anos.
Enxerguei tudo vermelho por um momento. E não percebi que tinha cerrado o punho e dado um soco
contra o vidro da janela até que a dor ricocheteou nos nós dos meus dedos. Amelia soltou uma risada
rouca enquanto eu retraía a mão e sacudia meus dedos.
— Este é o Thomas Sawyer que eu me lembro — ela anunciou com frieza. — O homem que eu nem
reconheço mais.
— Você não entende. — Rosnei. Meu peito começou a subir e descer com pressa.
— Então explique para mim. — Ela rosnou de volta, a respiração quase entrecortada. — Fale
comigo. Pare de agir como se você estivesse sozinho, porque você não está.
Eu não conseguia encará-la. Não quando eu sabia todo o julgamento que eu encontraria naqueles
olhos dourados. A filha perfeita. Aquela que tinha um caráter indiscutível. Que não precisava se
esconder atrás de bebidas ou falsos matrimônios. Que mesmo sem se esforçar, era muito melhor do
que seu irmão mais velho.
Memórias correram por minha mente. Hayden. Seu corpo sem vida no chão da cozinha. Nosso filho.
— Pare. — Eu pedi trincando os dentes.
— Você tem ideia de como foi difícil para nós? — Amelia insistiu. — Você a perdeu, e nós
perdemos você. Eu perdi você. — A voz dela tremeu, e isso doeu em mim. — Meu irmão mais velho,
meu melhor amigo, a minha pessoa preferida no mundo.
— Chega, Amelia.
— Ou o quê Thomas? — Ela inquiriu e se colocou em minha frente. Havia uma sombra naqueles
olhos amarelo-dourados. — Até quando vai fugir desse assunto?
Eu podia sentir as veias pulando em meu pescoço e meu rosto ardendo agora. Mas apertei meus olhos
e tentei pensar que aquela era minha irmã. Minha irmã mais nova. Eu não podia gritar com ela.
Mesmo que eu estivesse a um passo de explodir.
— Pare — arquejei.
Deveria ser aquilo. Deveria se o aviso de que ela estava indo longe demais, pisando em um território
que seria perigoso de se explorar. Mas aquela era Amelia Sawyer. Ela queria que eu explodisse.
Porque no fundo, ela me conhecia melhor do que ninguém.
— Eu não vou parar. — Ela avisou quase elevando a voz. — Eu sou sua maldita irmã, Thomas. —
Seus olhos rasgaram os meus. — E eu estou cansada de ver você afastando a todos.
Arfei. Apertei minha mandíbula tentando conter tudo aquilo dentro de mim. Mas as lembranças eram
fortes demais, se revoltando, se amotinando, conjurando contra mim. E aquela Amelia com a
respiração curta, clamando por uma explicação... ela nunca sairia dali enquanto não terminássemos
aquela conversa do jeito que ela queria. Eu inclinei minha cabeça em sua direção. Amelia era uma
florzinha delicada quando se olhava de longe. De perto, ela era uma leoa.
— Hayden se matou. — Eu confessei com um ódio gelado, que fez lágrimas molharem meus olhos.
— Hayden não foi assassinada, ela se matou.
Mas Amelia nem sequer desviou o olhar quando apenas inclinou o queixo e respondeu:
— Eu sei disso.
O peso do mundo recaiu sobre mim. Balbuciei mais do que uma vez antes de conseguir perguntar, em
um tom agudo demais:
— Você sabe disso?
Ela soltou uma risada fria. Cruel.
— Todo mundo sabe disso, Thomas.
Não. Não era possível. Cada gota de calor se esvaiu do meu corpo.
— Mas, — sussurrei, — eu paguei nossos advogados e o chefe da polícia local, e....
— Não importa quem você pagou, Thommy. — Minha irmã me cortou brutalmente. — Seu dinheiro é
o mesmo que o nosso, se lembra?
Cambaleei até cair sentado no sofá. Todos aqueles anos eu podia jurar que eu era o único a carregar
o peso da verdade. Então aquilo significava que, todo mundo sabia sobre o suicídio de Hayden?
Inclusive, meus pais? Eles sabiam que eu havia mentido sobre a morte de minha própria esposa?
O gosto de cinzas sobrepujou em minha garganta. Eu passei tantos anos evitando aquele assunto e me
convencendo de que eu nunca precisaria tocar nele, que eu simplesmente não sabia como me portar.
Diferentemente de quando contei para Ava, eu não tinha o controle das informações desta vez. Eu não
podia contar apenas as partes menos piores da história. Amelia sabia. E ela não era a única. Como
eu podia encarar aquilo?
Eu fiquei tanto tempo em silêncio, que Amelia caminhou até mim. Ela se sentou ao meu lado e deixou
uma respiração pesada escapar.
— Pelo menos agora você entende porque fui embora — murmurei.
— Não, eu não entendo. — Amelia murmurou de volta. E fungou. — Eu não entendo porque você
nunca nos deu a chance de entender. Você simplesmente desapareceu, Thomas. Por cinco anos.
— Eu precisava de tempo. — Confessei com a voz embargada demais. — Eu precisava de tempo
para processar o que tinha acontecido.
— Não — Amelia refutou. Com toda aquela frieza que poucas pessoas sabiam que ela podia
oferecer. — Você não desapareceu porque precisava de tempo. — Os dedos finos de suas mãos
correram por suas pernas. — Você desapareceu porque queria fugir da verdade.
— É só que, — pisquei tentando afastar a queimação, — eu não conseguia, sabe? Eu acho que no
fundo eu estava com medo de como vocês reagiriam se soubessem.
— Nós somos sua maldita família. Nós nunca teríamos julgado você. — Amelia fez uma longa pausa.
— Ninguém nunca te culpou por isso.
Abaixei a cabeça. Aquelas lágrimas silenciosas pingaram em minha calça escura.
— Eu não posso ir atrás de Ava Beckett — falei, e minha voz quase falhou. — Eu não posso destruir
a vida dela como eu destruí a de Hayden.
— Thomas, olhe para mim — Amelia pediu usando suas mãos para erguer meu rosto. Suas mãos tão
pequenas e macias. Seus olhos estavam molhados também. — Eu quero que preste muita atenção no
que eu irei dizer.
Assenti.
— Você não é responsável pelo aconteceu com Hayden — ela afirmou em um tom tão suave. — Não
foi sua culpa.
— Você não sabe disso Amelia — respondi com a garganta apertada, colocando minhas mãos por
cima das suas. — É claro que foi minha culpa. Ela estava tão infeliz e eu não fiz nada para ajudá-la.
— Oh, Thomas — minha irmã suspirou, e seus olhos giraram nas órbitas. — Você não percebe? —
Amelia estalou a cabeça para o lado. — Ela fez uma escolha.
— Eu era o marido dela, Amelia. Eu deveria ter prestado mais atenção em seu comportamento.
