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Nasci na cidade de Pelotas, no ano de 1919. Quando nasci, ainda eram sentidas as
grandes dores causadas pela Primeira Grande Guerra Mundial. Como Lord Byron, os povos
ainda se perguntavam por que tanto sofrimento por tão pouco. Era, também, o tempo em que
muitos aqui e lá fora ainda choravam as perdas de entes que aos milhares, senão aos milhões,
foram calcinados pelas terríveis febres da Gripe Espanhola.
Meu pai, a quem perdi em 1929, era um dos notários da cidade, às vezes tratado,
naquela época, por “tabelião de notas”, visto que fora este, na verdade, o antecessor do
notário. Daí por que a denominação reapareceria, de quando em vez, na memória do povo.
Fiz as primeiras letras no colégio de Dona Lucila Calero, de quem guardo as mais
afetuosas recordações, apesar de lembrar, ainda, as vezes em que ela me pôs de joelhos sobre
grãos de milho, por alguma travessura que tivesse feito.
Daí passei ao Ginásio Gonzaga, estabelecimento de ensino primário, mantido por uma
ordem religiosa católica, já então muito conceituado e procurado em razão da boa qualidade
do ensino que transmitia aos jovens; consta-me que ainda hoje é tão bom quanto antes.
*
Depoimento cedido por escrito em maio/2000.
De acordo com essa reforma, o estudante, antes de ingressar na universidade, deveria
passar pelo curso pré: eram três - o pré-jurídico, o pré-medico e o pré-técnico. Assim, quem
quisesse seguir a carreira jurídica, teria, antes, de cursar o pré-jurídico de dois anos.
Foi o que fiz. Como esses cursos só funcionassem, no começo da reforma, nas capitais
dos estados, vim frequentar o pré-juridico em Porto Alegre, malgrado as dificuldades próprias
de um moço nascido de família pobre. Minhas adversidades foram tanto maiores depois da
morte de meu pai, falecido ao redor dos cinquenta anos; enquanto ele viveu, a renda do
cartório bastava, ainda que mal, para que a família tivesse um padrão de vida parecido com o
da classe média inferior. Após sua morte, até esse pouco acabou, ficamos todos ao desamparo,
pois ainda não era tempo da previdência, nem das pensões. Não imagino o que seria de nós, se
acaso nos tivesse faltado a generosa assistência da vó materna, na companhia de quem fomos
morar e aos cuidados de quem nos foi possível continuar estudando.
Ali tive, também, a ventura de conhecer e conviver com jovens que já despontavam
como promissoras lideranças culturais, dentre os quais devo mencionar Galeno Lacerda e
Carlos Galves.
Ao fim dos dois anos de pré, regressei à minha cidade natal e cursei a Faculdade de
Direito, uma escola superior não-oficial, mantida pelo idealismo de grupo intelectual
empenhado em promover a interiorização do ensino universitário e corrigir, tanto quanto
possível, os males de sua concentração nas capitais, dentre eles o da elitização da cultura.
Vi-me obrigado a trabalhar à noite, até madrugada adentro, como revisor no jornal
“Diário Popular”, ainda hoje em circulação e o mais importante da metade sul do Estado. Pela
manhã, assegurava-me mais um pequeno ganho no emprego de locutor, em uma empresa
radiofônica conhecida na cidade por “Voz do Poste”, eis que seus alto-falantes estavam
instalados em postes de luz e árvores.
Uma vez diplomado, interessei-me por fazer carreira no Ministério Público. Por essa
época (década de 40), o sistema estatutário estadual previa os chamados “cargos interinos”,
nos quais se ingressava sem concurso, mas com obrigação de prestar o próximo que fosse
aberto sob pena de, não o fazendo ou sendo reprovado, ser exonerado.
Foi assim, desse modo, que me tornei Promotor de Justiça (ou Promotor Público,
como era denominado o cargo): interino de início; depois efetivo, por aprovação em concurso.
Comecei a ser Promotor na Comarca de Rosário. Ali, pela primeira vez, vi o direito
vivo, o direito saído das ideias para os fatos da vida.
Depois, subindo os degraus da carreira, passei por Pinheiro Machado, Jaguarão, São
Gabriel e por fim Dom Pedrito, numa ronda de onze anos pelo Interior do Estado, até que,
em 1957, vim promovido para esta Capital, tendo servido em Varas criminais, cíveis, de
família e falências.
Aí estive por três anos, talvez. Ao fim desse período, removi-me, atendendo ao apelo
da Presidência do Tribunal, para a Segunda Câmara Criminal, a cuja presidência cheguei e
mantive-me até me aposentar.
Antes, porém, eleito Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, sendo Presidente o
falecido Desembargador Bonorino Butelli, respondi duas ou três vezes pela Presidência da
Corte.
Não lembro bem em que época, o Pleno do Tribunal elegeu-me para representá-lo no
Tribunal Regional Eleitoral, onde fui Vice-Presidente e Corregedor, mais tarde seu Presidente
por quatro anos.
Ai está contada minha passagem pela Magistratura do Rio Grande do Sul; começou e
terminou simples, tão simples como comecei e como existo ainda hoje.