— Talvez sim, Thomas. — Amelia ergueu os ombros. — Ou talvez nada do que você pudesse ter
feito mudaria a decisão dela. — Minha irmã usou seus polegares para limpar minhas bochechas
molhadas. — O que importa é que isso está no passado e você não pode muda-lo. Você precisa se
perdoar.
— E como exatamente eu faço isso?
Ela abriu um sorriso que iluminou seus olhos.
— Você sabe já sabe a resposta, Thommy.

CAPÍTULO 59
Ava Beckett

Três semanas tinham se passado desde que eu retornara a Norshingan. Meus pais me acolheram de
braços abertos e não exigiram explicações. Eu acho que eles podiam reconhecer em meus olhos o
quanto eu desesperadoramente não queria falar sobre Nova York. Mas revê-los, rever Sophie e
Rufus, fez com que tudo aquilo parecesse apenas um pesadelo.
Um pesadelo que me causava azia ao pensar em Tyler. E me deixava com um vazio grande demais
sempre que eu pensava em Thomas. Seus olhos azuis, sempre carregados de sarcasmo. Seu sorriso
debochado. Seu tom de voz arrogante. Seu cheiro delicioso. Seu toque quente e macio. Como ele
tinha a capacidade de fazer o mundo inteiro desaparecer com sua simples presença.
Droga. Eu odiava sentir tanta falta daquele idiota.
E eu odiava ainda mais não poder buscar formas de consolação. Eu sabia que se eu saísse de casa eu
seria retalhada com olhares de julgamento. Olhares que esfregariam em minha cara o quão patética
era minha vida naquele momento. E eu realmente não precisava daquilo, não quando minha mente já
fazia todo o trabalho sozinha.
Desde que eu retornara a minha cidade natal, eu me restringia a ficar no quarto, banheiro e cozinha.
Eu passava o dia inteiro deitada em minha cama, dividindo biscoitos com Rufus e desabafando com
ele sobre como eu me sentia asquerosa. Eu precisava falar sobre aquilo com alguém e Rufus era o
melhor ouvinte da face da terra. Além disso, eu confiava cegamente nele para guardar meus segredos.
Quem melhor do que um cão para te ouvir e não te julgar?
Às únicas exceções a esta rotina eram quando meus pais queriam conferir se eu estava viva, ou
quando Sophie me visitava e tentava ler uma história para mim. Ela sempre começava a sentir sono e
me pedia para que eu terminasse de ler a história, e com isso ela adormecia em meu colo. Eu gostava
destes momentos, porque quando estávamos juntas o vazio que havia em meu peito de alguma forma
era preenchido, me dando esperanças de que algum dia, tudo fosse ficar bem.
Até este sábado em que meus pais saíram cedo de casa e levaram Sophie. Eles me disseram que
estavam indo visitar minha avó na cidade vizinha, e me convidaram para ir com eles. Mas meu ânimo
gritou contra. Eu só estava a fim de ficar o dia inteiro em minha cama, me atolando em sorvete e
cookies. Mas por volta das 14h a campainha começou a tocar. De novo e de novo. E eu realmente não
queria receber nenhuma visita. No início, eu fingi que não havia ninguém em casa e permaneci quieta
em meu quarto. Mas o barulho continuou por quase vinte minutos consecutivos. Como se quem quer
que fosse que estivesse naquela porta, soubesse que a casa não estava vazia.
Droga.
Praguejei de forma muito suja enquanto eu descia as escadas batendo os pés. Rufus choramingou e
saiu do caminho, porque eu estava rosnando de verdade quando abri aquela porta. E então, em um
segundo, o mundo parou de girar. Meu corpo inteiro formigou. E eu não conseguia respirar.
O que aquele homem, vestindo um terno impecável preto ônix, com o peitoral inflado e ombros
alinhados, estava fazendo na porta da minha casa em Norshingan?
Eu estava ficando louca? Aquilo era um delírio?
— Olá Ava Beckett. — Ele cumprimentou em um tom sensual, e sua voz pareceu muito real para
mim. — Você sempre demora tanto tempo assim para atender a porta?
Aqueles olhos azuis. Aquela pele cor de creme. O cabelo preto-azulado arrumado em um topete
úmido. As pessoas na rua não eram ninguém. As árvores, a calçada, o cimento... tudo era apenas um
filme em preto e branco.
— Thomas? — Sussurrei. E pisquei com força para ter certeza de que meus olhos não estavam me
enganando. — O que você está fazendo aqui?
— Eu adoraria te explicar — ele ronronou com aquela calma fria e linda, e deu um passo para frente.
— Mas eu posso entrar primeiro?
Seu calor vibrou em mim, e as palavras fugiram de mim como traidoras covardes. Assenti com a
cabeça. E quando ele passou por mim e seus passos ecos em minha casa, meu batimento cardíaco
estava explodindo em minha garganta, em minhas mãos, em minhas panturrilhas.
Fechei a porta e me virei para sua direção. Ele estava em pé, de costas para o sofá, parado a cerca
de quatro passos de distância de mim.
— É muito bom te ver novamente. — Ele disse quando nossos olhares se encontraram. E eu mal
podia sentir minhas pernas. — Como você está?
— Bem. — Minha voz não passou de um sussurro trêmulo. E procurei algum lugar para enfiar minhas
mãos, mas meu moletom não tinha bolsos. Tamborilei os dedos contra minhas coxas. — E você?
Rufus cruzou a sala balançando o rabo peludo demais, e Thomas o seguiu com o olhar, até que o
animal se sentou ao meu lado. Meu amigo canino querendo me proteger. Me proteger do lobo que
tinha partido meu coração, depois que eu parti o dele.
— Eu estou muito bem, obrigado. — Ele retrucou em um tom suave demais, e então seu olhar subiu
de Rufus para o meu. Ele acrescentou com um divertimento frio: — Bonito o seu cachorro.
Sim, Rufus era lindo. Era um vira-lata adorável. E eu tinha comentado sobre ele para Thomas
algumas vezes durante aquela viagem. Mas eu duvidava muito que aquele homem estivesse ali para
conhecer meu cachorro.
— O que você quer? — Perguntei com a voz trêmula.
Thomas inspirou e expirou com calma, e usou o polegar direito para desenhar seu lábio inferior. E eu
tentei não me lembrar do gosto da sua boca rosa mousse de morango. Não sei por que meu coração
doeu quando olhei para sua mão esquerda e enxerguei seu dedo anelar vazio.
— Eu estou aqui para te pedir um favor. — Thomas explicou por fim.
— O quê? — Arquejei.
Rufus soltou um grunhido preguiçoso e se deitou com a barriga para cima, rolando de um lado para o
outro. Thomas avançou um passo.
— Eu preciso de um favor seu. — Ele repetiu com uma calma gloriosa. — É por isso que estou aqui.
— Um favor. Inacreditável. Apertei os olhos com força, e fiquei tanto tempo sem dizer nada, que ele
emendou: — Eu preciso que você venha comigo até Nova York.
Recuei em um grunhido.
— O quê?
Thomas Sawyer deu mais um passo em minha direção. Rufus apenas estalava a cabeça de um lado
para o outro, tão alheio a ameaça que aquele homem era em minha vida. Ou talvez, apenas talvez,
meu cão só estivesse tão distraído consigo mesmo porque sabia que Thomas na verdade não estava
ali para me ferir. Pelo menos não fisicamente.
— Eu preciso que você venha comigo até Nova York. — Thomas reforçou mantendo o tom suave,
sem desviar o olhar. — Ainda hoje.
Pisquei com pressa. E algo ardente ondulou em meu estômago. Como ele podia fazer aquilo comigo?
Como ele podia aparecer na Inglaterra depois de tudo que tinha acontecido, em uma plena tarde de
sábado, me dizendo que precisava que eu fosse para Nova York com ele, como se fosse a coisa mais
normal do mundo?
— Você não pode fazer isso, Thomas — arfei, meus olhos ficando molhados. — Você não pode
simplesmente aparecer aqui me pedindo para ir até Nova York com você.
— Eu sei. — Ele respondeu antes de suspirar e enfiar as mãos nos bolsos da frente de sua calça,
deixando o colete marfim do seu paletó em evidência. — Ainda assim, é o que eu estou fazendo.
— Qual é o seu problema? — Bufei. Minha respiração se tornou curta. — Eu não posso ir para Nova
York com você.
— Por que não? — Ele perguntou ao dar mais um passo e nos deixar separados por uma distância de
20 centímetros. Então me avaliou com aquele olhar debochado e abriu um sorriso torto para
adicionar: — Eu duvido que tenha planos para hoje.
— Por que não? — Indaguei com escárnio, lutando contra o agudo em minha voz. — Talvez porque
fizemos uma viagem idiota onde compartilhamos momentos íntimos, você praticamente me expulsou
de lá e eu ainda fiz um imenso papel de tola ao me declarar para você!
Cada palavra que eu disse saiu um pouco mais alta, e roubou um pouco mais do meu fôlego. Rufus
choramingou ao meu lado, e abandonou sua brincadeira para se colocar entre Thomas e eu. Nós dois
olhamos para ele ao mesmo tempo, com aquele corpo peludo esfregando nas calças impecáveis de
Thomas.
— Eu sinto muito sobre isso. — Ele respondeu mantendo a voz baixa, e não parecia incomodado com
Rufus. — Mas se você for comigo, será a última vez que eu te pedirei algo. — Nossos olhares se
encontraram outra vez. Eu tinha me esquecido do peso daquele azul safira. E mesmo com meu
cachorro entre nós, Thomas retirou uma mão do seu bolso e arrumou uma mecha do meu cabelo.
Sentir seu toque fez uma lágrima rolar em minha bochecha. E sua voz era mais macia do que aquele
pijama de seda azul quando ele concluiu: — Você nunca mais vai precisar me ver outra vez depois
disso, Beckett. — Sua garganta oscilou. — Por favor.
Nunca mais o ver novamente? Eu não estava certa se era o que eu queria. Eu falei sério quando disse
que eu estava apaixonada por ele. Mas ele continuava ignorando aquele assunto, como se meus
sentimentos fossem insignificantes demais para sequer serem mencionados por ele. E se este fosse o
caso, não seria melhor que nunca mais nos víssemos? Meu coração já estava machucado demais por
causa de Tyler. Não era justo que eu permitisse que outro homem o fizesse de tapete.
— Está bem — sibilei. Cruzei meus braços na altura do peito e caminhei para longe dele, na direção
da escada. Rufus me seguiu. — Eu vou com você. Mas apenas se prometer que nunca mais nos
veremos.
E eu ainda estava de costas para ele quando escutei sua voz, sólida como um trovão responder:
— Eu prometo.
Algo desmoronou em meu peito. Como era possível que aquela resposta, que parecia ser a melhor
solução para nossa história, ao mesmo tempo pudesse ser tão dolorosa de se ouvir?
— Beckett? — Ele chamou em um tom sutil. Eu o encarei por cima do ombro, e meus olhos estavam
molhados demais. Thomas abriu um sorriso que não chegou até seus olhos e disse: — Eu preciso que
arrume seu cabelo e se maquie. O vestido que te aguarda não combina com seu estado atual.
Girei meu tronco outra vez e subi em passos largos os degraus, tentando afastar o choro. Entrei em
meu quarto e bati a porta com força atrás de mim. E me dei um minuto para chorar. Apenas um
minuto. Depois me dirigi ao banheiro, para tomar um banho e me arrumar conforme ele dissera. E eu
tentei me convencer de que aquilo era o que eu precisava. Excluí-lo da minha vida.
Mesmo quando no fundo dos meus ossos eu sabia que não era.
Mas talvez mentir para nós mesmos seja muito mais fácil do que nos bombardear com uma verdade
que não queremos aceitar.

CAPÍTULO 60

De todas as vezes que me peguei me perguntando o que eu estava fazendo da minha vida, aquela vez
em que eu me encontrava novamente no jato particular de Thomas Sawyer a caminho de Nova York
foi uma das mais confusas. Eu estava usando um vestido vermelho sangue com mangas compridas e
todo o busto composto por um tecido translúcido, bordado por detalhes que se assemelhavam a rosas
cobrindo a área dos meios seios. Era justo até a cintura, e possuía uma longa saia rodada de seda.
Brincos pesados de rubi adornavam minhas orelhas, assim como um fino colar de prata enfeitava meu
pescoço e anéis de ouro estavam encaixados em meus dedos.
E eu não fazia a menor ideia do que estávamos indo fazer. Tudo que eu conseguia imaginar, é que
provavelmente estaríamos indo a algum evento de gala a julgar pelo vestido que eu estava usando.
Foi quase cômico entrar naquele jato que nos aguardava em um pequeno campo a algumas ruas da
minha casa. O olhar arregalado das pessoas, os murmúrios, o jeito que Thomas caminhava com um
tédio majestoso ignorando cada um dos moradores intrometidos da minha cidade.
Eu imaginei que tivesse algo a ver com a história do casamento. Provavelmente algo tinha acontecido
depois que ele me mandou embora, e agora ele precisava da minha presença para concluir a história
do jeito dele. Mas e quanto a Heather? Ela sabia a verdade. Assim como Javier, eu supunha.
Droga.
Eu não estava nem um pouco a fim de revê-los. Nem eles, nem qualquer pessoa da família daquele
macho dos olhos azuis gelados que estava em seu assento lendo com calma demais um livro que
possuía um título em chinês. Duas horas já tinham corrido naquele jato. Duas horas sem nenhuma
palavra trocada.
Parte de mim queria interromper sua leitura e insistir para que ele me explicasse melhor o que eu
estava indo fazer em Nova York. Outra parte insistia que eu não deveria me preocupar em procurar
um assunto. O couro cor de marfim pálido do jato era tão impecável. As janelas de vidro estavam
fechadas, mas eu imaginei que agora aquele mar de nuvens rosadas escorria lá fora.
— Você pode parar? — Thomas indagou.
E eu me obriguei a encará-lo.
— Parar com o quê?
Thomas fechou seu livro e as páginas emitiram um estalo abafado quando se chocaram.
— Com esse barulho irritante.
Só então percebi que eu estava tamborilando alguma melodia com meus dedos contra o assento da
minha poltrona.
— Oh, me perdoe — cantarolei com deboche e bati os dedos com um pouco mais de pressa. — Isso
está te incomodando?
— O que você acha? — Ele murmurou com escárnio.
Eu acho que você é um babaca arrogante, é isso que eu acho. E também, que estou tão apaixonada
por você que posso sentir minha alma sendo corroída.
— Eu acho, — comecei a batucar com a minha outra mão também, sem desviar meu olhar do dele, —
que você deveria me dizer aonde estamos indo.
Thomas inspirou com calma. Em um segundo, ele estava expirando. No outro, ele estava quase
debruçado sobre mim, apertando meus pulsos contra os braços da poltrona. Joelhos contra joelhos,
os olhos azuis vibrando em alguma coisa a 15 centímetros dos meus.
— Você não confia em mim, Beckett? — Ele ronronou com deboche demais.
Estreitei meus olhos.
— Definitivamente não Sawyer. — Disparei. — Como eu poderia confiar em você?
Ele inclinou um pouco mais seu rosto, deixando que seu hálito fresco roçasse meu nariz.
— É uma pena — ele sussurrou. Seu cheiro estava tão forte. Doce. Ludibriante. — Mas eu gostaria
de saber o porquê.
Tentei mexer minhas mãos, mas Thomas era uma muralha. Desejei que o jato passasse por uma
turbulência apenas para que ele se desequilibrasse e caísse.
— Saber o quê, Sawyer? — Grunhi.
— Porque não confia em mim. — Ele respondeu em um tom baixo demais. — Eu acredito que nunca
te dei motivos para não o fazer.
Balancei minha cabeça em um leve sinal de não. E pensei que se eu empinasse um pouco mais o
queixo, eu poderia beijá-lo.
— Existem certas coisas que não podemos controlar — falei com a voz mais aguda do que eu
planejava. — Não faz o menor sentido, mas não significa que não esteja ali.
Thomas inclinou seu corpo um pouco mais para frente. Eu engoli em seco. Aqueles cinco centímetros
separando nossas bocas eram quase uma tortura.
— Você ainda está falando sobre confiança, Beckett?
Obviamente não, Thomas. Eu me refiro a minha desnecessária paixão platônica por você.
— Sobre o que mais seria? — Rosnei.
Ele olhou para meus lábios por um instante, e lambeu os dele. Não querer sua língua macia
explorando minha boca, explorando outras partes do meu corpo, foi um esforço que não consegui
fazer.
— Nada. — Ele falou abrindo um sorriso que não chegou até seus olhos. E então soltou meus pulsos
e retraiu seu corpo para trás. Pegou aquele livro largado na mesinha de centro, e se empoleirou outra
vez em seu assento. — Não poderia ser sobre mais nada.
Seus olhos encontraram as páginas do livro, e os meus procuraram qualquer coisa que não fosse seu
rosto perfeito. E eu senti cada pedacinho da minha alma sangrar. Eu tinha me esquecido de como
Thomas Sawyer era irritante e egocêntrico, e também, sobre como era difícil estar diante de alguém
que não correspondia seus sentimentos.
Mas eu não me permiti chorar. Não ali.

— Espere um minuto .... — Murmurei estagnada no primeiro degrau da escada do jato. Estávamos no
topo de um edifício. Um edifício gigantesco, com vista para toda SoHo. As trevas da noite lutavam
contra todas aquelas luzes vermelhas e douradas que recaíam sobre a cidade. O céu marejado por
estrelas de prata e uma lua dourada parecia tão perto. — Este é o seu prédio?
O vento gelado soprou meus cabelos presos em um coque trançado. Thomas estendeu a mão para
mim, e só então eu me lembrei de continuar descendo a escada. O zumbido das turbinas do jato ecoou
em meu estômago.
— Sim, Beckett. — Thomas confirmou quando nossas mãos se tocaram. Ignorei o arrepio gelado em
minha coluna. — Este é o meu prédio.
Eu não sei como eu não tinha percebido antes que a cobertura de Thomas Sawyer também possuía
uma área de aterrissagem para seu jato particular. Meus pés tocaram o piso de concreto, quase um
passo depois do x vermelho desenhado ali. Girei meu tronco para Thomas.
— Vai me dizer por que estamos aqui?
Ele abriu um meio sorriso. Meu coração disparou de verdade.
— Tem uma festa acontecendo em meu apartamento, — ele falou baixinho, usando a mão direita para
afastar um fio que tinha se desprendido do meu coque, — e eu preciso que você participe.
O bairro que se estendia abaixo demais era um barulho abafado que se perdia no vento.
— Ainda não deu um fim a toda a história de Katherine Sawyer?
Thomas apenas ergueu os ombros com desdém. Então soltou minha mão esquerda para retirar uma
venda de um bolso interno do seu paletó.
— Eu preciso que coloque isso — ele disse encarando meus olhos. O tom era inexpressivo demais.
— Faz parte do favor.
Enruguei a testa.
— Por quê? — Ronronei. — Você vai me assassinar?
Fazia sentido. Era uma forma de garantir o sigilo que ele tanto precisava. Talvez ele tivesse
assassinado Heather e Javier também. E qualquer outro que tivesse descoberto. Afastei os
pensamentos quando Thomas bufou uma risada. E então deixei que ele colocasse a venda em meus
olhos, e parei de respirar por um momento quando ele se posicionou tão perto de mim para apertar o
nó.
Ele colocou suas mãos em minha cintura e começou a me conduzir. Cada passo meu foi um exercício
de confiança e receio. E era difícil não ficar apalpando o ar, ou travar uma vez ou outra. Mas
avançamos e avançamos, talvez um pouco devagar demais, e estava tudo tão quieto. Sem música, sem
qualquer movimentação aparente. Tão silencioso que eu comecei a me perguntar que tipo de festa era
aquela. Que eu não só precisava chegar vendada, como também ninguém emitia ruído algum. Uma
porta rangeu, algo que parecia ser de vidro correu contra uma esquadria. E então, Thomas parou de
caminhar. Ele se colocou atrás de mim, e eu senti sua respiração se aproximar do meu ouvido direito.
Engoli em seco. Uma de suas mãos repousou em minha cintura, enquanto a outra segurou minha mão
esquerda.
— Você não entendeu ainda — Thomas sussurrou em meu ouvido. Eu me arrepiei de verdade. —
Esta noite não é sobre mim. — Suas duas mãos se soltaram do meu corpo apenas para subir até o
fundo da minha cabeça. — Esta noite é apenas sobre você, Ava Beckett.
E, uma batida do meu coração depois, a venda foi desamarrada. E eu não acreditei no que se estendia
diante dos meus olhos.
A sala de estar de Thomas Sawyer tinha se transformado em um salão perfeitamente decorado, onde
estavam expostas todas as minhas pinturas que eu jurava estarem abandonadas no porão da minha
casa em Norshingan. Além dos meus quadros, que tinham sido maravilhosamente restaurados e
organizados em molduras douradas e reluzentes, havia diversas pessoas usando trajes de gala,
olhando diretamente para mim. E no centro do salão, de alguma forma, estava Travis Mattison, ao
lado de dois outros pintores famosos.
Aquilo era real? O momento que eu tinha esperado toda minha vida, tinha finalmente se tornado
realidade?
Porque eu passei tanto tempo sonhando com aquilo, que agora que estava acontecendo, parecia ser
uma realidade totalmente abstrata. Era como se estivesse ali, mas ao mesmo tempo, estivesse distante
demais para que eu pudesse alcançar. Eu não conseguia me mover. Talvez porque eu nunca tivesse
acreditado que realmente aconteceria. Ou talvez porque parecia tão utópico, que era como se
existisse um precipício me separando de tudo aquilo. Eu mal podia respirar.
E quando meus olhos alcançaram um casal específico, quase irreconhecível por causa daqueles trajes
luxuosos, eu levei minha mão direita até minha boca. Eram meus pais, com os olhos inundados de
lágrimas, segurando as mãos de Sophie. Tateei o braço de Thomas até alcançar seu peito e me virei
para ele. Eu gostaria de pergunta-lo o que era aquilo, mas minha voz não conseguia atravessar minha
garganta e se transformar em uma onda sonora. E ainda assim, Thomas segurou minha mão direita em
seu peito e sorriu para mim.
— Senhoras e senhores — ele anunciou em voz alta, sem desviar o olhar do meu. — Eu lhes
apresento Ava Beckett, a artista responsável por todas as obras desta exibição.
A artista responsável por todas as obras desta exibição.
Lágrimas escorreram em meu rosto. E quando todas aquelas palmas explodiram, eu achei que meu
coração explodiria junto.
— Isto é para você, Beckett — Thomas falou baixinho, ainda encarando meus olhos. — É apenas
para você.
Mas eu não tinha palavras. Ou reação. Até que senti uma pequena mão tocar a minha. Aquela
mãozinha que era capaz de aquecer meu coração em meio a qualquer tempestade. Eu me afastei de
Thomas para pegar Sophie em meu colo, que usava um vestido rosa pálido, com uma saia bufante.
Ela me deu um abraço apertado e um doce beijo no rosto. As palmas cessaram, e as pessoas que
estavam ali começaram a conversar umas com as outras. Era um emaranhado de tamanhos e idades,
aparências e estilos.
— Não chore, Ava. — Sophie pediu com aquela vozinha meiga. E usou suas mãos pequenas para
limpar minhas bochechas. Seus sapatinhos roçaram a saia do meu vestido. — Tio Thomas disse que
você é uma pintora muito protetora.
— Promissora — Thomas corrigiu um segundo depois. E olhou para minha irmã em meu colo, com
os cabelos pretos cacheados escorrendo pelos ombros. Os olhinhos cor de amêndoa, iguais aos meus.
— E isto é uma ótima coisa, se lembra Sô Sô?
— Sô Sô? — Murmurei. E percebi que foi a primeira coisa que eu consegui falar. — Desde quando
vocês se conhecem?
— Desde alguns dias atrás. — Thomas explicou oscilando seu olhar entre minha irmã e eu. — Mas já
nos tornamos bons amigos, não é verdade?
Sophie assentiu.
— E não se preocupe pequenina — Thomas avisou mantendo o tom tão suave. — Estas lágrimas nos
olhos de sua irmã são de alegria. — Ele olhou para mim. O azul em seus olhos cintilava demais. —
Estou correto, Beckett?
Abri um pequeno sorriso para ele.
— Você está.
Thomas sorriu de volta e estendeu as mãos para minha irmã. Que realmente arqueou seu corpo para
ela com muita naturalidade. O que era estranho considerando que Sophie não gostava de ficar no colo
de qualquer pessoa.
— Me dê ela por um momento — ele pediu a tomando em seus braços fortes. — Você precisa falar
com seus convidados.
E foi só neste momento que eu acreditei que aquilo estava mesmo acontecendo. Porque nem em meus
melhores sonhos eu teria imaginado detalhes tão minuciosos e perfeitos, como Sophie interagindo
com Thomas Sawyer a ponto de estar tão confortável em seu colo.
Eu me afastei para conversar com meus pais. Eu não sabia qual dos dois derramava mais lágrimas.
Meu pai usava um terno azul meia noite, com uma gravata vermelha como meu vestido e sapatos
pretos de couro. Minha mãe usava um vestido dourado cintilante, justo, ressaltando todas aquelas
curvas que ela tinha. Seus cabelos cacheados, os mesmos cabelos que Sophie e eu herdamos, estava
preso em um coque desfiado do lado esquerdo de sua cabeça. Eu me afoguei no abraço que os dois
me ofereceram em conjunto. E eu duvidava que alguém pudesse se sentir mais especial do que eu me
senti naquele momento.
— Estamos tão orgulhosos de você, meu amor — minha mãe falou, comigo ainda dentro do abraço.
Sua voz doce sobrepondo todos os murmúrios dos convidados. — Você merece tanto.
— E isto é apenas o começo, Ava — meu pai completou.
Os afastei para que eu pudesse olhar para eles. Os olhos escuros como café do meu pai. Os olhos
verde-folha seca da minha mãe.
— Eu não entendo... — Confessei por cima do meu choro. — O que está acontecendo? — Apertei as
mãos da minha mãe, enquanto as mãos do meu pai repousavam em meus ombros. — Como vocês
conhecem Thomas Sawyer?
Minha mãe puxou minhas duas mãos para seu peito. E seus olhos brilharam tanto quando ela disse:
— Não tente entender querida, apenas viva esta noite.
Apenas viver aquela noite.
Foi exatamente o que eu fiz. Enquanto eu ainda falava com meus pais, Travis Mattison se dirigiu a
mim. Ele não só elogiou minhas pinturas, como me convidou para uma exibição em uma de suas
galerias. E os outros dois pintores, quase tão renomados quanto ele, me fizeram convites também. E
eu não sei dizer se me senti mais orgulhosa ao receber aqueles convites ou quando os convidados,
que eu nem sabia quem eram, se aproximavam de mim me tratando como se eu fosse alguém
importante. E como se não bastasse receber toda aquela atenção, as pessoas estavam comprando
meus quadros. E eu nem sequer sabia que eles estavam à venda.
Eu estava tão feliz. Era o melhor dia de toda a minha vida.
Assim como minha mãe tinha me dito, quando o momento que eu tanto sonhava chegasse, eu não me
lembraria de nada. Eu não me lembraria de nenhuma lágrima que eu tinha derramado por tristeza ou
frustração, muito menos de toda a angústia, sofrimento e agonia que vivenciei durante o caminho. Eu
não me recordaria de nada disso, porque o sabor da conquista seria mais marcante. E de fato foi. O
que eu senti ao ver todas aquelas pessoas admirando meus quadros, foi algo que eu ainda não
conhecia. Como se toda minha vida, eu tivesse existido apenas para viver aquela noite. Como se eu
fosse invisível e somente a partir dali eu pudesse ser vista. Como se tudo que eu fosse finalmente
fizesse sentido.
E por esta particular sensação, de enfim me sentir encaixada no mundo, eu teria vivido todos aqueles
dias de novo. Eu teria chorado, me sentiria afundada em fracasso e me martirizaria outra vez. Porque
naquela exibição, absolutamente tudo valeu a pena.

CAPÍTULO 61

No final da exposição, depois que o último convidado saiu, eu ainda estava flutuando por saber que
todos os meus quadros tinham recebido um destino porque as pessoas de fato gostaram das minhas
pinturas. Meus pais se despediram de mim com Sophie adormecida no colo do meu pai, e me
disseram que eles estavam hospedados em um hotel. O motorista de Thomas os levaria para que eles
pudessem passar a noite no local em questão, e retornariam para a Inglaterra na manhã seguinte. E eu
teria ido com eles, mas eu precisava conversar com Thomas. Ele tinha passado a noite inteira
sozinho, bebendo daquele copo de vidro na área externa da sua cobertura. Algo sobre não querer
roubar meu momento.
Eu cruzei as portas abertas. E me aproximei em passos silenciosos, com o vestido vermelho-rubi
ondulando diante de mim. A brisa fresca me envolveu, e a calma da madrugada se resumia em sons
abafados do trânsito ou alguns ruídos que vinham de muito longe. Thomas estava ali, com as mãos
fechadas atrás das costas, encarando a vista que se debruçava além do parapeito de concreto pálido.
Eu parei a cerca de um metro de distância. Todas as comodidades se estendendo atrás de nós – a
piscina, a banheira de hidromassagem, bar, cozinha ao ar livre, um deque elevado com um balcão de
madeira grossa e bancos de aço.
— Eu não entendo, Sawyer — falei em um tom baixo encarando a mesma direção que ele. A cidade
que se deixava engolir pelas estrelas do céu. — Por que você faria isso por mim?
— Você não aceitou o dinheiro — ele retrucou sem mudar a direção do seu olhar. — Eu comecei a
sentir que eu te devia algo.
Meu vestido farfalhou quando me movi para trocar de pé.
— Eu não acredito em você. — Rebati. — Eu não acho que você seja o tipo de homem que se sente
endividado.
Sawyer bufou uma risada.
— Você tem razão. — Ele ronronou. — Eu não sou.
Girei meu tronco para sua direção. Aquele lobo lindo que tinha feito aquilo por mim. Que tinha
proporcionado a melhor noite da minha vida.
— Por que? — Insisti.
Thomas virou seu corpo para mim também. Os olhos azuis tão cintilantes, mesmo que estivéssemos
apenas sob a luz do luar dourado.
— A noite em que você me contou sobre seu maior sonho ficou registrada em minha memória. — Ele
respondeu com calma demais. — E eu estava em sua cidade natal um dia desses, e resolvi investigar
se seu talento correspondia a pelo menos metade da paixão na qual você falava.
Mordi meu lábio inferior.
— O que estava fazendo em minha cidade natal?
— Negócios. — Ele confessou ao dar de ombros. — É tudo que eu faço, se lembra?
Negócios? Em Norshingan? A menos que ele estivesse comprando a cidade, eu duvidava muito que
aquilo fosse verdade.
— E como você conheceu meus pais? — Murmurei.
O olhar de Thomas percorreu aquele um metro que nos separava. E então alcançou o meu. Meu
estômago se contorceu em um nó gelado demais.
— Eu liguei para sua mãe. — Ele disse antes de usar seu polegar direito para coçar de leve seu
nariz. — Eu a contei que éramos amigos, e que eu gostaria de te fazer uma surpresa. Então ela me
convidou para ir até sua casa, e uma coisa levou a outra.
Bati meus cílios com pressa.
— Hoje não foi a primeira vez que esteve em minha casa?
Ele fez um gesto de não com a cabeça.
— Eu estive em sua casa outras duas vezes. — Não deixar meu queixo despencar foi um esforço. Eu
balbuciei exigindo por mais, e Thomas acrescentou com seu divertimento frio: — E foi simples você
não perceber, já que você estava trancafiada em seu quarto e não queria falar com ninguém.
Minhas bochechas arderam de verdade.
— Minha mãe precisava te contar isso.
— Não foi sua mãe. Foi minha mais nova amiga.
Revirei os olhos. Sophie traidora. Eu abri e fechei a boca. Não conseguir dizer o que eu pretendia.
— O restante foi bem simples. — Thommy emendou, deixando que suas mãos por fim recaíssem
pelas laterais do seu corpo. — Travis Mattison foi de grande ajuda no processo.
— Viu? — Retorqui com deboche. — Eu te disse que ele era um homem incrível.
Thomas estalou a língua com desprezo.
— Eu prefiro não comentar a respeito.
Orgulhoso.
Assenti. Eu queria falar tantas coisas, mas nada parecia ser o suficiente. Então tudo que eu disse foi:
— Obrigada.
Ele piscou com calma, abrindo um sorriso que não chegou até seus olhos.
— Pelo menos agora estamos quites. Você me fez um enorme favor naquela viagem.
Devolvi o mesmo sorriso. E aquele nó voltou para minha garganta.
— Eu sou muito boa como esposa de mentira — minha voz soou aguda demais. E eu esfreguei meu
peito afastando o aperto.
Aquele lobo deu três passos curtos em minha direção. Três passos que nos deixaram separados por
alguns meros centímetros. E quando suas mãos macias e quentes tocaram meu rosto, e eu empinei meu
queixo para encarar seus olhos que brilhavam tanto, eu achei que eu poderia me partir junto com meu
coração.
— Eu sinto muito pela forma que falei com você. — Ele disse com a voz embargada, e a crueza do
seu arrependimento obscureceu o azul em seus olhos. — Eu estava fazendo o que sempre faço quando
algo me assusta. Me afastando.
Balancei a cabeça.
— Está tudo bem — murmurei. E estava. É verdade que eu tinha ficado ofendida, e que doeu escutar
aquilo. Mas eu sabia que era apenas um dos seus mecanismos de defesa. E vê-lo reconhecendo
aquilo era o suficiente. Adicionei: — Está tudo bem de verdade.
Um sorriso cansado lampejou em seus lábios.
— Foi real para mim também, Ava, — ele sussurrou sem desviar o olhar, — e eu sinto muito por não
ter dito antes.
E então ele me beijou. Um beijo leve, gentil e carinhoso. Íntimo. Gostoso como a brisa fresca que
soprava minhas bochechas.
— O que fazemos agora, Thomas? — Eu perguntei baixinho, quase contra sua boca, quando nosso
beijo terminou.
Ele desceu as mãos até minha cintura e me puxou para mais perto dele. Eu enrolei meus braços contra
seu pescoço, deixando que minhas mãos sentissem sua nuca, seu cabelo suave.
— Exatamente agora?
— Sim.
— Eu tenho uma ideia — ele ronronou. — Que tal irmos em um encontro?
Deixei uma risada rouca escapar. Eu estava me referindo a nós dois. Toda história de Katherine
Sawyer. O fato de que eu morava na Inglaterra e ele morava em Nova York. Como pertencíamos a
dois mundos tão diferentes. Mas talvez... não precisávamos pensar em nada daquilo. Não naquele
momento.
— Um encontro a esta hora? — Murmurei, e espiei por um momento o bairro quase dormente abaixo
de nós. Voltei a encará-lo. Tão perto de mim. — Eu duvido que ainda tenha algum lugar decente
aberto.
Sawyer abriu um sorriso debochado.
— Não precisamos ir a lugar algum — ele explicou antes de subir uma mão até meu queixo. — Os
lugares podem vir até nós.
E com aquela mesma mão, Thomas movimentou meu rosto de forma que eu olhasse para a direção de
sua sala, onde há pouco tempo atrás estavam sendo exibidos meus quadros. Mas agora, a organização
dos móveis tinha mudado. Existia uma pequena mesa redonda com dois lugares no centro da sala,
com um forro vermelho e um castiçal dourado. Dois garçons posicionados ao lado da mesa, usando
uniformes brancos. E todas as luzes do ambiente baixas.
— Você é inacreditável — sussurrei.
Thomas girou meu rosto outra vez para ele.
— Eu sei. — Ele disse com uma arrogância dormente. E se afastou o suficiente para estender a mão
direita em minha direção. Meu lobo. — Ava Beckett, gostaria de jantar comigo?
Aceitei sua mão direita estendia.
— Sim, Thomas Sawyer.

O cheiro que atingiu minhas narinas me fez gemer como se anjos estivessem cozinhando. Thomas
puxou uma cadeira para mim, esperou que eu me ajeitasse e então contornou a pequena mesa para se
sentar de frente para mim. Havia uma música baixa, suave ressonando de algum lugar. Um dos
garçons nos saudou e perguntou o que gostaríamos de beber. E eu ri quando Thomas respondeu que
queríamos o melhor vinho da casa.
— Eu deveria ter pedido champanhe? — Thomas perguntou em um tom divertido quando os garçons
se afastaram da mesa.
Grunhi com desprezo.
— Não. Acho que estou enjoada de champanhe.
Ele arqueou as sobrancelhas para mim. O forro de seda que cobria a mesa era pouco mais escuro que
meu vestido.
— Eu não sabia que era possível enjoar de champanhe.
— É claro que é — retruquei com escárnio. — Especialmente quando se passa dez dias consecutivos
bebendo esta bebida em quase todas as refeições.
— Você sabe que havia outras bebidas, certo? — Ele rebateu com ainda mais escárnio. — E que
além disso, beber o champanhe não era obrigatório?
Revirei os olhos.
— Você é insuportável, sabia?
Thomas sorriu. Sorriu de verdade. E levou sua mão direita até a minha por cima da mesa.
— E você é linda.
Um sorriso bobo cresceu em meus lábios.
— O que posso dizer? — Entrelacei meus dedos nos dele. — Este vestido ajuda bastante.
— Acredite em mim, — pura malicia correu por seu rosto, — você fica ainda mais linda quando não
está usando roupa nenhuma.
Inclinei meu corpo em sua direção, e mordi meu lábio inferior. O castiçal dourado tremulou.
— Você está tentando me seduzir, Sawyer?
— Eu não sei, Beckett — ele ronronou abrindo aquele sorriso felino, e piscou um olho para mim. —
Está funcionando?
Eu abri a boca para responder que ele precisaria se esforçar um pouco mais, porém fomos sutilmente
interrompidos pelo garçom. Ele nos serviu com um vinho Domaine de la Romanee-Conti, que mais
tarde eu descobri que era tão caro quanto delicioso. Era quase como beber uma dose de prazer. Mas
a bebida, apesar de ser tão saborosa, não foi a estrela gastronômica da noite. E, um minuto depois
que o garçom anunciou que o Chefe iria nos servir e Thomas não me ofereceu nenhuma explicação
quando tentei investigar sobre aquilo, um senhor de aparência muito amigável surgiu na extremidade
da sala, vindo da cozinha. Ele usava roupas brancas – uma túnica, avental e chapéu de cozinheiro, e
caminhava pomposamente. Os dois garçons surgiram atrás dele, trazendo bandejas prateadas. E a
medida que o trio se aproximava, o cheiro se tornava ainda mais predominante. Um aroma quente,
cítrico, doce e salgado, que mudaria o humor de qualquer pessoa.
Thomas se levantou para receber o chefe, e mesmo que eu não soubesse quem era o senhor em
questão, eu me levantei também. Porque ele já tinha conquistado meu respeito somente pelo cheiro de
sua comida. Enquanto os garçons posicionavam os pratos na mesa, o cozinheiro saudou Thomas e
disse algo em francês. Sawyer respondeu no mesmo idioma, fazendo com que eu apenas sorrisse
amigavelmente por não entender nada do que eles estavam falando. Meu lobo disse algo que fez o
senhorzinho se virar para minha direção e estender sua mão. O Chefe falou algo em francês e sorriu.
— Eu sinto muito — murmurei, e apertei sua mão. Seus olhos eram azuis acinzentados. Rugas
forravam seu rosto rechonchudo e branco, e o nariz dele era envergado. — Eu não falo francês.
O Chefe contorceu o rosto. Thomas interviu e fez as devidas apresentações traduzindo o idioma para
nós dois. Aquele era o Chefe Raul Lohan, e ele estava encantado em me conhecer. Eu era adorável.
Dois minutos depois o senhor se retirou, após dizer a única coisa que compreendi dele naquela noite
–“Bon appetit”.
Thomas então gesticulou para que eu me sentasse, e voltou a reivindicar sua cadeira. Os dois garçons
já tinham desaparecido outra vez. A música que era ainda puramente instrumental se converteu na
melodia de La vie en rose. O vapor espiralava de uma panela metálica que estava no centro da mesa.
— Se lembra de quando fizemos um passeio de barco, — Thomas falou, deixando que seus olhos
admirassem o conteúdo da panela, — e eu te contei sobre minha comida preferida?
Balancei a cabeça. Como eu poderia me esquecer daquele passeio, se tinha sido um dos meus
momentos preferidos da viagem?
— Você me disse sobre uma sopa que comeu em Paris.
— Exatamente. — Sawyer confirmou quando seus olhos encontraram os meus. Agora eram azuis-
angelicais. — Eu queria que este jantar fosse especial para você. E por isso, convidei o Chefe
responsável pela sopa para cozinhar esta noite.
Grunhi uma risada.
— Você trouxe um chefe de Paris para cozinhar para você?
— Não, Ava. — Thomas disse meu nome com a voz mais suave que o vinho empoçado em nossas
taças, e estendeu um talher em minha direção como se estivesse me oferecendo. — Eu trouxe um
chefe de Paris para cozinhar para você.
Oh, céus. Não faça isso comigo Thomas. Eu realmente não sei como reagir.
Peguei o talher. Eu não tinha palavras de qualquer forma. Eu me servi com um punhado da sopa, e o
caldo dourado manchou meu prato de louça branca com bordas de prata. O cheiro foi como um anzol
repuxando minha cabeça para baixo. Inspirei o aroma, e decidi que eu queria me afogar naquele
prato. Enfiei uma colher na sopa, e provei. Eu podia jurar que escutei os anjos cantando. Foi como
degustar um pedaço de todas as coisas boas que havia no mundo, reunidas em apenas uma bocada.
Era tão cremosa que parecia um veludo comestível. E assim como Thomas tinha dito, era possível
sentir várias texturas e sabores de uma só vez em um perfeito equilíbrio, sem que nenhum
atrapalhasse o outro. O doce, o cítrico, o azedo, o amanteigado. Temperos que eu não conhecia, mas
que eu queria em cada uma das minhas refeições. O sabor era tão rico que eu queria morar dentro
daquela sopa. Eu queria que todo o meu corpo, não somente meu paladar, se saboreasse com aquela
comida.
— Meu. Deus. — Gemi. — Como algo pode ser tão delicioso?
Thomas sorriu expondo seus dentes brancos. E só então se serviu. E comemos tanta sopa, que quando
a sobremesa foi servida não conseguimos aceitar.

O relógio já acusava duas da madrugada quando nos sentamos naquele sofá de couro preto, ambos
usando as mãos para fazer círculos preguiçosos contra nossos estômagos. O chefe e os dois garçons
já tinham se retirado, e a cobertura agora se estendia apenas para nós dois. E enquanto os minutos
corriam deixando que toda a sopa se acentuasse, eu refleti sobre todas as coisas que eu queria dizer a
Thomas. Então, quando tudo estava organizado em meus pensamentos, eu girei meu tronco para ele.
Já estávamos próximos demais um do outro.
— Thomas, — eu falei despertando sua atenção para mim, — obrigada de verdade pela surpresa e
pelo jantar. Eu serei eternamente grata.
Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu levei meu dedo indicador até seus lábios,
pressionando de leve. Eu queria terminar antes que ele fizesse algum comentário que desviasse minha
concentração. Seus olhos azuis giraram nas órbitas, e seu peito subiu e desceu com calma. Ele
mordiscou de leve meu dedo. Prossegui, tentando manter a voz firme:
— E eu também gostaria de dizer que todas aquelas mensagens que você leu em meu celular, eram
coisas que eu achava antes de te conhecer melhor.
— E o que você acha de mim agora? — Ele murmurou contra meu dedo. Os olhos quase ficando
molhados. Seu corpo tão relaxado contra aquele sofá.
Empurrei meu bumbum para frente, para que pudéssemos ficar mais perto. Quase colados. O vestido
chilreando com cada movimento meu.
— Eu acho que você é o homem mais bonito que eu já conheci — confessei em um tom baixo, e levei
minha mão livre até sua bochecha esquerda. — Mas eu não estou falando do seu rosto ou do seu
corpo, que são magníficos a propósito. — Arranquei um riso sufocado dele nesta parte. — Eu estou
falando sobre o que você não permite que os outros vejam. Sobre como seu coração é lindo, Thomas.
A garganta daquele lobo oscilou. E ele inclinou seu corpo em minha direção, descansando sua testa
contra a minha. Deixei que minha outra mão alcançasse sua bochecha esquerda, e agora eu segurava
seu rosto com as duas mãos. E as dele encontraram as minhas.
— Se você realmente acha isso de mim, — ele falou baixinho também, e nossas respirações se
cruzaram, — então talvez seja justo que eu fale o que eu penso de você também.
Assenti. De alguma forma, eu soube que seu coração batia tão rápido quanto o meu.
— Você é como a chuva no deserto, Ava Beckett. — Thomas confessou com um carinho que me
partiu. — E depois que te conheci, percebi que eu estava lá há muito tempo, quase morrendo de sede.
Você fez muito mais do que mudar minha vida. Você a salvou.
Eu chorei. E Thomas beijou cada uma das minhas lágrimas, assim como eu tinha beijado as dele
naquela manhã. Pela primeira vez tudo parecia estar alinhado. Sem mentiras, níveis sociais, acordos
ou falsas identidades. Eu deixei que ele me conduzisse a seu massivo quarto – o quarto que podia ser
de um rei, com toda aquela mobília que poderia comprar minha casa inteira. Havia um piano preto,
outro bar exclusivo com todas aquelas garrafas de bebida organizadas em uma prateleira de vidro,
janelas, muitas janelas, um banheiro adjacente, e uma cama espaçosa e macia na qual fizemos amor.
Não de uma forma selvagem, tão pouco desesperada. Foi sem nenhuma pressa. Demorando em cada
beijo, em cada toque, em cada carícia. Deixando que nossas peles se sentissem, se respirassem, se
completassem. Meu coração estava seguro com Thomas.
Eu finalmente estava em paz, mergulhada na profunda certeza de que os melhores dias da minha vida
estavam por vir. Eu sabia que aquele homem deitado ao meu lado não pouparia esforços para me
fazer feliz, assim como eu sabia que havia uma carreira incrível de pintora esperando por mim.
E eu estava completamente pronta para viver isso.

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